Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva

Raissa Izabella Antunes[1]
Prof. Fernando Gonçalves Coelho Júnior[2]

 

RESUMO: O trabalho ora apresentado tem como objetivo dissertar acerca da licença maternidade, o salário-maternidade e a patente desigualdade de tratamento que vem sendo gerada pelos citados institutos no sistema jurídico brasileiro. Face ao Princípio da Igualdade, cuja previsão constitucional visa tratamento igual a todos cidadãos que se encontrem na mesma situação, tem-se que a concessão de afastamento do labor por período diferente para homens e mulheres, e a ausência de previsão legal para a concessão de um período concernente com a necessidade da criança quando os trabalhadores homens não possuem a figura materna desta criança no âmbito familiar, sendo que a licença maternidade, de acordo com o que hoje é estabelecido pela lei, tem causado efeitos na esfera trabalhista que ofendem o Princípio da Igualdade, o que vem causando danos aos pais trabalhadores e seus filhos. Destarte, o presente estudo visa defender a possibilidade de extensão de tais benefícios ao trabalhador do sexo masculino, precipuamente na condição de indisponibilidade da figura materna no âmbito familiar, haja vista a imprescindibilidade destes aos deveres de proteção, cuidado e adaptação da criança sob sua tutela

 

PALAVRAS-CHAVE: Licença Maternidade; Princípio da Igualdade; Isonomia; Dignidade da Pessoa Humana; Direito do Trabalho.

 

Área de Interesse: Direito Civil.

 

1 INTRODUÇÃO 

Face aos novos modelos de constituição das famílias hodiernas, faz-se imperioso adequar os direitos trabalhistas referentes à licença maternidade a esta atual realidade do âmbito familiar brasileiro.

A legislação trabalhista brasileira, no que tange à licença maternidade, vem contrariando o dever de amparo constitucional, previsão esta que é dever do Estado, da sociedade, dos pais às crianças e adolescentes que necessitam receber toda estrutura necessária ao seu desenvolvimento e crescimento, de forma que a atual legislação pátria vem ignorando os novos modelos de família atualmente presentes na nossa sociedade, negligenciando trabalhadores e seus filhos que não possuem a figura materna, como se tais famílias não fossem merecedoras do manto da tutela constitucional.

Com o objetivo de erradicar tal discriminação, a proposta aqui é empregar uma analogia à situação narrada, para aplicação da legislação que se refere o citado instituto, de modo a efetivar a proteção que a lei oferece às crianças e às famílias brasileiras.

Assim, o trabalho propõe-se a apresentar formas de efetivar a igualdade constitucionalmente prevista, em prol das crianças e das suas famílias, garantindo a todos os pais o direito de passar um tempo razoável com seus filhos, almejando o condão protetivo que tem o Direito do Trabalho. 

 

2 PRINCÍPIO DA IGUALDADE DENTRO DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO EM FACE DOS INSTITUTOS DA LICENÇA-MATERNIDADE E PATERNIDADE 

Primeiramente, com o fito de diferenciar a concepção do Princípio da Igualdade no atual Estado Democrático de Direito, cabe aqui uma breve narrativa acerca do conceito de igualdade nos três modelos do capitalismo contemporâneo. 

O modelo de Estado Liberal tinha como uma de suas características mais marcantes a noção de igualdade perante a lei, a chamada igualdade formal. A ideia central era afirmar a abstenção do estado, a abstração da lei e o condão de generalidade, visto que a lei deveria ser interpretada uniformemente para todos. Não havia intervenção estatal e a ideia era que o estado era inimigo, e entendia-se que as leis de mercado apenas eram o necessário para que fosse garantido o mínimo existencial de forma uniforme a todos.

Por ser interpretada de forma generalizada e não se adaptar conforme as necessidades de todos os cidadãos, a igualdade formal era privilegio de poucas classes, ignorando as demais classes sociais, vedando-as de seus direitos básicos e fundamentais.

Posteriormente, em outro paradigma estatal, o Estado de Bem Estar Social que se instala por volta dos anos 40 a 60, trás a noção de igualdade na lei, a chamada igualdade material, o que primeiramente implicou em realização da liberdade positiva e a vedação de tratamentos desiguais a pessoas que encontravam-se em patamares de igualdade, afastando assim a nefasta discriminação.

Entretanto, no Brasil, insta frisar que não houve a completa e satisfatória concretização de um Estado de Bem Estar Social, pois a igualdade material não se assentou por completo na realidade pátria.

Hodiernamente, no atual paradigma de Estado Democrático de Direito, a igualdade deve ser interpretada como igualdade por meio da lei, devendo esta última ser o instrumento viabilizador para tanto.

Ensina Cármem Lúcia Antunes Rocha, (1990, p.39):

O princípio jurídico da igualdade refaz-se na sociedade e rebaliza conceitos, reelabora-se ativamente, para igualar iguais desigualados por ato ou com permissão da lei. O que se pretende, então, é que a ”igualdade perante a lei” signifique ”igualdade por meio da lei”, vale dizer, que seja a lei o instrumento criador das igualdades possíveis e necessárias ao florescimento das relações justas e equilibradas na sociedade por desvirtuamento socioeconômico, o que impõe, por vezes, a desigualação de iguais sob o enfoque tradicional.  

Descabe ser lida de forma restritiva e limitada como a ideia de igualdade perante a lei, a chamada isonomia formal, todavia também não pode ser lida no simples sentido de igualdade na lei, o que corrompe seu verdadeiro ideal. Deve ser compreendida como igualdade através da lei, o que vai além das interpretações citadas, assim como deve ser construída através dos destinatários desta norma, os cidadãos, bem como por meio de seus representantes eleitos, face ao atual Estado Democrático de Direito.

Cabe-nos frisar que, a desigualdade na lei acontece quando a norma diferencia de forma desarrazoada ou até mesmo arbitrária um tratamento especifico a pessoas diferentes. Para que o tratamento normativo diferenciado não seja considerado discriminatório, torna-se indispensável à existência de razão objetiva e razoável, conforme critérios e juízos de valor previamente aceitos, cuja exigência destes deve ser aplicada em relação ao fim e efeitos da medida utilizada, devendo então estar presente uma razoável relação de proporção entre as ferramentas utilizadas para chegar a igualdade através da lei e ao fim atingido, sempre de acordo com os direitos constitucionais tutelados.

Assim, cabem tratamentos normativos digressionados, sendo estes compatíveis Constituição Federal, haja vista finalidade razoavelmente proporcional ao objetivo visado.

Disserta Alexandre de Moraes, (2009, p.36):

O intérprete/autoridade pública não poderá aplicar as leis e atos normativos aos casos concretos de forma a criar ou aumentar desigualdades arbitrárias. Ressalte-se que, em especial o Poder Judiciário, no exercício de sua função jurisdicional de dizer o direito ao caso concreto, deverá utilizar os mecanismos constitucionais no sentido de dar uma interpretação única e igualitária as normas jurídicas. Nesse sentido a intenção do legislador constituinte ao prever o recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal (uniformização na interpretação da Constituição Federal) e o recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça (uniformização na interpretação da legislação federal). Além disso, sempre em respeito ao princípio da igualdade, a legislação processual deverá estabelecer mecanismos de uniformização de jurisprudência a todos os Tribunais. Finalmente, o particular não poderá pautar-se por condutas discriminatórias, preconceituosas ou racistas, sob pena de responsabilidade civil ou penal, nos termos da legislação em vigor.

Conforme já asseverado, o Princípio da Igualdade deve ser pautado na lei, pois só a lei pode estabelecer o quanto desigual um tratamento deve ser a determinados grupos sociais, haja vista a necessidade ou peculiaridade daqueles em relação aos demais. Não obstante, tal tratamento deve possuir critérios razoáveis, sob pena de se configurar discriminação.

Assim ensina o doutrinador José Gomes Canotilho, (1998, p. 429): 

O princípio da igualdade não proíbe, pois, que a lei estabeleça distinções. Proíbe, isso sim, o arbítrio; ou seja, proíbe as diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, que o mesmo é dizer sem qualquer justificação razoável, segundo critérios de valor objectivo constitucionalmente relevantes. Proíbe também que se tratem por igual situações essencialmente desiguais. E proíbe ainda a discriminação: ou seja, as diferenciações de tratamento fundadas em categorias meramente subjectivas (…).  

A não discriminação é instrumento essencial precipuamente à esfera do Direito do Trabalho, pois veda a prática de condutas agressoras tanto na seara moral quanto patrimonial e de fato é o princípio que melhor se encaixa com a vida real e com as demandas do Direito do Trabalho, que visa estabelecer um mínimo civilizatório a todos.

Assim, conclui-se que, não obstante o artigo 5º da CR/88 dissertar uma igualdade que aparente ser meramente formal, a interpretação do dispositivo citado deve ser feita levando-se em consideração, com a peculiaridade de cada pessoa e valendo-se de critérios proporcionais e razoáveis para distinguir grupos que necessitem de tal distinção de forma cautelosa, para que não seja perpetrada a discriminação.

Neste tocante, ao analisarmos a licença-maternidade e paternidade, notamos uma patente desigualdade entre homens e mulheres sem que esta consiga estabelecer uma efetiva igualdade no plano concreto.

Tanto a CR/88[3] quando a Consolidação das Leis do Trabalho, com o objetivo de proteger as crianças e suas famílias, preveem a licença-maternidade[4] e a não interrupção de salário ás empregadas gestantes ou também na hipótese de adoção ou concessão de guarda legal para fins de adoção[5], sendo aplicáveis aos homens apenas a licença paternidade de 05 dias.

Tais disposições legais denotam fragilidade e incompatibilidade com os atuais e novos modelos familiares existentes hodiernamente, por não comportarem outros modelos de estrutura familiar, vinculando-se sempre ao texto frio e retrogrado da lei que impõe a união entre homens e mulheres. Desprezam as famílias formadas apenas por homens, solteiros ou não, acompanhados por outro homem ou não, que possuem a mesma necessidade de estarem com sua prole, seja biológica ou por adoção, que uma mulher teria.

Os direitos e garantias fundamentais, preconizados no artigo 5°[6] da CR/88 preceitua que ”todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Assim, ao haver garantia dos já citados benefícios apenas para empregadas do sexo feminino, face aos atuais modelos de famílias que tem homens vivenciando situações como as das mulheres, seja através de filhos adotados ou biológicos, está a legislação pátria colocando em ”xeque” os princípios mais básicos do Estado Democrático de Direito, visto que coloca o sexo do trabalhador como fator determinante à extensão do manto da proteção às crianças e suas famílias. Há neste caso tratamento diferenciado em razão de sexo, sem fundamento para tanto, uma vez que tal discriminação não consegue efetivar a igualdade entre os obreiros.

Ademais, perpetrar tratamento discriminatório e preconceituoso aos trabalhadores que sejam pais, desprovidos da figura materna no lar, é aplicar por consequência o mesmo tratamento para as crianças que se encontrem sob a tutela unicamente masculina, contrariando a intenção da lei, que visa resguardar o melhor interesse da criança de alcançar pleno desenvolvimento físico e psicológico.

Enquanto há a lacuna legislativa prevista no ADCT, desde a promulgação da Constituição da República, o judiciário vem aplicando a regra geral, preconizada no artigo 10°, § 1°, do ADCT, concedendo apenas os cinco dias de licença-paternidade ao pai solteiro, seja ele adotante ou não, assim como ao pai componente de casal homoafetivo masculino.

Nessa conjuntura, podemos afirmar que há tratamento diverso para pessoas que se encontram na mesma situação, cujo objetivo é idêntico, que é a busca sempre do melhor interesse da criança, visando melhor adaptação ao convívio familiar.

Na seara do direito trabalhista, é fato que em algumas situações peculiares a desigualdade de tratamento entre homens e mulheres é necessária para que efetive-se a igualdade de condições no plano fático. Entretanto, não ha nenhum fundamento com embasamento constitucional capaz de justificar a absurda diferença entre o período de tempo concedido na licença-maternidade e na licença-paternidade, quando há a ausência da figura materna naquela família.

Destarte, é necessário que a aplicação da atual licença-paternidade seja ultrapassada, em se tratando de casos onde a família encontra-se desprovida da figura materna no lar, ainda que através de jurisprudências e leis que venham a assegurar a proteção dos trabalhadores e suas famílias, de forma que seja garantida a igualdade no caso concreto.

 

3 O NOVO CONCEITO DE FAMÍLIA E O MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA 

Hodiernamente, o conceito de família vem evoluindo e ainda assim o estigma arraigado em grande parte da sociedade enxerga a família apenas como relação interpessoal entre homem e mulher, oficializada pelo matrimonio.

Ainda que atualmente as famílias contemporâneas sejam constituídas não apenas por laços biológicos, cabendo também a afinidade ou afetividade, é notório através da própria legislação a tentativa falha de atribuir invisibilidade a estes novos modelos familiares, pois em se tratando do casamento, sequer há referência a diversidade de sexo do par.

Os novos modelos de família trouxeram consigo diversas inovações no tocante à sua organização e constituição, contrariando o já citado arraigado estigma que considera como família as entidades possuidoras de uma figura paterna e outra materna, do sexo feminino.

Hoje é comum a existência de famílias diferentes do padrão consignado pela união de um homem e mulher. Há famílias monoparentais, compostas somente por uma figura materna ou paterna e sua respectiva prole e também as famílias homoafetivas, onde há a união de pessoas homossexuais, composta por homens ou mulheres e que exercem sim a função de pais e mães.

Neste tocante, doutrinadora Maria Berenice Dias, (2005, p. 191), leciona: 

  Quase intituivamente se conceitua a família como relação interpessoal entre homem e mulher, constituída pelos sagrados laços do matrimonio. É tão arraigada essa ideia que o legislador, quando trata do casamento, sequer refere a diversidade de sexo do par. Assim, apesar do repúdio social e da rejeição de origem religiosa, por falta de vedação constitucional ou legal, não há impedimento ao casamento homossexual. As uniões de pessoas do mesmo sexo receberam, ao longo da história, um sem-número de rotulações pejorativas e discriminatórias. No entanto, é uma realidade que não mais se pode fazer de conta que não existe.  

Acerca dos novos modelos familiares, há também os que se encontram ausentes da figura materna e ainda assim são considerados pela doutrina e jurisprudência como entidades que detém status de família, haja vista existência do poder paternal, sendo devida então a tutela jurídica dispensada as famílias, consoante previsão constitucional consignada no artigo 226 que prevê que ”a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.”

Sobre o tema, Maria Berenice Dias, (2005, p. 192), preceitua que: 

A norma (CF 226) é uma cláusula geral de inclusão, não sendo admissível excluir qualquer entidade que preencha os requisitos de afetividade, estabilidade e ostensividade. Não se pode deixar de reconhecer que há relacionamentos que, mesmo sem a diversidade de sexos, atendem a tais requisitos. Tem origem em um vínculo afetivo, devendo ser identificados como entidade familiar a merecer a tutela legal. A regra maior da Constituição, que serve de norte ao sistema jurídico, é o respeito dignidade humana. O compromisso do Estado para com o cidadão se sustenta no primado da igualdade e da liberdade, consagrados já no seu preâmbulo. Ao conceder proteção a todos, veda discriminação e preconceitos por motivo de origem, raça, sexo ou idade e assegura: o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos.  

No tocante ao caráter familiar dos casais homoafetivos, a tutela jurídica retro citada foi objeto da ADPF n° 132-RJ e ADI 4277, que reconheceu a união estável para casais do mesmo sexo, consoante voto do, à época, Ministro do Supremo Tribunal Federal, Carlos Ayres Britto. Vejamos: 

II.3. que a terminologia “entidade familiar” não significa algo diferente de “família”, pois não há hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre as duas formas de constituição de um novo núcleo doméstico. Estou a dizer: a expressão “entidade familiar” não foi usada para designar um tipo inferior de unidade doméstica, porque apenas a meio caminho da família que se forma pelo casamento civil. Não foi e não é isso, pois inexiste essa figura da sub-família, família de segunda classe ou família “mais ou menos” (relembrando o poema de Chico Xavier). (…) Logo, diferentemente do casamento ou da própria união estável, a família não se define como simples instituto ou figura de direito em sentido meramente objetivo. Essas duas objetivas figuras de direito que são o casamento civil e a união estável é que se distinguem mutuamente, mas o resultado a que chegam é idêntico: uma nova família, ou, se se prefere, uma nova “entidade familiar”, seja a constituída por pares homoafetivos, seja a formada por casais heteroafetivos. (…) Por que entidade familiar não é família? E família por inteiro (não pela metade)? II.4. que as diferenças nodulares entre “união estável” e “casamento civil” já são antecipadas pela própria Constituição, como, por ilustração, a submissão da união estável à prova dessa estabilidade (que só pode ser um requisito de natureza temporal), exigência que não é feita para o casamento. Ou quando a Constituição cuida da forma de dissolução do casamento civil (divórcio), deixando de fazê-lo quanto à união estável (§6º do art. 226). Mas tanto numa quanto noutra modalidade de legítima constituição da família, nenhuma referência é feita à interdição, ou à possibilidade, de protagonização por pessoas do mesmo sexo. Desde que preenchidas, também por evidente, as condições legalmente impostas aos casais heteroafetivos. Inteligência que se robustece com a proposição de que não se proíbe nada a ninguém senão em face de um direito ou de proteção de um interesse de outrem. E já vimos que a contraparte específica ou o focado contraponto jurídico dos sujeitos homoafetivos só podem ser os indivíduos heteroafetivos, e o fato é que a tais indivíduos não assiste o direito à não equiparação jurídica com os primeiros. Visto que sua heteroafetividade em si não os torna superiores em nada. Não os beneficia com a titularidade exclusiva do direito à constituição de uma família. Aqui, o reino é da igualdade pura e simples, pois não se pode alegar que os heteroafetivos perdem se os homoafetivos ganham. E quanto à sociedade como um todo, sua estruturação é de se dar, já o dissemos, com fincas na fraternidade, no pluralismo e na proibição do preconceito, conforme os expressos dizeres do preâmbulo da nossa Constituição.[7] (grifo original) 

Ainda neste diapasão, o voto preferido pelo Superior Tribunal de Justiça, de relatoria do Ministro Luiz Felipe Salomão julgou procedente o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, situação que fora levada ao Poder Judiciário por ter sido criado óbice no momento da habilitação das pretensas cônjuges. 

Agora, a concepção constitucional do casamento – diferentemente do que ocorria com os diplomas superados -, deve ser necessariamente plural, porque plurais também são as famílias e, ademais, não é ele, o casamento, o destinatário final da proteção do Estado, mas apenas o intermediário de um propósito maior, que é a proteção da pessoa humana em sua inalienável dignidade. A fundamentação do casamento hoje não pode simplesmente emergir de seu traço histórico, mas deve ser extraída de sua função constitucional instrumentalizadora da dignidade da pessoa humana. Por isso não se pode examinar o casamento de hoje como exatamente o mesmo de dois séculos passados, cuja união entre Estado e Igreja engendrou um casamento civil sacramental, de núcleo essencial fincado na procriação, na indissolubilidade e na heterossexualidade.(…) Não pode o Direito – sob pena de ser inútil – pretender limitar conceitualmente essa realidade fenomênica chamada “família”, muito pelo contrário, é essa realidade fática que reclama e conduz a regulação jurídica. Atentando-se a isso, o pluralismo familiar engendrado pela Constituição – explicitamente reconhecido em precedentes, tanto desta Corte, quanto do STF -, impede se pretenda afirmar que as famílias formadas por pares homoafetivos sejam menos dignas de proteção do Estado, se comparadas com aquelas apoiadas na tradição e formadas por casais heteroafetivos.(…) Nessa toada, enquanto o Congresso Nacional, no caso brasileiro, não assume, explicitamente, sua coparticipação nesse processo constitucional de defesa e proteção dos socialmente vulneráveis, não pode o Poder Judiciário demitir-se desse mister, sob pena de aceitação tácita de um Estado que somente é “democrático” formalmente, sem que tal predicativo resista a uma mínima investigação acerca da universalização dos direitos civis. 9. Diante do exposto, dou provimento ao recurso especial para afastar o óbice relativo à diversidade de sexos e para determinar o prosseguimento do processo de habilitação de casamento, salvo se por outro motivo as recorrentes estiverem impedidas de contrair matrimônio. [8](grifo nosso)  

Para coadunar com os posicionamentos acima registrados, a doutrinadora Maria Berenice Dias discorreu no mesmo sentido das decisões retro transcritas em seu artigo ”As uniões homoafetivas frente a Constituição Federal” , Revista Jurídica Consulex, Ano XII – n° 281 – 30 set. (2008, p. 52).

Vejamos: 

Pluralizou-se o conceito de família, que, não mais se identifica pela celebração do matrimonio. Não há como afirmar que o art. 226, § 3°, da Constituição Federal, ao mencionar a união estável formada entre um homem e uma mulher, reconheceu somente esta convivência como digna da proteção do Estado. O que existe é uma simples recomendação para transformá-la em casamento. Em nenhum momento foi dito não existirem entidades familiares formadas por pessoas do mesmo sexo. Exigir a diferenciação de sexos no casal para haver a proteção do Estado é fazer distinção odiosa, postura nitidamente discriminatória que contraria o princípio da igualdade, ignorando a existência da vedação de diferenciar pessoas em razão de seu sexo.  

Para focar no presente trabalho, cabe nos aqui o estudo preciso das famílias homoafetivas masculinas e famílias monoparentais compostas somente por pais solteiros, onde estes assumem o dever de educar seus filhos sozinhos.

A falta da figura materna nas famílias monoparentais pode ter vários motivos, como o divórcio, o abandono do lar, a geração de filhos de forma independente e até mesmo o óbito do cônjuge.

Entretanto, a família monoparental encontra-se constitucionalmente protegida, consoante disposição do artigo 226, §4°, da Constituição Federal de 1988, que assim dispõe: ”entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”.

Insta frisar que às famílias incumbe o dever de proteção da criança e do adolescente e a promoção do seu bem-estar, bem como a plena convivência familiar, sejam aquelas formadas pelo casamento, pais solteiros, união estável ou entidades em que haja laços de afinidade, consoante inteligência do artigo 227 da Constituição Federal, assim como prevê o Estatuto da Criança e Adolescente em seus dispositivos 4° e 19. Vejamos, respectivamente: 

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. 

 Art. 19. Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes.” (grifo nosso) 

Destarte, em face de tais dispositivos, é evidente o dever da família de promover o melhor ambiente possível ao crescimento e cuidado das crianças. O que nos interessa aqui é demonstrar que, ao não se conceder aos pais obreiros ausentes da figura materna da mãe em sua entidade familiar um período de licença digno como o concedido às obreiras do sexo feminino, estão sendo cabalmente ceifados os direitos destes trabalhadores e de seus filhos que, por não disporem de mãe, são tratados de forma desigual e preconceituosa, haja vista a privação da convivência com os seus pais no momento em que esta é tão necessária, principalmente pelo fato de não existir a figura materna no seio desta entidade familiar.

A ideia protecionista que a legislação retro colacionada trás é oriunda do princípio do melhor interesse da criança, sendo este último plenamente incorporado e aceito pelo ordenamento jurídico pátrio, tendo sido originado na Declaração Universal dos Direitos da Criança, de 1959. A ideia central do princípio preceitua que quando existir possíveis conflitos envolvendo uma criança, a solução deste deverá visar o melhor resultado para a criança, haja vista que devem seus interesses serem sobrepostos aos demais, em homenagem a ideia central que é o resguardo de seu melhor interesse.

Acerca dos objetivos de tal princípio, Dias, (2005, p. 64), apud, Teixeira, Ana Carolina B. e Sá, Maria de Fátima F.: 

O Estatuto rege-se pelos princípios do melhor interesse, paternidade responsável e proteção integral, visando a conduzir o menor ao alcance da maioridade de forma responsável, constituindo como sujeito da própria vida, para que possa gozar de forma plena dos seus direitos fundamentais.  

Conclui-se, portanto, que um dos objetivos e responsabilidades maiores do instituto familiar, desde já incluídas as famílias monoparentais e as compostas por casais homoafetivos, conforme já explanado, também do Estado e de toda sociedade, a proteção integral da criança e do adolescente e o resguardo de seu melhor interesse, visando à construção de um sujeito de direitos responsável e pleno.

Assim, conforme demonstrado é necessário a adaptação dos direitos trabalhistas de licença maternidade e salário maternidade aos atuais modelos de família brasileira, ultrapassando a ideia arcaica de que família constitui-se apenas pelo casamento entre homem e mulher, estendendo-se os direitos ao obreiro do sexo masculino, quando estes forem indispensáveis para cuidado, proteção, adaptação e educação da criança e adolescente sob tutela. 

 

4 DA LICENÇA-MATERNIDADE E LICENÇA-PATERNIDADE 

A licença-maternidade constitui garantia constitucional, consoante artigo 7°, XVIII da Constituição da República, que ampliou a antiga licença de 90 dias para os atuais 120 dias.

A referida garantia é extensível às empregadas, contribuinte individual, trabalhadora avulsa, domésticas, segura especial e segurada facultativa.

A Consolidação das Leis do Trabalho também destina um de seus capítulos exclusivamente à Proteção do Trabalho da Mulher, do seu artigo 372 ao 401, fixando a licença-maternidade em 120 dias, conforme inteligência constitucional, situação em que o afastamento da empregada gestante poderá ocorrer até 28 dias antes do parto e a efetiva ocorrência deste, mediante atestado médico a ser apresentado ao seu empregador.

A licença maternidade possui condão social e fundamenta-se no amparo e proteção família, como o caput do artigo 226 da Constituição Federal prevê, a família é base da sociedade e tem especial proteção do Estado.

Assim entendem também Elisabeth Mônica Hasse Becker Neiverth e Silvana Souza Netto Mandalozzo, (2009, p. 175): 

Proteger a gravidez e a maternidade é preocupação de caráter social com vistas a uma população mais saudável e preservação da dignidade da trabalhadora. Contar com a proteção à maternidade é um privilégio recente na história do trabalho da mulher no Brasil.  

Importante frisar que a licença-maternidade independe do estado civil da trabalhadora, tendo seu fundamento precípuo na busca do bem-estar da criança, seu bom e saudável desenvolvimento e seu melhor interesse, eis que a criança, em seus primeiros meses de vida, necessita da assistência da mãe em período integral.

A licença-maternidade é vinculada ao salário-maternidade, possuindo este natureza previdenciária, sendo devido pelo período de licença que perdura 120 dias, seja pela ocasião do parto, adoção ou de guarda judicial para fins de adoção. Frise-se que tal benefício é custeado diretamente pela Previdência Social em casos de trabalhadoras avulsas, autônomas, domésticas e pelo empregador às empregadas (salvo adoção, situação em que a Previdência Social custeará), devendo ser compensado o pagamento no momento de recolhimento das contribuições relativas sobre a folha de salários e rendimentos pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, consoante inteligência da Lei 8.213/91[9]

Cabe ressaltar que a concessão do salário-maternidade independe do número de contribuições pagas pela segurada empregada, trabalhadora avulsa e empregada doméstica, conforme o entendimento dos doutrinadores de Direito Previdenciário, Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari.

Entretanto, para as seguradas contribuintes individuais, segurada especial e segurada facultativa, há prazo de carência de dez contribuições mensais[10]

Nota-se que ao conceder à licença-maternidade o caráter previdenciário, a intenção do legislador foi vedar a discriminação do trabalho da mulher, pois ao retirar do empregador o encargo do pagamento de tal prestação, a intenção foi desonerá-lo para que não houvesse limitação à contratação de mulheres em idade fértil. Para coadunar com tal proteção, o legislador previu, conforme artigo 10, II, ”b” do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias a vedação da dispensa imotivada da empregada gestante, garantia esta desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.

Entende-se que tais garantias concedidas à trabalhadora foram previstas como meio de resguardar a empregada e manter sua inserção no mercado de trabalho, evitando que haja discriminação por parte do empregador, quando da seleção de seu pessoal face ao sexo, estado gravídico ou mesmo fase fértil da candidata.  Assim, tenta-se ao menos nivelar o oferecimento de oportunidades percebidas pelos homens dentro do mercado de trabalho.

Não obstante, a licença-paternidade não desfruta de grande amparo no direito brasileiro, cuja previsão encontra-se no artigo 7°, XIX e § único da Constituição da República de 1988, possuindo, conforme previsão do artigo 10, §1°, do ADCT, até que seja promulgada lei que trate acerca do beneficio, que por enquanto possui duração de cinco dias.

A mesma é devida ao empregado urbano, rural, doméstico e ao trabalhador avulso, aos militares e aos servidores públicos. Em contrapartida, a licença-paternidade não possui natureza previdenciária e é ônus do empregador, salvo no caso dos servidores públicos, conforme artigo 208 da Lei 8.112/90 que trata acerca do regime jurídico dos servidores públicos civis da União, autarquias e fundações públicas federais.  Não há também garantia de emprego.

Nota-se então flagrante discrepância com a atual realidade dos novos modelos de famílias brasileiras, eis que tais normas levam em consideração uma sociedade patriarcal, onde apenas as mulheres cuidam dos filhos e deixando ao pai trabalhador um mero papel secundário e financeiro nos cuidados de sua família.

Assim, tem-se que o tratamento dado aos trabalhadores do sexo masculino não se compatibiliza com as atuais mudanças do conceito de família sofridas pela sociedade brasileira, fato este que precisa ser urgentemente superado. 

 

5 DA POSSIBILIDADE DO EMPREGO ANALÓGICO DO INSTITUTITO DA LICENÇA-MATERNIDADE AOS PAIS SOLTEIROS E CASAIS HOMOAFETIVOS MASCULINOS 

Conforme exposto, os sujeitos para os quais ora se defende a aplicação do instituto da licença-maternidade, quais sejam, a família monoparental e a família homoafetiva masculina são reconhecidos e protegidos por nosso ordenamento jurídico. Àquela tem proteção constitucional, conforme o já citado artigo 226 da Constituição Federal de 1988. Já a família homoafetiva masculina não encontra vedação no ordenamento jurídico e teve a possibilidade de união estável reconhecida nas já citadas ADPF n°: 132-RJ e ADI 4277.

Assim, depreende-se que não há porque o direito desses pais e suas respectivas famílias continuarem sem a devida proteção efetiva, não havendo justificativa que a licença-paternidade continue sendo de 5 dias, nos casos onde não há figura materna, frise-se.

Conforme a legislação brasileira, o direito à licença-paternidade decorre da condição de o trabalhador se tornar pai, biológico ou adotivo, conforme previsão da Lei 12.010 de Agosto de 2009, que assim dispõe em seu artigo 42: 

Art. 42: Podem adotar os maiores de 18 (dezoito) anos, independentemente do estado civil

§2° – Para adoção conjunta, é indispensável que os adotantes sejam casados civilmente ou mantenham união estável, comprovada a estabilidade da família. 

Nota-se então que não há qualquer vedação na legislação brasileira que constitua óbice à adoção masculina, não havendo exigência de que a pessoa adotante tenha que ser do sexo feminino, ou ainda expressa exigência de que o adotante masculino tenha uma mulher como companheira.

Atualmente, existem várias formas de se tornar pai de uma criança, sem obrigatoriamente existir a presença da figura materna na família, como por exemplo, o método de inseminações artificiais e o uso das ”barrigas de aluguel” ou mesmo pelo meio natural, casos onde os pais perdem a companheira por diversos motivos, como falecimento no parto, abandono de lar após o parto, o que pode se dar por diversas circunstancias, até mesmo em decorrência de depressão pós-parto, dentre outras tamanhas possibilidades que podem ocorrer em virtude de particularidades da família brasileira.

O problema é que a legislação ainda é omissa no tocante a alguns direitos necessários à efetiva proteção de tais famílias, precipuamente em relação à previsão de afastamento do emprego por período razoável, sem prejuízo do salário, no que tange aos homens solteiros e casais homoafetivos que se tornam pais, seja pela adoção ou método biológico.

A Lei 12.010 de 2009, que aborda a adoção, bem como a Consolidação das Leis do Trabalho foram omissas a respeito desta situação e ao preverem a licença-maternidade, respectivamente em caso de adoção ou meios biológicos, não consideraram a existência de famílias monoparentais e homoafetivas masculinas, onde o pai é o único responsável pela adaptação da criança ao meio familiar, fazendo vezes de mãe, uma vez que naquela família não há figura materna.

Ressalte-se que a citada Lei 12.010 de 2009 revogou os parágrafos 1° e 3° do antigo artigo 392-A da Consolidação das Leis do Trabalho, que previam que quanto maior a idade da criança, menor seria o tempo de licença-maternidade. Atualmente, não há mais tal escalonamento, sendo a licença-maternidade de 120 dias invariavelmente, o que visa promover a igualdade entre mães e filhos adotivos e biológicos.

Entretanto, o pai faz em certos casos o papel de mãe, responsabilizando-se integralmente pela vida dos filhos, o que foi esquecido pela legislação, que manteve a licença-paternidade de 5 dias,  o que só é compreensível quando há a presença da figura materna. Nos casos aqui tratados, não há a figura materna, restando então patente o tratamento desigual entre pessoas que se encontram claramente na mesma situação.

O objetivo da licença-maternidade é promover a criação de laços afetivos entre a criança e sua mãe, pelo que tal raciocínio também se aplica ao pai que necessita criar tal laço e cuidar de seu filho. Frise-se que quanto às famílias monoparentais constituídas por mãe solteira, em caso de adoção ou filho biológico, esta terá licença-maternidade de 120 dias, assim como no caso de adoção ou filhos também biológicos de casais homoafetivos femininos.

Nota-se então a inequívoca omissão acerca das adoções por pais solteiros, também no que tange aos pais biológicos desprovidos da figura materna e também face à adoção por casais homoafetivos, vez que a Lei da Adoção, 12.010 de 2009 não disciplina a situação do pai que se encontra ausente de figura materna em nenhuma das hipóteses retro explicitadas, causando tratamento diferenciado a pessoas que claramente encontram-se na mesma situação.

Atualmente, apesar das poucas decisões concedendo a licença-maternidade ao homem, não se pode deixar de reconhecer as que o fizeram, nos moldes defendidos no presente trabalho, conforme nos apresenta Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari, (2013, p.826):

Justiça dá ”licença-maternidade” a servidor que perdeu a mulher no parto. Funcionário da PF recorreu à Justiça após ter pedido negado pelo órgão. Juíza considerou que pai deveria dar assistência à criança; cabe recurso. Notícia disponível em: <http://g1.globo.com/distrito-federal/noticia/2012/02/justiça-da-licenca-maternidade-servidor-que-perdeu-mulher-no-parto.html>  

Segue um dos principais trechos da decisão acima referida pelos doutrinadores:

Embora não exista previsão legal e constitucional de licença-paternidade nos moldes da licença-maternidade, essa não deve ser negada ao genitor, ora impetrante. Isso porque o fundamento desse direito é proporcionar à mãe período de tempo integral com a criança, possibilitando que sejam dispensados a ela todos os cuidados essenciais à sua sobrevivência e ao seu desenvolvimento.

Na ausência da genitora, tais cuidados devem ser prestados pelo pai e isso deve ser assegurado pelo Estado, principalmente nos casos como o presente, em que, além de todas as necessidades que um recém-nascido demanda, ainda há a dor decorrente da perda daquela.

Nestas circunstâncias, os princípios da dignidade da pessoa humana e da proteção à infância devem preponderar sobre o da legalidade estrita, que concede tão somente às mulheres o direito de gozo da licença-maternidade.

Diante do exposto, defiro o pedido liminar para conferir ao Impetrado o direito de gozar da licença-paternidade nos moldes da licença-maternidade prevista no art. 207 da Lei nº 8.112/90 c/c art. 2º, §1º, do Decreto nº 6.690/08” (Justiça Federal do Distrito Federal – 06ª Vara – Decisão em Mandado de Segurança com Pedido de Liminar nº 6965-91.2012.4.01.3400 – Juíza Federal Ivani Silva da Luz – Data da decisão: 08.02.2012)[11] (grifo nosso) 

Ainda no tocante às decisões proferidas neste mesmo sentido, o Conselho Superior da Justiça do Trabalho, ao julgar decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região estendeu a licença-maternidade ao pai solteiro adotante, conforme trecho da referida decisão transcrita abaixo, referente ao processo de número 150/2008-895-15-00-0. 

Ultrapassado isso, tem-se como essencial uma interpretação sistemática do artigo 210 da Lei nº 8.112/90 com o artigo 5º, caput, da Constituição da República, que consagra o princípio da isonomia. Com efeito, se o Estatuto da Criança e do Adolescente (artigo 42 da Lei nº 8.069/90) confere a qualquer pessoa com idade superior a 21 (vinte e um) anos, independente do sexo, o direito à adoção, afigura-se-me normal que um servidor, ainda que não casado, opte por adotar ou obter a guarda judicial de uma criança. Aliás, conduta desta natureza, além de se encontrar em perfeita harmonia com o artigo 227 da Constituição da República, que prevê ser dever do Estado, da família e da sociedade assegurar, com absoluta prioridade, proteção à criança e ao adolescente, é digna de louvor, principalmente se levarmos em consideração que vivemos num país que, embora em desenvolvimento, convive ainda com elevado número de crianças em total abandono e às margens da criminalidade. Não é menos verdade que o lapso temporal de 90 dias previsto no artigo 210 da Lei nº 8.112/90, para gozo de licença da servidora, deve-se ao fato de, em se tratando de criança com idade inferior a 1 (um) ano, serem imprescindíveis, tanto cuidados especiais e essenciais à adaptação ao novo ambiente familiar, como a aquisição de materiais a serem utilizados pela criança e, quiçá, a contratação de uma babá de confiança para zelar pelo menor. Esses cuidados, como se sabe, não deixam de ser primordiais à boa adaptação da criança, apenas por ser o adotante um servidor do sexo masculino que não tenha firmado sociedade conjugal. Aliás, eventual conclusão no sentido de se obstaculizar o direito do servidor implicaria, a meu ver, manifesta ofensa ao princípio constitucional da isonomia, além da consagração de tese que, certamente, não conseguiu acompanhar a evolução da nossa sociedade. Resulta, pois, intacta a decisão proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho da Décima Quinta Região, que reconheceu o direito à licença de 90 (noventa) dias ao servidor que obteve a guarda, para fins de adoção, de uma criança com idade inferior a 1 (um) ano. Assim, dada a relevância da matéria ora examinada, entendo conveniente seja conferido efeito normativo ao presente acórdão, com a consequente edição de Resolução por este Conselho [12](grifo nosso) 

Infelizmente, tais decisões são extremamente raras em nosso ordenamento jurídico, o que deve ser mudado o mais rápido possível, para que o principio da isonomia ultrapasse os contornos constitucionais e efetive-se na realidade das pessoas que se encontram na mesma situação e não obstante recebem tratamento diferenciado, frustrando a proteção constitucional à família, crianças e adolescentes e aos trabalhadores.

Assim, resta patente a necessidade de concessão aos pais trabalhadores, em caso de ausência das mães, um período de tempo mais apropriado para que possam prover assistência aos seus filhos, com continuação de recebimento de salário por este período, para que possam viabilizar a inserção e adaptação do infante ao seio familiar, através do método ofertado pelo instituto da analogia, uma vez que não ha lei dispondo a pretensão aqui ora defendida.

O artigo 4° da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro estabelece que ”quando a lei for omissa, o juiz decidira o caso de acordo com a analogia, os costumes e princípios gerais de direito”.

Já na Consolidação das Leis do Trabalho, é o artigo 8° que aborda a analogia como método aceito e positivado no nosso ordenamento jurídico, sempre que houver lacuna legislativa, vejamos: 

Art. 8° – As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, equidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente o direito do trabalho, e, sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.  

Assim, ainda que não haja lacuna completa no tocante ao instituto da licença-paternidade, esta não supre as necessidades das atuais demandas sociais, como no caso da união homoafetiva masculina e no caso da ausência da figura materna em relação ao pai solteiro, seja em relação ao filho biológico ou adotivo. A previsão de licença-paternidade de cinco dias não supre as necessidades das pessoas que se encontram na situação ora abordada, sendo então perfeitamente cabível o  uso da analogia.

Portanto, defende-se aqui a aplicação da licença com duração de 120 dias, sem prejuízo do salário, também aos trabalhadores do sexo masculino, dentro das hipóteses já abordadas.

Nota-se que não é de todo indispensável a mudança da legislação neste tocante, eis que é permitido no nosso ordenamento jurídico fazer uso do método analógico, de tal sorte que cabe a aplicação da licença-maternidade nos casos  aqui relatados, o que permitiria maior facilidade ao acesso de tal beneficio, não sendo necessário acessar o Poder Judiciário para obter o mesmo, movimentando assim toda a máquina do judiciário em uma questão que poderia ser resolvida pelo empregador.

Entretanto, enquanto não ha efetiva alteração do entendimento majoritário, cabe ao judiciário, por meio da analogia, promover a efetivação dos direitos trabalhistas referentes à paternidade, resguardando o interesse social de que a criança desenvolva-se plenamente, em todos os aspectos. 

 

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS 

O presente trabalho teve por objetivo demonstrar a necessidade de uma mudança, no tocante à problemática da licença-maternidade face à paternidade, que coadune com a atual realidade social do Brasil, em se tratando de famílias de diferentes formações e ainda assim, totalmente merecedoras da proteção constitucional.

Assim, nota-se a necessidade de previsão legal para que seja concedida uma licença com duração razoável e digna, tal qual a concedida às obreiras do sexo feminino, também aos trabalhadores do sexo masculino que se encontrem em determinadas situações, permitindo assim um tratamento mais justo e digno entre os trabalhadores e sua prole ausente de figura materna.

Ainda que seja possível a concessão da tal licença por meio da analogia, cumpre ressaltar que a pacificação da questão por meio de lei seria excelente, eis que acabaria definitivamente com toda e qualquer discussão sobre o tema, afastando por completo a discriminação ainda existente, sem contar que não haveria mais a necessidade de acesso ao poder judiciário, para que a parte visse seu direito materializado, bem como teria condão cogente, por se tratar de lei,

Nesse sentido, conclui-se que cabe aos legisladores a feitura de leis mais adequadas à nossa realidade social e que vedem quaisquer formas de discriminação, trazendo assim justiça ao plano da realidade fática. 

 

 REFERÊNCIAS 

AIDAR, Letícia; ANTUNES, Leandro; BELFORT, Simone e GRAVATÁ, Isabelli. CLR Organizada. 3ª ed. São Paulo.  LTr, 2013. 

ANGHER, Anne Joyce. Vade Mecum Acadêmico de Direito 16ª ed. São Paulo: Rideel. 2013. 

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 6ª edição. Portugal: Ed. Almedina. 1998. 

CASTRO, Carlos Alberto Pereira de e LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. 15ª edição. Rio de Janeiro: Gen, 2013. 

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 8ª ed. São Paulo: LTr, 2009. 

DIAS, Maria Berenice. As uniões homoafetivas frente a Constituição Federal. Revista Jurídica Consulex. Brasília. p. 52-53, 30 de set. de 2008 

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. 

DIAS, Maria Berenice. O modelo de família para a nova sociedade do Século XXI. Revista Jurídica Consulex. Brasília, p. 8-10, 29 de fev. de 2004. 

MIRAGLIA, Lívia Mendes Moreira e REIS, Renata Olandim. Da possibilidade de  concessão de licença-maternidade aos pais solteiros e casais homossexuais masculinos. Copendi. Uberlândia, 2012. Disponível em: < http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=c215b446bcdf956d> 

MORAIS, Alexandre de. Direito Constitucional. 24ª ed. São Paulo: Atlas, 2009. 

NEIVERTH Elisabeth Mônica Hasse Becker e MANDALOZZO, Silvana Souza Netto. A licença-maternidade e sua ampliação facultativa. Revista do TRT – 9ª Região. Curitiba, a. 34, n. 63, p. 175-188, Jul./Dez. 2009 

ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. O princípio constitucional da igualdade. Belo Horizonte: Lê, 1990.  

 


NOTAS DE FIM

[1] Graduanda do Curso Superior de Direito no Centro Universitário Newton Paiva.

[2] Professor orientador do presente artigo e professor titular do Centro Universitário Newton Paiva.

[3] CRFB/88, artigo 7, XIX: ”São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem a melhoria de sua condição social: XIX – licença-paternidade nos termos fixados em lei e ADCT – Ato das disposições constitucionais transitórias, artigo 10: ”Até que seja promulgada lei complementar a que se refere o artigo 7, I, da Constituição: §1°: Até que lei venha disciplinar o disposto no artigo 7°, XIX da Constituição, o prazo de licença-paternidade a que se refere o inciso é de cinco dias.”

[4] Artigo 392 da CLT: “A empregada gestante tem direito a licença-maternidade de 120 (cento e vinte) dias, sem prejuízo do emprego e do salário”.

[5]Artigo 392-A da CLT: ”À empregada que adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção de criança será concedida licença-maternidade nos termos do artigo 392(…) e artigo 393 da CLT: ”Durante o período a que se refere o artigo 392, a mulher terá direito ao salário integral e, quando variável, calculado de acordo com o que anteriormente ocupava.”

[6] Artigo 5°, CR/88: ”Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I-homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.”

[7] Disponível em: <http://stf.jus.br/arquivo/cms/publicacaoRTJ/anexo/219_1.pdf >. Acesso em: 11 abr. 2013.

[8] Disponível em: <http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/download.wsp?tmp.arquivo=2249>. Acesso em: 10 abr. 2013.

[9]Art. 71. O salário-maternidade é devido à segurada da Previdência Social, durante 120 (cento e vinte) dias, com início no período entre 28 (vinte e oito) dias antes do parto e a data de ocorrência deste, observadas as situações e condições previstas na legislação no que concerne à proteção à maternidade.

[10]Prazo de carência criado pela Lei n. 9.876/99 que deu nova redação ao artigo 25 da Lei n. 8.213/91.

[11] Disponível em: http://www.conjur.com.br/dl/jose-joaquim-santos-sentenca.pdf> Acesso em 28 mai. 2013

[12] Disponível em: , http://www.csjt.jus.br/c/document_library/get_file?uuid=e938572d-7979-4f8a-a9e9-415116ac0979&groupId=955023> . Acesso em 28 mai. 2013.