Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva

Gustavo Costa Nassif 1

RESUMO: Dentre as diversidades contemporâneas, enumera-se: o processo de globalização da economia, a internacionalização de mercados, o fluxo comunicacional e o trânsito de pessoas – e a mais complexa – é prever como será o futuro e a nova composição do mapa internacional. 

PALAVRA-CHAVE: Globalização; Estado-nacional; Direito Internacional 

ABSTRACT: Among the contemporary diversities, up lists: the process of economic globalization, the internationalization of markets, the communication flow and the movement of people – and more complex – is to predict what the future and the new composition of international map. 

KEYWORD: Globalization; National State; International Law 

ÁREA DE INTERESSE: Direito Internacional

1. INTRODUÇÃO 

O debate acerca das mudanças ocorridas no mundo a partir de 1945 tem se tornado o ponto central quando o tema refere-se às relações internacionais. Não se trata de uma mera percepção, mas se pode afirmar, com certa segurança, a transição para um ciclo histórico. As primeiras mudanças vieram com o período da descolonização dos continentes africano e asiático. Em pouco mais de duas décadas, os países europeus perderam seus domínios.

Por outro lado, os EUA tornaram-se a grande potência mundial, graças a sua política de crescimento capitalizada pela sequência de inúmeras guerras, muitas delas em curso ainda hoje. Após o período cinzento da Guerra Fria e da efervescência dos movimentos culturais mundo afora, as nações assistiram ao que parecia inimaginável: a queda do Muro de Berlim e a abertura política promovida pelos países da Cortina de Ferro. Praticamente todas as economias globais passaram a adotar o Sistema Capitalista baseado na economia de mercado. O estado de bem-estar social, no final do século XX, não suportou a voracidade do sistema neoliberal e desabou quase por completo.

O século XXI foi inaugurado de forma turbulenta e trouxe consigo a força das potências emergentes que nunca ocuparam um papel tão importante no cenário mundial, como agora. Destaca-se o denominado BRICs capitaneado pela China que, nas últimas três décadas, se tornou a segunda maior economia mundial. Seguem, no mesmo trilho, as economias de Brasil, Rússia, Índia e África do Sul que se apresentam no cenário mundial como forças não mais alijadas dos debates internacionais.

Dentre as diversidades contemporâneas, enumeramos: o processo de globalização da economia, a internacionalização de mercados, o fluxo comunicacional e o trânsito de pessoas – e a mais complexa – é prever como será o futuro e a nova composição do mapa internacional.

As economias dos EUA e do Japão ainda passam por uma zona de turbulência. Não menos preocupante é a situação dos países da União Europeia e da Zona do Euro. Grave é a situação econômica da Grécia, de Portugal, da Irlanda, da Espanha e da Itália desde 2008. A economia brasileira da sinais que não suportará tanta desconfiança dos mercados, especialmente depois dos escândalos generalizados de corrupção envolvendo governo, funcionários públicos e empresas.

Tanto os EUA como a Europa enfrentam problemas como o desemprego, a estagnação e a recessão econômica, além de outras tensões raciais e étnicas cujas causas são ainda muito mais complexas. É sobremodo importante assinalar que esta situação de gravidade advém de múltiplos fatores, dentre eles destacamos a irresponsabilidade política e a ineficiência dos governos, agravada pelo quadro de corrupção e pelo déficit democrático que deslegitima qualquer ação governamental em momentos de crise e aumenta a descrença popular. Mais do que isso, a crise política centra-se na subalternidade do discurso político frente a um discurso econômico que se tornou hegemônico, naturalizado e matematizado.

No oriente, as tensões nos países árabes revelam que as sociedades contemporâneas, independentemente de raça, ideologia ou religião, não mais suportam viver sob regimes autoritários e lutam contra o desemprego, a desigualdade, a violência e a corrupção que são garantidas pela tirania e pelos governos autoritários. A chamada Primavera Árabe se traduz na onda revolucionária, por intermédio de manifestações em todo Oriente Médio e norte da África, de resistência civil, que combina greves, passeatas, comícios e faz uso das mídias sociais para promover a interlocução e chamar atenção da comunidade internacional. Mesmo que para o mundo árabe liberdade e democracia possam ter conotações diferenciadas em relação ao ideal ocidental, verifica-se que estes povos buscam sua autodeterminação, por vez, distanciadas da repressão e da tirania, bem como condições de vida digna, em suas medidas.

Esta é a prova de que velho mundo possivelmente não resistirá. Pode não ser mansa e pacífica a questão, mas conciso o século XX foi a síntese de toda produção humana e, ao mesmo tempo, o passaporte para um novo mundo, ainda pouco conhecido. O novo parece emergir das reiteradas crises e tensões ocorridas nas décadas que cerraram as portas do último milênio. 

 

2 GLOBALIZAÇÃO SEM LIMITES E FRONTEIRAS

Pode-se dizer que não constitui uma empreitada sem custo ou esforço uma boa explicação sobre a temática da globalização. Mesmo porque são incomensuráveis seu limtes ou fronteiras. A abertura promovida por este fenômeno, sem precedentes na história, está infectado por uma complexidade a qual não se pretende descortinar. Primeiro porque suas ramificações não são passíveis de uma delimitação precisa, segundo, porque deve se ater apenas ao seu conteúdo identificável.

Convém lembrar, que a origem moderna da globalização nasce com a afirmação do capitalismo a partir do movimento renascentista que promoveu a expansão marítima e o processo de colonização fora do continente europeu. Seu desenvolvimento caminhou pelas revoluções burguesas dos séculos seguintes para assumir sua robustez na primeira década do segundo milênio.

Obviamente que, na medida em que este processo foi se aperfeiçoando , ele se mostrou mais evidenciado na interncionalização dos mercados de capitais, com a promoção de acordo inter-empresariais, mas também extendendo-se ao fluxo comunicacional e tecnológico, ao trânsito de mercadorias e pessoas com a consequente supressão das fronteiras, em um caminhar para além dos Estados-nacionais, e, que, progressivamente, vai afetando todas as relações, sejam elas econômicas, políticas, sociais, culturais, jurídica ou religiosas.

Boaventura de Souza Santos quando fala em globalização nos ensina que estamos diante de “um fenômeno multifacetado com dimensões econômicas, sociais, políticas, culturais, religiosas e jurídicas interligadas de um modo complexo.”  Muitos outros conceitos podem ser edificados para explicar a globalização e os problemas experimentados pela comunidade atual, que por sua vez é constituída quase que sem fronteiras.

Assim a globalização é um fenômeno que possui um caráter multidisciplinar e que precisa ser bem compreendido. Ela possui vários aspectos, dentre eles os econômicos, os políticos e os sócio-culturais que merecem ser apontados.

Habermas é enfático na utilização do conceito de globalização.

Utilizo o conceito de ‘globalização’ para a descrição de um processo, não de um estado final. Ele caracteriza a quantidade cada vez maior e a intensificação das relações de troca, de comunicação e de trânsito para além das fronteiras nacionais. […] hoje em dia a tecnologia dos satélites, a navegação aérea e a comunicação digital criaram redes mais amplas e densas.” (HABERMAS, 2001, p. 84)

Por meio da tecnologia a novidade da globalização consiste, portanto, em desafiar o tempo e o espaço na medida em que supera as restrições por eles impostas. É possível fazer cada vez mais e em menos tempo e assim progressivamente.

Na seara econômica a novidade trazida pela globalização em face da estagnação da economia foi a desregulametação dos mercados financeiros e a abertura do comércio mundial somado a uma nova organização do trabalho que introduziu modelos produtivos que economizam mão de obra ao mesmo tempo em que se almeja uma maior produtividade do trabalho. O mercado de trabalho também passou a apostar em uma forma de trabalho baseado na ampliação do conhecimento.

Essa liberação representou a prática da estra­tégia de atração de investimentos estrangeiros diretos ao mercado interno por agentes bancários ou não-bancários, de facilitação dos empréstimos estrangeiros a empresas domésticas, inclusive ao mercado de seguros, de desregulamentação para investimentos em portifólios no exterior e a con­sequente remessa dos lucros. O monetarismo e o liberalismo se tornaram os principais instrumentos de política económica.[…] A desregulamentação dos mercados pode consequentemente ser en­carada também como nova oportunidade de investimentos, muito bem-vinda aliás, diante do declínio da lucratividade do capital industrial. Haja vista que a desregulamentação propiciou a criação de novos mercados, uma nova fronteira de investimentos se abriu, que, posteriormente, se con­centrará fortemente nos mercados financeiros. A lucratividade conseguida através desse novo mercado só pôde ser alcançada exatamente pela desor­ganização do sistema financeiro internacional que levou à discrepância de taxas de juros nas diversas economias nacionais, de modo que o capital rentista pudesse buscar investir onde o mercado lhe garantisse maior retor­no e liquidez nas aplicações. (ROCHA, 2008, p. 90)

A desregumentação dos mercados passou também a seguir a lógica garantista, de viés tipicamente neoliberal, consubstanciada na condecendência com os operadores do mercado diante das incertezas da economia. Isso quer dizer que além de se submeter ao capital especulativo o sistema financeiro estatal passou a dar garantias contra eventuais oscilações.

Enfim, esse novo impulso da chamada globalização financeira pode ser resumido (1) na liberalização monetária e financeira; (2) na desinter-mediação; (3) e na abertura dos mercados financeiros nacionais. A abertura do mercado internacional representou dois processos conjugados de mu­danças, aquele relativo às barreiras internas e aquele outro que separava os mercados nacionais e externos. (ROCHA, 2008, p. 92).

A movimentação ilimitada de capitais especulativos, em face da abertura dos mercados financeiros nacionais passou a ser operada por meio de redes eletrônicas que simultaneamente promoveram uma fábula econômica virtual sem conexão com a economia real.

Cumpre examinar, ainda, que neste substrato tecnológico residem várias inovações industriais, militares e biomedicinais, assim como se renovam as formas de comunicação (ampliação das redes sociais), bem como os meios de transporte. Grandes oscilações são produzidas nos seios das sociedades contemporâneas quando recebem estas novas formas de vida. As influências globais sobre a vida individual compõem o principal tema da nova agenda, assim como as decisões individuais atingem de forma difusa a vida global.

Surgem vínculos para além das fronteiras que reivindicam novas formas regulamentares de coexistência. Ao mesmo tempo em que as relações entre o local e o global parecem contraditórias, também são indissociáveis. Isso de dá pela interconexão entre a presença e ausência com o passar de um feixe de luz. Até mesmo a noção de distância encontra-se mitigada nesta relação.

A globalização nas últimas décadas não seguiu o sentido de homogeneização e uniformização, mas sim a eliminação das fronteiras nacionais. Oportuno se torna dizer que, o Estado-nação vem perdendo paulatinamente sua capacidade de controlar ou mesmo coordenar sua economia em face da frenética especulação financeira. Neste ponto os governos tornaram-se impotentes para sozinhos solucionarem a questão.

Vale ratificar então, que são múltiplos os efeitos provocados pela globalização em relação ao Estado-nação. Registre-se, assim que a primeira delas revela sua incapacidade de lidar com os riscos que estão fora dos seus domínios. Não é mansa e pacífica a questão, mas o homem seria o grande desestabilizador da natureza e sua forma de vida estaria impactando profundamente o ciclo terreno. De uma forma ou de outra, é cediço que os Estado-nação não está preparado para sozinho lidar com tal desequilíbrio. Recentemente o mundo acompanhou dois tsunamis de proporções devastadores e outros terremotos como as mesmas dimensões.

No passado, como no presente a lida com a energia atômica entabula outro problema, especialmente em virtudes de acidentes como o de “Chernobyl”, “Césio 147” e a “Usina Nuclear de Fukushima”. Ao se deslocar o olhar e focalizar em outra direção deparar-se-á com outros problemas não menos graves, como por exemplo, o terrorismo internacional, o crime organizado, o tráfico de armas e drogas.

Revela-se, portanto, uma incapacidade do Estado-administrador lidar como o imponderável de um lado, e a falta recursos econômicos provocado pela mobilidade do capital e pela pressão fiscal promovida pela globalização de outro.

O processo que ameaça sair de controle não é mais apenas o processo social de desenvolvimento político e econômico, mas as próprias formas novas de processos naturais, desde catástrofes nucleares imprevisíveis até o aquecimento global e as conseqüências inimagináveis da manipulação biogenética. É possível ao menos imaginar qual seria o resultado inédito das experiências nanotecnológicas: novas formas de vida que se reproduziriam de forma descontrolada, como um câncer por exemplo?” (ZIZEK, 2011, p. 431). 

Verifica-se, assim a debilidade do Estado nacional10 conforme concebido desde Westfália para o enfrentamento da globalização. Há uma redução da centralidade do Estado tradicional, que com o aumento de interações entre fronteiras11, ampliaram-se as dificuldades de controle de pessoas, bens, idéias, informações e etc. A densidade da economia, da cultura, da ecologia, bem como seu entrelaçamento não mais se permite uma introspecção estato-nacional em face de uma afetação incontrolável.

Como se poder notar a globalização exige um repensar para além do Estado nacional. Em virtude dessa inevitável influência os regimes governamentais vêm se adaptando a essa nova realidade. Desde a criação da ONU e seus organismos12 que, em certa medida, os Estados nacionais vêm procurando compensar a sua limitada capacidade de ação em algumas áreas de atuação com outros organismos regionais, internacionais ou globais que sejam capazes de suprir essa demanda.

Cumpre examinarmos, neste passo que no final do século XX a intensa propensão das fronteiras do território nacional acaba por corroer a soberania. Essa corrosão impulsiona ainda mais a transferência de competências nacionais para outra esfera que se constitui para além do nacional. Ao se declarar a falência dos limites fronteiriços entre os Estados, de certa forma estaria implícita a desterritorialização em relação a uma economia internacional, às questões de natureza ecológica, comunicacionais, tecnológicas, dentre tantas outras influências.

Esta contingência global vem progressivamente adotando fórmulas para superar essa avalanche de complexidades em que os Estados nacionais se encontram. Assim, dentre as alternativas a união interestatal em comunidades econômicas e ou políticas, tal como a União Europeia13 e o Mercosul, revela-se como um antídoto para solução de problemas comuns, a fim garantir a paz entre e concretizar a promessa de bem-estar social a todos.

Registre-se, ainda, que a distribuição de poder na arena internacional espalha-se nos domínios das organizações internacionais, ONG’s, e diversos outro atores que interatuam mutuamente. Os Estados nacionais passam a manter relações com várias corporações transnacionais, com uma diversidade de grupos étnicos e em alguns casos com os indivíduos.14

“A crise que então se esboça engloba as organizações coletivas em geral, mas se manifesta de maneira particular na incapacidade demonstrada pelo Estado para resolver problemas substantivos, harmonizar políticas públicas e despertar consenso. A preocupação com o desempenho e a efetividade promove a realocação da autoridade em duas direções opostas, que encontram expressões ora nos grupos subnacionais, minorias étnicas, governos locais, grupos religiosos e lingüísticos, agremiação política e sindicatos, ora em coletividades mais abrangentes que transcendem as fronteiras nacionais: organização supranacionais, organização intergovernamentais e não governamentais, corporações transnacionais e associações dos mais diferentes tipos, que atuam em muitas partes do mundo. […] Surge, como diz Rosenau, paralelamente ao Estado um mundo Policêntrico de atores múltiplos e relativamente autônomos com estrutura, regras e procedimentos próprios de decisão. Os protagonistas deste novo policentrismo são as empresas globais, as minorias étnicas, os sindicatos e partidos políticos, as associações profissionais, as comunidades locais e regionais, além das organizações transfronteiriças, que reúnem membros espalhados em muitos países. O mundo estatal e o mundo policêntrico das organizações interagem continuamente, estabelecendo relações de cooperação e conflito.” (AMARAL JÚNIOR, 2011, p. 39)

Esses atores relativamente autônomos estão inscritos em uma rede informal de regulação, mas que dependem de um maior grau de legitimação. No âmbito do Estado nacional está legitimação se dá pela institucionalização dos procedimentos que viabilizam a formação da opinião e da vontade deliberativa dos cidadãos. Em meio a esta complexidade da ordem internacional a questão do déficit democrático é colocada em pauta. Não se pode olvidar a existência de múltiplas identidades nacionais de um lado e a grandes diferenciações trazidas pela globalização de outro. Este movimento altera os comportamentos locais em direção a uma ordem global multicultural, ampliando as dificuldades da integração e inclusão social.15

Esta relação do Estado nacional com estes novos atores múltiplos nem sempre são conciliáveis em virtude dos interesses que os movem. A título de exemplo, da mobilização estatal segue uma lógica cívico-política, enquanto os agentes transnacionais seguem uma lógica funcional-utilitária e os grupos com características próprias seguem a lógica etnocultural. Por isso a idéia de cidadania pode ser uma antítese à lógica etnocultural. Essa assertiva parece colocar em choque a cidadania com o substrato cultural em uma arena transnacionalizada.

Estes choques promovidos pelos impulsos da globalização vão desnaturando a noção Westfaliana de soberania. Neste caso, a globalização promove a des-nacionalização do Estado, que decorre da reorganização de suas capacidades, tanto territorial como administrativas; a des-estatização dos regimes políticos, alterando as funções originárias do Estado para funções de coordenar parcerias entre órgãos governamentais, para-governamentais e não governamentais; internacionalização do Estado nacional16, que tem raiz na maior atuação internacional do Estado, possibilitando que ele, sempre que necessário, adapte as condições internas às exigências transnacionais e extraterritoriais.17

“Isso pode ser mostrado hoje em dia nos desafios do multiculturalismo e da individualização. Ambos nos obrigam a abrir mão da simbiose do Estado constitucional com a nação como uma comunidade de origem, para que a solidariedade entre os cidadãos possa se renovar em um nível mais abstrato no sentido de um universalismo mais sensível às diferenças. A globalização pressiona do mesmo modo o Estado nacional a se abrir internamente para a pluralidade de modos de vida estrangeiros ou de novas culturas. Ao mesmo tempo ele limita de tal modo o âmbito de ação dos governos nacionais, que o Estado soberano também tem de se abrir para fora diante de administrações internacionais.” (HABERMAS, 2001, p.107)

A globalização desafia a capacidade humana de criar fórmulas para solucionar seus impactos. Uma crítica mais ácida deve também alimentar este debate. A força manipuladora empreendida na comunicação de massa aliena uma boa parte da população promovendo uma paralisia democrática, ou mesmo uma nova forma utilitária de participação, voltada apenas, para o consumo dos mais desejosos objetos. Paradoxalmente a era do capitalismo desenfreado com todo seu aparato comunicacional promove um entorpecimento do diálogo.18

Não se pode perder de vista o regozijo daqueles que celebram os benefícios da globalização, mas, convenha-se, nunca se presenciou tantas desigualdades sociais e econômicas entre os homens.

“Embora o discurso em favor da globalização insista na transparência, tornada possível pelas tecnologias, pela abertura de fronteiras e de mercados, pelo nivelamento do campo de jogo e a igualdade de oportunidades, nunca houve na história humana, em números absolutos, tantas desigualdades, tantos casos de desnutrição, de desastre ecológico ou de epidemias galopantes (pense, por exemplo na Aidis na África e nos milhões de pessoas que deixamos morrer e portanto, matamos!)” (DERRIDA, J, BARRADORI, 2004, p. 131)

Repousa-se nesta descrição o próprio questionamento do termo “globalização”. Ela se manifesta de forma tão diversas, desigual e excludente que uma grande parte da população mundial a desconhece. Não é de difícil detecção que com predomínio da economia de mercado, o desmantelamento do Estado de Bem Estar Social, a abreviação da área de atuação do governos e o endividamento dos Estados nacionais ela não chega a uma camada considerável da sociedade.

Se os abismos erigidos, os contrastes sociais, a pobreza, o isolamento dos indivíduos não podem ser solucionados pela globalização, a quem ela serve? A quem ela deve servir?

“A Globalização das comunicações, a Internet, a mídia alternativa, as TVs comunitárias, os jornais locais, as rádios comunitárias, enfim, toda uma gama de informação democrática alternativa que, uma vez organizadas em rede (e obviamente não me refiro, aqui, às falsas redes meramente produtoras de um conteúdo produzido por uma única fonte, mas a uma rede democrática sem centro, multiparadigmática, uma rede de comunicação entre diversas culturas que se unem em torno de princípios – e não conceitos – comuns), o mundo pode ser transformado em direção a um processo dialógico de construção permanente de uma grande democracia global.” (MAGALHÂES, Direito Constitucional – Tomo III, p. 22)

3 CONCLUSÃO

A globalização não é uma opção é um fato. Se ela não serve à humanidade, para quem serve? Assim, a questão que deve ser trazida à reflexão é qual a melhor maneira de globalizar a globalização no sentido de estendê-la a todos indistintamente. Talvez seja a hora e a grande oportunidade de re(e)levar este conceito para além do seu alcance tradicional, aproveitar seus benefícios em nome da liberdade e dos direitos humanos.

4.REFERÊNCIAS

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NOTAS DE FIM

1 Doutor e Mestre em Direito Público (PUC/MG) – Professor Titular do Curso de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.

2 Boaventura de Sousa Santos, Globalização e as Ciências Sociais, p. 26.

3 “discursos, conhecimento e modelos são transmitidos mais rapidamente. A democratização tem novas oportunidades. Os movimentos recentes pela democratização na Europa oriental devem grande parte, quase tudo, à televisão, à comunicação de modelos, normas imagens, produtos de informática e assim por diante. As instituições não-governamentais são mais numerosas e mais bem conhecidas.” (DERRIDA, J, BARRADORI, 2004, p. 133)

4 “A consciência do espaço e do tempo é afetada de um outro modo pelas técnicas de transmissão, armazenamento e elaboração de informações” (HABERMAS, p. 57)

5 “na ‘flexibilização’ das biografias dos empregos, esconde-se uma desregulamentação do mercado de trabalho que aumenta o risco de desemprego; na ‘individualização’ das histórias de vida revela uma mobilidade imposta que entra em conflito com ligações a longo prazo; e na ‘pluralização’ nas formas de vida reflete-se também o perigo da fragmentação de uma sociedade que perde sua coesão” ” (HABERMAS, p. 111)

6 Talvez o principal fator trabalhista nessa nova configuração seja mes­mo a característica das novas tecnologias de utilizarem mão-de-obra obri­gatoriamente qualificada para controlar a fase produtiva não-programável, o que efetivamente requer um nível educacional adequado dessa força de tra­balho que normalmente é renegado às classes mais pobres. Isso faz emergir impiedosa lógica circular, na qual a impossibilidade de conseguir trabalho os mantém mais isolados do contato com novas tecnologias, fazendo-os não encontrarem emprego porque não conhecem as novas tecnologias que de certa forma nunca conhecerão. (ROCHA, 2008, p. 101)

7 “Fala-se de algo como o movimento de investimentos decorrentes de capitais fictícios, ou seja, ativos financeiros negociáveis que têm seu valor relacionado muito mais diretamente com a situação do mercado do que com as vicissitudes do risco industrial. Essas atividades proliferam à margem da esfera produtiva e se apoiam muitas das vezes em produtos imagens.[…] Parece enfim que o mercado financeiro é algo estéril, pois sua ativi­dade é basicamente o resultado da competição, no plano mundial, entre os agentes financeiros que tentam tirar a melhor vantagem comparativa.[…] Isso se dá dentro do jogo financeiro que não cria nada, é ex nihil, pois é um adiantamento de rendimento futuro que enfim não se ancora senão em projeções especulativas. E o dinheiro que se valoriza em si mesmo, sem a mediação de processos produtivos e de comercialização de mercadorias.” (ROCHA, 2008, p. 96).

8 “A experiência global da modernidade está interligada, e influencia, sendo por ela influenciada – à penetração das instituições modernas nos acontecimentos da vida cotidiana. Não apenas a comunidade local, mas as características íntimas da vida pessoal e do eu tornaram-se interligadas a relações de indefinida extensão no tempo e no espaço.” (GIDDENS, p. 77)

9 “Ao explorar os recursos naturais, nós tomamos emprestado do futuro, de modo que deveríamos começar a tratar a Terra com respeito, como algo que, em última análise, é sagrado, algo que não deveria ser totalmente desvelado, que deveria permanecer e deverá para sempre um mistério, um poder que devemos confiar e não dominar. Apesar de não termos domínio total sobre nossa biosfera, infelizmente está sob nosso poder desarranjá-la perturbar seu equilíbrio, enloquecendo-a, e acabando com nós mesmos processo.” (ZIZEK, 2011, p. 434)

10 “O mundo estatal é constituído, segundo este modelo, de Estados nacionais que atuam como atores independentes que tomam decisões mais ou menos racionais – segundo as preferências no sentido da manutenção do poder da sua expansão – em meio a uma vizinhança anárquica. […] Apesar de a soberania e o monopólio da violência da autoridade pública terem permanecido formalmente intactos, a crescente interdependência da sociedade mundial coloca em questão a premissa segundo a qual a política nacional – de um modo geral ainda territorial, nos limites dos domínios do Estado – pode ser conciliada com o destino efetivo da sociedade nacional.” (HABERMAS, 2001, p. 89)

11 “Na realidade, nessa refundação do Estado, a soberania estatal viu-se enfraquecida e subvertida, pois a própria fragmentação da Ação política estatal (politics) em múltiplas políticas públicas (policies) implicou fragilidade da representação política e valorização da razão instrumental. […] Assim, a diluição da soberania, em favor da global governance, decorreu tanto da delegação de competências para as instituições supranacionais visando a construção do Estado-comunidade, quanto para as corporações multinacionais economicamente poderosas, que se envolvem no exercício do poder, sem legitimidade, e não se submetendo as responsabilidades usuais dos órgãos do Estado.” (SOARES, 2011 p.319)

12 “Evidentemente, a política de poder [Machtpolitik] clássica é não apenas conectada de modo normativo às regulamentações da ONU, mas também é dissimulada de modo mais efetivo com o uso do soft Power” (HABERMAS, 2001, p. 91)

13 “Nesse contexto de discussão sobre os limites soberanos dos Estados diante da negociação de sua participação em projeto tão arrojado, como Maastricht se mostrava ser, vários países, principalmente Alemanha, Espa­nha. França e Portugal, questionaram suas Cortes Constitucionais acerca da receptividade do TUE perante as constituições nacionais. Em outras palavras, indagava-se a possibilidade de compatibilização do direito cons­titucional nacional com o comunitário.” (ROCHA, 2008, p. 131)

14 A emancipação do indivíduo talvez seja inversamente proporcional à sua capacidade processual na jurisdição internacional. O Direito Internacional ainda é fortemente interestatal, e sobra muito pouco espaço ao indivíduo como sujeito de direitos.

15 “Inclusão quer dizer que a coletividade política permanece aberta para abarcar os cidadãos de qualquer origem sem fechar [einschiessen] esse outro na uniformidade de uma nação [Volksgemeinschaft] homogênea” (HABERMAS, 2001, p. 94).

16 “Mesmo com o atual enfraquecimento do Estado Nacional, este ainda é importante no sistema globalizado para reagir a qualquer tentativa de mudança fora dos limites estabelecidos, agora, pelo grande capital globalizado, conservando o modelo existente e seus interesses e sistema de privilégios” (MAGALHÃES, 2008, p. 50)

17 “A conclusão foi em uníssono. Os Estados nacionais, apesar de tran-sacionarem parcela de sua soberania para permitir maior cooperação co­munitária, ainda se relacionavam com a própria UE por relações de direito internacional. Por consequência, ainda eram senhores de suas decisões quanto ao aprofundamento da integração e mesmo ao desejo de modificar suas constituições para dar validade ao TUE. Os Estados continuavam, por fim, sendo os referenciais básicos nas decisões sobre os domínios fun­damentais da vida em sociedade, o que habitualmente conhecemos por independência.” (ROCHA, 2008, p. 133)

18 “Com todas as vítimas da suposta globalização, o diálogo (ao mesmo tempo verbal e pacífico) não está ocorrendo. O recurso à pior violência é assim freqüentemente apresentado como a ‘única’ resposta a ‘ouvidos surdos’ […] Deste ponto de vista a globalização não está acontecendo. É um simulacro, um artifício retórico ou arma que dissimula um desequilíbrio crescente, uma nova opacidade, uma não comunicação prolixa e hipermidiatizada, um tremendo acumulo de riquezas, meios de produção, teletecnologias e armas militares sofisticadas – e a apropriação de todos esses poderes por um pequeno número de estados ou corporações internacionais.” (DERRIDA, J, BARRADORI, 2004, p. 132)