Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva

 Antônio Gustavo Diniz Matoso[1] 

 

RESUMO: O mandado de busca e apreensão é uma ferramenta tipicamente utilizada pela Polícia Civil e Polícia Federal, mas que vem sendo também utilizada pela Polícia Militar, contudo, essa linha tênue da prevenção e investigação, tem provocado discussões no âmbito das instituições e do judiciário, neste último caso, o objeto discutido é se seria possível a Polícia Militar solicitar e cumprir o mandado de busca e apreensão. Neste contexto, o trabalho foi delineado a verificar as atribuições constitucionais de cada instituição policial, o limite de suas atuações, o embate dos princípios e garantias versos o mandado de busca e apreensão, além das discussões jurisprudenciais. No decorrer da leitura verificará que existe a possibilidade da Polícia Militar em casos excepcionais de condutas criminosas previstas na Lei 10826/03 e Lei 11343/06, presente a relevância urgência, solicitar e cumprir o mandado de busca e apreensão, com o único intuito de combater o avanço desenfreado da criminalidade e possibilitar aos milicianos mais uma ferramenta na tentativa de preservação da ordem pública, além de resguardar a atuação policial.

 

Palavras-chaves: Mandado; busca; polícia; militar; solicitação.

Área de Interesse: Direito Penal

 

1 Introdução 

O Direito Processual Penal tem por finalidade a viabilização da aplicação do Direito Penal, sendo necessárias ferramentas que proporcionem meios para efetivar o caminho para materialização da aplicação no caso concreto, ou seja, o Direito Processual Penal é o instrumento capaz de aplicar o Direito Penal e também de efetivar o princípio do devido processo legal.

Dentro deste contexto o tema foi escolhido, afinal, uma das melhores ferramentas do Direito Processual Penal para aplicar o Direito Penal de forma efetiva, é a medida cautelar de mandado de busca e apreensão, que legitima a atuação policial no combate à criminalidade, com o intuito de prender criminosos e colher provas para uma futura ação penal.

Além disso, o mandado de busca e apreensão é uma medida que passa necessariamente pelo crivo judicial, uma vez que a inviolabilidade do domicílio é regra constitucional, prevista no art. 5º, XI, CR/88, sendo possível a violação do domicílio nos casos de flagrante delito, prestar socorro e na hipótese de cumprimento de ordem judicial que inicie durante o dia.

Portanto, o mandado de busca e apreensão legítimo, resguarda a atuação policial, pois a falta da medida cautelar gera como consequência a violação de domicílio alheio, e este por sua vez, implica uma conduta tipificada como abuso de autoridade e comina as penas impostas pelo art. 3º, b, da lei 4898/65, que pode culminar com sanção administrativa, civil e penal para o policial violador do domicílio alheio, afinal, fere um direito fundamental do indivíduo como já citado o art. 5º, XI, CR/88.

Contudo, essa medida é questionada por advogados que defendem réus em processos em que foram colhidas provas por mandados de busca e apreensão solicitados pela Polícia Militar. A defesa alega que isso se trata de usurpação de função pública, ilegalidade ou ilegitimidade e que quem tem atribuição constitucional, no âmbito estadual, é a Polícia Civil.

Desta forma, a discussão da constitucionalidade da solicitação de mandado de busca e apreensão feito pela Polícia Militar, é um tema importante e relevante no contexto de resguardar provas, no intuito de prender criminosos e apreender produtos provenientes de meios ilícitos.

Todavia, caso o Supremo Tribunal Federal (STF) declare a inconstitucionalidade dessa medida, isso pode gerar nulidade em diversos processos e consequente enfraquecimento no combate à criminalidade brasileira, hoje bem fortalecida com a falta de políticas de segurança pública eficiente.

Em síntese, serão empregados como metodologia os conhecimentos científico e filosófico, utilizando para isso, os métodos dedutivo e indutivo e como técnicas; a pesquisa bibliográfica e jurisprudencial.

O objetivo geral é compreender, a partir do atual ordenamento jurídico, a constitucionalidade da solicitação do mandado de busca e apreensão elaborado pela Polícia Militar e como objetivos específicos: realizar uma compreensão das jurisprudências a favor e contra a constitucionalidade da solicitação do mandado de busca e apreensão elaborado pela Polícia Militar e compreender as atribuições constitucionais da Polícia Militar. 

 

2 Segurança Pública 

O tema Segurança Pública, é tratado pela Constituição da República de 1988 no seu artigo 144, dispondo o dever do Estado e o direito e responsabilidade de todos. Neste contexto, vemos os órgãos responsáveis pela segurança pública:  

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I – polícia federal;

II – polícia rodoviária federal;

III – polícia ferroviária federal;

IV – polícias civis;

V – polícias militares e corpos de bombeiros militares. (BRASIL, Constituição da República, 1988) 

            No artigo 136 da Constituição do Estado de Minas Gerais de 1989 em seu caput, vêm como cópia literal do texto da Carta Magna, e seus incisos são delimitados de acordo com a competência estadual: 

.Art. 136 – A segurança pública, dever do Estado e direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I – Polícia Civil;

II – Polícia Militar;

III – Corpo de Bombeiros Militar (MINAS GERAIS, Constituição Estadual, 1989)  

Portanto, nota-se que a segurança pública é dever do Estado e no âmbito de Minas Gerais em sentido estrito de Estado é exercido pela Polícia Militar, Polícia Civil e Corpo de Bombeiros Militar, e cabe a estas três instituições a preservação da ordem pública. Neste artigo, em especial trataremos mais especificamente das instituições Polícia Militar de Minas Gerais e Polícia Civil de Minas Gerais.

Antes de tratarmos especificamente das instituições, temos que ter em mente o conceito de ordem pública, pois, esse é o grande foco da segurança púbica quando se faz a leitura dos caputs dos artigos 144 e 136, respectivamente, CR/88 e CE/89. O termo Ordem Pública é muito subjetivo, mas pode-se entender como bem-estar das pessoas, visando à garantia dos direito fundamentais.

É neste sentido, que Lazzarini esclarece acerca da ordem pública:  

A ordem pública é o efeito de causa segurança pública, como também, acrescentamos, é o efeito da causa tranquilidade pública ou, ainda, efeito da causa da salubridade pública. Cada um desses aspectos da ordem pública é, por si só, a causa do efeito da ordem pública, cada um deles tem por objeto assegurar a ordem pública. (LAZZARINI, 1999, p.53)

Como previsto nas constituições, ocorrendo à desordem, todos os órgãos ali listados tem que agir, em especial às polícias por terem o foco em manter essa ordem pública.

Contudo, quando a desordem acontece, a Polícia Civil e a Polícia Militar encontram-se em embates de atribuições, talvez por um falha do constituinte que elegeu um sistema policial pouco utilizado no mundo, dividido atribuições de investigação e prevenção para duas instituições, causando alguns problemas elencados pelas seguintes perguntas: até onde vai o limite da atribuição da Polícia Militar e da Polícia Civil? Será que esse limite pode ser ultrapassado para alcançar objetivo de manter a ordem pública? Isso é reconhecido juridicamente?

Essas são perguntas que se enquadram na interseção abaixo demonstrada pela FIGURA 1, onde o combate à criminalidade esbarra na já citada linha tênue entre os dois problemas: a prevenção e investigação.  

FIGURA 1 – Interseção entre prevenção e investigação no âmbito da preservação da ordem pública

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fonte: Autoria própria

Essas atribuições constitucionais, delineadas a Polícia Civil e a Polícia Militar, respectivamente, investigação e prevenção, tem uma divisão tênue e de difícil identificação como demonstrado e conforme já dito, o ponto de interseção é a grande causa dos atritos institucionais entre as referidas polícias, onde a discussão central é a prevenção e a apuração do crime e os limites de atribuição de cada instituição.

Entre essas discussões acirradas, um dos grandes focos da crise institucional envolve a possibilidade da Polícia Militar solicitar mandado de busca e apreensão para infrações comuns.

Para melhor compreensão das atribuições da Polícia Civil e Polícia Militar, os subtópicos seguintes são alicerce para esse artigo. 

 

1.1  Atribuição da Polícia Civil 

O §4º, do artigo 144 da CR/88, determinou a Polícia Civil as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, deixando ao cargo desta instituição apurar os crimes que não foram evitados preventivamente, colhendo provas para transmitir à autoridade judiciária (Juiz), colaborando para que o Ministério Público possa ter elementos necessários para oferecimento da denúncia. Assim refere o parágrafo:  

§ 4º – às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares. (BRASIL, Constituição da República, 1988) 

Também chamada de polícia judiciária ou polícia repressiva, cumpre o papel de auxílio ao poder judiciário na condução de presos, execução de mandados de busca e apreensão, mandados de prisão, dentre outras ordens judiciais.

O doutrinador Nucci, esclarece o sentido da atribuição da polícia judiciária: 

O nome polícia judiciária tem sentido na medida em que não se cuida de uma atividade policial ostensiva (típica da Polícia Militar para a garantia da segurança nas ruas), mas investigatória, cuja função se volta a colher provas para o órgão acusatório e, na essência, para que o Judiciário avalie no futuro. (NUCCI, 2009, p.123)  

            Os doutrinadores Távora e Alencar, no mesmo sentido de Nucci (2009), esclarece qual é a atribuição da polícia judiciária: 

De atuação repressiva, que age, em regra, após a ocorrência de infrações, visando angariar elementos para apuração da autoria e constatação da materialidade delitiva. (TÁVORA e ALENCAR, 2012, p. 170)

Nesse viés, é possível enxergar de maneira clara que a Polícia Civil tem o objetivo de investigar as infrações penais comuns e reprimir as condutas delitivas. 

Existe, porém, a dúvida se a Polícia Civil detém a exclusividade da investigação, nessa seara, estão presentes duas correntes: a primeira favorável à exclusividade da investigação pela Polícia Civil e a segunda desfavorável à exclusividade das investigações pela Polícia Civil, sendo também instituição competente para investigação o Ministério Público (MP).

O doutrinador NOLASCO (2012) em seu artigo jurídico (Polícia judiciária e investigação pelo Ministério Público), no seu escopo trás a ideia que aqueles que defendem o argumento favorável, alegam que o MP não é instituição autorizada constitucionalmente a presidir inquéritos, mas sim e somente, a requisitar diligências investigatórias, instaurar inquéritos policiais e a promover inquéritos civis, afinal, não figura essa instituição no rol do art. 144, CR/88, outro argumento levantado é que se o MP acumular funções estaria desvirtuando o sistema penal acusatório brasileiro, que prevê separação de funções, ficando o MP com acumulo de função, pois sua atuação desvirtuaria a atuação no processo e uma atuação estaria contaminada pela outra.

Contudo, tem prevalecido atual entendimento da legitimidade do MP conduzir investigações, defendida pelos autores Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar, sobre os seguintes argumentos:

É perfeitamente possível que o órgão do Ministério Público promova a colheita de determinados elementos de prova que demonstrem a existência da autoria e da materialidade de determinado delito. Tal conclusão não significa retirar da Polícia Judiciária as atribuições previstas constitucionalmente, mas apenas harmonizar as normas constitucionais (arts. 129 e 144) de modo a compatibilizá-las para permitir não apenas a correta e regular apuração dos fatos supostamente delituosos, mas também a formação da opinio delicti.  (Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/21689)        

A dúvida elencada é tão recente que existe uma proposta de emenda à constituição chamada de PEC 37, que pretende encerrar esse entendimento do STF da legitimidade do MP conduzir investigações criminais, mantendo somente a exclusividade nas mãos da Polícia Civil. 

 

1.2  Atribuição da Polícia Militar  

Sua atribuição é pautada pelo §5º do artigo 144, da CR/88 também conhecida por polícia administrativa ou preventiva, cabe a essa o papel eminentemente preventivo de caráter ostensivo, com fulcro em impedir a ocorrência de infrações penais. Assim refere o parágrafo:  

§ 5º – às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil. (BRASIL, Constituição da República, 1988) 

Portanto, a prevenção exercida pela Polícia Militar para preservação da ordem pública, deve ser regulada por medidas que possibilitem coibir e evitar desordens.

Lazzarini descreve a atribuição da Polícia Militar e leciona sua possibilidade de competência específica dos demais órgãos: 

A competência ampla da Polícia Militar na preservação da ordem pública, engloba inclusive a competência específica dos demais órgãos policiais, no caso de falência operacional deles, à exemplo de suas greves e outras causas, que os tornem inoperantes ou ainda incapazes de dar conta de suas atribuições, pois, a Polícia Militar é a verdadeira força pública da sociedade. Bem por isso as Polícias Militares constituem os órgãos de preservação da ordem pública para todo o universo da atividade policial em tema de ordem pública e, especificamente, da segurança pública. A investigação policial militar preventiva, aliás, é atribuição da Polícia Militar, conforme concluiu o E. TJSP, pela sua C.4.ª. Câmara Criminal, ao referendar a missão que policial militar desenvolvia, em trajes civis, e que culminou na prisão de traficantes de entorpecentes. Na oportunidade, foi salientado que os policiais militares, para que se considerem sempre de serviços são instruídos e treinados e essa é a conduta que deles reclama a sociedade. (LAZZARINI, 1999, p.61) 

A atribuição da Polícia Militar pode ser observada de forma claríssima que é a prevenção da ordem pública, mas para preveni-la, será que a ferramenta do mandado de busca e apreensão utilizado pela Polícia Militar é prevenção? Será que em todas as infrações penais comuns?

Para primeira pergunta, no intuito de acalmar o leitor para conclusão, alguns operadores do direito, defendem que dependendo dos motivos da busca e apreensão, ou seja, do objeto buscado, será sim prevenção, isso se dá pela extensão interpretativa à expressão “preservação da ordem pública”. Para segunda pergunta, no decorrer do artigo chegar-se-á conclusão.

Antes de vermos a construção jurisprudencial e doutrinária sobre a solicitação e cumprimento do mandado de busca e apreensão pela Polícia Militar, veremos os limites constitucionais para a sua execução. 

 

3 Princípios Constitucionais  

O professor Lopes Junior (2008), ressalta em sua obra que os direitos fundamentais não são absolutos e podem ser restringidos, o mandado de busca e apreensão é uma exceção dessa proteção constitucional e por isso é uma medida excepcional. 

 

3.1  Inviolabilidade do domicílio 

Em decorrência da garantia à privacidade, estabeleceu-se, expressamente, a inviolabilidade do domicílio, preceituando que ninguém poderá nele entrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.

O acesso domiciliar é restrito ao período do dia, compreendido, para alguns doutrinadores como entre 06:00h e 18:00h, para outros, enquanto durar a luz do sol, existe ainda a tese conforme o doutrinador RANGEL (2011), que deve aplicar o art. 172 do CPC, e, portanto, são os atos processuais praticados entre 6:00h e 20:00h, não tendo um consenso acerca do assunto.

O art. 246 do CPP norteia o conceito de casa, sob o nomen júris, de domicílio e assim o define:  

[…] quando se  tiver  de proceder à busca em compartimento habitado ou em aposento ocupado de  habitação coletiva ou em compartimento não aberto ao público, onde alguém exercer   profissão  ou  atividade. (BRASIL, Código de Processo Penal, 1941) 

 

3.1.1 Sanção por descumprimento: violação do domicílio alheio 

            Na hipótese de violação de domicílio, o violador comete o crime previsto no artigo 150 do CP:  

Art. 150 – Entrar ou permanecer, clandestina ou astuciosamente, ou contra a vontade expressa ou tácita de quem de direito, em casa alheia ou em suas dependências (BRASIL, Código Penal, 1940) 

Já se tratando de policial, a violação do domicílio alheio se sujeita a hipótese da Lei de Abuso de Autoridade, com penas impostas pelo art. 3º, b, da lei 4898/65, que pode cominar com sanção administrativa, civil e penal, afinal, fere um direito fundamental do indivíduo, in verbis:

Art. 3º. Constitui abuso de autoridade qualquer atentado:

b) à inviolabilidade do domicílio; (BRASIL, Lei 4898, 1965) 

Portanto, o policial por mais afoito e dedicado à atividade policial deve se resguardar de ordem judicial para adentrar em casas suspeitas de estar acontecendo infrações penais, mesmo que seja conduta de crime permanente.   

 

3.2  Dignidade da pessoa humana 

Por ser o princípio de maior hierarquia da constituição da república, é bom recordar que vivemos em um Estado Democrático de Direito que tem entre seus fundamentos, a dignidade da pessoa humana deve ser observada na concessão da ordem judicial de busca e apreensão.

Ainda porque, no conflito entre princípios constitucionais, a dignidade da pessoa humana é um princípio que se apresenta incontestavelmente superior aos demais princípios nessa arquitetura constitucional.

 

3.3  Intimidade e a vida privada 

A constituição garantiu no art. 5, X, CR/88, a inviolabilidade da intimidade e da vida privada, assegurando, inclusive, o direito à indenização por dano material ou moral decorrente de sua violação. A intimidade e a vida privada estão diretamente relacionadas com o tema aqui proposto e estudado, tendo em vista, que as mesmas devem ser respeitadas em decorrência da busca e apreensão, não podendo a autoridade policial divulgar e expor a vida privada do investigado em detrimento de busca realizada.

É nesse tom, que o professor Lopes Junior (2008) observa que não é admissível que o resultado da busca se transforme em um espetáculo midiático, tão prejudicial para imagem e intimidade do imputado, podendo inclusive prejudicar a própria investigação.

Isto posto que, somente é permitida a busca para apreender objetos e construir um arcabouço de provas para viabilizar o titular da ação penal, um conjunto probatório necessário para uma condenação, não para se tornar um espetáculo teatral.

 

3.4  Incolumidade física e moral do indivíduo 

As garantias da incolumidade física e moral são apropriadas durante a realização da busca e apreensão, por serem direitos fundamentais tutelados pelo constituinte originário, que vedou expressamente o tratamento desumano e degradante no art. 5º, III, CR/88, a punição a tortura no art. 5º, XLIII, CR/88 e a discriminação no art. 5º XLI e XLII.

Nesta sistemática constitucional que o legislador garantiu e referendou um rol de direitos e garantias constitucionais, apesar dessa gama de direitos, o constituinte observou a necessidade de se prever restrições para esses direitos, com intuito de evitar que um liberalismo extremo consiga encobrir condutas delituosas.

E é neste contexto, que nota-se que o Estado tem usado a ferramenta do mandado de busca e apreensão como limitador de direitos, restringindo entre outros, os direitos da intimidade, o da vida privada, o da inviolabilidade do domicilio, essas restrições vem com o fim de combater a impunidade excessiva.

 

4      O Mandado de Busca e Apreensão 

 Busca e apreensão tem natureza acautelatória e coercitiva, sendo uma maneira de impedir o perecimento da prova, ou seja, acautelando a prova e obrigando coercitivamente a realização da busca no domicílio.

Fernando Capez define bem o que é busca e apreensão: 

Logo, a medida cautelar de busca e apreensão é destinada a evitar o desaparecimento das provas. A busca é, lógica e cronologicamente, anterior à apreensão. Pode ser realizada tanto na fase inquisitorial como no decorrer da ação penal, e até mesmo durante a execução da pena. A apreensão é uma consequência da busca quando esta tenha resultado positiva. (CAPZ, 2009, p.338)

A lei especifica no artigo 240, §1º, CPP, quando deve proceder a busca e demonstra as fundadas razões para sua autorização, limitando a atuação do Estado em busca domiciliar devido aos direito e garantias fundamentais:  

Art. 240.  A busca será domiciliar ou pessoal.

§ 1o  Proceder-se-á à busca domiciliar, quando fundadas razões a autorizarem, para:

a) prender criminosos;

b) apreender coisas achadas ou obtidas por meios criminosos;

c) apreender instrumentos de falsificação ou de contrafação e objetos falsificados ou contrafeitos;

d) apreender armas e munições, instrumentos utilizados na prática de crime ou destinados a fim delituoso;

e) descobrir objetos necessários à prova de infração ou à defesa do réu;

f) apreender cartas, abertas ou não, destinadas ao acusado ou em seu poder, quando haja suspeita de que o conhecimento do seu conteúdo possa ser útil à elucidação do fato;

g) apreender pessoas vítimas de crimes;

h) colher qualquer elemento de convicção. (BRASIL, Código Processo Penal, 1941) 

A medida de busca e apreensão é segundo Távora e Alencar (2012), cercada de um mínimo lastro probatório que fundamente as razões para sua autorização, com a cautela de indicar que objeto ou pessoa se procura na casa passível da medida. Não se admitindo o mandado genérico.

Portanto, legalmente são exigidos alguns lastros probatórios mínimos para que seja concedida a medida cautelar, vejamos o artigo 243, CPP: 

Art. 243.  O mandado de busca deverá:

I – indicar, o mais precisamente possível, a casa em que será realizada a diligência e o nome do respectivo proprietário ou morador; ou, no caso de busca pessoal, o nome da pessoa que terá de sofrê-la ou os sinais que a identifiquem;

II – mencionar o motivo e os fins da diligência;

III – ser subscrito pelo escrivão e assinado pela autoridade que o fizer expedir. (BRASIL, Código Processo Penal, 1941) 

Já para execução do mandado, Távora e Alencar (2012) alegam que existe uma ampla liberdade para execução do mandado de busca apreensão, podendo ser antes do inquérito policial, durante o inquérito ou processo e até mesmo após.

 

5      o mandado de busca e apreensão solicitado pela Polícia Militar para as infrações penais previstas na Lei 10826/03 e Lei 11343/06 

O Código de Processo Penal, não vetou o pedido de mandado de busca e apreensão elaborado pela Polícia Militar e no seu artigo 242, CPP, assim descreve “a busca poderá ser determinada de ofício ou a requerimento de qualquer das partes”.

Entretanto, como já vimos no tópico de segurança pública, o caminho inerente da Polícia Militar é a preservação da ordem pública, mas para alcançar essa preservação o caminho buscado pela instituição militar é feito baseado no princípio da máxima efetividade, bem delineado por Cunha Junior: 

O princípio da máxima efetividade, também denominado de princípio da interpretação efetiva, orienta o intérprete a atribuir às normas constitucionais o sentido que maior efetividade lhe dê, visando otimizar ou maximizar a norma para dela extrair todas as suas potencialidades. (CUNHA JUNIOR, 2011, p.224) 

Portanto, outorgado um poder geral, neste caso a Polícia Militar, para preservar a ordem pública, tendo como regra para manter essa ordem pública a execução do policiamento ostensivo e como excepcionalidade a instituição militar, poderia solicitar mandado de busca e apreensão com o único objetivo de continuar preservando a ordem pública atribuída.

Essa maximização da norma como defendida pela doutrina, possibilita a Polícia Militar solicitar o mandado de busca e apreensão, que resulta de uma grande ferramenta para controle da ordem pública e efetivo combate a criminalidade.

Em relação à constitucionalidade da Polícia Militar solicitar e cumprir mandado de busca e apreensão de forma sucinta e bem clara, COSTA (2011) diz: 

As diligências de policia ostensiva e de manutenção da ordem pública, em cumprimento de ordem judicial de busca e apreensão em residências visam, precipuamente, resguardar os Policiais Militares quanto a inviolabilidade de domicilio e, principalmente, o controle externo de suas atividades pelo Poder Judiciário e Ministério Público.

Mesmo sendo o tráfico/posse de arma de fogo delito permanente, que enseja a prisão independente de ordem de busca e apreensão, requer a diligência toda a cautela e resguardo de nossos policiais, pois a facilidade e habilidade dos traficantes em desfazer-se da materialidade do delito (droga) é espantosa, não raramente jogando o corpo de delito em sanitários e desfazendo a flagrância até então existente.

Sendo toda a atividade de policia, seja administrativa ou judiciária, pré-processual [07], não há óbice em que seja realizado o cumprimento de mandado de busca e apreensão pela policia militar, quando no exercício de atividade de manutenção da ordem pública, ou seja, houver fundadas suspeitas de que está ocorrendo, no interior do domicilio, crime em situação de flagrante delito. (Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/19309) 

Neste mesmo foco da possibilidade da Polícia Militar cumprir a execução da busca e apreensão, Távora e Alencar (2012), disseram: 

Iniciamente, a diligencia é executada por oficiais de justiça ou por policias. Excepcionalmente, até a polícia millitar pode ser utilizada. (TÁVORA e ALENCAR, 2012, p. 468) (grifo nosso)

Insta salientar que, de forma excepcional a Polícia Militar é instituição legitima para solicitar e cumprir o mandado de busca e apreensão, isso no entendimento majoritário da doutrina.

Apesar de vários entendimentos doutrinários favorável ao viés constitucional e infraconstitucional da Polícia Militar solicitar mandado de busca e apreensão, é bom fazer ressalvas, pois somente é possível ter esse entendimento e admitir a Polícia Militar solicitar o mandado de busca e apreensão nos casos em que não houver uma pura investigação. 

Desta forma, presentes somente em condutas que perduram pelo tempo, como crimes permanentes e em que o policiamento ostensivo esbarra no seu cotidiano.

Neste artigo, vislumbrou em elencar as condutas delitivas da Lei 10826/03 e 11343/06, pois são condutas rotineiras em que o policiamento ostensivo pode deparar, portanto, isso não veda a solicitação de mandado de busca e apreensão para outras condutas de crimes permanentes.

 

5.1  Lei 10826/03 (Estatuto do Desarmamento) 

Analisando-se as possibilidades da solicitação do mandado de busca e apreensão para infrações penais comuns, onde necessariamente não exista uma pura investigação, mas sim uma tentativa de preservação da ordem pública, é possível encontrar dentro da Lei 10826/03 os crimes previstos nos artigos: 12 (posse irregular de arma de fogo), art. 14 e 16 (porte irregular de arma de fogo de uso permitido/restrito), art. 17 (comércio ilegal de arma de fogo) e art. 18 (tráfico internacional de arma de fogo).

Todas as condutas apresentadas figuram como condutas de crimes permanentes, e que em tese não necessitam de ordem judicial para entrar no domicílio em que as condutas estejam sendo praticadas.

Todavia, não é prudente o policial somente com informações adentrar em domicilio alheio, desta forma, o recurso do mandado de busca e apreensão para apreender armas de fogo que podem ser a qualquer momento utilizado para o cometimento de diversos delitos, trata-se do cumprimento institucional e constitucional de preservação da ordem pública, e, portanto, deve ser utilizado como ferramenta para proteção da sociedade e posterior proteção legal da ação policial.

 

5.2  Lei 11343/06 (Lei de Drogas)

Dentro desse mesmo sentido, a Lei 11343/06 trás algumas condutas delitivas que não necessitam na maioria dos casos de uma pura investigação policial, entendida nesse último exemplo, como pura investigação policial quando o policial permanece dias monitorando uma pessoal ou casa, necessita de apurar vestígios, requisitar interceptação telefônica, quebra de sigilo telefônico ou bancário… etc.

Portanto, condutas do art. 33 (tráfico de drogas) e art. 34 (manter deposito de instrumento para fabricação de drogas), são condutas de crimes permanentes e são passiveis de ser facilmente detectáveis pelo policiamento ostensivo/preventivo e, por muitas vezes, o policial militar é o maior capacitado para narrar os fatos e levar ao conhecimento do judiciário que a casa X ou Y existe a possibilidade de estar acontecendo uma conduta prevista na Lei 11343/06, sendo necessário preservar a ordem pública, e como ferramenta é necessário a solicitação e cumprimento do mandado de busca e apreensão. 

 

6      Jurisprudência acerca da solicitação de mandado de busca e apreensão elaborado pela polícia militar 

Existem jurisprudências a favor e contra a constitucionalidade da solicitação do mandado de busca e apreensão elaborado pela Polícia Militar, a fim de entender em quais situações é possível à atribuição para a Polícia Militar solicitar a medida cautelar.

Portanto, em recente decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais firmou entendimento recente da legalidade da solicitação do mandado de busca e apreensão feito pela Polícia Militar, conforme a jurisprudência:

EMENTA: HABEAS CORPUS – TRÁFICO DE DROGAS – MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO REQUERIDO E CUMPRIDO PELA POLÍCIA MILITAR – ILEGALIDADE – INOCORRÊNCIA. REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA – INVIABILIDADE – PRESENÇA DOS REQUISITOS DO ART. 312 DO CPP – CRIME COM PENA MÁXIMA APLICADA SUPERIOR A QUATRO ANOS – ORDEM DENEGADA. I – Não obstante a Constituição Federal atribua, em seu art. 144, § 4º, a função investigativa às Policias Civis, a doutrina e a jurisprudência admitem, em caráter excepcional, o exercício de tais funções pela POLÍCIA MILITAR, inclusive dando cumprimento a mandado de busca e apreensão, sendo certo que a Constituição Federal estabeleceu exclusividade das funções de POLÍCIA judiciária tão somente para a POLÍCIA Federal em relação à União (art. 144, §1º, IV), II A decisão que converte a prisão em flagrante em preventiva para resguardo da ordem pública, baseando-se em atos e comportamentos concretos do imputado, não consubstancia constrangimento ilegal, especialmente quando se constata, em uma análise apriorística, indícios suficientes de seu envolvimento com a atividade criminosa. III – Presentes os requisitos do art. 312 do CPP, é admitida a decretação da prisão preventiva nos crimes punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a quatro anos (art. 313, I, do CPP).Súmula: “DENEGARAM A ORDEM. (grifo do autor) (TJMG, HC 0423215-83.2012.8.13.0000, rel. Des. Julio Cesar Lorens, j.30.03.2012) 

Entretanto, existe entendimento contrário à constitucionalidade da solicitação de mandado de busca e apreensão elaborado pela Polícia Militar, o fundamento é baseado na teoria das árvores dos frutos envenenados, alegando que tal medida é inconstitucional e contaminaria todo o processo, a exemplo o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), abaixo decidiu: 

Habeas Corpus. Processo penal. Jurisdição. Tutela cautelar. Investigação Criminal. Reserva Constitucional de função. Indevida atuação “policial” da autoridade judiciária. Inevitável incapacidade de a autoridade judiciária cumprir as funções afetadas a ela pela Constituição quando indevidamente substitui a autoridade policial. Policial militar que não está legitimado a deduzir em juízo pretensão cautelar. Audiência prévia do Ministério Público imprescindível à luz do sistema acusatório. Precariedade da denúncia anônima reveladora do propósito singular de contornar a exigência constitucional de ordem judicial, prévia e fundamentada, para ingresso em casa alheia. Não obstante a manifesta inidoneidade do expediente da polícia Militar, dúvida séria, ainda, sobre a cronologia dos fatos supostamente estariam a justificar a não audiência do Ministério Público e o caráter excepcional da medida cautelar. Prova ilícita de quem decorrem todas as demais, contaminando integralmente o processo. Inteligência do art. 157 do CPP. (TJRJ, 5ª Câmara Criminal, HC 2008.059.04669, rel. Des. Geraldo Prado, j.11.09.2008) (grifo do autor) 

Também é bom ressaltar, que o Ministério Público Federal já manifestou-se pela ilegalidade da solicitação do mandado de busca e apreensão pela Polícia Militar, sobre o argumento que esta estaria extrapolando atribuições típicas da Polícia Civil:

 […]

6. O que transparece da impetração é o objetivo não de trancar e sim de truncar toda e qualquer providência que vise a apurar a responsabilidade, ou eventual responsabilidade criminal do paciente, decorrente da posse daqueles objetos, ditos como produto de roubo, encontrados no interior de sua residência e encontrados graças à diligente e oportuna iniciativa do Comando do 11° BPM.

 

7. a demarcação em sede constitucional, das atribuições das polícias militar e civil não se presta a inibi-las de sua função maior, de combate ao crime e não desconstitui a investigação como atividade estatal da persecutio criminis. As polícias são de igual modo o braço do Estado, e não podem se furtar a propiciar-lhe os meios ao seu alcance para consecução de seus fins.  

8. juiz, no caso,recebeu uma notitia criminis, ficando até obrigado a proceder como procedeu, sob pena de pecar por omissão imperdoável, e de consequências irreparáveis. Não há, pois, que se discutir a menor, ou seja, sobre categoria profissional das polícias, “competência” ou função das mesmas. Importante assinalar é que o mandado em tela se apresenta formal, substancial e materialmente perfeito. É válido, pois.

9. Embora não sendo o habeas corpus a via própria para o questionamento acerca do mandado de busca e apreensão, legitimamente realizado, não custa lembrar que o juiz, determinando a extração e o cumprimento do mesmo, agiu no exercício de suas funções, igualmente firmado em lei.  

10. Descabida, portanto, a sugestão de invasão da PM na área de atuação da polícia judiciária, não só porque, além dela, outros órgãos podem realizar procedimentos preparatórios de investigação (parágrafo único do art. 4° do CPP), como porque, na realidade, o que está sendo posta em cheque é a própria atividade jurisdicional, retrada na expedição do mandado por ordem do juiz, que poderia e deveria tê-la ditado, ante as fundadas razões (Art. 240 do CPP) que chegaram ao seu conhecimento. – fls. 28 e v. forrado por esse parecer, a mim parece que o v. acórdão atacado se mostra incensurável. (STJ, RHC 1.236-RJ, 5ª turma, voto do Rel. Min. José Dantas, J. 01.07.91) (grifo do autor) 

O STF durante julgamento do HC 91.481.1/MG, que visava à liberdade de um paciente condenado ao tráfico de drogas na cidade de João Pinheiro/MG, que pedia ao STF o reconhecimento da ilegalidade da prova produzida nos autos, por violação do artigo 144, § 4º, CR/88 por decisão unânime, entendeu que não existe ilegalidade na concessão de medida cautelar para a Polícia Militar, pois no caso concreto não havia investigação pura, mas sim, uma necessidade de adentrar-se em lugar onde tinha conhecimento da prática ostensiva de tráfico de entorpecentes. Neste julgado, o relator Ministro Marco Aurélio, diz inclusive, que a atuação verificada é passível de ser classificada como polícia ostensiva e tentativa de preservação da ordem pública. 

BUSCA E APREENSÃO – TRÁFICO DE DROGAS – ORDEM JUDICIAL – CUMPRIMENTO PELA POLÍCIA MILITAR. Ante o disposto no artigo 144 da Constituição Federal, a circunstância de haver atuado a Polícia Militar não contamina o flagrante e a busca e apreensão realizados. (STF, HC n° 91.481, 1ª turma, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ. 24.10.2008)

Pois bem, consta deste processo que houve a expedição de mandado de busca e apreensão em certo local, formalizado por órgão investido do ofício judicante, dando-se o cumprimento pela Polícia Militar. A atuação verificada é passível de ser classificada como polícia ostensiva e tentativa de preservação da ordem pública. Ao que tudo indica, expediu-se o mandado de prisão ante a necessidade de adentrar-se em lugar onde os policiais militares, considerada a atividade ostensiva prevista na Carta da República, tinham conhecimento da prática do tráfico de entorpecentes. A rigor, não se pode cogitar de investigação propriamente dita, esta sim, de início, a cargo da polícia judiciária, que é a civil. (STF, HC n° 91.481, 1ª Turma, voto do Rel. Min. Marco Aurélio, DJ. 24.10.2008) (grifo do autor) 

Neste julgado, o relator Ministro Marco Aurélio, diz inclusive que a concessão da medida cautelar para Polícia Militar estava dentro da missão constitucional de atividade ostensiva e preservação da ordem pública, reforçando o entendimento da constitucionalidade da solicitação do mandado de busca e apreensão.

O TJMG também, em decorrência da alegação de que haveria ilegalidade na expedição do mandado de busca e apreensão solicitado pela Polícia Militar, julgou o presente recurso e decidiu pela legalidade da expedição da medida cautelar, bem como seu cumprimento pela instituição militar, conforme decisão:

POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO – CONDENAÇÃO – APELAÇÃO – PRELIMINAR – ARGÜIÇÃO DE ILEGALIDADE NA EXPEDIÇÃO DO MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO – PROVA ILÍCITA, INCORRENDO EM CERCEAMENTO DE DEFESA E DESRESPEITO AO DUE PROCESS OF LAW – REJEIÇÃO – MÉRITO – PROVAS SUFICIENTES DA MATERIALIDADE E AUTORIA – DOSIMETRIA E INDIVIDUALIZAÇÃO DAS PENAS CORRETAMENTE PERCORRIDA – SENTENÇA CONFIRMADA. A expedição de mandado de busca e apreensão pode se dar inclusive ex officio (CPP, art. 242), e até mesmo antes da instauração do inquérito (STJ, in RT 665/333). Além do mais, em se tratando de crime permanente, a situação de flagrante delito dispensa até mesmo a expedição de mandado de busca e apreensão. “”Não é o inquérito processo, mas procedimento administrativo-informativo destinado a fornecer ao órgão da acusação o mínimo de elementos necessários à propositura da ação penal. A investigação realizada pela autoridade policial não se confunde com a instrução criminal, distinguindo o Código o inquérito policial (arts. 4º a 23) da instrução criminal (arts. 394 a 405). Por essa razão, regra geral, não se aplicam ao inquérito policial os princípios processuais, nem mesmo o contraditório”” (Júlio Fabbrini Mirabete, Código de Processo Penal Interpretado, Atlas, 11ª edição, p. 86). Demonstradas com segurança a materialidade e autoria do delito, a condenação mostra-se de rigor, inclusive no que diz respeito à dosimetria e individualização das reprimendas.Súmula: REJEITARAM A PRELIMINAR E NEGARAM PROVIMENTO (grifo do autor) (TJMG, APELAÇÃO, 4ª Câmara, 1.0313.07.226198-2/001, rel. Des. Delmival de Almeida Campos, j.18.03.2008) 

Em outro julgado, desta vez, na 2ª turma do Supremo Tribunal Federal, referendou a natureza emergencial da medida cautelar:

EMENTA: […] AÇÃO PENAL. Prova. Mandado de busca e apreensão. Cumprimento pela Polícia Militar. Licitude. Providência de caráter cautelar emergencial. Diligência abrangida na competência da atividade de polícia ostensiva e de preservação da ordem pública. Recurso extraordinário improvido. Inteligência do Art. 144, §§ 4° e 5° da CF. Não constitui prova ilícita a que resulte do cumprimento de mandado de busca e apreensão emergencial pela Polícia Militar (STF, recurso extraordinário n° 404.593-ES, 2ª turma, Rel. Min. Cezar Peluzo, DJ. 23.10.2009) (grifo do autor)  

 

7      considerações finais 

Finalmente, e com uma pesar tristeza, que este artigo tem sido objeto de discussão no âmbito jurídico, não por culpa dos doutrinadores, mas sim, culpa exclusiva do constituinte originário, que utilizando da exceção mundial, adotou um sistema policial onde dividiu a investigação e a prevenção para dois órgãos policiais distintos, impossibilitando o chamado ciclo completo de policia.

Insta salientar, que o positivismo exacerbado conseguiu forjar a termos instituições que não atendem a necessidade da sociedade contemporânea, onde a polícia civil e a polícia militar fingem ter integração, e nessa farsa promovida por propagandas políticas mentirosas, nossos graciosos políticos tentam na verdade encobrir a não existência de conflitos sérios entre as polícias estaduais, mas que por diversas vezes já foram desmascarados pela mídia brasileira.

 Parece que poucos enxergam ou não querem enxergar, mas o Brasil como já falado é um dos poucos países no mundo que mantém um sistema policial dividido, na maioria do mundo o sistema policial é exercido por um único órgão, onde se reúne a prevenção e investigação, conseguindo gerar desburocratização e economia de dinheiro público, neste último caso, em razão da economia de manter um único órgão e não uma duplicidade de estruturas policiais como no atual modelo brasileiro.

Apesar do grande anseio social por um eficaz sistema policial, continuaremos refém da política brasileira e do positivismo maçante, que não resolvem problemas sérios sobre: a desmilitarização e unificação das policias estaduais, teremos que discutir por longo tempo se seria esta ou esta polícia competente para tantos problemas que a investigação e prevenção provocam.

Desta forma, como não temos a solução imediata para os problemas, à sociedade brasileira espera deste sistema policial brasileiro adotado, uma fórmula para a solução de combate a criminalidade, em especial, os órgãos policiais almejam essa mágica fórmula de combate à criminalidade, mas infelizmente isso não existe, existe sim, somente uma luta incansável das instituições policiais por ferramentas que possibilitem o controle criminal, entre essas ferramentas o mandado de busca e apreensão por anos foi instrumento somente da Polícia Civil e Polícia Federal e que hoje tem sido muito utilizado por Policiais Militares.

Contudo, isso não repercutiu de maneira agradável a alguns órgãos do Judiciário, nem a algumas instituições da Polícia Civil, com fundamentos que direcionam a violação legal positivada, mas que tem encontrado grande aceitação de outra parte do Judiciário, operadores do direito e sociedade ordeira, muitas vezes com um só coro: a impunidade excessiva.

Portanto, por estar dentro desse processo de mudança quando a hermenêutica jurídica em relação ao fenômeno do neoconstitucionalismo e do pós-positivismo, pode-se afirmar com segurança que a Polícia Militar em situações excepcionais previstas nas leis 10826/03 (estatuto do desarmamento) e lei 11343/06 (lei de drogas) têm atribuição para solicitar o mandado de busca e apreensão, quando estiverem em situação de relevância urgência para apreender armas, drogas ou produtos criminosos, por não se tratar de investigação pura, mas sim, de uma tentativa de preservação da ordem pública.

Neste artigo, como já dito, vislumbrou em elencar as condutas delitivas da Lei 10826/03 e 11343/06, pois são condutas rotineiras em que o policiamento ostensivo pode deparar, portanto, isso não veda a solicitação de mandado de busca e apreensão para outras condutas de crimes permanentes.

Sendo assim, no desempenho de sua atividade preventiva a Polícia Militar está mais propensa a deparar com as situações excepcionais citadas acima, que são em especial os crimes de tráfico de drogas e a posse ilegal de armas de fogo, respectivamente previstos nas leis 11.343/06 e a 10826/03.

É bom ressaltar, que não existe uma estatística de quantas condutas são tipificadas pelo ordenamento jurídico brasileiro, mas sabemos que são milhares de condutas, portanto, por obvio não estaria a Polícia Militar atuando de maneira a usurpar função da Polícia Civil, visto que, do universo de condutas presentes no ordenamento jurídico a sua massacrante maioria é de atribuição exclusiva da Polícia Civil, pois necessita de uma pura investigação.

Todavia, não seria passível e prudente a Polícia Militar atuar em qualquer conduta criminosa, visto que, necessita de uma investigação minuciosa e fugiria das atribuições da instituição militar. Desta forma, não tem essa pesquisa a pretensão de encerrar qualquer discussão, mas sim, tentar demonstrar um ponto de vista que tem sido bem aceito nos Tribunais e por alguns operadores do direito.

Essa solicitação deve ser feita pelo comandante do batalhão ou equivalente daquela localidade, pois o comandante de batalhão é autoridade policial militar e pode ser comparar analogamente com a autoridade policial (delegado de polícia), desta forma, qualquer policial sob seu comando poder cumprir o respectivo mandado, mas com a supervisão direta ou indireta desse primeiro.

Por último, o atual sistema de segurança pública, lamentavelmente não satisfaz a sociedade ordeira, que procura qualidade, economia e eficiência, neste sentido, existe a necessidade do legislador cumprir o que o art. 144, §7º, CR/88 fala: “A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades.” (grifo nosso). 

 

Referências 

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TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. 7ª ed. Salvador: Juspodivm, 2012.

 


NOTA DE FIM

[1] Acadêmico em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva. Policial Militar. E-mail: gustavodinizmatoso@hotmail.com