Taynara Alves1
Orientadora: Núbia Elizabette de Paula2
RESUMO: O presente artigo visa analisar os artigos 8º e 16º da Lei 11.079/04, com o objetivo de entender o que são as Parcerias Público Privadas, no que consiste seu Fundo Garantidor, e se este Fundo é constitucional ou não, através de uma análise dos artigos 100º e 165º, inciso 9º da CR/88.
PALAVRAS-CHAVE: Parceria Público-Privada; Fundo Garantidor; Constitucionalidade; Regime de Precatórios; Sistema de garantias.
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Histórico da legislação sobre o tema; 3. Do fundo garantidor nas PPP’s; 3.1. Conceito/Natureza Jurídica; 3.2. Do tratamento constitucional; 3.3 Do cabimento e processamento; 4. Das Parcerias Público-Privadas; 4.1 Conceito/natureza jurídica; 5. Da arguição sobre a constitucionalidade do fundo garantidor; 5.1. O fundo garantidor e os princípios constitucionais; 5.2. Do posicionamento doutrinário; 5.2.1. Pela inconstitucionalidade do fundo garantidor; 5.2.2. Pela constitucionalidade do fundo garantidor; 5.3. Do parecer; Referências.
Área de Interesse: Direito Administrativo
1 INTRODUÇÃO
Uma parceria público privada nada mais é, que uma espécie de contrato de concessão de serviço ou obra pública criada através da Lei 11.079/2004, que pode ocorrer em duas espécies diferentes, sendo elas a concessão patrocinada e a concessão administrativa3, com o intuito de ser mais uma forma pela qual a Administração Pública pode realizar a delegação de serviços que visam o interesse público, os quais ela sozinha não conseguiria realizar.
No momento em que o legislativo brasileiro criou um marco regulatório voltado especificamente para a contratação de PPP, isso foi realizado com perspectiva de que o governo obtenha receitas de novas fontes, uma vez que esse objetivo não seria possível se fosse apenas adotado o método tradicional de oferta de serviços dentro dos estritos parâmetros da legislação que regula as licitações e concessões (Leis 8.666/1993 e 8.987/1995 entre outras).
O instituto da PPP permite utilizar modalidade inovadora de colaboração entre os setores público e privado, estabelecendo diferentes relações na divisão dos investimentos, riscos, responsabilidades e ganhos, para viabilizar projetos de infra-estrutura e a prestação de serviços de interesse.
Interessante é frisar que, em relação as responsabilidades, elas podem se dar de diferentes maneiras, vez que, a concessão patrocinada envolve uma tarifa cobrada aos usuários, e também uma contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado na prestação de serviços públicos ou obras públicas prestados diretamente ao público, o que acarreta na responsabilidade da Administração em remunerar parte do “serviço”.
Já na modalidade administrativa ocorre a contratação de prestação de serviços onde a própria Administração Pública será usuária direta ou indireta deste serviços, o que possibilita que o particular se remunere por tarifas de um serviço do qual a própria Administração é a usuária direta ou indireta, logo, a responsabilidade de remunerar o parceiro privado aqui é exclusivamente da Administração.
E justamente no sentido garantir as diversas responsabilidades contraídas pela Administração nas duas espécies de PPP’s é que foi feita a previsão de um Fundo Garantidor (FGP) que poderá ser criado com o objetivo de garantir as obrigações pecuniárias contraídas pela Administração Pública perante os particulares.
Aponta-se que o estabelecimento de garantidas prestadas por fundo garantidor para garantir obrigações das pessoas publicas em sede de contratos de PPP, significa evitar o procedimento especial de execução pelo regime de precatórios na eventualidade de inadimplemento do parceiro publico.
Esse sistema de garantia busca atenuar um histórico déficit de credibilidade que pesa sobre a Administração Pública como ente contratante no Brasil, uma vez que problemas de reiterados inadimplementos do setor público, associados a um ineficiente regime de pagamento de dívidas públicas vencidas, conduziram a configuração de um panorama desfavorável a atração de investimentos as contratações públicas.
Nesse ponto, imperioso é ressaltar que apesar das benesses adquiridas por meio da realização de PPP´s, isto não é bastante para que todos fechem os olhos perante possíveis irregularidades que a legislação acerca deste instituto, seu sistema de garantias, e principalmente, sobre o FGP, possam conter.
Vez que a Administração instituiu a previsão do FGP para as PPP´s, inobservando o regime de precatórios e a necessidade de lei complementar anterior para instituição de fundos, seria constitucional a previsão legal da Lei 11.079/04 que possibilita a criação de um fundo garantidor para as Parcerias Público Privadas?
2 HISTÓRICO DA LEGISLAÇÃO SOBRE O TEMA
Atualmente, diante de uma diferenciada realidade social somada a uma gestão política cada dia mais complexa e ampliada, são cada vez maiores os registros de correspondência entre o direito público e privado.
A lógica da criação de um instituto como as Parcerias Público Privadas nasce do fato de que cada setor, tanto público como privado possuem características únicas, que consequentemente trazem vantagens específicas a determinados aspectos do serviço ou projeto a ser implementado.
O instituto das Parcerias Público Privadas, ou, “Public-Private Partnership” surgiu nos tempos de Margaret Tatcher na Inglaterra, e foi acolhido pelo Banco Mundial e pelo Fundo Monetário Nacional como sugestão aos países subdesenvolvidos4.
Existem diversos países que também possuem a incidência de Parcerias Público Privadas, como Portugal e Espanha. Nestes outros países, porém elas acontecem de forma diferente da do Brasil, que criou a partir do conceito pré-existente de concessão a modelagem jurídica das PPP’s.
Aqui no Brasil ele surgiu em 2004 através da Lei 11.079, apesar de várias tentativas anteriores de implementação desse instituto. Em 1996 houve em Minas Gerais a primeira tentativa de instituir o sistema de parceria para execução de obras de infraestrutura pela Lei 12.276, que, no entanto, não se concretizou5.
Somente em 2003 o Estado de Minas Gerais de fato conseguiu implementar o Programa Estadual de PPP através da Lei 14.868, e pela Lei 14.869 desse mesmo ano criou o Fundo dessa parceria.
Importante ressaltar que a diferença que existe entre as PPP’s e o regime de concessão comum é o fato de que o das parcerias é inquestionavelmente mais benéfico para o contratado, como por exemplo, ao prever a instituição de um Fundo Garantidor dessas parcerias, o qual irá ser analisado minuciosamente nesse artigo.
Em se tratando especificamente do Fundo Garantidor das PPP’s, não se pode esquecer do Decreto Federal 5.411/05 que “autoriza a integralização de cotas no Fundo Garantidor de Parcerias Público-Privadas – FGP, mediante ações representativas de participações acionárias da União em sociedades de economia mista disponíveis para venda e dá outras providências6”.
Ressalte-se também o Decreto nº. 5.385, de 04 de março de 2005 que instituiu o Comitê Gestor de Parceria Público-Privada Federal – CGP, nos termos do artigo 14 da Lei nº. 11.079/2004.7
As tarefas deste Comitê são, de, por exemplo: definir os serviços prioritários para execução no regime de parceria público privada; disciplinar os procedimentos para celebração desses contratos; autorizar a abertura de licitação e aprovar seu edital; e ainda, apreciar os relatórios de execução dos contratos.
3 DO FUNDO GARANTIDOR NAS PARCERIAS PUBLICO PRIVADAS
3.1 Conceito/ Natureza Jurídica
A própria Lei das PPP’s 8, através de seu artigo 16, autoriza a instituição de um fundo, que para a maioria dos doutrinadores, dentre eles, Kiyoshi Harada, Maria Sylvia Zanella Di Pietro e Celso Antônio Bandeira de Mello, consiste em um fundo especial, chamado de Fundo Garantidor de Parcerias Público-Privadas – FGP, que tem como objetivo prestar garantia de pagamento de obrigações pecuniárias assumidas pelos parceiros públicos federais em razão de contratos de parcerias público privadas por eles celebrados.
Importante neste ponto, demonstrar que fundo especial, de acordo com o art. 71 da Lei 4.320/64, nada mais é que reserva de determinadas receitas públicas para a realização de determinados objetivos ou serviços de interesse público, sem o detalhamento das despesas, como acontece no orçamento anual.
Diante disso, fácil é identificar que fundos especiais, e logo, o FGP, são então uma exceção ao princípio da unidade de tesouraria, princípio este que determina que todas as despesas a serem cumpridas pela Administração Pública devem constar no orçamento anual, situação em que o FGP é excepcionado.
Também no artigo 16, § 1º, dessa mesma lei é feita a previsão de que este fundo possui natureza privada, separada do patrimônio dos cotistas e sujeita a direitos e obrigações próprios, contudo, isto não significa que estão afastadas as normas de direito público.
Mormente a lei diga que o FGP tem natureza privada, os bens que o compõem são de natureza pública, não perdendo tal característica pelo simples fato de ficarem vinculados ao referido Fundo, no entanto fundo especial não tem o condão de garantir obrigações pecuniárias que são contraídas pelo poder público em face de particulares escolhidos como parceiros do poder público, fato que levanta questionamentos a respeito deste fundo, questionamentos estes que serão apresentados e elucidados mais a frente.
3.2 Do tratamento Constitucional
A Constituição Federal também traz referência aos fundos em seu artigo 165, 9º, II, onde condiciona a criação de novos fundos a uma lei complementar que deveria ser criada para tratar sobre condições para sua instituição e funcionamento.
Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão:
§ 9º – Cabe à lei complementar:
II – estabelecer normas de gestão financeira e patrimonial da administração direta e indireta bem como condições para a instituição e funcionamento de fundos.
Esse artigo demonstra que a Constituição encarou os fundos com certa prevenção, e entendeu necessária a adoção de cautelas especiais em relação a eles, uma vez que esse representa uma exceção ao princípio da unidade da tesouraria previsto no artigo 56 da Lei 4.320/64, que determina que os entes públicos recolham o produto de sua arrecadação em uma conta única, com a finalidade de facilitar a administração e permitir um melhor controle e fiscalização da aplicação desses recursos.
Há tratamento do tema também pelo artigo 36 da ADCT:
Art. 36 – Os fundos existentes na data da promulgação da Constituição, excetuados os resultantes de isenções fiscais que passem a integrar patrimônio privado e os que interessem à defesa nacional, extinguir-se-ão, se não forem ratificados pelo Congresso Nacional no prazo de dois anos.
O artigo em questão extingue todos os fundos até então existentes, pelo fato de que esses fundos comprometem de forma estrondosa o poder de fiscalizar e controlar a execução orçamentária.
3.3 Do Cabimento e Processamento
A Lei 11.079/2004 que dispõe sobre as PPP´s, prevê em seu artigo 8º, no inciso II, a possibilidade de que a Administração Pública institua ou utilize de fundos especiais previstos em lei.
Art. 8º As obrigações pecuniárias contraídas pela Administração Pública em contrato de parceria público-privada poderão ser garantidas mediante:
II – instituição ou utilização de fundos especiais previstos em lei; (BRASIL,2004, p.)
Ato contínuo, o artigo 16 da mesma lei autoriza a União, suas autarquias e fundações públicas, a participar, no limite de seis bilhões de reais, em um Fundo Garantidor de Parcerias Público Privadas, que terá como objetivo garantir o pagamento de obrigações contratuais assumidas por parceiros públicos federais em PPP’s.
Art. 16. Ficam a União, suas autarquias e fundações públicas autorizadas a participar, no limite global de R$6.000.000.000,00 (seis bilhões de reais), em Fundo Garantidor de Parcerias Público-Privadas – FGP, que terá por finalidade prestar garantia de pagamento de obrigações pecuniárias assumidas pelos parceiros públicos federais em virtude das parcerias de que trata esta Lei.
§ 1º O FGP terá natureza privada e patrimônio próprio separado do patrimônio dos cotistas, e será sujeito a direitos e obrigações próprios.
§2º O patrimônio do Fundo será formado pelo aporte de bens e direitos realizado pelos cotistas, por meio da integralização de cotas e pelos rendimentos obtidos com sua administração.
§ 3º Os bens e direitos transferidos ao Fundo serão avaliados por empresa especializada, que deverá apresentar laudo fundamentado, com indicação dos critérios de avaliação adotados e instruído com os documentos relativos aos bens avaliados.
§ 4º A integralização das cotas poderá ser realizada em dinheiro, títulos da dívida pública, bens móveis dominicais, bens móveis, inclusive ações de sociedade de economia mista federal excedentes ao necessário para manutenção de seu controle pela União, ou outros direitos com valor patrimonial.
§ 5º O FGP responderá por suas obrigações com os bens e direitos integrantes de seu patrimônio, não respondendo os cotistas por qualquer obrigação do Fundo, salvo pela integralização das cotas que subscreverem.
§ 6º A integralização com bens a que se refere o § 4º deste artigo será feita independentemente de licitação, mediante prévia avaliação e autorização específica do Presidente da República, por proposta do Ministro da Fazenda.
§7º O aporte de bens de uso especial ou de uso comum no FGP será condicionado a sua desafetação de forma individualizada. (BRASIL,2004, p.)
Este fundo será formado pelo aporte de bens e direitos realizado pelos cotistas, que ocorrerá por meio da integralização das cotas e pelos rendimentos obtidos com sua administração, sendo que estes somente serão responsáveis perante o fundo em relação à integralização de suas cotas subscritas.
Os cotistas, embora não tenham competência para criar, administrar, gerir e representar o FGP terão outras competências que serão estabelecidas por meio de assembléia, sendo que ainda lhes incumbirá a aprovação e regulamento do FGP, de acordo com a previsão do § 1º do artigo 17 de Lei das PPP’s.
Em relação a quitação dos débitos, caso o parceiro público quite sucessivamente seus débitos (preste a sua contraprestação pecuniária), tal ato importará na extinção proporcional da garantia prestada, nos limites do que foi quitado.9
Em se tratando de pagamento de rendimentos aos cotistas, o artigo 19 da Lei das PPP’s é bastante claro e enfático ao determinar que tal pagamento não fosse possível, ou seja, os cotistas não receberão sob hipótese alguma rendimentos do FGP.
O FGP assim como outro fundo qualquer, poderá ser dissolvido. Nesse caso, sua dissolução não ficará a cargo da instituição financeira incumbida de geri-lo, mas sim, será ato de deliberação dos cotistas em assembléia, ante o seu caráter de extrema relevância10.
Importante é a informação de que através do Decreto 5.385/05 foi instituído o Comitê Gestor de Parceria Público Privada Federal – CGP, que, na sua Resolução nº. 1, de 05 de agosto de 2005, aprovou a instituição do Fundo Garantidor de Parcerias Público-Privadas (FGP), a ser criado, administrado, gerido e representado judicial e extrajudicialmente pelo Banco do Brasil S.A., consoante o artigo 17 da Lei das PPP’s.11
4 DAS PARCERIAS PÚBLICO PRIVADAS
4.1 Conceito/ Natureza Jurídica
As parcerias público privadas consistem em um contrato de concessão de serviço ou obra pública criada através da Lei 11/079/2004, que pode se dar na forma patrocinada ou administrativa, em que o parceiro privado faz investimentos em infraestrutura para prestação de um serviço, cuja amortização e remuneração é viabilizada pela cobrança de tarifa dos usuários e de subsídio público, ou é integralmente paga pela Administração Pública.
Segundo José dos Santos Carvalho Filho (2009, p.406), o contrato de parceria público privada pode ser conceituado, como:
“O acordo firmado entre a Administração Pública e pessoa do setor privado com o objetivo de implantação ou gestão de serviços públicos, com eventual execução de obras ou fornecimento de bens, mediante financiamento do contratado, contraprestação pecuniária do Poder Público e compartilhamento dos riscos e dos ganhos entre os pactuantes”.
Essas parcerias podem ser realizadas em duas modalidades, primeiramente a modalidade patrocinada, que pode ser definida como um contrato administrativo de concessão por meio do qual a Administração Pública (ou parceiro público) delega a terceiro a execução de um serviço público, para que o execute em seu próprio nome, através de tarifa paga pelo usuário que será acrescida de contraprestação pecuniária paga pelo parceiro público ao privado.12 Ou ainda pela modalidade administrativa, na qual o serviço, mesmo que prestado a terceiros será remunerado pela própria Administração.
Têm como requisito um valor contratual mínimo de 20 milhões, e deve persistir no tempo por um período mínimo de 5 anos e máximo de 35 anos. Algumas de suas principais características são:
Financiamento pelo setor privado, o que indica que o Poder Público não irá disponibilizar de forma integral de recursos financeiros para os empreendimentos que contratar através das parcerias.
Compartilhamento de riscos, que consiste no fato de que a Administração Pública deve se solidarizar com o parceiro privado no caso de ocorrer algum prejuízo ou déficit, mesmo que esses advenham de caso fortuito ou força maior.
Pluralidade compensatória, que é a necessidade do Poder Público especificar no edital as formas de contraprestação ao investimento privado.
O projeto de recuperação, ampliação e manutenção da Rodovia MG-050, celebrado em 21 de julho de 2007, consiste em um exemplo de PPP na modalidade patrocinada, e consiste no primeiro projeto de PPP do país na área de infraestrutura rodoviária, decorrente de um esforço conjunto entre o Departamento de Estradas de Rodagem do Estado de Minas Gerais – DER/MG, a Unidade PPP/MG, a Advocacia-Geral do Estado, a Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais – CODEMIG – e vários outros técnicos de vários órgãos e entidades do estado. Este projeto terá vigência de 25 anos, e conta com uma extensão de 372 km, interligando a região metropolitana de Belo Horizonte à divisa com o Estado de São Paulo13.
Há no projeto a previsão de 6 praças de pedágio, sendo o valor da tarifa de R$ 3,00 por praça. Sendo uma modalidade de PPP patrocinada, além da receita do pedágio pago pelos usuários, o concessionário observará o recebimento de uma contraprestação do estado, limitada a R$ 35 milhões por ano. A importância desta PPP reside principalmente no efeito de integração nacional e desenvolvimento de novas fronteiras produtivas, redução no índice de acidentes e despesas médico-hospitalares.
Já como exemplo de PPP na modalidade administrativa, podemos citar, por exemplo, a construção do complexo penitenciário de Ribeirão das Neves, a primeira penitenciária realizada por PPP a ser inaugurada no país. O investimento na construção do complexo de Ribeirão das Neves, de R$ 280 milhões, foi bancado pelo consórcio GPA, que ganhou a licitação com o governo de Minas em 2009. O complexo de Ribeirão das Neves não poderá abrigar mais do que as vagas disponíveis, evitando o problema da superpopulação carcerária, tão comum nos presídios brasileiros. Cada preso vai custar ao governo mineiro cerca de R$ 2.700 por mês. Pelo projeto original, o Complexo terá capacidade para receber 3.040 detentos do sexo masculino. A primeira das cinco unidades já está pronta e a previsão é que as quatro restantes sejam concluídas até dezembro deste ano14.
As cinco empresas que compõem o consórcio – CCI Construções, Construtora Augusto Velloso, Empresa Tejofran de Saneamento e Serviços Ltda, N.F Motta Construções e Comércio e Instituto Nacional de Administração Prisional – têm comprovada experiência na construção e administração de presídios, dispondo da mais alta tecnologia de segurança. Além de construir a penitenciária, o consórcio vai administrar pelos próximos 25 anos e vai receber, por cada preso, R$ 2,7 mil mensais. Tanto a manutenção das unidades prisionais quanto a execução de serviços como fornecimento de refeições, uniformes, atendimento à saúde e assistência jurídica aos detentos será de responsabilidade do consórcio.
5 DA ARGUIÇÃO SOBRE A CONSTITUCIONALIDADE DO FUNDO GARANTIDOR DAS PARCERIAS PÚBLICO PRIVADAS
Conforme já vimos, a Lei 11.079/04 que implementa o instituto das PPP’s aqui no Brasil vem em seu artigo 8º autorizar que a Administração Pública institua ou utilize fundos especiais previstos em Lei. Em consequência disso, o artigo 16 desta mesma Lei vem permitir que a União, suas autarquias e fundações públicas participem de Fundo Garantidor das Parcerias, fundo este que teria natureza privada.
No entanto, a mera imposição de que este fundo teria natureza privada não é o bastante para afastar a incidência de normas de direito público neste caso, vez que o patrimônio que compõe este fundo é composto de bens e direitos do Poder Público e a previsão de que a União pode participar deste fundo, na verdade determina que a União possa instituir este fundo.
Deixando de lado o absurdo que reside na possibilidade de retirada de até R$6.000.000.000,00 do orçamento anual da União, o que está previsto no art. 16º da Lei das PPPs15, para compor um fundo destinado a garantir futuros possíveis credores, devemos nos atentar, no entanto, nas graves ofensas constitucionais que este FGP apresenta.
A Constituição Federal, em seu artigo 165, § 9º, II, condiciona a criação de fundos após a sua promulgação à anterior lei complementar que discipline condições para instituição e funcionamento deste:
Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão:
§ 9º Cabe à Lei Complementar:
II – estabelecer normas de gestão financeira e patrimonial da administração direta e indireta, bem como condições para a instituição e funcionamento de fundos.
Já que até o momento não existe nenhuma lei que trate do processamento de fundos em nosso ordenamento jurídico, a lei das PPP’s é precipitada ao autorizar a criação do FGP, e por isso, nesse aspecto, inconstitucional.
Pelo fato destes fundos especiais configurarem uma exceção ao princípio da Unidade da Tesouraria a CR/88 foi cautelosa ao vincular a criação de novos fundos à uma lei que trate de todos os pormenores necessários à sua implementação. Prova disso é que a ADCT veio em seu artigo 36 extinguir todos os fundos até então existentes.
Outra inconstitucionalidade desta lei figura no fato do patrimônio do aludido fundo ser constituído de receitas e bens públicos oriundos da União, suas autarquias e fundações públicas, bens que não perderiam sua natureza pública.
Logo a previsão de que tal conjunto de bens públicos sejam vinculados ao pagamento de determinadas obrigações não cumpridas perante aos parceiros privados em detrimento de todos aqueles que há mais tempo tiveram obrigações não adimplidas pela Administração Pública, e por isso se encontram na incansável fila dos precatórios é de tal forma absurda, que a mera tipificação de que este fundo tem natureza privada não é nem de perto suficiente para afastar a inconstitucionalidade desta disposição.
Ora, bens públicos, como é sabido e ressabido, não são suscetíveis de penhora, nem de qualquer modalidade de apoderamento forçado, visto que a forma pela qual credores públicos se saciam, quando não hajam sido regularmente pagos, é a prevista no artigo 100 da Constituição, isto é, com o atendimento dos precatórios, na ordem de sua apresentação.
Ainda nesse sentido, Di Pietro entende (2008, p.307):
Se os bens da união, autarquias e fundações públicas são públicos, e, portanto, impenhoráveis, por força do artigo 100 da Constituição, não perdem essa natureza pelo fato de ficarem vinculados a um Fundo. Se isso fosse possível, estar-se-ia, pela via indireta, alcançando objetivo que o constituinte quis coibir com a regra do referido dispositivo constitucional.
A forma de pagamento de créditos contra a União que não foram pagos da maneira devida deve ocorrer por meio de precatórios na ordem de sua apresentação conforme determina o artigo 100 da Constituição Federal:
Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.
O instituto do precatório judicial visa preservar a igualdade de tratamento entre os credores do Poder Público, assim reconhecidos por decisão judicial com trânsito em julgado, impedindo que aconteça qualquer violação aos princípios da isonomia e da impessoalidade. Em suma o regime de precatório almeja garantir a moralidade no pagamento de débitos do Poder Público, quando oriundos de decisão judicial transitada em julgado, evitando favorecimentos pessoais de credores mais recentes em detrimento de credores mais antigos.
Mormente a inovação que a Lei 11.079/04 tenta realizar, é completamente absurda a hipótese de que dívidas públicas seriam pagas por bens públicos que integrariam um fundo com o objetivo específico de garantir as obrigações inadimplidas pela Administração pública perante determinados parceiros privados (que como todos sabem, serão sempre grandes investidores com vasto patrimônio) sem qualquer obediência ao que determina o art. 100, ignorando a fila daqueles que passam anos aguardando o adimplemento dessas obrigações.
Nesse sentido, seguem jurisprudências do STF que visam esclarecer a importância do regime de precatórios:
“A norma consubstanciada no art. 100 da Carta Política traduz um dos mais expressivos postulados realizadores do princípio da igualdade, pois busca conferir, na concreção do seu alcance, efetividade à exigência constitucional de tratamento isonômico dos credores do Estado. A vinculação exclusiva das importâncias federais recebidas pelo Estado-membro, para o efeito específico referido na regra normativa questionada, parece acarretar o descumprimento de quanto dispõe do art. 100 da CF, pois, independentemente da ordem de precedência cronológica de apresentação dos precatórios, institui, com aparente desprezo ao princípio da igualdade, uma preferência absoluta em favor do pagamento de ‘determinadas’ condenações judiciais.” (ADI 584-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 26-3-1992, Plenário, DJ de 22-5-1992.
“A jurisprudência do STF, ao interpretar o alcance da norma inscrita no caput do art. 100 da Constituição, firmou-se no sentido de considerar imprescindível, mesmo tratando-se de crédito de natureza alimentícia, a expedição de precatório, ainda que reconhecendo, para efeito de pagamento do débito fazendário, a absoluta prioridade da prestação de caráter alimentar sobre os créditos ordinários de índole comum. O sentido teleológico da norma inscrita no caput do art. 100 da Carta Política – cuja gênese reside, no que concerne aos seus aspectos essenciais, na CF de 1934 (art. 182) – objetiva viabilizar, na concreção do seu alcance, a submissão incondicional do Poder Público ao dever de respeitar o princípio que confere preferência jurídica a quem dispuser de precedência cronológica (prior in tempore, potior in jure).” (AC 254-QO, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 18-5-2004, Segunda Turma, DJE de 18-12-2009.) No mesmo sentido: RE 597.157-AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 14-2-2012, Primeira Turma, DJE de 6-3-2012; RE 597.835-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 9-11-2010, Primeira Turma, DJE de 25-11-2010; AI 768.479-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 13-4-2010, Segunda Turma, DJE de 7-5-2010.”
Diante de tais julgados, é possível notar a importância que a ordem do regime de precatórios descrito no art. 100 da CR/88 têm, o que explicita mais uma vez, a impossibilidade de que este regime seja violado por um fundo destinado a garantir as PPPs.
5.1. O Fundo Garantidor e os Princípios Constitucionais
Princípios são ideias centrais do sistema, que norteiam toda a interpretação jurídica, conferindo a ele um sentido lógico e harmonioso. Os princípios estabelecem o alcance e sentido amplo das regras existentes no ordenamento jurídico.
A figura do Fundo Garantidor das PPP´s não somente ofende a dispositivos, mas também diversos princípios constitucionais que a Administração Pública tem o dever de cumprir.
Comecemos a tratar desta afronta, abordando num primeiro momento a discrepância do FGP em relação ao princípio da igualdade, consagrado no artigo 5º, caput da Constituição Federal:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
O princípio da igualdade é aquele que prevê a igualdade de aptidões e de possibilidades dos cidadãos de gozar de tratamento isonômico pela lei. Por meio desse princípio são vedadas as diferenciações arbitrárias e absurdas, não justificáveis pelos valores da Constituição Federal, e tem por finalidade limitar a atuação do legislador, do intérprete ou autoridade pública e do particular.
Fica fácil observar que o Fundo Garantidor, como sendo uma forma de garantia de obrigações não adimplidas pela Administração Pública, que não a fila de precatórios, representa grande ofensa ao princípio da igualdade ao estabelecer que determinadas pessoas (no caso concreto empresas bilionárias e grandes investidores) terão o direito de “passarem na frente” na hora de receberem o que lhes é devido em detrimento de diversas outras pessoas que há muito se encontram na espera na fila de precatórios, pelo pagamento das obrigações às quais fazem jus, muitas vezes até de natureza alimentar.
Impossível imaginar tratamento mais desigual que este, onde a Administração Pública abertamente privilegia seus parceiros privados, deixando de lado a maior parte da população que aguarda desesperadamente pela quantia que esta lhe deve.
Ao tratar do princípio da igualdade, é necessário tratar também do princípio da impessoalidade que nada mais é do que um desdobramento do primeiro, e encontra-se disposto no artigo 37, da Constituição:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
O citado princípio estabelece que o administrador público deve sempre objetivar o interesse público em suas ações, sendo, em consequência, inadmitido tratamento privilegiado aos amigos e/ou inimigos. Logo, a Administração Pública não deve conter a marca pessoal do administrador, ou seja, os atos públicos não são praticados pelo servidor, e sim pela Administração a que ele pertence.
Nesse sentido, explana Maria Sylvia (2008, p.66):
Significa que a Administração não pode atuar com vistas a prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, uma vez que é sempre o interesse público que tem que nortear o seu comportamento.
Com a explicitação do que significa este princípio, mais uma vez vemos que a Lei 11.079/04 padece de grandes defeitos. A figura do FGP pode ser conceituada como forma diversa de observância à impessoalidade. A existência de um fundo que vai beneficiar certas pessoas e deixar de “a ver navios” toda a coletividade que se encontra na mesma situação, consiste exatamente em tratamento pessoal onde a Administração Pública escolhe tratar de maneira diferente aqueles com os quais ela possui relação de interesse.
Além dos princípios já citados, o Fundo Garantidor das PPP’s vai contra ainda aos princípios da legalidade, moralidade e especialidade, todos estes previstos no já mencionado artigo 37, CR/88.
Em se tratando do princípio da legalidade, que constitui em uma das principais garantias de respeito aos direitos individuais, há a determinação expressa de que a Administração Pública só pode fazer o que a lei permite.
Data vênia a existência dessa máxima jurídica, a Lei das PPP’s institui o FGP contrariando a disposição que a instituição de fundo só poderá ocorrer depois que tenha sido elaborada uma lei específica que trate dos pormenores desses fundos. Como até o momento tal lei não foi editada, a previsão deste fundo viola a Constituição e ainda este princípio constitucional.
O fundo garantidor das PPP’s fere ainda o princípio da especialidade, sobre o qual discorre Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2008, p.67):
Quando o Estado cria pessoas jurídicas públicas administrativas – as autarquias – como forma de descentralizar a prestação de serviços públicos, com vistas à especialização de função, a lei que cria a entidade estabelece com precisão as finalidades que lhe incumbe atender, de tal modo que não cabe aos seus administradores afastar-se dos objetivos definidos na lei; isto precisamente pelo fato de não terem a livre disponibilidade dos interesses públicos.
A partir desse princípio o que se entende é que é inaceitável que autarquias e fundações públicas em geral, possam destinar uma parte de sua receita e de seu patrimônio à constituição desse fundo, já que estas entidades estão vinculadas aos fins para os quais foram instituídas. Dessa maneira, elas não podem destinar parcelas de sua receita ou de seu patrimônio a finalidade diversa, sem autorização legislativa específica, como acontece na Lei 11.079/04.
Para finalizar, há de se verificar a afronta também ao princípio da moralidade. José dos Santos Carvalho Filho (2009, p.20), disserta sobre este princípio:
O princípio da moralidade impõe que o administrador público não dispense os preceitos éticos que devem estar presentes na sua conduta. Deve não só averiguar os critérios de conveniência, oportunidade e justiça em suas ações, mas também distinguir o que é honesto do que é desonesto.
Desnecessário delongar na explanação de porque o FGP viola a moralidade, pois ao perceber que este princípio exige uma posição ética, proba e honrosa do Administrador, fácil é concluir que a simples inobservância de qualquer um dos outros princípios já citados, caracteriza na inobservância também deste princípio.
5.2. Do Posicionamento Doutrinário
5.2.1. Pela inconstitucionalidade do Fundo Garantidor das Parcerias Público Privadas
Diversos são os doutrinadores que afirmam pela inconstitucionalidade do FGP nas PPP’s diante dos argumentos anteriormente já explanados neste artigo. Dentre este ilustre rol de jurídicos, está Celso Antônio Bandeira Mello (2010) que afirma sobre o assunto:
As inconstitucionalidades mostram-se já no momento da criação do fundo, uma vez que, para funcionar, o fundo garantidor necessitaria de lei complementar para a sua instituição. Além disso, os fundos seriam constituídos de bens públicos, e esses bens não poderiam, em tese, ser alvo de apropriação forçada, devendo, em caso de dívida do parceiro público, esta ser paga através da expedição de precatórios.
Outro doutrinário que integra o grupo daqueles que entendem que o Fundo Garantidor das parcerias é inconstitucional, pois viola os artigos 100 e 165 da CR/88 é Maria Sylvia Zanella Di Pietro, que inclusive dissertou sobre seu posicionamento a respeito do tema em doutrina específica16, no qual exaure as justificativas que a levam a adotar esse entendimento.
Um dos absurdos trazidos pela lei das PPP’s e abordado por Maria Sylvia é a estipulação de que as autarquias e fundações públicas podem participar do Fundo Garantidor com seu patrimônio. Ela determina (2008, p.305):
Também é juridicamente inaceitável que autarquias e fundações públicas em geral, não identificadas na lei, possam destinar uma parte de sua receita e de seu patrimônio à constituição desse fundo. As entidades da administração Indireta estão sujeitas ao princípio da especialidade, que significa a vinculação aos fins para os quais foram instituídas. Elas não podem destinar parcelas de sua receita ou de seu patrimônio a finalidade diversa, sem autorização legislativa específica. Todas elas são criadas ou autorizadas por lei, que define os seus fins, o seu patrimônio, a sua receita. Se uma ou algumas dessas entidades dispões de bens excedentes às suas necessidades, a lei terá que especificá-las e indicar os bens transferíveis ao Fundo. Não pode ser dada uma autorização em branco às autarquias e fundações públicas em geral para destinarem verbas orçamentárias próprias, bens móveis e imóveis ou mesmo direitos de que sejam titulares.
Lúcia Valle Figueiredo posiciona-se também no sentido de rechaçar este instituto, por considerá-lo inconstitucional na medida em que não vê possibilidade de se penhorar bens públicos, mesmo que desafetados:
O inciso 7º do art. 16 contém disposição que causa estupefação, pois diz que o aporte de bens de uso especial ou de uso comum no FGP será condicionado à sua desafetação. Ora, ainda que condicionado à desafetação, sabe-se da impenhorabilidade dos bens públicos. A desafetação para esse fim parece-nos desvio de finalidade manifesto. E, na verdade, inconstitucionalidade17.
Seguindo o mesmo entendimento, segue jurisprudência do STF que se manifesta sobre a impenhorabilidade dos bens públicos:
EMENTA: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. IMPENHORABILIDADE DE SEUS BENS, RENDAS E SERVIÇOS. RECEPÇÃO DO ARTIGO 12 DO DECRETO-LEI Nº 509/69. 1. À empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, pessoa jurídica equiparada à Fazenda Pública, é aplicável o privilégio da impenhorabilidade de seus bens, rendas e serviços. Recepção do artigo 12 do Decreto-lei nº 509/69 e não-incidência da restrição contida no artigo 173, § 1º, da Constituição Federal, que submete a empresa pública, a sociedade de economia mista e outras entidades que explorem atividade econômica ao regime próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias. 2. Empresa pública que não exerce atividade econômica e presta serviço público da competência da União Federal e por ela mantido. Execução. Observância ao regime de precatório, sob pena de vulneração do disposto no artigo 100 da Constituição Federal. Vícios no julgamento. Embargos de declaração rejeitados.
(RE 230051 ED, Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, julgado em 11/06/2003, DJ 08-08-2003 PP-00086 EMENT VOL-02118-03 PP-00538)
O posicionamento de tais autores é de suma importância para o tema, vez que todos eles possuem fundados motivos para levantar questionamentos sobre tal fundo, vez que como exposto acima, este afronta diversos princípios e dispositivos constitucionais.
5.2.2. Pela constitucionalidade do Fundo Garantidor das Parcerias Público Privadas
Por outro lado, há grupo diverso de doutrinadores que defendem o instituto das PPP’s que adotam posição contrária dos anteriores que rejeitam as alegações de inconstitucionalidade do fundo através da interpretação dos próprios artigos contidos na Carta Magna, sob a afirmação que a falta de lei complementar não deve ser tomada como obstáculo para a viabilidade da criação do fundo. Neste sentido, Ribeiro e Prado (2007, p.235) ensinam:
Em relação ao primeiro argumento, vale apontar que a mesma lei complementar prevista no art. 165, § 9° da CF também deverá tratar da elaboração e da administração do PPA – Plano Plurianual, da LDO – Lei de Diretrizes Orçamentárias e da LOA – Lei Orçamentária Anual. Todavia, embora não exista essa lei complementar, nunca ninguém ousou dizer que seriam inconstitucionais a elaboração da LDO ou a elaboração do PPA. E nem se diga que a Lei 4.320/1964 vale por essa lei complementar, visto que, embora tenha sido recebida com natureza de lei complementar, a Lei 4.320/1964 não trata de LDO ou de PPA, mas apenas da elaboração das LOA.
Estes doutrinadores complementam suas considerações com a argumentação de que a vedação constitucional é direcionada à instituição de fundo sem prévia autorização legal nos termos do art. 167, inciso IX da Constituição, e não que é vedada a instituição de fundo sem que tenha sido editada uma lei complementar específica com o objetivo de regular a criação e o funcionamento dos fundos reguladores de parcerias.
Neste sentido, afirma José dos Santos Carvalho Filho (2009, p.416):
A impugnação, porém, não procede. O dispositivo Constitucional tem cunho genérico e refere-se ao estabelecimento de normas gerais sobre fundos, e não à instituição de fundo específico, sendo, pois, legítima a instituição deste por lei ordinária.
Ainda no sentido de brigar pela constitucionalidade do FGP das Parcerias, dizem ainda que não há como se falar em desvio de finalidade da fila de precatórios prevista no artigo 100 da CR/88, ao seguir o entendimento de que sua verba não concorre com a verba pública daquele regime. Além disso, defendem também que quando o patrimônio público é transferido ao fundo perde a natureza de bem público, passando a se reger pela lógica privada.
Assim entende Carlos Ari Sundfeld (2005, p. 44):
O oferecimento de garantia pelo FGP – que não sendo por ele honrada, levará a uma execução nos moldes privados – em nada se choca com o dispositivo no art. 100 da CF, que submete ao regime de precatórios a execução de débitos das pessoas de direito público. A execução contra o FGP será privada, porque é privada sua personalidade – e, portanto, privados são seus bens. São lícitas a desafetação e a transferência de bens do domínio público para o privado (isto é, para o patrimônio do FGP) justamente para permitir sua utilização como lastro real de garantias oferecidas, em regime privado, pelo FGP aos concessionários. Aliás, tais desafetações e transferências são justamente o que ocorre em toda criação de empresa estatal, que fica, como se sabe, sujeita ao regime privado, inclusive quanto à execução de suas dívidas (Sundfeld, 2005, p. 44).
Mormente sigam estes posicionamentos, até mesmo os que defendem este instituto admitem que o referido fundo consista em um assunto que causa diversas dúvidas:
É de se reconhecer, contudo, que o fundo ora referido constitui figura de certo modo anômala, já que tem natureza privada e responde com seus bens e direitos pelas obrigações que venha a contrair. Entretanto, é despido de personalidade jurídica própria e se configura como verdadeira universalidade jurídica de bens e direitos ou, se se preferir, de patrimônio de afetação.O intento da lei, no entanto, ficou claro: em virtude do sistema de parceria, deve conferir-se ao credor maior facilidade no recebimento de seu crédito, o que não ocorre nos contratos comuns da Administração.18
Logo, apesar do grande respeito que tais juristas merecem por todo seu conhecimento e estudo sobre o Direito Administrativo, é preciso questionar seus questionamentos, uma vez que estes não são suficientes para justificar as afrontas que o FGP apresenta contra nossa Constituição.
5.3. Parecer
No sentido de elucidar as dúvidas em relação à esse tema tão complexo e de entendimentos divergentes, a Comissão de Precatórios da Ordem dos Advogados do Brasil da seção de São Paulo através de seu Presidente, o Dr. Flávio José de Souza Brando solicitou a redação de um parecer sobre o assunto ao ilustre jurista Kiyoshi Harada, especialista nas áreas de Direito Financeiro e Tributário.
Conforme o próprio Harada, não é o caso de se perseguir o instituto das PPP’s enquanto mais um instrumento que visa o desenvolvimento econômico, mais de não se conformar com sua implantação mediante ferramentas que afrontam o sistema jurídico do nosso país.
Como embasamento para seu parecer Kiyoshi utiliza os mesmos argumentos aqui já explanados, como de que não há hoje a possibilidade de algum fundo especial ser criado, na medida em que a criação de tal fundo obsta vinculada a anterior criação de lei complementar regularizando seu processamento.
Justifica ainda que, mormente tenham atribuído natureza jurídica de direito privada a este fundo, esta definição legal não é o bastante para afastar as normas de direito público, já que conforme o art. 70 da CR/88 qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiro, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária está sujeita a prestação de contas.
Harada, em seu parecer explicita a falta de coerência e a inobservância da legislação nacional quando da criação desse Fundo Garantidor, e sobre este, afirma ainda:
Como é possível a União, contumaz devedora de dívidas oriundas de condenação judicial, subtrair R$6.000.000.000,00 do seu orçamento anual, para compor um fundo destinado a garantir futuros, possíveis e eventuais credores, como bem assinalado pela consulente? Qual a fonte dessa extraordinária e espantosa despesa? Mais tributos? Mais dívida pública? Mais privatização? De duas uma: ou aumenta a receita pública, ou reduz outras despesas. Redução de despesas não se ajusta à nossa tradição.
Por isso, uma coisa é certa: o contribuinte irá arcar com essa nova despesa qualquer que seja o meio escolhido para custeá-la, porque o Estado não produz e nem é sua função produzir riquezas.
Outrossim, esses seis bilhões de reais, a salvo de contingenciamento e de seqüestros para honrar os precatórios judiciais descumpridos, ficam fora da fiscalização e controle externo, a ser exercido pelo Congresso Nacional com auxílio do Tribunal de Contas da União, na forma do art. 71 da CF. Os controles, interno e privado, nem pensar!19
O jurista discorre sobre a impossibilidade de fundos especiais garantirem obrigações pecuniárias conforme artigo 76 da Lei 4.320/64 demonstrando mais uma aberração que a previsão do FGP traz, e finaliza seu célebre parecer se posicionando pela inconstitucionalidade do fundo que considera um golpe aos princípios constitucionais e a própria Constituição Federal.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao realizar um estudo aprofundado sobre as PPP´s nota-se que pelo fato das parcerias público-privadas consistirem em contratos com elevada dimensão econômico-financeira e ainda, grande longevidade, o legislador optou em criar para ela um sistema de garantias de forma a conseguir passar necessária segurança jurídica para aqueles parceiros privados que ingressarão em contratos administrativos desta natureza.
Mormente este instituto traga vários benefícios para crescimento tecnológico, financeiro e econômico do nosso país, ainda sim é necessário que façamos uma análise se este está compatível com as normas e princípios constitucionais que regem nosso sistema jurídico.
Conforme exposto neste trabalho, fica claro que o sistema de garantias observado pelas PPP´s, em especial a adoção de um Fundo Garantidor, viola A Constituição Federal e seus princípios norteadores, vez que burla o sistema judicial de pagamento por precatórios, e ainda desobedece a imperiosa obrigatoriedade de prévia lei complementar até o momento não existente, que trataria das condições para a instituição e funcionamento de fundos.
Após um estudo aprofundado sobre tal tema, conclui-se que o fundo garantidor das parcerias público privadas consiste em uma tentativa de camuflagem legislativa, que tem como objetivo subtrair do orçamento anual da União recursos que deveriam estar sendo destinados à honrar precatórios judiciais descumpridos, em proveito de uma minoria milionária que apresenta mais interesse para a Administração, vez que essa têm riquezas que lhe interessam, vergonhosa realidade que deveria ser modificada.
REFERÊNCIAS
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SUNDFELD, Carlos Ari (Org.). Parceria público-privada. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 2005.
NOTAS DE FIM
1 Aluna do 9º período do curso de Direito do Centro Universitário Newton. Email: tata.galves@gmail.com
2 Professora de Direito Administrativo do Centro Universitário Newton. Email: professora.nubia@yahoo.com.br
3 Conforme dispõe art. 2º, da Lei 11.079/2004.
4 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 27ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010.
5 MOTTA, Carlos Pinto Coelho. Eficácia nas concessões, permissões e parcerias: concessões e permissões tradicionais, Lei 8.987/95, parcerias público-privadas, Lei 11.079/04, responsabilidade fiscal, LC 101/00: legislação atualizada, comentários, jurisprudência, quadros demonstrativos. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.
6 Decreto publicado no DOU em 07/04/2005.
7 Decreto publicado no DOU em 07/03/2005.
8 Lei 11.079 de 30/12/2004.
9 BRAGA, Fabiana Andrada do Amaral Rudge. PPP: o Fundo Garantidor, a Execução das Garantias e a Compatibilidade com o Sistema Constitucional de Precatórios. Revista de Direito da Associação dos Procuradores do Novo Estado do Rio de Janeiro, v. XVII, Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2006.
10 DE LIMA, Ariane Catenaci. A (in) constitucionalidade da execução das garantias integrantes do Fundo Garantidor de Parcerias Público-Privadas. Disponível em: <http://www2.uel.br/revistas/direitopub/pdfs/VOLUME_2/num_1/ARIANE%20CATENACI.pdf.> Acesso em 26/08/2013.
11 DONÁ, Bruno Rossi. Análise das características primordiais do Fundo Garantidor de Parcerias Público-Privadas (FGP), bem como de sua (in) constitucionalidade. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2317, 4nov.2009. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/13790>. Acesso em: 27 ago. 2013.
12 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanela, Direito Administrativo, 21ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2008.
13 Dados retirados do site Unidade PPP Minas Gerais. http://www.ppp.mg.gov.br/projetos-ppp/projetos-celebrados/mg-050. Acesso em: 10 out. de 2013.
14 Dados retirados do site da Secretaria de Estado de Defesa Social (SEDS). https://www.seds.mg.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=2102&Itemid=71. Acesso em: 10 out. de 2013.
15 Lei 11.079/2004.
16 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública. Concessão, Permissão, Franquia, Terceirização, Parceria Público-Privada e outras formas. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2008.
17FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de Direito Administrativo. 9ª edição. São Paulo: Malheiros, 2008. p,119.
18 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 22ª ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2009. Pg.416
19HARADA, Kiyoshi. Inconstitucionalidade do Fundo Garantidor das Parcerias Público-Privadas. Art. 8º da Lei nº 11.079/04. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 597, fev. 2005. Disponível em: <http://egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/18939-18940-1-PB.pdf>. Acesso em: 20 ago. de 2013.