Camila Cristina Azevedo Castro Teixeira*
Resumo: O presente artigo tem como escopo a análise da aplicação da teoria do risco integral nos casos de dano ambiental. Procura, através da interpretação doutrinária, observando-se os princípios da responsabilidade ambiental, quais sejam, o da prevenção e precaução e do poluidor-pagador, demonstrar que afora a aplicação do risco integral impossível a garantia de implementação dos instrumentos de proteção/conservação do meio ambiente, uma vez que a referida teoria não admite as causas excludentes da responsabilidade. Traz a lume a legislação pertinente tanto no âmbito constitucional quanto no infraconstitucional, ao analisar, em especial, o artigo 225 da Constituição Federal de 1.988 bem como o texto da Lei 6.938/1981, conhecida como Lei de Política Nacional do Meio Ambiente. O resultado que se espera é a maior efetividade do que dispõe o ordenamento jurídico pátrio no que se refere a reparação do dano ambiental.
PALAVRAS-CHAVE: dano ambiental; responsabilidade civil; responsabilidade objetiva; teoria do risco integral.
Área de interesse: Direito Ambiental e Direito Civil
1 Introdução
Na atualidade a preocupação com o meio ambiente tornou-se alvo das discussões tanto internacionais como internas. Grande foi o reflexo de tal preocupação em nosso direito interno, esta demonstrada com a edição da Lei 6.938/1981 (Lei de Política Nacional do Meio Ambiente) representando um divisor de águas no ordenamento jurídico pátrio em matéria de Direito Ambiental.
Ainda, cuidou a Constituição Federal de 1.988, diante da premente necessidade de tutelar o bem ambiental, de incluir em seu texto a referida proteção atribuindo ao meio ambiente status de bem de uso comum do povo. Criou um direito constitucional fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Incumbiu não só ao Estado, mas também a toda a coletividade o dever de preservar e conservar o meio ambiente não só para a presente, mas como também para as futuras gerações.
Em atenção ao disposto Paulo Nader (NADER, 2.010, p. 370-371) apregoa:
A Constituição, pelo artigo 225, fixa os princípios da política do meio ambiente de um modo abrangente e moderno, sintonizado às exigências da época. Ao regular esta ordem de interesse a Lei Maior guarda sintonia com o principal valor protegido pelo ordenamento jurídico: a vida humana. A proteção ao meio ambiente é, em realidade, a proteção à própria vida, que exige natureza saudável, apta a fornecer à geração atual e às futuras os recursos necessários à sobrevivência e desenvolvimento.
De acordo com Celso Antonio Pacheco Fiorillo, “a nossa Carta Magna estruturou uma composição para a tutela dos valores ambientais, reconhecendo-lhe características próprias” (FIORILLO, 2.012, p. 63).
Consagrou o texto constitucional a responsabilidade objetiva em matéria de dano ambiental, esta fundada na teoria do risco, admitindo-se, portanto a conjugação da responsabilidade objetiva com a teoria do risco integral diante da insuficiência das demais teorias do risco, quais ejam: risco-proveito, risco profissional, risco excepcional e risco criado.
A referida conjugação respauda-se na premente necessidade de ampliar as possibilidades da recuperação do meio ambiente degradado bem como garantir a efetividade de seus instrumentos de proteção, vez que a questão ambiental ganhou novo espeque com a mudança de paradigmas da sociedade bem como pela mudança da ordem constitucional acerca do tema.
Através da interpretação doutrinária, observando-se os princípios da responsabilidade ambiental, quais sejam, o da prevenção e precaução e do poluidor-pagador, restará demonstrado que afora a aplicação do risco integral impossível a garantia de implementação dos instrumentos de proteção/conservação do meio ambiente, uma vez que a referida teoria não admite as causas excludentes da responsabilidade bem como prescinde da demonstração do nexo de causalidade.
2 A responsabilidade civil
Trata-se a responsabilidade civil de instituto que visa à reparação de um dano causado proveniente de um dever jurídico violado, ou ainda, de uma obrigação secundária proveniente de uma obrigação primária descumprida, ou seja, a de não causar dano a outrem. Sua função consiste na recomposição do dano desencadeado por uma conduta antijurídica – o retorno ao estado de antes. Um dever geral de cautela, tal qual no Direito Romano a máxima neminem laedere[1].
Para Maria Helena Diniz (DINIZ, 2.010, p. 34):
A responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal.
E, para Sergio Cavalieri Filho (CAVALIERI FILHO, 2.008, p. 05):
Há uma necessidade fundamental de se restabelecer esse equilíbrio, o que se procura fazer recolocando o prejudicado no statu quo ante. Impera neste campo o princípio da restitutio integrum, isto é, tanto quanto possível, repõe-se a vítima à situação anterior à lesão. Isso se faz através de uma indenização fixada em proporção ao dano. Indenizar pela metade é responsabilizar a vítima pelo resto (Daniel Pizzaro, in Daños, 1991). Limitar a reparação é impor à vítima que suporte o resto dos prejuízos não indenizados.
Desta forma, o que se pretende é compelir o agente causador do dano a restituir a situação de antes, na possibilidade, ou, na falta desta prestar indenização correspondente ao dano causado.
Dos pressupostos gerais da responsabilidade civil a conduta (comissiva ou omissiva), o dano e o nexo causal.
Por conduta, segundo Sérgio Cavalieri (CAVALIERI FILHO, 2.008, p. 24), depreende-se todo comportamento humano que se exterioriza através de uma ação ou omissão produzindo consequências no mundo jurídico. Não só a conduta comissiva, mas como também a omissiva, ganham os contornos da responsabilidade civil. Da conduta omissiva tem-se que quando esta viola um dever jurídico de agir e causa dano a outro, fica o omitente obrigado a reparar o dano que nada fez para impedir.
Dano é a subtração ou diminuição de bem jurídico qualquer que seja sua natureza, patrimonial ou moral. Sem dano não haverá o que se reparar sob pena de restar configurado o enriquecimento ilícito e/ou enriquecimento sem causa nos termos do artigo 884 do atual Código Civil[2].
O dano pode ser patrimonial ou extrapatrimonial. Das espécies de dano patrimonial temos os danos emergentes e lucros cessantes. Por danos emergentes, aqueles que causam diminuição direta e imediata no patrimônio da vítima. Por lucros cessantes se entende tudo aquilo que se deixou de auferir em razão do evento danoso.
Já o nexo causal é o elemento de referência entre a conduta do agente e o resultado, o que permite a identificação daquele que deverá responder pelo dano causado. A teoria adotada pelo Direito Civil é a teoria da causalidade adequada, onde causa é todo antecedente não só necessário, mas como também o adequado à produção do evento danoso. Se várias condições concorreram para o desencadeamento do dano, somente será causa aquela que sem a qual o dano não teria se operado.
A responsabilidade civil é gênero cuja cláusula geral está prevista no artigo 927 do Código Civil de 2.002[3], operando-se por duas modalidades; a primeira, baseada na teoria da culpa, a responsabilidade subjetiva enquanto que, a segunda, a responsabilidade objetiva, com fundamento na teoria do risco atribui obrigação de reparar independentemente da conduta culposa do agente causador do dano; estão previstas, respectivamente, nos artigos 186 e 187 do referido diploma legal[4].
São pressupostos da responsabilidade subjetiva a conduta culposa, o dano e o nexo causal. Baseada na teoria da culpa, a responsabilidade subjetiva exige que se faça prova da conduta culposa do agente causador do dano. Faz-se, então, mister a identificação da imperícia, negligência e imprudência daquele que deve suportar o ônus da reparação.
Importa dizer que para a responsabilidade civil a distinção entre dolo e culpa bem como a classificação dentre os graus desta última, não alcança grande importância, ficando tal relevo a cargo da responsabilidade penal, vez que a responsabilidade civil averigua a indenização pela extensão do dano e não pela gravidade da conduta.
Não obstante seja a responsabilidade civil subjetiva a regra adotada pelo direito comum, há aqueles determinados por lei que respondem civilmente pelos danos causados independentemente de culpa, daí a responsabilidade objetiva prescindir do elemento culpa do agente, bastando sejam verificados os pressupostos dano e nexo causal.
Trata-se da evolução do instituto que perpassa pela necessidade de comprovação da culpa, passando a admitir a responsabilidade objetiva. Tudo isso em razão da valorização da pessoa do lesado que não raras vezes restava prejudicado pela dificuldade de prova da culpa exigida pela responsabilidade subjetiva, tornando-se esta insuficiente para promover a reparabilidade do dano causado.
Fundamentada na teoria do risco, a responsabilidade objetiva traduz que a atribuição da reparação do prejuízo causado deve ser ao seu autor, independente deste ter agido com culpa, restando à vítima somente a comprovação do dano e do nexo de causalidade.
Das teorias aplicadas à responsabilidade fundada no risco temos a teoria do risco-proveito, do risco profissional, do risco excepcional, do risco criado e do risco integral.
De acordo com a teoria do risco-proveito o dano deve ser reparado por aquele que retira algum proveito ou lucro do fato lesivo daí sua utilização para questões industriais e comerciais.
A teoria do risco profissional atribui o dever de indenizar sempre que o fato prejudicial for proveniente da atividade ou profissão do lesado.
Já a teoria do risco excepcional defende que a reparação é devida sempre que o dano for conseqüência de um risco excepcional, ainda que escape à atividade da vítima e a par do trabalho que pratica.
Pela teoria do risco criado, aquele que em razão da atividade ou profissão que desenvolve, cria um perigo e, desta forma, está sujeito à reparação do dano que vier a causar.
Das teorias do risco, a mais radical, em apelo e cuidado extremo, é a teoria do risco integral a qual apregoa que o dever de reparar surge tão somente em face do dano, dispensando, além da comprovação da conduta do agente, o vínculo do nexo causal.
De encontro com a posição, Paulo Nader (NADER, 2.010, p. 33) assevera:
A teoria do risco, no âmbito doutrinário, apresenta matizes diversos. A concepção mais radical é do risco integral, que dispensa não só o elemento culpa, mas também a prova do nexo de causalidade entre a conduta do agente e o prejuízo material ou moral de outrem, tratando-se de situações excepcionais em que as vítimas têm grande dificuldade de comprová-lo, devido à natureza das atividades desenvolvidas pelo agente e dos danos.
Na teoria do risco integral também não se admite as excludentes de responsabilidade, quais sejam: culpa exclusiva da vítima, fato de terceiro, caso fortuito e força maior.
Desta forma, diante das demais teorias, a teoria do risco integral é a que mais se mostra suficiente para a reparação diante de um dano causado.
3 DO DANO AMBIENTAL
Conforme já exposto alhures, para que seja possível a incidência da responsabilidade civil e para que ocorra o dever de reparação necessário se faz a existência de um dano.
Para Ari Alves de Oliveira Filho (FILHO, 2.009, p. 118) dano é entendido como diminuição ou destruição de determinado bem; sendo a descrição do dano ambiental uma tarefa difícil devido à dificuldade de identificação de seu causador e muitas vezes, pela dificuldade de comprovação do nexo de causalidade que vincula o lesante e o dano efetivamente causado.
A expressão dano ambiental era tratada pela doutrina com uma imprecisão que variava segundo os interesses de tutelar da sociedade, podendo recair diretamente sobre o patrimônio ambiental quanto se configuraria dano de ricochete[5], sendo o ser humano “vítima em sua saúde e em seus bens” segundo Annelise Steigleder (STEIGLEDER, 2.011, p. 102).
Ainda sobre o tema, aduz Annelise Steigleder que “conforme o ordenamento jurídico que se insere, a norma é utilizada para designar tanto as alterações nocivas como efeitos que tal alteração provoca na saúde das pessoas e em seus interesses” (STEIGLEDER, 2.011, p. 99).
Segundo a autora (STEIGLEDER, 2.011, p. 99), houve uma evolução do entendimento doutrinário na qual dano ambiental não é somente aquele que atinge interesse pessoal de particulares, mas aquele que, de alguma forma, interfere no desenvolvimento sustentável[6] de determinado meio, entendido por si só; seja natural, artificial, cultural ou do trabalho conforme atualmente já se define.
Do reconhecimento do bem ambiental como suscetível à tutela, a utilização da responsabilidade civil, que busca combater os efeitos danosos através de medidas na esfera cível, estas se não bastantes pela reparação deverá ser suficiente através do pagamento de indenização que será destinada á fundo específico[7].
Notória se faz a observação de Ari Alves de Oliveira Filho (FILHO, 2.009, p. 131):
Desta feita, a sociedade busca, no Judiciário, a reparação dos danos causados pelos desastres ecológicos, através de processos litigiosos, uma vez que há comoção social, e ela cobra uma resposta, pois o povo já é sabedor da importância da preservação ambiental para a sobrevivência de todas as espécies.
Continua o autor, “ao ser acionado, o Judiciário busca descobrir qual a extensão do dano, até que ponto ele prejudica o ecossistema do homem, por fim, quem foi seu causador, partindo, em seguida, para a busca do ressarcimento” (FILHO, 2.009, p. 131).
O dano ambiental no direito interno, já compreendido em sua forma ampla, fere direito difuso[8] da coletividade em se tratando da não observância do que preceitua o caput do artigo 225 da Carta Magna; bem como, o dano ambiental se caracteriza, de forma geral, pelo que aduz a Lei 6.938/81 em seu artigo 3º[9], por ser qualquer tipo de alteração das características particulares e singulares daquele ambiente, entendida como degradação; assim como também se preceitua como a alteração na qualidade do ambiente, entendida como poluição.
Em linhas conclusivas e ensejando uma reflexão aduz Luís Paulo Sirvinskas que “a utilização excessiva dos recursos naturais poderá causar o seu esgotamento e a estagnação econômica, além de colocar em risco todas as formas de vida do planeta” (SIRVINSKAS, 2.012, p. 132).
4 A responsabilidade civil ambiental
A notoriedade da degradação ambiental como o desmatamento das florestas, a contaminação das águas, a poluição do ar atmosférico e a devastação das reservas biológicas bem como o constante sofrer da humanidade em conseqüência dessa conduta (através do aumento da temperatura, desertificação do solo, esgotamento de recursos naturais, enfim as catástrofes naturais) mostraram a urgência e seriedade com que as questões relativas ao dano ao meio ambiente deviam ser tratadas.
Ainda, o crescente aumento populacional associado a uma cultura globalizada, capitalista e, portanto consumista, corrobora para a degradação acelerada do meio ambiente.
Diante da insuficiência da teoria clássica da responsabilidade civil (subjetivista) para garantir a reparação às vítimas do dano ambiental que ficavam fadadas ao seu infortúnio, seja pela dificuldade de prova, seja pela multiplicidade de sujeitos, seja pela natureza difusa do direito ou pela não fácil tarefa de mensurar a extensão do dano ambiental bem como a necessidade premente de assegurar a preservação do meio ambiente, a responsabilidade ambiental adotou o regime objetivista.
Na dicção de José Jairo Gomes (GOMES, 2.005, p. 332-333):
O legislador, sensibilizando-se com a injustiça padecida pela vítima e com o relevo social do dano ocorrido, fez uma opção radical em prol da reparação, tornando despiciendas quaisquer considerações acerca da ilicitude da ação desenvolvida por aquele que deverá arcar com os ônus indenizatórios.
Tal entendimento corrobora com a intenção de nosso legislador ao eleboarar o §1° do artigo 14 da Lei 9.638/91, que dispõe:
Art. 14.§ 1º – Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.
Certo é que a responsabilidade civil ao tratar de danos decorrentes de violação de direitos difusos e/ou coletivos, como o meio ambiente, afasta de si a teoria clássica adotada para os casos de direitos individuais/patrimoniais e se reveste da teoria do risco e da solidariedade a fim de conferir efetividade à medida que pretende impor.
Aqui, a função da solidariedade tem o escopo de garantir que o dano seja reparado, observado, no caso, o direito de regresso daquele que suportou a reparação em face dos demais.
Não obstante o argumento da impossibilidade da responsabilidade solidária do Estado em razão da atribuição da reparação aos administrados faz-se necessário dizer que é o Poder Público o responsável pelo controle, fiscalização e vigilância das atividades que possam vir a causar danos ao meio ambiente. Cabe ainda, ao Estado, a análise das concessões de autorização para exploração dos recursos naturais bem como dos empreendimentos ou atividades potencialmente poluidoras ou degradadoras, daí a responsabilidade solidária da administração por danos ambientais.
Sobre o exposto acima, Pablo Stolze Gagliano (GAGLIANO, 2.012, p.243), dicorre sobre o emprego da teoria do risco integral:
A teoria em epígrafe leva a idéia de responsabilização às mais altas elucubrações. De fato, a sua aplicação levaria a reconhecer a responsabilidade civil em qualquer situação, desde que presentes os três elementos essenciais, desprezando-se quaisquer excludentes de responsabilidade, assumindo a Administração Pública, assim, todo o risco proveniente de sua atuação.
A Constituição Federal em seu artigo 23, VI, incumbe à União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios o dever de “proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas”.
Ainda, no mesmo diploma legal, em seu artigo 225 assegura que:
Todos tem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Desta forma, o Estado (União, Distrito Federal, Estados e Municípios) pode tanto ser responsabilizado por danos cometidos por seus agentes tanto quanto pelos danos ambientais cometidos por terceiros, em decorrência de sua conduta omissa, permitindo que o dano ao ambiente se opere.
Os princípios que regem a responsabilidade ambiental são os princípios da prevenção e precaução e o princípio do poluidor-pagador.
Dos princípios da precaução e prevenção há de se fazer a distinção conforme Édis Milaré (MILARÉ, 2.011, p. 1069):
De maneira sintética, podemos dizer que a prevenção trata de riscos ou impactos já conhecidos pela ciência, ao passo que a precaução se destina a gerir riscos ou impactos desconhecidos. Em outros termos, enquanto a prevenção trabalha com o risco certo, a precaução vai além e se preocupa com o risco incerto. Ou ainda, a prevenção se dá em relação ao perigo concreto, ao passo que a precaução envolve perigo abstrato.
Nesse sentido, o princípio da prevenção tem por objetivo prevenir, diante do conhecimento do risco, o dano ambiental, enquanto que o princípio da precaução é conduta adotada diante da incerteza científica do risco de dano que certa profissão ou atividade irá causar.
Para o autor a observação do princípio da precaução funda-se em “argumentos de ordem hipotética, situados no campo das possibilidades, e não necessariamente de posicionamentos científicos claros e conclusivos” (MILARÉ, 2.011, p. 1071).
Luz Elena Agudelo Sánchez e Fausto Enrique Huerta Gutiérrez (SÁCHEZ e GUTIÉRREZ, 2.012, p. 41) também asseveram acerca da diferenciação de ambos os princípios em consonância com o entendimento de Édis Milaré:
En todo caso, la definición del Principio de Precaución debe desligarse de la del Principio de Prevención, ya que uno y otro, aunque tienen el mismo fin tendiente a evitar un daño, se fundamentan en presupuestos diferentes, siendo la prevencíon el género, y la precaución la especie.[10]
Continuam os autores seu raciocínio “En otras palabras, las medidas de prevención son las que se adoptan ante un riesgo actual, mientras que las medidas de precaución suponen un riesgo potencia[11]” (SÁCHEZ e GUTIÉRREZ, 2.012, p. 42).
Quanto ao princípio do poluidor-pagador, este visa a incutir o custo da poluição na produção. Segundo Ari Alves de Oliveira Filho “este princípio surgiu da necessidade de se impor à sociedade mecanismo de alcance preventivo e/ou repressivo” (FILHO, 2.009, p. 53).
Verifica-se no referido princípio traço exclusivamente de cunho econômico ao passo que cria um mecanismo de responsabilidade por dano causado ao meio ambiente, impondo ao poluidor um custo por sua atividade, sendo seu alcance, segundo o autor acima referido “preventivo, no sentido de que, se ocorrer o dano, o responsável arcará com serveras penas (…). Repressivo, no sentido de impor efetivamente as severas penas, fazendo cumpri-las” (FILHO, 2.009, p. 53).
Trata-se de uma compensação pelo dano ambiental causado por sua atividade. Não obstante se tenha o princípio do poluidor-pagador como um mecanismo de alocação de custos, decerto que o custo dos bens e serviços produzidos não reflete o custo total das medidas necessárias de prevenção, mitigação e compensação dos impactos negativos associados ao processo de produção.
5 A aplicação da teoria do risco integral
Para Marcelo Abelha Rodrigues (RODRIGUES, 2013, p. 372-373), quanto à aplicação da responsabilidade civil objetiva a fim de reparar o bem ambiental lesado é necessário, ainda, a observância de alguns obstáculos que dificultam a solução almejada, quais sejam: a comprovação do dano ambiental, comprovação do nexo causal e efetivação da sanção.
Nesse sentido, necessária se faz a conjugação da responsabilidade objetiva com um mecanismo que garanta a efetividade das normas e medidas implantadas pelo ordenamento jurídico interno a fim de buscar soluções para eliminar os referidos obstáculos.
Segundo José Alfredo de Oliveira Baracho Júnior, “a extensão do risco é também o tema central quando se discute o problema da reparação integral” (JÚNIOR, 2.012. p. 304).
Temos que a teoria do risco integral é a forma mais gravosa de responsabilidade civil, não admitindo as hipóteses de excludente de responsabilidade nem mesmo em se tratando de caso fortuito ou força maior, bem como dispensa a comprovação da conduta do agente e do nexo causal.
Assim, por se mostrar meio mais eficaz em face das demais teorias do risco (risco-proveito, do risco profissional, do risco excepcional e do risco criado) a doutrina, jurisprudência e legislador tem associado à responsabilidade objetiva por dano ambiental a teoria do risco integral.
Para José Jairo Gomes (GOMES, 2.005, p. 332) a responsabilidade civil com base na concepção do risco integral torna evidente a incidência da solidariedade e cooperação:
Mais evidente se torna a incidência da solidariedade e da cooperação nas hipóteses em que tem aplicação a teoria do risco integral, ou seja, nos casos em que a responsabilidade além de ser objetiva, não comporta elisão pela ocorrência de caso fortuito, força maior, fato de terceiro e culpa exclusiva da vítima. Nessa categoria estão os danos decorrentes de atividade nuclear e danos causados ao meio ambiente.
Desta forma, nenhuma outra conduta será verificada ou serão observadas as excludentes de responsabilidade.
José Alfredo de Oliveira Baracho Júnior (JÚNIOR, 2.000, p. 321) também consagra essa ídeia:
Estando a responsabilidade objetiva por dano causado ao meio ambientefundamentada na teoria do risco integral, a culpa ou o proveito de terceiro que invoca a proteção jurisdicional, duas excludentes da responsabilidade objetiva, não poderiam ser sucitadas.
Entende o autor tratar-se de responsabilidade solidária, sendo “irrelevante a mensuração de subjetivismo” no tocante a conduta lesiva (JÚNIOR, 2.000, p.320-321).
Nas palavras de Sergio Cavalieri, a teoria do risco integral “é modalidade extremada da doutrina do risco para justificar o dever de indenizar mesmo nos casos de culpa exclusiva da vítima, fato de terceiro, caso fortuito ou de força maior” (CAVALIERI FILHO, 2.008, p. 233).
Para o autor, por se tratar de medida extrema deve ser adotada somente em casos excepcionais, como exemplo, em caso de dano ambiental, devido ao caráter preventivo desse ramo do direito, bem como na impossibilidade de aplicação da Lei 6.938/81 caso se pudesse invocar o caso fortuito e a força maior como hipóteses de excludentes de responsabilidade.
Assim, em seu entendimentoexpõe Sergio Cavalieri (CAVALIERI FILHO, 2.008, p.144-145):
c) Temos, a seguir, o art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/1981, que trata dos danos causados ao meio ambiente. O meio ambiente, ecologicamente equilibrado, é direito de todos, protegido pela própria Constituição Federal, cujo art. 225 o considera “bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida… Além das medidas protetivas e preservativas previstas no § 1º, I-VII, do art. 225 da Constituição Federal, em seu § 3º ela trata da responsabilidade administrativa e civil dos causadores de dano ao meio ambiente. Nesse ponto a Constituição recepcionou o já citado art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/1981, que estabeleceu responsabilidade objetiva para os causadores de dano ao meio ambiente, nos seguintes termos: “Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e terceiros, afetados por sua atividade”.
Conclui em seu entendimento “extrai-se do Texto Constitucional e do sentido teleológico da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/1981) que essa responsabilidade é fundada no risco integral” (CAVALIERI FILHO, 2.008, p. 145).
Conforme José Jairo Gomes (GOMES, 2.005, p. 333):
Por outro lado, a Constituição Federal dispõe em seu artigo 21, XXIII, “c” que “a responsabilidade civil por danos nucleares independe da existência de culpa”. Destarte, consagrou-se no nível constitucional a responsabilidade objetiva por dano decorrente de atividade que envolva a manipulação de substâncias radioativas, tendo sido agasalhada a teoria do risco integral.
José Alfredo de Oliveira Baracho Júnior (JÚNIOR, 2.000, p.322) elucida que se posiciona a doutrina majoritária pela vinculação da responsabilidade civil à supracitada teoria por se tratar de medida mais rigorosa, conforme ja tratado, que desponta como solução eficaz em face da preocupante degradação ambiental existente no Brasil. Disserta ainda que pela aplicação da teoria do risco, “a obrigação de reparação decorreria somente do fato dano, excluindo-se qualquer outra determinante externa a ele” (JÚNIOR, 2.000, p.322).
Posiciona-se também Luis Paulo Sirvinskas (SIRVINKAS, 2.012, p. 251) ao aduzir que o dano deve ser reparado integralmente ou o mais aproximadamente possível ressaltando sua aderência a aplicabilidade da teoria do risco integral conjugada com a responsabilidade objetiva.
Nessa esteira de entendimentos vê-se que o nosso legislador além de adotar a responsabilidade objetiva nos casos de dano ambiental, tornando prescindível a análise da conduta do agente, tornou inaplicável as hipóteses de excludente de responsabilidade ao adotar a teoria do risco integral como medida de proteção ambiental.
6 CoNSIDERAÇÕES FINAIS
Com base na ideia de prevenção o Direito Ambiental tido como um complexo de normas e princípios reguladores do reflexo da atividade humana sobre o meio ambiente, em seu sistema de responsabilidade por danos ambientais, previsto na Lei 9.638 de 1.981 e na Constituição da República de 1.988, adota a teoria da responsabilidade objetiva, sendo irrelevante a averiguação da conduta do agente causador do dano.
Desta forma, independentemente de culpa, pressuposto da responsabilidade subjetiva, haverá a obrigação de reparar para aquele que em razão de sua profissão ou atividade causou danos ambientais, este entendido como qualquer alteração do equilíbrio do meio ambiente.
Apesar do entendimento consolidado quanto a aplicação da responsabilidade objetiva em face do dano ambiental persistiam obstáculos impeditivos da responsabilização dos agentes causadores de danos, seja pela dificuldade de prova, seja pela multiplicidade de sujeitos, seja pela natureza difusa do direito ou pela não fácil tarefa de mensurar a extensão do dano ambiental bem como pela aplicabilidade das excludentes de responsabilidade e demonstração do nexo de causalidade.
Não obstante, a fim de solucionar as questões acima propostas, optou-se pela aplicação da teoria do risco integral, medida extremista que, em razão de sua gravidade, outra modalidade não se encontraria efetiva para resguardar o meio ambiente em sua forma ecologicamente equilibrada, tendo em vista, se assim o fosse, ver-se por inatingível a reparação uma vez permitido invocar-se as hipóteses de excludente de responsabilidade bem como a demonstração do nexo de causalidade.
Uma vez invocados o caso fortuito e a força maior, a maioria dos danos ambientais restariam sem a devida reparação, pois não permitiria a responsabilidade daqueles que por razões econômicas – profissão ou atividade – assumiram o risco de provocar dano ao meio ambiente.
Por fim, o Direito Ambiental brasileiro, cuja característica de preservação lhe sobeja, em razão da elevação do direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado a um direito constitucional fundamental, com espeque no artigo 225 da Constituição Federal bem como no artigo 14, § 1º da Lei 9.638/81 (Lei de Política Nacional do Meio Ambiente) sustenta a excepcionalidade da aplicação da teoria do risco integral nos casos de danos causados ao meio ambiente, esta justificada na importância do bem jurídico tutelado.
REFERÊNCIAS
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BRASIL. Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1.981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Diário Oficial, Brasília, 31ago. 1.981.
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2.008.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: responsabilidade civil. v. 7. São Paulo: Saraiva, 2.010.
FILHO, Ari Alves de Oliveira. Responsabilidade civil em face dos danos ambientais. Rio de Janeiro: Forense, 2009.
FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de direito ambiental. São Paulo: Saraiva, 2.005.
GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. v. 3. São Paulo: Saraiva, 2012.
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NADER, Paulo. Curso de direito civil: responsabilidade civil. v. 7. Rio de Janeiro: Forense, 2.010.
RODRIGUES, Marcelo Abelha. Direito Ambiental: esquematizado.São Paulo: Saraiva, 2.013.
SÁNCHEZ, Luz Elena Agdelo.GUTIÉRREZ, Fausto Enrique Huerta. El Principio de Precaucíon Medioambiental en el Estado Colombiano. Colômbia: Editorial Universidad Libre Seccional Pereira, 2.012.
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STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Responsabilidade Civil Ambiental: as dimensões do dano ambiental no direito brasileiro. 2.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2.011.
NOTAS DE FIM
*Estudante do 9º periodo do curso de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.
[1] Princípio que rege a responsabilidade civil no qual a ninguém é facultado causar dano a outrem.
[2] Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer á custa de outrem, será obrigado á restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.
[3] Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
[4] Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
[5] Dano de ricochete, de modo geral, consiste em ato praticado diretamente sobre uma determinada pessoa, mas seus efeitos afetam indiretamente terceiros.
[6] Desenvolvimento sustentável é aquele desenvolvimento que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade das gerações futuras satisfazerem suas próprias necessidades. Desenvolver de forma sustentável significa melhorar a qualidade de vida humana dentro dos limites de suporte do próprio meio que se explora.
[7] Fundo Nacional do Meio Ambiente, instituído pela Lei 7.797/89, regulada pelo Decreto nº 98.161/89 que foi, posteriormente, alterado pelo Decreto nº 99.249/90, que dispõe sobre a administração do fundo conforme observa Ari Alves de Oliveira Filho (FILHO, 2.009, p. 145).
[8] Segundo Fiorillo, “o direito difuso apresenta-se como um direito transindividual, tendo um objeto indivisivel, titularidade indeterminada e interligada por uma situação de fato” (FIORILLO, 2.012, p. 56).
[9] Art 3º – Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:
I – meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas;
II – degradação da qualidade ambiental, a alteração adversa das características do meio ambiente;
III – poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente:
a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;
b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;
c) afetem desfavoravelmente a biota;
d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;
e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos;
IV – poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental;
V – recursos ambientais: a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora.
[10] (SÁCHEZ e GUTIÉRREZ, 2012, p. 42): “Em todo caso, a definição do Princípio da Precaução deve ser separada do Princípio da Prevenção, uma vez que ambos, apesar de terem a mesma ordem para impedir o dano, são baseados em diferentes hipóteses, sendo a prevenção gênero, e a precaução espécie”.
[11] (SÁCHEZ e GUTIÉRREZ, 2012, p. 42): “Em outras palavras, as medidas de prevenção são aquelas adotadas diante de um risco real, enquanto que as medidas de precaução supõem um risco potencial”.