Juliano Junqueira de Faria[1]
RESUMO: O presente artigo trata-se do problema da irregular ocupação do solo urbano e das ocupações nos aglomerados subnormais. Esse tipo de ocupação acarreta o problema da ausência de título para o possuidor que legitime sua situação jurídica. Nessa esteira, ganha relevância o instituto da regularização fundiária de áreas urbanas, posto que voltado a regularizar e conceder títulos àquelas pessoas que ocupam terras urbanas irregularmente, na forma dita pelo legislador.
PALAVRAS-CHAVE: Direito Civil; Direito Constitucional; Propriedade; Dignidade da Pessoa Humana.
Área de Interesse: Direito Civil-Constitucional.
1 INTRODUÇÃO
O constante e contínuo aumento da população urbana traz, inegavelmente, um problema para as cidades: a irregular ocupação do solo urbano.
Nesse contexto, há aquela ocupação realizada por população de baixa renda, muitas das vezes em aglomerados urbanos.
A título de ilustração, tem-se que os resultados do último Censo[2] Demográfico (2010) divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, demonstram que o Brasil possui uma população residente de 190.755.799 (cento e noventa milhões, setecentos e cinquenta e cinco mil e setecentos e noventa e nove) habitantes, dos quais 160.925.804 (cento e sessenta milhões, novecentos e vinte e cinco mil e oitocentos e quatro) habitantes vivem em áreas urbanas[3].
O mesmo IBGE identificou que, no Brasil, existem 6.329 (seis mil, trezentos e vinte e nove) aglomerados subnormais, assim entendidos aqueles representados por favelas, invasões, grotas, baixadas, comunidades, vilas, ressacas, mocambos, palafitas, entre outros assentamentos irregulares[4], dos quais 3.954 (três mil, novecentos e cinquenta e quatro) encontram-se situados no Sudeste do país.
Nesses aglomerados subnormais, residem 11.425.644 (onze milhões, quatrocentos e vinte e cinco mil e seiscentos e quarenta e quatro) habitantes.
Os números se apresentam com extraordinária relevância para aqueles que lidam com o Direito, pois sabido que as ocupações nos aglomerados subnormais normalmente se mostra irregular, não conferindo ao possuidor qualquer título que legitime sua situação jurídica.
Nessa esteira, ganha relevância o instituto da regularização fundiária de áreas urbanas, posto que voltado a regularizar e conceder títulos àquelas pessoas que ocupam terras urbanas irregularmente, na forma dita pelo legislador.
A Lei Ordinária Federal nº 11.977/09, dentre outras questões, dispõe sobre a regularização fundiária de assentamentos localizados em áreas urbanas, figura pensada num momento em que é flagrante a expansão das cidades, mesmo que de maneira desordenada.
Ademais, necessário cotejar o direito de propriedade com o direito à moradia, que pode ser garantido pelo instituto em comento.
Portanto, de todo significativo o conhecimento do instituto referido, para que se conclua pela sua pertinência e afeição ao Estado brasileiro.
2 A REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA
A Regularização Fundiária de assentamentos localizados em áreas urbanas encontra-se prevista entre os artigos 46 e 60 da Lei 11.977/09 e assim foi definida pelo legislador no artigo 46 de referida lei:
A regularização fundiária consiste no conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais que visam à regularização de assentamentos irregulares e à titulação de seus ocupantes, de modo a garantir o direito social à moradia, o pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Admite a legislação 2 (duas) modalidades de Regularização Fundiária: 1) Regularização Fundiária de Interesse Social e 2) Regularização Fundiária de Interesse Específico.
A Regularização Fundiária de Interesse Social é destinada a assentamentos irregulares ocupados por população de baixa renda, nos casos em que a área esteja ocupada, de forma mansa e pacífica, há pelo menos 5 (cinco) anos, naqueles em que os imóveis a serem regularizados estejam situados em Zona Especial de Interesse Social – ZEIS[5] ou nos em que a área seja da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e declarada de interesse para implantação de projetos de regularização fundiária de interesse social.
Por sua vez, a Regularização Fundiária de Interesse Específico é aquela existente quando não caracterizado o interesse social necessário à Regularização Fundiária de Interesse Social.
O procedimento de Regularização Fundiária pode ser pretendido por seus beneficiários, individual ou coletivamente e por cooperativas habitacionais, associações de moradores, fundações, organizações sociais, organizações da sociedade civil de interesse público ou outras associações civis que tenham por finalidade atividades nas áreas de desenvolvimento urbano ou regularização fundiária, atribuindo-se aos legitimados o poder de promover todos os atos necessários à regularização fundiária, inclusive os atos de registro. Por óbvio, não se exclui a possibilidade de o poder público atuar de ofício.
Exige-se, entretanto, que haja um conhecimento prévio de informações sobre a demarcação do imóvel de domínio público ou privado, seus limites, área, localização e confrontantes, bem como sobre seus ocupantes e suas posses.
Para tanto, poderá valer-se a Administração Pública do procedimento da Demarcação Urbanística, definida pela Lei 11/977/09 como o procedimento administrativo pelo qual o poder público, no âmbito da regularização fundiária de interesse social, demarca imóvel de domínio público ou privado, definindo seus limites, área, localização e confrontantes, com a finalidade de identificar seus ocupantes e qualificar a natureza e o tempo das respectivas posses.
2.1 Regularização Fundiária de Interesse Social
A Regularização Fundiária de Interesse Social depende da análise e da aprovação[6], pelo Município ou pelo Distrito Federal, do Projeto de Regularização Fundiária, que deverá definir, ao menos, a) as áreas ou lotes a serem regularizados e, se houver necessidade, as edificações que serão relocadas; b) as vias de circulação existentes ou projetadas e, se possível, as outras áreas destinadas a uso público; c) as medidas necessárias para a promoção da sustentabilidade urbanística, social e ambiental da área ocupada, incluindo as compensações urbanísticas e ambientais previstas em lei; d) as condições para promover a segurança da população em situações de risco, considerado o disposto no parágrafo único do art. 3º da Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979[7]; e e) as medidas previstas para adequação da infraestrutura básica, considerando, também, as características da ocupação e da área ocupada para definir parâmetros urbanísticos e ambientais específicos, além de identificar os lotes, as vias de circulação e as áreas destinadas a uso público.
Ocorre que o Projeto deve ser precedido da Demarcação Urbanística que, uma vez elaborada deverá ser levada pelo Município ao Registro de Imóveis. Antecipadamente, entretanto, o Município deverá notificar os órgãos responsáveis pela administração patrimonial dos demais entes federados, para que se manifestem no prazo de 30 (trinta) dias quanto: I – à anuência ou oposição ao procedimento, na hipótese de a área a ser demarcada abranger imóvel público; II – aos limites definidos no auto de demarcação urbanística, na hipótese de a área a ser demarcada confrontar com imóvel público; e III – à eventual titularidade pública da área, na hipótese de inexistência de registro anterior ou de impossibilidade de identificação dos proprietários em razão de imprecisão dos registros existentes.
Na hipótese de ser dado prosseguimento ao procedimento de Regularização Fundiária, o Município enviará o Auto de Demarcação Urbanística ao Cartório de Registro de Imóveis, que deverá proceder às buscas para identificação do proprietário da área a ser regularizada e de matrículas ou transcrições que a tenham por objeto.
Na sequencia, o Oficial do Registro de Imóveis deverá notificar o proprietário e os confrontantes da área demarcada, pessoalmente ou pelo correio, com aviso de recebimento, ou, ainda, por solicitação ao oficial de registro de títulos e documentos da comarca da situação do imóvel ou do domicílio de quem deva recebê-la, para, querendo, apresentarem impugnação à averbação da demarcação urbanística, no prazo de 15 (quinze) dias.
Também o poder público responsável pela regularização deverá notificar, por edital, eventuais interessados, bem como o proprietário e os confrontantes da área demarcada, se estes não forem localizados nos endereços constantes do registro de imóveis ou naqueles fornecidos pelo poder público para notificação.
Decorrido o prazo da notificação, sem impugnação, a demarcação urbanística será averbada nas matrículas dos imóveis atingidos pela demarcação urbanística. Havendo impugnação, o oficial do registro de imóveis deverá notificar o poder público para que se manifeste no prazo de 60 (sessenta) dias, quando poderá propor a alteração do auto de demarcação urbanística ou adotar qualquer outra medida que possa afastar a oposição do proprietário ou dos confrontantes à regularização da área ocupada. Caso haja impugnação apenas em relação à parcela da área objeto do auto de demarcação urbanística, o procedimento seguirá em relação à parcela não impugnada. Não havendo acordo, a demarcação urbanística será encerrada em relação à área impugnada.
A partir da averbação do auto de demarcação urbanística, o poder público deverá elaborar o Projeto de Regularização Urbanística e submeter o parcelamento dele decorrente a registro. Com o registro do parcelamento, o poder público concederá título de Legitimação de Posse aos ocupantes cadastrados.
A Legitimação de Posse, entendida como ato do poder público destinado a conferir título de reconhecimento de posse de imóvel objeto de demarcação urbanística, com a identificação do ocupante e do tempo e natureza da posse, será concedida preferencialmente em nome da mulher e registrado na matrícula do imóvel, como determina o §2º do artigo 58 da Lei 11.97/09 embora, a nosso viso, soe inconstitucional a regra por violação o princípio da igualdade.
Devidamente registrada, a Legitimação de Posse constitui direito em favor do detentor da posse direta para fins de moradia, razão pela qual também será concedida ao coproprietário da gleba, titular de cotas ou frações ideais, devidamente cadastrado pelo poder público, desde que exerça seu direito de propriedade em um lote individualizado e identificado no parcelamento registrado.
Entretanto, a Legitimação de Posse somente poderá ser concedida aos moradores cadastrados pelo poder público, desde que a) não sejam concessionários, foreiros ou proprietários de outro imóvel urbano ou rural e b) não sejam beneficiários de legitimação de posse concedida anteriormente.
Também, não será concedido Legitimação de Posse aos ocupantes a serem realocados em razão da implementação do projeto de regularização fundiária de interesse social, devendo o poder público assegurar-lhes o direito à moradia.
Como visto, a legitimação de posse constitui ato de reconhecimento pelo poder público da posse do ocupante do imóvel objeto da demarcação urbanística. Por essa razão, a Lei 11.977/09 prevê a possibilidade que a posse assim reconhecida seja convertida em propriedade, através do procedimento de usucapião administrativa, contemplado pela lei na forma seguinte:
Art. 60. Sem prejuízo dos direitos decorrentes da posse exercida anteriormente, o detentor do título de legitimação de posse, após 5 (cinco) anos de seu registro, poderá requerer ao oficial de registro de imóveis a conversão desse título em registro de propriedade, tendo em vista sua aquisição por usucapião, nos termos do art. 183 da Constituição Federal.
§ 1o Para requerer a conversão prevista no caput, o adquirente deverá apresentar:
I – certidões do cartório distribuidor demonstrando a inexistência de ações em andamento que versem sobre a posse ou a propriedade do imóvel;
II – declaração de que não possui outro imóvel urbano ou rural;
III – declaração de que o imóvel é utilizado para sua moradia ou de sua família; e
IV – declaração de que não teve reconhecido anteriormente o direito à usucapião de imóveis em áreas urbanas.
§ 2o As certidões previstas no inciso I do § 1o serão relativas à totalidade da área e serão fornecidas pelo poder público.
§ 3o No caso de área urbana de mais de 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados), o prazo para requerimento da conversão do título de legitimação de posse em propriedade será o estabelecido na legislação pertinente sobre usucapião.
De toda sorte, como o usucapião, em qualquer das suas formas, exige posse contínua, poderá o título de Legitimação de Posse ser extinto pelo poder público emitente quando constatado que o beneficiário não está na posse do imóvel e não houve registro de cessão de direitos.
Portanto, verifica-se tratar de instrumento que garante a titulação do possuidor, inclusive com formalização da propriedade (direito real por excelência), em favor do ocupante de baixa renda.
E, exatamente porque o instituto objetiva preservar os interesses de pessoas de baixa renda, é que a Lei 11.977/09 atribui ao poder público, diretamente ou por meio de seus concessionários ou permissionários de serviços públicos, a implantação do sistema viário e da infraestrutura básica (vias de circulação; escoamento das águas pluviais; rede para o abastecimento de água potável; e soluções para o esgotamento sanitário e para a energia elétrica domiciliar) ainda que o poder público tenha sido provocado à sua realização, bem como estabelece que não serão cobradas custas e emolumentos para o registro do auto de demarcação urbanística, do título de legitimação e de sua conversão em título de propriedade e dos parcelamentos oriundos da regularização fundiária de interesse social
Como se vê, a regularização fundiária aqui apresentada, que pode culminar com a titulação da propriedade, busca vincular o homem ao solo urbano já ocupado, garantindo o direito social à moradia. Ao mesmo tempo, busca a regularização fundiária assegurar e implementar a função social da propriedade.
Em última palavra, afirmamos que efetivação de moradia e função social da propriedade querem significar efetivação da dignidade da pessoa humana. Por essa razão, passamos ao estudo da do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, para em seguida compreender a sua relação com o Princípio da Função Social da Propriedade.
2.2 O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana:
Fala-se na existência de um princípio da dignidade da pessoa humana, como fundante da República Federativa do Brasil.
Tal princípio, dotado da qualidade de norma constitucional, não deve ser entendido apenas como verdade fundamental a orientar a interpretação do sistema do direito. Deve, sim, ser entendido como norma jurídica em geral, produzindo determinados efeitos que haverão de ser garantidos, mesmo que coativamente, pela ordem jurídica.
Já se afirmou que “dignidade da pessoa humana é uma locução tão vaga, tão metafísica, que embora carregue em si forte carga espiritual, não tem qualquer valia jurídica” (BARROSO, 1998, p.296). Tal entendimento, entretanto, não deve prevalecer. Necessário é que se determine o significado da dignidade da pessoa humana, a fim de que se possa determinar os efeitos pretendidos pela norma.
Segundo informa Antônio Junqueira de Azevedo (2002, p.3), a utilização da expressão ‘dignidade da pessoa humana’ no mundo do direito é fato histórico recente. O autor anota que a expressão em causa surgiu pela primeira vez[8], no contexto em que hoje está sendo usada, em 1945, no preâmbulo da Carta das Nações Unidas[9].
Não obstante, é consenso teórico no mundo atual o valor essencial do ser humano, que deve ser reconhecido como centro e fim do direito. Nos dizeres de Ana Paula de Barcellos,
ainda que tal consenso se restrinja muitas vezes apenas ao discurso ou que essa expressão, por demais genérica, seja capaz de agasalhar concepções as mais diversas – eventualmente contraditórias –, o fato é que a dignidade da pessoa humana, o valor do homem como um fim em si mesmo, é hoje um axioma da civilização ocidental, e talvez a única ideologia remanescente. (BARCELLOS, 2002, p.103-104)
E é em Kant que se deve buscar as bases para a concepção da dignidade. Para Kant (2002, p. 68), o ser humano é dotado de dignidade enquanto tal, ou seja, enquanto ser humano.
Thomas Hill, citado por Gláucia Correa Retamozo Barcelos Alves (2002, p. 221), afirma que “a doutrina kantiana da dignidade da pessoa humana se inscreve na tradição cristã que atribui a cada ser humano um valor primordial, independentemente de seu mérito individual e de sua posição social”.
Kant, na busca de justificação e demonstração do imperativo categórico, assevera que o homem e, de uma maneira geral, todo o ser racional, existe como fim em si mesmo, e não como meio arbitrário desta ou daquela vontade. Dessa forma, em todas as ações, tanto nas que se dirigem ao homem mesmo, como nas que se dirigem a outros seres racionais, ele sempre há de ser considerado como fim (KANT, 2002, p.68).
Segundo Kant,
os seres cuja existência depende, não em verdade da nossa vontade, mas da natureza, têm, contudo, se são seres irracionais, apenas um valor relativo como meios e por isso se chamam coisas, ao passo que os seres racionais se chamam pessoas, porque a sua natureza os distingue já como fins em si mesmos, quer dizer como algo que não pode ser empregado como simples meio e que, por conseguinte, limita nessa medida todo o arbítrio (e é um objeto de respeito). Estes não são portanto meros fins subjectivos cuja existência tenha para nós um valor como efeito de nossa acção, mas sim fins objectivos, quer dizer coisas cuja existência é em si mesma um fim, e um fim tal que se não pode pôr nenhum outro em seu lugar em relação ao qual essas coisas servissem apenas como meios; porque de outro modo nada em parte alguma se encontraria que tivesse valor absoluto; mas se todo o valor fosse condicional, e por conseguinte contigente, em parte alguma se poderia encontrar um princípio prático supremo para a razão. (KANT, 2002, p.68-69)
Para Kant, os seres racionais se mantêm relacionados por meio de leis comuns o que caracteriza o que convencionou chamar de reino. Nesse reino ou, conforme quer Maria Celina Bodin de Moraes (2003, p. 81), mundo social, existem duas categorias de valores: o preço e a dignidade.
São de Kant as seguintes palavras:
no reino dos fins, tudo tem ou um preço, ou uma dignidade. Quando uma coisa tem preço, pode-se pôr em vez dela outra como equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e portanto, não permite equivalente, então tem ela dignidade. (KANT, 2002, p.77)
Além disso, considera Kant: “aquilo porém que constitui a condição só graças à qual qualquer coisa pode ser um fim em si mesma, não tem somente um valor relativo, isto é um preço, mas um valor íntimo, isto é dignidade” (KANT, 2002, p.77).
Isso nos leva a concluir que a dignidade caracteriza o homem como ser racional, dotado de vontade e que deva ser considerado como fim em si mesmo, jamais podendo ser considerado como meio para a consecução de fins outros.
Comungamos das lições de Maria Celina Bodin de Moraes (2003, p. 81), para quem o preço manifesta um valor exterior, ou seja, de mercado, representando interesses particulares, enquanto que a dignidade representa um valor interior e de interesse geral.
Lembrando Kant (2002, p. 77), tem-se que somente as coisas que possuam preço podem ser substituídas por outras equivalentes. O homem, ao contrário, por ser dotado de dignidade, não admite substituição. Não pode ser considerado mercadoria ou mero instrumento para a realização de fins outros.
A concepção da dignidade como um valor absoluto faz com que o ser humano seja considerado o fim último a ser alcançado, exatamente por ser humano. Nada mais do que isso. Tanto particulares, quanto o próprio Estado, devem pautar as suas ações pelo respeito a essa condição.
Nas palavras de Ana Paula de Barcellos,
o homem é um fim em si mesmo – e não uma função do Estado, da sociedade ou da nação – dispondo de uma dignidade ontológica. O Direito e o Estado é que deverão estar organizados em benefício dos indivíduos. (BARCELLOS, 2002, p.107)
E a dignidade, como tal, não admite qualificações. O homem, como ser humano, deve ter a sua dignidade promovida. O Homem, por ser homem, deve ser respeitado como tal. Isso faz com que a dignidade de uma pessoa independa de seu statussocial, do cargo que ocupa, da sua popularidade, de sua utilidade para outros[10]. Torna-se impossível a afirmativa de que um ser humano possua mais dignidade do que outro. Aquele que tem dignidade não tem preço e, por não possuir preço, não pode ser mensurado (ALVES, 2002, p. 221-222).
No século XX, a Segunda Guerra Mundial é apontada como momento especialmente marcante no que tange à concepção da dignidade da pessoa humana. A barbárie do nazismo revela os horrores a que eram levados seres humanos. Determinada política de governo assumia e defendia o extermínio de milhares de pessoas como se essas não possuíssem nenhum valor em si. Como vítimas, deve-se lembrar dos judeus.
Hanna Arendt (1999, p.34) observa o tratamento dispensado aos judeus, donde se verifica um certo desprezo pela compreensão do valor inerente ao ser humano. Ao apresentar o julgamento de Adolf Eichman, acusado de cometer crimes contra o povo judeu, crimes contra a humanidade e crimes de guerra durante o período do regime nazista e principalmente durante o período da 2ª Guerra Mundial, Hanna Arendt lembra de episódio ocorrido no outono de 1941, seis meses depois de a Alemanha ter ocupado a parte sérvia da Iugoslávia. Segundo afirma,
o Exército vinha sendo infernizado pela guerra de guerrilha desde então, e as autoridades militares decidiram resolver dois problemas de um só golpe, fuzilando cem judeus e ciganos para cada soldado alemão morto. Sem dúvida nem os judeus nem os ciganos eram guerrilheiros, mas, nas palavras do funcionário civil do governo militar, um certo Staatsrat Harald Turner, “os judeus já estavam ali no campo [mesmo]; afinal, eles também são sérvios, e, além disso, têm de desaparecer”. (ARENDT, 1999, p.34)
É no contexto do pós-guerra que se consagra a dignidade da pessoa humana nos vários ordenamentos jurídicos. Diversos países introduziram em suas Constituições a dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado que se criava ou recriava (BARCELLOS, 2002, p.109).
Tomemos de exemplo as Constituições[11] Italiana, Alemã e Portuguesa, como lembrado por Antônio Junqueira de Azevedo (2002, p.4).
A Constituição italiana de 1947 expressa em seu artigo 3º, 1ª parte: “Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei sem distinção de sexo, raça, língua, religião, opinião política e condições pessoais e sociais.” A Constituição alemã de 1949 estabelece em seu artigo 1.1: “A dignidade do homem é intangível. Respeitá-la e protegê-la é obrigação de todo o poder público.”
Por fim, a Constituição portuguesa de 1976, que prevê em seus artigos 1º e 13, 1ª alínea:
Art. 1º. Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária.
Art. 13. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
Ademais de todo o exposto, necessária é a referência à Declaração Universal dos Direitos do Homem, proclamada pela Resolução 217 A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, que faz referência à dignidade do homem em várias oportunidades:
Preâmbulo
Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo,
(…)
Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos dos homens e das mulheres, e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla,
(…)
Artigo I
Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade.
Artigo XXII
Toda pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à realização, pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade.
Artigo XXIII
1.Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.
2. Toda pessoa, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho.
3. Toda pessoa que trabalhe tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana, e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social.
4. Toda pessoa tem direito a organizar sindicatos e neles ingressar para proteção de seus interesses.
Possível, portanto, é a conclusão, sem se esquecer das disposições constantes da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a favor da consagração do princípio da dignidade humana, tanto no plano interno quanto no plano internacional: o homem deve ser considerado fim em si mesmo.
O princípio da dignidade humana impõe a realização de um estado de coisas. E esse estado de coisas nada mais é do que a realização do homem enquanto homem, enquanto ser humano, posto ser ele o fim almejado. Daí porque a impossibilidade de se pretender que seja o homem um instrumento a serviço do Estado. Ao homem devem ser asseguradas condições de uma vida digna. Faz-se necessária a preservação dos direitos inerentes à dignidade humana, seja por particulares, seja pelo próprio Estado. Todos os comportamentos necessários à efetivação do princípio da dignidade da pessoa humana devem ser levados a feito, mesmo que expressamente não previstos em outra norma. A busca da realização desse estado de coisas, ou seja, da realização da dignidade, deve ser alçada à prioridade, seja do próprio Estado, seja de particulares.
2.3 A Função Social da Propriedade
Tradicionalmente, a propriedade tem sido estudada sob seu aspecto estrutural e sob o seu aspecto funcional.
Símbolo maior do individualismo burguês, a propriedade é apresentada pelo ordenamento jurídico infraconstitucional de forma analítica. A lei não define o direito de propriedade. Entretanto, afirma que o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de revê-la do poder de quem quer que injustamente a possua. Ensina Gustavo Tepedino (2001) que as faculdades de usar, gozar e dispor da coisa são expressão do elemento interno ou econômico[12] do domínio, enquanto que o poder de reaver, ou seja, o poder de afastar as ingerências alheias ao direito de propriedade, integra o seu elemento externo ou jurídico. O conjunto dos elementos interno e externo compõe o aspecto estrutural do direito de propriedade.
O Código Civil brasileiro em vigor, assim como o revogado Código Civil de 1916, não fez qualquer referência expressa à função social da propriedade, estando a sua previsão primeira inserta no texto da Constituição da República de 1988 (artigo 5º, incisos XXII e XXIII).
O aspecto funcional, que não integra a estrutura[13] do direito de propriedade, representa a sua ideologia. Trata do aspecto dinâmico do direito de propriedade, o papel que o direito de propriedade desempenha nas relações sociais. A propriedade sempre exerceu uma função na sociedade, seja como expansão da inteligência humana, seja como objeto da supremacia do capital sobre o trabalho, seja como instrumento para construção de uma sociedade mais justa e solidária.
A função da propriedade, entretanto, torna-se social, a partir do momento em que o ordenamento reconheceu que o exercício da propriedade deveria ser protegido não no interesse do seu titular, mas no interesse coletivo da sociedade[14]. A propriedade é assegurada como direito fundamental, desde que atendida a sua função social. Uma nova hermenêutica impõe-se, posto que não se pode vislumbrar a proteção ao direito de propriedade se os demais princípios e garantias fundamentais previstos na Constituição não estão sendo assegurados.
Referindo-se à Constituição da República de 1988, Gustavo Tepedino (2001, p. 272) afirma que “o texto inovou de forma provavelmente sem precedentes, no sentido de funcionalizar a propriedade aos valores sociais e existenciais”. Assim, tem-se que a situação proprietária-patrimonial deve conviver ao lado de situações jurídicas existenciais. Somente o convívio harmônico é que outorga ao titular do direito real a proteção jurídica que se fizer necessária.
O constituinte de 1988 procedeu clara opção pelos valores existenciais que exprimem a ideia de dignidade da pessoa humana, em superação ao individualismo marcante no ordenamento anterior a ela. Passa-se, assim, a exigir que os valores patrimoniais adequem-se à nova realidade, pois a pessoa prevalece sobre qualquer coisa.
A nova concepção de propriedade que a ordem constitucional impõe traduz um poder-dever. O proprietário não pode mais exercer seu direito de forma absoluta, violentando o interesse social, porque deverá compatibilizá-lo com a função social. Portanto, a propriedade vincula-se a um direito de uso, gozo e disposição que deve ser exercido, atendendo sua destinação sócio-econômica, ou seja, sua função social.
Assim entende Teodoro Adriano Zanardi, para quem
A concepção oitocentista do direito de propriedade, que estava insculpida no Código Civil de 1916, não encontra guarida no sistema jurídico pátrio, pois, como já visto nos capítulos anteriores, a Constituição Federal de 1988 trouxe princípios que incidem diretamente sobre o direito de propriedade. Trouxe, ainda, dispositivos que prevêem essa incidência. Tais princípios também foram incorporados pelo Código Civil de 2002, bem como pelo Estatuto da Cidade de 2001 e já estavam previstos no Estatuto da Terra de 1964. (ZANARDI, 2003, p. 100)
A função social da propriedade tem um conteúdo preestabelecido no Título I da Constituição. Jamais devem ser relegados a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a garantia do desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e da marginalização, a redução das desigualdades sociais e regionais, a promoção do bem de todos sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, como fundamentos e objetivos da República Federativa do Brasil (TEPEDINO, 2001, p. 273).
Nesse sentido, conclui-se que “o conteúdo da função social da propriedade é informado pela própria Constituição, que tem na dignidade da pessoa humana regra basilar” (GONDINHO, 2000, p. 413).
A propriedade, portanto, não mais é absoluta em todos os seus termos. Não mais é
aquela atribuição de poder tendencialmente plena, cujos confins são definidos externamente, ou, de qualquer modo, em caráter predominantemente negativo, de tal modo que, até uma certa demarcação, o proprietário teria espaço livre para suas atividades e para a emanação de sua senhoria sobre o bem. A determinação do conteúdo da propriedade, ao contrário, dependerá de centros de interesses extrapatrimoniais, os quais vão ser regulados no âmbito da relação jurídica de propriedade. (TEPEDINO, 2001, p. 280)
Com a Constituição de 1988, os interesses patrimoniais do proprietário restaram submetidos aos princípios fundamentais do ordenamento (artigos 1º, 3º e 5º).
A disciplina da propriedade constitucional, a rigor, apresenta-se dirigida precipuamente à compatibilidade da situação jurídica de propriedade com situações não proprietárias. De tal compatibilidade deriva o preciso conteúdo da propriedade, inserta na relação concreta. (TEPEDINO, 2001, p. 286)
Não se trata de limitação ao direito de propriedade ou de esvaziamento de seu conteúdo. O direito de propriedade, embora concebido e tutelado sob a égide da função social, continua outorgando a seu titular as prerrogativas de usar, gozar, fruir e dispor da coisa, bem como revê-la de quem injustamente a possua. Entretanto, esse seu direito deve compatibilizar-se com situações jurídicas existenciais[15], não proprietárias, para que seja objeto de proteção jurídica.
Para o titular do direito de propriedade, a função social assume uma valência de princípio geral. A sua autonomia para exercer as faculdades inerentes ao domínio não corresponde a um livre arbítrio. O proprietário, através de seus atos e atividades, não pode perseguir fins anti-sociais ou não sociais, como também, para ter garantida a tutela jurídica ao seu direito, deve proceder conforme à razão pela qual o direito de propriedade lhe é tutelado. Em outras palavras, deve proceder de forma a promover os valores fundamentais da República esculpidos no texto constitucional. (GONDINHO, 2001, p. 148)
A situação jurídica real (patrimonial por excelência), portanto, mesmo modelada pela autonomia da vontade, deve estar compatibilizada com a tutela constitucional dos valores da função social da propriedade e, via de conseqüência, com os valores de uma situação jurídica existencial.
Dessa forma, a função social da propriedade[16] deve estar harmonizada com a autonomia da vontade, a fim de que a modelação da situação jurídica real ocorra no direito de forma legítima.
O projeto constitucional exige que se conceba a relação entre a Constituição e a legislação infraconstitucional de forma que a primeira apresente-se como fundamento interpretativo da segunda, o que obriga a uma leitura dos institutos do direito civil à luz da Constituição, e não inversamente[17] (TEPEDINO, 2001, p. 276).
Daí porque concluímos seguindo o entendimento de André da Rocha Osorio Gondinho (2001) para quem a modelação dos tipos reais pela autonomia da vontade
deve abranger a tutela constitucional da iniciativa privada e da propriedade, de modo que a intervenção da autonomia da vontade no âmbito da modelação de situações jurídicas reais se submeta aos princípios constitucionais, fazendo incidir, nas relações privadas de direito real, os valores existenciais e sociais situados no vértice do ordenamento. (GONDINHO, 2001, p. 138)
Assim, temos que a intervenção da autonomia da vontade da modelação dos tipos de natureza real deve compatibilizar-se não somente com os limites modulares do próprio tipo, traçados pelo legislador que o descreveu mas, também, com as normas de ordem pública que permeiam o nosso ordenamento e, principalmente, com o princípio constitucional da função social da propriedade que exige que a situação real conviva em harmonia com valores existenciais, não patrimoniais, e que são expressão da dignidade da pessoa humana, fundamento maior da República Federativa do Brasil.
2.4 – O Direito Social à Moradia
Anote-se que, uma vez signatário do Pacto Internacional de Direitos Políticos Sociais e Econômicos, que já consagrava a moradia como um direito fundamental à realização da dignidade da pessoa humana, terminou o Brasil por erigi-la ao status de direito constitucional.
A alteração na Lei Maior brasileira deu-se por meio da Emenda Constitucional de nº 26, de 14 de fevereiro de 2000, que alterou a redação de seu art. 6º.
Tem-se, portanto, a moradia como um direito fundamental de cunho social, juntamente com a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, etc.
Muito mais que um direito de todo e qualquer cidadão, passa a moradia a ser uma importante diretriz a orientar o Poder Público para implementação de políticas aptas a assegurarem esse direito.
Na verdade, não era a moradia alheia à Constituição da República brasileira anteriormente à publicação da Emenda Constitucional 26.
A carta magna com ela já se preocupava. Veja-se, a título de exemplo, os textos de seu artigo 7º, inciso IV e artigo 23, IX:
“Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social.
…
IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;
…”
“Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
…
IX – promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico”.
Deve o poder público, por isso mesmo, pautar-se nos mandamentos constitucionais. É dever do Estado possibilitar condições mínimas de moradia a toda população, possibilitando a ela um teto, um porto seguro, onde possa estabelecer e manter condições, mesmo que mínimas, de uma vida digna.
3 CONCLUSÃO
Como visto, o inchaço populacional das cidades, verificado ao longo dos tempos, se fez em boa medida com a informalidade na ocupação do solo, em boas medidas.
Ocorre que o Estado Brasileiro, definido como Estado Democrático de Direito, fez-se sob o princípio da dignidade da pessoa humana, que determina que o ser humano há de ser percebido e tratado como um fim em si mesmo, razão pela qual exige-se que sejam pensados mecanismos capazes de proteger essa dignidade, mas, também, promovê-la.
A Lei Ordinária Federal nº 11.977/09, ao prever os procedimentos de Regularização Fundiária, contemplou mecanismo de legitimar a situação jurídica do cidadão que ocupa o solo urbano.
E ao assim fazer, a Lei Federal nº 11.977/09 acaba por contemplar um mecanismo capaz de realizar a dignidade da pessoa humana pois, garante a regularização de ocupações urbanas irregulares, titularizando os ocupantes.
Sem sombra de dúvidas, ao assim permitir, a Lei Federal 11.977/09 favorece a dignidade da pessoa humana, pois permite uma legítima vinculação do ocupante ao solo urbano, que poderá dar a ele uma legítima finalidade, inclusive para fins de moradia, o que também acaba por significar o respeito à função social da propriedade.
Em última e não técnica palavra, trata-se de instrumento capaz de possibilitar uma efetiva melhora de condições de vida da população, embora tenhamos o entendimento de que a imediata realização do procedimento de regularização fundiária exija melhores considerações, que fogem ao âmbito do presente trabalho, dadas a impossibilidade da Administração Pública de atender, em tese, a todas as demandas e exigências que lhe são impostas.
4 REFERÊNCIAS
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NOTAS DE FIM
[1]Mestre em Direito pela PUC Minas; Especialista em Direito de Empresa pelo Instituto de Educação Continuada da PUC Minas; Especialista em Direito Processual Civil pela Fundação Escola Superior do Ministério Público de Minas Gerais. Advogado. Professor do Centro Universitário Newton Paiva
[2]Censo, conforme definição de Aurélio Buarque de Holanda, é “o conjunto dos dados estatísticos dos habitantes de uma cidade, província, estado, nação, etc., com todas as suas características”. Segundo informação prestada pelo IBGE em seu endereço eletrônico (www.ibge.gov.br), “os censos populacionais constituem a única fonte de informação sobre a situação de vida da população nos municípios e localidades. As realidades locais, rurais ou urbanas, dependem dos censos para serem conhecidas e atualizadas”.
[3] Informação disponível no endereço eletrônico <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/caracteristicas_da_populacao/caracteristicas_da_populacao_tab_pdf.shtm> Acesso em 05 mai. 2013.
[4] Informação disponível no endereço eletrônico <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/aglomerados_subnormais/default_aglomerados_subnormais.shtm> Acesso em 05 mai. 2013.
[5] Parcela de área urbana instituída pelo Plano Diretor ou definida por outra lei municipal, destinada predominantemente à moradia de população de baixa renda e sujeita a regras específicas de parcelamento, uso e ocupação do solo.
[6] Segundo a Lei 11.977/09, a aprovação exigida corresponde ao licenciamento urbanístico do projeto de regularização fundiária de interesse social, bem como ao licenciamento ambiental, se o Município tiver conselho de meio ambiente e órgão ambiental capacitado. E, caso o projeto abranja área de Unidade de Preservação de Uso Sustentável (assim entendida aquela cujo objetivo básico é compatibilizara a conservação da natureza com o uso sustentável de parcela dos seus recursos naturais), será exigida também a anuência do órgão gestor da unidade.
[7] Art. 3o Somente será admitido o parcelamento do solo para fins urbanos em zonas urbanas, de expansão urbana ou de urbanização específica, assim definidas pelo plano diretor ou aprovadas por lei municipal.
Parágrafo único – Não será permitido o parcelamento do solo:
I – em terrenos alagadiços e sujeitos a inundações, antes de tomadas as providências para assegurar o escoamento das águas;
Il – em terrenos que tenham sido aterrados com material nocivo à saúde pública, sem que sejam previamente saneados;
III – em terrenos com declividade igual ou superior a 30% (trinta por cento), salvo se atendidas exigências específicas das autoridades competentes;
IV – em terrenos onde as condições geológicas não aconselham a edificação;
V – em áreas de preservação ecológica ou naquelas onde a poluição impeça condições sanitárias suportáveis, até a sua correção.
[8] A respeito das várias previsões legislativas acerca da dignidade da pessoa humana, ver: NOBRE JÚNIOR, Edílson Pereira. O direito brasileiro e o princípio da dignidade da pessoa humana. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v.219, p.237-251, jan-mar. 2000.
[9] A Carta das Nações Unidas foi assinada em São Francisco, a 26 de junho de 1945, após o término da Conferência das Nações Unidas sobre Organização Internacional, entrando em vigor a 24 de outubro daquele mesmo ano. Assim consta do preâmbulo de referida carta: “Nós, os povos das nações unidas, resolvidos a preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, que por duas vezes, no espaço da nossa vida, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade, e a reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direito dos homens e das mulheres, assim como das nações grandes e pequenas, e a estabelecer condições sob as quais a justiça e o respeito às obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do direito internacional possam ser mantidos, e a promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de uma liberdade ampla. E para tais fins, praticar a tolerância e viver em paz, uns com os outros, como bons vizinhos, e unir as nossas forças para manter a paz e a segurança internacionais, e a garantir, pela aceitação de princípios e a instituição dos métodos, que a força armada não será usada a não ser no interesse comum, a empregar um mecanismo internacional para promover o progresso econômico e social de todos os povos, resolvemos conjugar nossos esforços para a consecução desses objetivos. Em vista disso, nossos respectivos Governos, por intermédio de representantes reunidos na cidade de São Francisco, depois de exibirem seus plenos poderes, que foram achados em boa e devida forma, concordaram com a presente Carta das Nações Unidas e estabelecem, por meio dela, uma organização internacional que será conhecida pelo nome de Nações Unidas”.
[10] Gláucia Retamozo Alves (2002, p. 215-218) fala da concepção hobbesiana de pessoa, para quem esta última seria definida em razão de seu papel social, o que atualmente poderia ser denominado de “identidade estatutária”. Segundo Alves, essa forma de se conceber a pessoa apresenta forte resquício medieval, já que a pessoa é vista como um ator social. Além do mais, “atenta contra a dignidade humana, à medida em que impede o homem de se desenvolver na sua plenitude, como que amputando sua dimensão íntima, sua identidade pessoal, que é substituída pela identidade estatutária”.
[11] Os textos originais das constituições de diversos países, dentre os quais os aqui mencionados, podem ser acessados através do endereço eletrônico <https://www.planalto.gov.br/legisla.htm>.
[12] “É através dessas faculdades que o titular da propriedade pode obter as vantagens econômicas decorrentes da situação proprietária”. (GONDINHO, 2001, p. 140)
[13] Contra essa orientação tem-se André Pinto da Rocha Osorio Gondinho (2000) e José Afonso da Silva (1997), para quem a função social integra a própria estrutura do direito de propriedade.
[14] Comungamos do entendimento de César Fiuza (2004), para quem a propriedade constitui uma relação jurídica dinâmica, na qual se vislumbra direitos e deveres, tanto do titular quanto dos não titulares. Dessa forma, a função social da propriedade apresenta-se como fundamento dos direitos dos não titulares e dos deveres do titular do direito real. Retira-se, assim, a atenção da figura do proprietário, para se afirmar que também os não titulares possuem direitos. Nunca é demais lembrar que, a todo momento, conforme enunciado legal (artigo 1.228 do Código Civil em vigor e artigo 524 da lei revogada), chama-se a atenção somente para os poderes do proprietário.
[15] O Código Civil em vigor (Lei 10.406/2002), muito embora não tenha se referido expressamente à função social da propriedade, inovou na legislação infraconstitucional, determinando que a propriedade deve ser exercida em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais, e de modo que sejam preservados, conforme determinado por lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas. Esse o texto do §1º do artigo 1.228. Ao nosso ver, o legislador apresentou-se tímido ao enunciar o interesse social no trato da propriedade. Poderia ter sido mais ousado, fazendo expressa referência à função social da propriedade e à necessidade de sua compatibilização com situação jurídicas existenciais, respeitada a dignidade da pessoa humana.
[16] E aqui se pode falar em função social da situação real, posto que a propriedade é o direito real por excelência, dela derivando os demais direitos reais possíveis.
[17] Não é possível, portanto, que se promova, no que concerne à propriedade, uma leitura da Constituição à luz do Código Civil. Exige-se, sim, que o Código Civil seja lido à luz da Constituição, para que se consiga compreender os caracteres, conteúdos e extensão do tipo proprietário.