Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva

Marília Souza Diniz Alves[i]

 

RESUMO: O presente trabalho apresenta as ações afirmativas como medidas especiais para mitigar a discriminação. Trata-se de uma reflexão sobre as possíveis consequências da adoção, pelo governo brasileiro, de políticas públicas reservistas pautadas no critério racial. Para tanto, discorre-se acerca das seguintes polêmicas: superação do racismo no Brasil; reserva de vagas em universidades; existência, ou não, de direito subjetivo a um critério de avaliação. O artigo ainda propõe refletir sobre a arte engajada com as questões sociais — optando por analisar a tela “Mestiço” de Cândido Portinari — e fazer um estudo sobre a jurisprudência — em especial, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 186 e o Recurso Extraordinário n. 597.285 —, a atuação na esfera administrativa brasileira e as legislações que tratam do combate a práticas discriminatórias,. Também serão confrontados os argumentos favoráveis e contrários à adoção de ações afirmativas.

 

PALAVRAS-CHAVE: Discriminação. Ação afirmativa. Arte engajada. Inclusão. Cotas. Constitucionalidade.

 

Área de Interesse: Direito Constitucional

 

1 INTRODUÇÃO

A discriminação[1] compreende toda distinção, exclusão ou restrição que tenha por resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural, civil e/ou em qualquer outro domínio da vida pública. Trata-se de decisões diárias tomadas dentro de uma estrutura social simbólica em que gênero, cor, descendência, origem nacional, etnia, renda, religião e outros critérios são fatores determinantes.

Diante da prática cultural discriminatória pode o Estado optar entre duas posturas: neutralidade ou ativismo. A primeira, sob a roupagem da isenção, permite a subjugação dos grupos sociais minoritários pelos majoritários, ao passo que a segunda, instrumentalizada por meio de ações afirmativas, inclusivas e emancipatórias, consiste em agir para combater desigualdades, eliminar as violações aos direitos humanos e romper com o legado de exclusão.

As violações aos direitos humanos são construções históricas de atos de exclusão, discriminação e intolerância. Em constante evolução, tais direitos não são como um dado ou uma informação estática, e sim uma construção do homem sujeita a mudanças. Para Joaquín Herrera Flores (2009)[2], eles simbolizam uma racionalidade de resistência, na medida em que traduzem processos que abrem e consolidam espaços de luta pela dignidade.

 

1.1 Ações afirmativas

As ações afirmativas são medidas especiais, adotadas pelo Poder Público ou por particulares, destinadas a acelerar a igualdade de fato entre segmentos discriminados; por isso, devem ser associadas ao conceito de isonomia material. Elas têm a pretensão de modificar padrões socioculturais de condutas, eliminar preconceitos e práticas consuetudinárias baseadas na ideia de inferioridade ou superioridade em razão de estereótipos.

As ações afirmativas que visam a aprimorar a igualdade entre os homens devem ser estimuladas, uma vez que são muito mais amplas do que uma mera política de reserva de cotas para negros, índios, pobres, mulheres, deficientes. Por esse prisma, não são consideradas discriminatórias as medidas adotadas para assegurar que os indivíduos que necessitem de proteção especial gozem de prerrogativas especiais, pois elas pretendem tão somente ampliar as oportunidades e potencialidades dos grupos desfavorecidos.

Existem, na Constituição e na legislação infraconstitucional[3], exemplos de políticas de ações afirmativas, tais como: proteção do mercado de trabalho da mulher; reserva de cargos e empregos a pessoas portadoras de deficiência física; meio-passe, em transportes públicos, para estudantes; reserva de lugar em ônibus para idosos/grávidas; alíquotas progressivas de impostos (Imposto Predial Territorial Urbano — IPTU e Imposto de Renda — IR); benefícios fiscais (isenções); preferência por contratações com microempresários em caso de empate de propostas em certames licitatórios .

As ações afirmativas também se desenvolvem fora do Estado, por intermédio de instituições autônomas da sociedade civil, tais como partidos políticos, sindicatos, igrejas, escolas, ONGs, etc. Porém, quando de iniciativa do Poder Público, as medidas permeiam as esferas legislativa, judiciária ou administrativa. De qualquer forma, é importante destacar que tais ações somente devem perdurar enquanto a discriminação for patente, cessando assim que os objetivos de igualdade de oportunidade e de tratamento foram alcançados.

Neste trabalho reflete-se tão somente sobre as possíveis consequências da adoção de políticas públicas reservistas pautadas no critério racial. A partir das considerações tecidas, indaga-se: existe racismo no Brasil? Deve haver reserva de vagas para negros em universidades? Ações afirmativas violam o princípio da igualdade? Há direito subjetivo a um critério de avaliação?

Com base em um estudo sobre a obra Mestiço, de Cândido Portinari, e sua relação com as ações afirmativas, este artigo propõe uma reflexão sobre o papel da arte para a inclusão social. Ademais, analisam-se a jurisprudência brasileira — em especial, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 186 e o Recurso Extraordinário (RE) n. 597.285 —, a atuação na esfera administrativa e as legislações acerca de combate a práticas discriminatórias. Ao final, serão confrontados os argumentos favoráveis e contrários à adoção de ações afirmativas.

 

2 ARTE ENGAJADA DE CÂNDIDO PORTINARI

Portinari, artista plástico, nasceu no interior de São Paulo, na cidade de Brodowski, em 29 de dezembro de 1903 e era filho de imigrantes italianos que vieram para o Brasil cultivar café.

Embora filiado ao partido comunista, Portinari utilizou suas obras para expor questões sociais controvertidas no Brasil, mas não como um delator do partido, e sim como um cidadão que teve sua vida afetada pelos problemas nacionais desde a infância, com uma educação deficitária. Ele assumiu uma postura de pessoa consciente dos problemas nacionais, lutando por um Brasil igualitário.

A arte portinarista é engajada e comprometida com os ideais de inclusão e justiça social. Retratou várias facetas do Brasil, como os canaviais de açúcar, plantações de café, descobrimento, futebol, jangadas do Nordeste, lavradores, colheita, cangaceiros, retirantes, entre outros. O artista pintou o povo brasileiro, suas etnias e seus dramas, retratando-o com sua personalidade modernista e a intenção de transformar aflições em esperança.

Segundo Portinari (apud FABRIS, 1996, p. 141),

A pintura não é feita para ficar entre quatro paredes, e sim para beneficiar a grande massa do povo. O partido comunista compreende mais do que ninguém essa necessidade e, no seu programa, figuram estas justas reivindicações. É preciso incentivar a pintura e dar possibilidades ao povo de gozar também seus benefícios. Os pintores acadêmicos ou modernos, devem tornar-se uma força viva contribuindo para a elevação do nível cultural de nosso povo.

A obra Mestiço, de Portinari, remete a questão atual das reservas de cotas raciais como ação afirmativa. Trata-se de uma pintura a óleo (81×65,5cm) feita em 1934 e encontra-se exposta na Pinacoteca do Estado de São Paulo.

 

 

 

 

 

 

 

 

Mestiço – 1934 

Pintura a óleo/tela – 81 X 65,5 cm

Pinacoteca do Estado de São Paulo, SP

Conforme o programa Globo Repórter, da Rede Globo, de 1984, sabe-se que Newton Rodrigues foi o modelo que posou para o artista. Por ocasião do programa descobriu-se que Newton morava em um conjunto habitacional no subúrbio do Rio de Janeiro e exercia o ofício de moldureiro.

Ao observar a tela é possível perceber que o artista se preocupou em retratar as formas características de uma etnia dando maior enfoque para os cabelos, boca, nariz, olhos, sobrancelhas e tom de pele.

Quem seria o mestiço? A mistura do branco com negros e índios demonstrava o ideal de branqueamento da população brasileira.

Para defender causas sociais o artista valeu-se do pincel. Pelo uso de tintas fortes Portinari criou figuras inquietantes carregadas de emoção que conseguem transmitir, ao mesmo tempo, sentimentos de agonia, solidariedade e compaixão. Hoje as causas sociais são também compromissos governamentais representados por meio de atos administrativos, legislativos e judiciais.

O mais importante é respeitar as diferenças étnicas e multiculturais que formam o povo brasileiro. A arte é uma forma de resgatar a cultura e a trajetória do homem social. A luta pela igualdade é uma campanha de esclarecimento e alerta, que exige determinação e coragem, devendo ser empreendida com palavras e ações.

 

3 LEGISLAÇÃO E AS AÇÕES AFIRMATIVAS

Em âmbito internacional, a Organização das Nações Unidas (ONU), em suas inúmeras tentativas de reduzir as desigualdades sociais bem como de eliminar as formas de discriminação e as práticas de segregação, produziu declarações, tratados e acordos internacionais para a proteção e promoção dos direitos humanos. Destaque-se que o Brasil é signatário dos seguintes normativos:

  Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948);

 Convenção Interamericana sobre a Concessão dos Direitos Civis a Mulher (1948);

 Convenção sobre os Direitos Políticos da Mulher (1953);

 Convenção n. 111 da Organização Internacional do Trabalho sobre Discriminação em Matéria de Emprego e Ocupação (1958);

 Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (1965), ratificada pelo Brasil por meio dos Decretos n. 65.810/1969 e Decreto n. 4.738/2003;

 Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966);

 Convenção n. 100 sobre Igualdade de Remuneração de Homens e Mulheres Trabalhadores por Trabalho de Igual Valor (1951);

 Convenção Relativa à Luta contra a Discriminação no Ensino (1967);

 Convenção Americana sobre Direitos Humanos (1969);

Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (1979), ratificada pelo Brasil por meio do Decreto n. 4377/2002;

 Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (1984);

 Convenção sobre os Direitos da Criança (1989);

 Convenção n. 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre Povos Indígenas e Tribais (1989);

 Declaração dos Direitos das Pessoas Pertencentes a Minorias Nacionais Étnicas Religiosas e Linguísticas (1992);

 Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Ccntra a Mulher (1994);

 Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência (1999);

 Declaração e Plano de Ação de Durban (2001);

 Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (2007);

  Documento Final da Conferência de Revisão de Durban (2009).

Em âmbito nacional, outras normas antidiscriminatórias foram elaboradas em âmbito nacional. Contudo, não convém elencar exaustivamente as produções legislativas, porquanto a amostra selecionada nos confere subsídios suficientes para concluir que tradicionalmente as políticas governamentais de combate à discriminação baseiam-se em leis de conteúdo meramente proibitivo, oferecendo às vítimas instrumentos jurídicos de caráter reparatório.

Nesse contexto, as ações afirmativas devem ser vistas como alternativa viabilizadora da concretização de mecanismos geradores de inclusão e de igualdade de oportunidade entre os seres humanos. Elas resultam da compreensão de que a busca concreta de igualdade realiza-se para além da aplicação geral das regras do Direito, pelo que se propõem medidas específicas que considerem as particularidades das minorias e grupos em desvantagem.

Parte-se da premissa de que as ações afirmativas tem o condão de promover transformações na ordem cultural, pedagógica e psicológica.

Conforme Piovesan (2007, p. 40),

Enquanto a igualdade pressupõe formas de inclusão social, a discriminação implica a violenta exclusão e a intolerância à diferença e à diversidade. O que se percebe é que a proibição da exclusão, em si mesma, não resulta automaticamente na inclusão. Logo, não é suficiente proibir a exclusão, quando o que se pretende é garantir a igualdade de fato, com a efetiva inclusão de grupos que sofreram e sofrem consistente padrão de violência e discriminação.

Neste sentido, como poderoso instrumento de inclusão social, situam-se as ações afirmativas. Estas ações constituem medidas especiais e temporárias que, buscando remediar um passado discriminatório, objetivam acelerar o processo de igualdade, com alcance da igualdade substantiva por parte de grupos vulneráveis, como as minorias étnicas e raciais, as mulheres, dentre outros grupos.

As ações afirmativas, enquanto políticas compensatórias adotadas para aliviar e remediar as condições resultantes de um passado discriminatório, cumprem uma finalidade pública decisiva para o projeto democrático, que é a de assegurar a diversidade e o pluralismo social. Constituem medidas concretas que viabilizam o direito à igualdade, com a crença de que a igualdade deve se moldar no respeito à diferença e à diversidade. Através delas transita-se da igualdade formal para a igualdade material e substantiva.

Por estas razões, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial prevê, no art. 1o, parágrafo 4o, a possibilidade de ‘discriminação positiva’ (a chamada ‘ação afirmativa’), mediante a adoção de medidas especiais de proteção ou incentivo a grupos ou indivíduos com vistas a promover sua ascensão na sociedade até um nível de equiparação com os demais.

 

3.1 Estudo de caso – reserva de cotas em universidades públicas brasileiras

A reserva de cotas é um tipo de ação afirmativa que pretende, na esfera educacional, garantir aos grupos minoritários o acesso aos estudos e a obtenção de diplomas nas instituições federais de educação.

No panorama brasileiro a discussão acerca da reserva de cotas já atingiu três esferas de governo (administrativa, judiciária e legislativa) conforme passa-se a expor.

A ação foi desencadeada na esfera administrativa, antes mesmo que existisse legislação nacional específica autorizando a reserva de cotas: em 2004 a UnB inseriu no edital do seu vestibular a previsão da reserva de 20% de vagas para negros. Para concorrer a essas vagas, era necessário que o candidato se autodeclarasse negro, e a autenticidade da informação seria ratificada por uma comissão avaliadora. Também adotaram a reserva de vagas sociais e étnico-raciais a Universidade Federal da Bahia, Universidade Federal do Paraná, Universidade Federal de São Paulo, Universidade Federal de Alagoas, Universidade Federal de Juiz de Fora (2006), Universidade Federal do Pará (2006). A iniciativa dessas instituições demonstra seu caráter aberto, inclusivo e criativo para lidar com problemas conjunturais.

A mudança despertou a insatisfação das pessoas que supunham ter direito subjetivo ao critério meritocrático, o que ensejou a provocação do Poder Judiciário, por meio de ações coletivas e individuais.

Nos anos de 2009 e 2012 o Supremo Tribunal Federal (STF) foi convocado a se posicionar a cerca da celeuma. Na primeira ocasião foi proposta a ADPF n. 186 pelo partido político Democratas (com representação no Congresso Nacional), que questionou a constitucionalidade: dos atos normativos do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe/UnB) que estabeleceram o sistema de cotas para negros; da Resolução Cepe n. 38, de 18.06.2003; do Plano de Metas de Integração Social, Étnica e Racial da UnB; do Edital do 2º vestibular da UnB (julho de 2009).

Foram aduzidas violações aos seguintes dispositivos constitucionais: a) art. 1o, caput (princípio republicano) e inciso III (dignidade da pessoa humana); b) art. 3o, IV (veda o preconceito e discriminação); c) art. 4o, VIII (repúdio ao racismo); d) art. 5o, I (igualdade), II (legalidade), XXXIII (direito à informação dos órgãos públicos), XLII (combate ao racismo) e LIV (devido processo legal); e) art. 37, caput (princípios da legalidade, impessoalidade, publicidade e moralidade); f) art. 205 (direito universal à educação); g) art. 206, caput, e inciso I (igualdade nas condições de acesso ao ensino); h) art. 207, caput (autonomia universitária); art. 208, V.

Foi pleiteada liminar para suspenção da matrícula dos alunos aprovados mediante o sistema universal e o sistema de cotas para negros na UnB, bem como nova divulgação do resultado pelo Centro de Seleção e de Promoção de Eventos (Cespe/UnB), considerando todos os candidatos inscritos no sistema universal de ingresso.

Tamanha a relevância da discussão, antes mesmo de levar a questão a julgamento pelo plenário do STF, o Ministro Presidente optou por designar audiência pública nos dias 3, 4 e 5 de março de 2010, transmitida pela TV Justiça e Rádio Justiça, para ouvir depoimento de pessoas com experiência e autoridade em matéria de políticas de ação afirmativa em ensino superior. O ponto central do debate consistiu na constitucionalidade do sistema de reserva de vagas baseado em critérios raciais como forma de inclusão.

Em 2012 os critérios adotados pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul para reserva de vagas também foram questionados no RE n. 597.285. A universidade destinou 30% das 160 vagas a candidatos egressos de escola pública e a negros que também tenham estudado em escolas públicas (sendo 15% para cada), além de 10 vagas para candidatos indígenas.

O estudante autor da ação não se conformou com a mudança de critério de admissão, pois prestou o vestibular para o curso de Administração em 2008, primeiro ano da aplicação do sistema de cotas, e foi classificado em 132º lugar. Alegou que, se o vestibular tivesse ocorrido no ano anterior, ele teria garantido sua vaga, mas no novo modelo concorreu apenas às 112 vagas restantes.

Nas duas ações, o STF concluiu pela constitucionalidade das políticas de ação afirmativa admitindo a utilização dessas políticas na seleção para o ingresso no ensino superior, especialmente nas escolas públicas; do uso do critério étnico-racial; da autoidentificação como método de seleção; da modalidade de reserva de vagas ou de estabelecimento de cotas.

No segundo semestre de 2012, foram editados a Lei n. 12.711/12, o Decreto n. 7.824/12 e a Portaria n. 18 do Ministério da Educação e Cultura (MEC), disciplinando o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio. Determinou-se a reserva, em no mínimo 50%, das vagas ofertadas (por curso e turno) pelas instituições federais de educação superior, para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas.

As vagas são preenchidas, por curso e turno, conforme autodeclarações nos critérios pretos, pardos e indígenas, em proporção no mínimo igual à de pretos, pardos e indígenas na população da unidade da Federação onde está instalada a instituição, segundo o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Além de observar a proporção populacional, resguardou-se que metade das vagas seja ocupada por estudantes com renda familiar bruta igual ou inferior a 1,5 salário-mínimo per capita.

O programa será revisto pelo Poder Executivo no prazo de 10 anos, e as universidades terão 4 anos para implementar a medida.

Percebe-se que as normas pautadas nos critérios de cor, rede de ensino e renda familiar introduzem o tratamento desigual aos formalmente iguais. Para compreender a opção política pública brasileira de reservar vagas, é necessário perquirir as indagações e teses preliminares que desencadearam sua construção.

 

4 Há racismo no Brasil? Deve haver reserva de vagas para negros em universidades?

O racismo é uma atitude mental que orienta ações discriminatórias concretas de ódio ou desprezo. As pessoas educadas procuram ser conscientes de seus preconceitos ocultos e avaliá-los com base nos fatos e nas sensibilidades dos outros. Por ser o racismo politicamente incorreto, ainda que o indivíduo seja racista, ela tenderá a negar esta convicção pessoal.

Como reflexo desse comportamento humano, os brasileiros dividem-se entre os que negam o racismo no Brasil e os que afirmam a prática racista no País (mas ao mesmo tempo dizem não ser racistas). Passa-se a expor os argumentos utilizados em cada corrente.

Os defensores da inexistência de racismo no Brasil fundamentam-se nas seguintes teses:

a) Argumento histórico

Não é possível transplantar para o Brasil o modelo norte-americano de ações afirmativas da corte racial em razão das diferenças históricas e sociais entre os dois países.

Nos EUA, após a abolição da escravidão, foi institucionalizado nos estados do sul um sistema oficial de segregação racial denominado Jim Crow[4], que perdurou até os anos 60. Esse sistema legitimou a doutrina do “separados mas iguais” decorrente do célebre caso Plessy vs. Ferguson[5]. A política oficial proibia os negros de frequentar as mesmas escolas que os brancos; comer nos mesmos restaurantes e lanchonetes; morar em determinados bairros; estabelecer a relação cível locador negro/locatário branco ou locador branco/locatário negro; utilizar o mesmo transporte público, teatro e banheiro; casar com brancos; votar e serem votados.

Baseado nesse panorama, durante o governo do Presidente John F. Kennedy, foram criadas as primeiras ações afirmativas[6] como forma de promover a igualdade entre os negros e brancos norte-americanos.

A história brasileira é completamente diferente. Admite-se um passado de escravidão, mas se questiona até quando o passado deve assombrar o presente. Para pleitear a responsabilidade civil, é necessário identificar os elementos essenciais, quais sejam, conduta ilícita, culpável, dano e nexo de causalidade. Tem legitimidade para requerer a reparação aquele que sofre diretamente o dano. Por outro lado, essa compensação só pode ser reivindicada de quem efetivamente praticou o ato ilícito que resultou no dano. É inadmissível atribuir às pessoas de hoje obrigações de repararem os equívocos de seus ancestrais.

Ademais, empiricamente percebe-se o convívio harmônico entre culturas e religião, o que faz concluir que as dificuldades de acesso à educação e às posições sociais elevadas decorrem da precária situação econômica, implicando qualificação profissional deficiente, independentemente da cor de pele. Ninguém é excluído pelo simples fato de ser negro. Não é o racismo, e sim a pobreza que impede que os negros tenham acesso às universidades públicas.

b) Argumento biológico

Ainda que se admita a existência do racismo, não é possível separar raças, uma vez que geneticamente não há essa distinção.

Qualquer classificação racial adotada não é natural, pois não encontra respaldo na biologia. As classificações governamentais são construções humanas que obrigam as pessoas a integrar uma tipologia racial.

c) Argumento subjetivo/individual

Identificar o indivíduo como membro de uma raça seria uma forma indireta de esmagar sua subjetividade e diluir sua individualidade, transformando-o em parte de uma coletividade abstrata e artificial.

Ademais, em razão do alto grau de miscigenação, não há como o indivíduo se classificar como pertencente a uma ou outra categoria, fato que retira a validade dos programas baseados em raça, pela falta de objetividade para determinar quem é efetivamente negro.

A corrente que defende existência do racismo o faz baseada nos seguintes argumentos:

a) Justiça compensatória e o mito[7] da democracia racial

O principal argumento invocado em favor das políticas de ações afirmativas é a teoria da justiça compensatória, que visa retificar no presente as injustiças cometidas no passado, com o argumento de ser dever cívico e ônus social saldar as dívidas históricas com as minorias.

O discurso da necessidade de romper o ciclo de exclusão remonta ao período da escravidão, quando a mão de obra negra impulsionou a economia nacional. Sustentam que, embora a partir da promulgação Lei Áurea tenha sido estabelecido o sistema de trabalho livre, na realidade a mão de obra branca se especializou e a negra foi alijada.

Assumem que o Brasil não experimentou o racismo e a discriminação nos mesmos moldes dos EUA, porém defendem que há na cultura nacional um racismo velado, que tende a naturalizar os espaços ocupados por negros e índios.

Alegam que a suposta democracia racial brasileira é um mito arraigado no imaginário da população que serviu inclusive como álibi para sustentar a retórica estatal e social de omissão. Esse mito em grande parte foi corroborado pelos estudos de Gilberto Freyre (Casa Grande e Senzala) elaborados na década de 30, que defendiam a tese da democracia racial brasileira como o exemplo de experiência bem sucedida das relações raciais.

Ainda na década de 60, outros estudos concluíram que o Brasil desenvolveu uma forma de discriminação peculiar: velada. Na década de 90 o tema entrou na agenda de governo com a criação do Grupo de Trabalho Interministerial para Valorização da População Negra em 1995. O governo Lula criou a Secretaria Especial para Promoção da Igualdade Racial.

As reservas de vagas são medidas especiais e temporárias tomadas pelo Estado com o objetivo de eliminar desigualdades historicamente acumuladas, garantindo a igualdade de oportunidades e tratamento, bem como compensando perdas provocadas pela discriminação e marginalização — estas decorrentes de motivos raciais e étnicos.

As políticas afirmativas de identidades raciais enxergam as cores. Enxergam que o ensino superior beneficia desproporcionalmente a população branca, o que contribui para aumentar a lacuna no acesso à educação principalmente em nível universitário. Conforme o Censo Demográfico de 2010, na distribuição por cor, 48,6% das pessoas se declararam brancas, 41,0%, pardos, e 8,9%, pretos, verificando-se, neste último caso, uma sobrerrepresentação de responsáveis pela família de cor preta em relação ao total de pretos (7,6%) na população. No grupo de pessoas de 15 a 24 anos que frequentavam o nível superior, 31,1% dos estudantes eram brancos, enquanto apenas 12,8% eram negros e 13,4%, pardos[8]. Com isso, o acesso às melhores posições e salários no mercado de trabalho também fica restrito à metade da população. Dessa forma, justifica-se a adoção da reserva de vaga para negros em universidades.

Consoante Mello (2002, p. 41),

A prática comprova que, diante de currículos idênticos, prefere-se a arregimentação do branco e que, sendo discutida uma relação locatícia, dá-se preferencia – em que pese a igualdade de situações, a não ser pela cor – aos brancos. Revelam-nos também, no cotidiano, as visitas aos shopping centers que, nas lojas de produtos sofisticados, raros são os negros que se colocam como vendedores, o que se dirá como gerentes. Em restaurantes, serviços que impliquem contato direito com o cliente geralmente não são feitos por negros.

A educação superior sem as cotas consiste em elemento reprodutor das desigualdades do País. Dessa forma, é mister adotar um critério corretivo para minorar as desvantagens educacionais.

b) Argumento cultural

Primeiramente é forçoso destacar que o argumento biológico, que se contrapõe ao cultural, baseia-se na afirmação falaciosa de que se algo for explicado pela Biologia, torna-se legitimado e justificado. A explicação biológica da inexistência de raça como táxon humano não implica a sua inexistência como construção histórica social voltada para justificar a desigualdade.

Ainda que o mapeamento do genoma tenha evidenciado que biologicamente a espécie humana não se divide em raças, essa divisão existe no plano sociopolítico.

Com esse sentido, a categoria raça é um fenômeno social, e não um fato biológico ao qual está associada a discriminação resultante da cor e aparência do indivíduo.

c) Argumento coletivo

Todo indivíduo, por mais isolado que seja, tem sua subjetividade pautada nas experiências concretas dos meios sociais de que participa. A subjetividade é definida a partir de características coletivamente compartilhadas. Negar o direito de se identificar com uma coletividade também é negar o direito à individualidade, o direito a uma história pessoal, é negar o sentimento de pertença.

O indivíduo é um ser histórico ao qual não se deve negar a possibilidade de se identificar como tal e, por conseguinte, como pertencente a uma categoria.

Alasdair MacIntyre (2001, p. 349), filósofo comunitário, propõe que o ser humano é um “eu narrativo”, que identifica a história da qual faz parte, uma vez que, além de sua identidade individual, possui uma identidade social. Assim, o que é bom para o indivíduo também é bom para aqueles que compartilham uma história. As pessoas herdam o passado da sua família, tribo e nação; as dívidas, expectativas e obrigações das comunidades também são transmitidas, afinal existe uma responsabilidade coletiva que flui na memória.

É interessante, neste momento, resgatar as ideias de John Rawls sobre obrigações. Para o liberal, somente existem duas categorias de obrigações, quais sejam as universais, pautadas no consentimento e reciprocidade para garantir a vida em sociedade, e aquelas que a pessoa voluntariamente cria para si.

Os filósofos comunitários defendem que existe uma terceira categoria de obrigações — além das universais e voluntárias —, que seriam as de solidariedade/lealdade[9]. Essas obrigações são facilmente perceptíveis no âmbito familiar ou patriótico e respaldam a elaboração de políticas de ações afirmativas.

 

5 AÇÕES AFIRMATIVAS VIOLAM O PRINCÍPIO DA IGUALDADE?

O ponto fulcral da indagação consiste em conferir conteúdo jurídico ao conceito de igualdade, vocábulo em princípio semanticamente aberto. A igualdade formal, que advém do contexto francês do século XVIII, é compreendida como igualdade perante a lei. Foi assim pensada com vistas a abolir privilégios injustificados e desarrazoados das classes dominantes à época. Em outro momento histórico ampliou-se o significado de igualdade para incluir ideais de justiça social e distributiva, reconhecendo inclusive identidades de grupos.

Os primeiros filósofos liberais não consideraram em suas discussões as diferenças genéticas entre os homens; defendiam uma igualdade perante a lei. Consideravam as políticas afirmativas que desigualavam os homens e beneficiavam algumas categorias individuais supressoras da igualdade e da liberdade. A igualdade estaria relacionada à equidade, à igualdade de oportunidades a uma justiça distributiva sem considerar aspectos históricos.

Os privilégios representavam a criação de zonas delimitadas de desigualdades artificiais e, nessa medida, eram intoleráveis. Os liberais defendiam que a simples inclusão da igualdade no rol dos direitos fundamentais era suficiente para que o mesmo fosse garantido. A filosofia política dessa época asseverava que todo o conhecimento advinha da experiência; dessa forma, mudando as experiências era possível mudar a pessoa, e as diferenças entre os homens poderiam ser eliminadas caso empiricamente fossem adotadas as medidas necessárias.

John Rawls, liberal da modernidade, ampliou esse conceito de igualdade. Pressupôs que a sociedade seria regida por um contrato social redigido por agentes movidos pelo interesse próprio, negociando sob um véu de ignorância, desconhecendo os talentos ou stati que herdaram ao nascer. Segundo ele, a sociedade justa é aquela na qual as pessoas sabem que podem ter uma condição social ou genética ruim.

Toda pessoa teria direito a liberdades básicas individuais compatíveis com as liberdades para todos. As desigualdades sociais e econômicas eram admitidas desde que o acesso a cargos e posições, em princípio, estivesse garantido a todos em igualdade de oportunidades.

O cerce da questão é a igualdade na repartição de direitos e deveres básicos aos homens. Se essa igualdade fosse garantida, a manutenção das desigualdades sociais e econômicas, de riqueza e de autoridade seria justa, não se admitindo lançar mão de benefícios compensadores para todos.

Percebe-se que o filósofo ainda adota um conceito de igualdade formal perante a lei genérica e abstrata, sem nenhuma distinção ou privilégio. Trata-se de um espaço neutro no qual as virtudes e as capacidades dos indivíduos livremente se poderiam desenvolver.

Claramente os liberais filiam-se à teoria da tábula rasa[10], segundo a qual a mente humana não possui nenhuma estrutura inerente e, por conseguinte, seria possível que todas as diferenças entre indivíduos decorressem de suas experiências. Afinal os pais fornecem aos filhos os genes e o lar.

Politicamente a defesa de uma tábula rasa da mente humana foi utilizada para minar os alicerces da realeza hereditária bem como para contrapor a escravidão, uma vez que não se concebe uma inferioridade ou subserviência inata dos escravos. Em grande medida essa ideia retirou a força dos estereótipos.

Mais apropriado que atribuir à cultura toda a responsabilidade pelas discriminações é admitir as raízes genéticas do intelecto e das emoções. Sabe-se que pequenas diferenças nos genes podem levar a grandes diferenças nos comportamentos. Contudo, não é porque os genes afetam a mente de alguma forma que, por isso, a determinam em todos os detalhes.

Ora, a maioria dos efeitos genéticos é probabilística. Além disso, as ações dos genes também são moduladas pela interação do indivíduo com o ambiente. A partir do momento que se compreende que os homens, além de culturalmente diferentes, também são geneticamente distintos, as ações afirmativas passam a representar uma forma de equacionar essa situação.

Admitindo diferenças genéticas e culturais, a corrente liberal moderna poderia conceber formas de políticas compensatórias, estabelecidas no contrato social com vistas a conferir um tratamento desigual em nome da igualdade.

Se as pessoas diferirem em talentos, é possível indivíduos serem pobres em uma sociedade sem preconceitos, mesmo se eles se empenharem ao máximo. Para Rawls, essa é uma injustiça que tem que ser corrigida, mas que passaria desapercebida se não reconhecêssemos que as pessoas diferem em habilidades.

Nas palavras de Pinker (2004, p. 214),

Uma tábula que não é rasa significa que um trade off entre liberdade e igualdade material é inerente a todos os sistema políticos. As principais filosofias políticas podem ser definidas pelo modo como lidam com esse trade off. A direito darwinista social não dá valor à igualdade; a esquerda totalitarista não dá valor à liberdade. A esquerda rawlsiana sacrifica alguma liberdade em favor da igualdade; a direito libertária sacrifica alguma igualdade em favor da liberdade. Embora pessoas sensatas possam discordar quanto ao melhor trade off, não é sensato fingir que não existe um trade off. E isso, por sua vez, significa que qualquer descoberta de diferenças inatas entre indivíduos não é um conhecimento proibido a ser suprimido, e sim uma informação que poderia nos ajudar a tomar decisões a respeito desses trade offs de um modo inteligente e humano.

A corrente de pensadores defensora da igualdade material propõe que ações afirmativas devam ser pensadas como forma de promoção da igualdade voltada a diminuir as desigualdades sociais — por meio da política de tratar desigualmente os desiguais na medida da sua desigualdade —, oferecendo proteção jurídica especial a parcelas da sociedade que, ao longo da história, figuraram em situação de desvantagem.

Para que seja garantida a dignidade da pessoa humana, é necessário optar pela defesa da igualdade material como mecanismo capaz de superar a discriminação e a intolerância.

A opressão e injustiça também são produzidas no âmbito cultural. Por isso, é necessário, além de atuar na distribuição de bens escassos, reconhecer e valorizar as identidades dos grupos não hegemônicos no processo social.

Na sociedade plural deve-se buscar que as pessoas tenham igualdade de participação nos discursos jurídicos. A igualdade não significa tratar todos os indivíduos de modo idêntico, mas em determinados casos submeter sujeitos desiguais a tratamentos jurídicos diversos.

A igualdade material é um objetivo a ser perseguido mediante ações ou políticas públicas, como iniciativa concreta em proveito de grupos desfavorecidos por meio de uma atuação transformadora e igualadora.

Dessa forma, a igualdade de acesso ao ensino está para além da simples igualdade formal dos processos seletivos que representam formas de consagrar e perpetuar as desigualdades. A adoção de políticas compensatórias faz-se necessária.

As políticas de cotas para ingresso no ensino superior público apenas estendem o olhar para uma percepção mais abrangente e profunda do fenômeno das desigualdades, que não são inerentes a posições numa relação de direito, e sim ao fruto de práticas discriminatórias impregnadas secularmente no tecido social brasileiro.

O combate à discriminação por si só é insuficiente para implementar a igualdade. Assim, é mister valer-se de uma medida emergencial que combine práticas proibitivas de discriminação com outras que acelerem a promoção da igualdade.

Nesse sentido, a concessão de tratamento mais favorável a grupos que se encontram em desvantagem não caracteriza arbítrio ou violação do princípio da igualdade, pelo contrário, o que se pretende é viabilizar a igualdade material. A igualdade jurídica só existe em razão da diferença e só se realiza no respeito à diferença.

Boaventura de Souza Santos (2003) afirma que as pessoas têm direito a ser iguais quando a diferença inferioriza; por outro lado, elas têm o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Ele ainda afirma que, por isso, é necessário uma igualdade que reconheça as diferenças, e uma diferença que não reproduza as desigualdades.

 

6 HÁ DIREITO SUBJETIVO A UM CRITÉRIO DE AVALIAÇÃO?

 

 

6.1 Aspectos filosóficos

Antes de responder a indagação, é mister perquirir as filosofias políticas por trás do pensamento das pessoas que refletem sobre a temática.

Remontado à Grécia Antiga, Aristóteles associou justiça a honra, mérito e virtude. Justo seria dar ao povo o que ele merece, para que cada pessoa desempenhasse seu papel social. A justiça envolveria dois fatores: coisas e pessoas a quem as coisas são destinadas.

Pessoas iguais devem receber coisas iguais. Para elucidar a questão, recorre-se ao exemplo do instrumento musical. Quem deve ser o proprietário do instrumento musical: o melhor músico, o mais nobre ou  que puder pagar o maior valor?

A justiça baseada na razão teleológica estaria atrelada à discriminação por habilidades, na qual não se procuraria a melhor pessoa em todas as categorias, mas tão somente em uma. No exemplo supra, o melhor músico deveria receber o instrumento.

Acredita-se que cada pessoa e cada coisa tem um propósito que deve ser seguido, e a felicidade é alcançada quando a alma atua conforme sua virtude. A virtude não vem do aprendizado em livros, e sim da prática e compartilhamento com outros. Não seria possível captá-la a partir de um conceito, pois é necessário “pegar o jeito”, criar o hábito, a prática para discernir características peculiares.

Quais qualidades devem ser honradas na justiça distributiva? Atualmente são consideradas a renda, a riqueza e as oportunidades. A justiça é uma questão de adequação: alocar as pessoas conforme suas habilidades.

Deve-se discutir qual o real objetivo da prática social — debates sobre os objetivos (telos) são, com frequência, debates também sobre a honra — e seu impacto na política distributiva e na escolha das qualidades que serão honradas, sem se esquecer de que a política tem como objetivo cultivar as virtudes para garantir o bem viver.

Ações pautadas na finalidade da prática social são moralmente plausíveis, mas traçar políticas públicas que combinem honras e reconhecimentos é compatível com a ideia de liberdade? Se certos papéis são adequados para uma pessoa, onde está seu direito de escolher o papel social que quer desempenhar e seu objetivo de vida? Ao associar a justiça a um conceito de bem, retira-se do indivíduo a liberdade para escolher o papel que quer desempenhar.

Uma coisa é apoiar uma estrutura justa de direitos na qual as pessoas possam procurar concepções próprias de vida boa; outra coisa é basear a lei em um conceito particular de vida boa.

Conforme a teoria de Jonh Rawls, não seria justo violar direitos individuais em prol de direitos coletivos, a não ser que voluntariamente as pessoas assim pactuassem. Tão pouco seria justo criar privilégios pautados em um fator que a pessoa não pode controlar (ninguém escolhe a raça a que irá pertencer).

Não parece justo que alguém seja selecionado por ter os traços e habilidades que a sociedade precisa explorar em determinado momento. Admitir esta modalidade de aprovação implica parabenizar as pessoas não por merecerem crédito, e sim por terem as qualidades que levaram a sua admissão, por vencerem a loteria, e com o prêmio (vaga) passar a gozar dos benefícios a ele associados.

Esse raciocínio é moralmente incômodo. Seria realmente possível e desejável separar questões de justiça distributiva das questões de mérito moral e virtude? Teorias teleológicas de justiça ferem a liberdade, pois justiça não se trata de recompensar a honra da virtude ou do mérito moral, e sim de respeitar as pessoas como seres livres.

A excelência escolar é apenas um dos critérios para as políticas de admissão. Nas universidades americanas, além do critério meritocrático para admissão, outros fatores são considerados, como habilidades atléticas, admissão herdada e perfil da família.

Se hipoteticamente dois candidatos que tenham o mesmo perfil de notas e que frequentem as mesmas escolas — neste caso não há o fator desvantagem educacional — concorressem à admissão na universidade, ainda assim seria justa a política de raças?

Note-se que os critérios raciais não são necessariamente os padrões corretos para decidir quais candidatos serão aceitos nas universidades. Mas os critérios intelectuais, ou quaisquer outros conjuntos de critérios, também não são.

Aceitar as cotas pressuporia que a finalidade da educação universitária fosse criar um ambiente de troca plural e multicultural. Em outras palavras, a universidade deve ser um locus de promoção da diversidade, e o convívio de pessoas de diferentes raças contribui de forma diferenciada para a instituição, tornando mais rica a experiência educacional.

Optar por um aluno integrante de uma minoria em detrimento de outro do grupo majoritário que tenha sido melhor no exame de admissão encontra respaldo no fato de os testes padrões não oferecem uma indicação precisa da aptidão quando um aluno for seriamente desfavorecido.

A educação e os antecedentes familiares influenciam nos resultados obtidos em testes. O vestibular tradicional mede não somente o mérito do candidato, mas também a desigualdade de oportunidades bem como a qualidade do sistema escolar e do sistema social.

A ideologia do mérito e do concurso encontra um vácuo histórico, qual seja: como alguém independentemente das dificuldades que sofreu, no momento final da competição iguala-se a todos os seus concorrentes. Universalizou-se a concorrência, mas não as condições para competir. A meritocratica valida o passado de discriminação associado à pobreza e/ou ao acesso a uma educação de má qualidade. Eis a desigualdade de oportunidade dos concorrentes.

Tal discussão remonta à concepção de Pierre Bourdieu acerca da violência simbólica presente no ambiente escolar. Esta consiste na imposição legítima e dissimulada da cultura dominante reproduzindo as desigualdades sociais, porquanto o dominado naturaliza a relação de dominação e legitima o poder (de dominação) do dominante.

Segundo o sociólogo (BORDIEU, 1983), ainda que se democratize o acesso ao ensino por meio de políticas afirmativas, ainda sim existirá uma forte correlação no ambiente escolar entre as desigualdades sociais e culturais, pois a escola valoriza e exige dos alunos qualidades que são desigualmente distribuídas, atreladas a um capital cultural que faz com que alguns privilegiados estejam habituados, desde a infância, com a cultura legítima. Segundo Bordieu (1983, p. 75),

É a sua posição presente e passada na estrutura social que os indivíduos, entendidos como pessoas físicas, transportam com eles, em todo tempo e lugar, sob forma de habitus. Os indivíduos “vestem” os habitus como hábitos, assim como o hábito faz o monge, isto é, faz a pessoa social, com todas as disposições que são, ao mesmo tempo, marcas da posição social e, portanto, da distância social entre as posições objetivas, entre as pessoas sociais conjunturalmente aproximadas e a reafirmação dessa distância e das condutas exigidas para “guardar suas distâncias” ou para manipulá-las estratégica, simbólica ou realmente reduzí-las, aumentá-las ou simplesmente mantê-las.

Os defensores da constitucionalidade da reserva de vagas por critérios raciais respaldam-se na teoria da justiça distributiva, que propõe a promoção do pluralismo nas instituições de ensino. Segundo eles, para que todos compartilhem das riquezas e diversidade étnica e cultural, é importante um contato real entre as pessoas de diferentes etnias, rompendo com o modelo de segregação e redistribuindo bens, vantagens e recursos.

Com base nesse entendimento, os alunos devem ser julgados por sua probabilidade de contribuição. Os candidatos que concorrem às vagas das cotas devem cumprir requisitos mínimos para o ingresso, entre os quais se inclui o mérito pessoal, uma vez que devem auferir um rendimento semelhante aos alunos que ingressam pelo sistema universal.

As ações afirmativas propõem uma nova forma de medir a capacidade de cada um. Nas seleções optou-se não por checar a ancestralidade do candidato, e sim por pautar-se em sua autodeclaração.

De fato a autodeclaração com posterior ratificação dos dados por uma Comissão pode resultar em decisões questionáveis. A entrevista com a equipe verificadora do fenótipo — ou seja, pessoas que averiguam se a pele do candidato é negra (preta ou parda) — nem sempre tem o condão de evitar fraudes ou benefícios indevidos. O modelo do “tribunal racial” pode não ser o mais adequado em virtude da falta de objetividade dos critérios de avaliação.

O risco das políticas afirmativas é a tutela infantilizada do cidadão. O principal objetivo dessas políticas é o de serem mecanismos para incluir e ampliar a participação na esfera pública democrática.

 

6.2 Aspectos jurídicos

A criação de novos critérios de admissão está diretamente relacionada com a autonomia universitária, que dá amplos poderes à universidade para planejar e utilizar os recursos públicos. Contudo, isso não significa que os dirigentes e professores possam fazer o que bem entenderem na instituição.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei n. 9.394/96) deu liberdade para as universidades estabelecerem os critérios de seleção dos estudantes, e o art. 207 da Constituição Federal garante às universidades autonomia didático-científica para atender as metas constitucionais estabelecidas no que diz respeito ao atingimento de uma sociedade mais justa, mais fraterna e mais solidária.

Tradicionalmente os vestibulares adotam o sistema de mérito como critério. Ou seja, alunos que auferem as maiores notas na prova têm direito a ocupar as vagas nos cursos pleiteados.

A admissão de candidatos exclusivamente a partir de seu desempenho em testes de conhecimento só se justifica porque se baseia em uma política de valorização do ensino formal. Assim, as escolas oferecem disciplinas que julgam contribuir para a formação intelectual e socialização dos estudantes. Destaque-se que entre as próprias disciplinas há uma hierarquia que também decorre de uma política pública.

Por este ponto de vista, o método de avaliação não pode ser considerado um direito subjetivo indisponível e exigível pelo estudante contra o Estado e a sociedade. Não é correto tratar as vagas universitárias como direitos indisponíveis, como um lugar que pertence antecipadamente a alguém que preencha uma fórmula. Quando a universidade admite alunos de maior inteligência, ela não o faz em consideração ao maior interesse que eles têm de serem admitidos nem em reconhecimento ao seu direito de serem admitidos, mas porque isso favorece os objetivos que acredita. Existem critérios variados para avaliar se alguém é ou não bom estudante.

Portanto, a universidade pode adotar novos objetivos e usar ações afirmativas para fomentá-los, e os candidatos que teriam sido admitidos pelo processo anterior não poderiam reclamar do novo modo de agir, por serem beneficiários da antiga política. Com a nova, outros se beneficiam e, se isto parece injusto, é porque o costume adotava a velha política.

É indubitável que a inclusão ou exclusão de critérios de avaliação traz benefícios para uns e dificuldades para outros. Novos critérios serão constitucionais se forem coerentes com os objetivos perseguidos pelas políticas públicas destinadas a promover a igualdade entre os cidadãos de diversas origens. Logo, é forçoso verificar a adequação das políticas ao sistema, que somente em longo prazo poderão ser avaliadas quanto a êxito ou fracasso.

 

7 CONCLUSÃO

Para que os direitos humanos se desenvolvam é preciso denunciar as estratégias de reprodução das forças dominantes bem como as manipulações simbólicas de educação, mídia e cultura que banalizam as desigualdades.

A arte engajada e comprometida com os ideais de inclusão e justiça social é uma forma de resgatar a cultura e a trajetória do homem social bem como de expor as distinções. A luta pela igualdade é uma campanha de esclarecimento e alerta que exige determinação e coragem. Seus instrumentos de combate são as palavras, ações e representações artísticas.

Tanto o Poder Público — por meio de atos administrativos, legislativos e judiciais — quanto os particulares têm papel relevante nessa causa social. Trata-se do envolvimento com as ações afirmativas, que se destinam a assegurar igualdade de fato (isonomia material) entre segmentos discriminados da sociedade. Elas visam a combater manifestações flagrantes e dissimuladas de discriminação, principalmente as de fundo cultural, enraizadas na sociedade. Tais ações têm caráter eminentemente pedagógico, com vistas a garantir o pluralismo e a diversidade nas várias esferas de convívio humano. Para tanto, pretendem coibir as discriminações do presente bem como reduzir os efeitos da persistência da discriminação que tende a se perpetuar.

O desvirtuamento da ação afirmativa ocorre quando apenas são trocados os beneficiários de uma estrutura excludente, produzindo-se novas discriminações, agora em detrimento das maiorias.

Retomando as indagações iniciais — existe racismo no Brasil? Deve haver reserva de vagas para negros em universidades? —, percebe-se que o panorama político brasileiro atual já ultrapassou a discussão polarizada e partidária acerca da adoção de ações afirmativas governamentais, porquanto a reserva de cotas por raça, renda e rede de ensino já é uma prática desde 2004 e foi oficialmente regulamentada em 2012.

A introdução das políticas governamentais de ação afirmativa representa a renúncia estatal de sua suposta neutralidade: o Estado optou por agir considerando gênero, raça, cor e origem nacional para regular o acesso aos estabelecimentos educacionais públicos e, mais recentemente, para contratar seus funcionários ou regular a contratação por outrem.

É premente que a diferenciação proposta decorra de comando constitucional (redução das desigualdades) e especifique claramente o grupo beneficiado. Deve ter clareza em suas metas, observar o cronograma de implantação, ser limitada no tempo e passar por avaliações empíricas rigorosas e constantes. In casu, pretende-se, por meio da reserva de cotas, tornar as universidades um ambiente plural e multicultural no prazo de 10 anos.

Quanto à terceira indagação — ações afirmativas violam o princípio da igualdade? —, percebeu-se que tratar de forma mais favorável grupos que estão em desvantagem não viola o princípio da igualdade nem caracteriza arbitrariedade, pelo contrário, viabiliza a igualdade material.

Parafraseando Boaventura de Souza Santos, as pessoas têm direito a ser iguais quando a diferença inferioriza; por outro lado, têm o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza.

Quanto à última indagação — há direito subjetivo a um critério de avaliação? —, responde-se que um determinado método de avaliação não pode ser considerado um direito subjetivo indisponível que o estudante possa exigir do Estado e da sociedade.

Não é correto tratar as vagas universitárias como direitos indisponíveis, como um lugar que pertence antecipadamente a alguém que preencha uma fórmula. Existem critérios variados para avaliar se alguém é ou não bom estudante, e a universidade tem autonomia para modificá-los bem como para usar ações afirmativas. Os candidatos admitidos pelo processo anterior não podem reclamar do novo modo de agir, pois são beneficiários da antiga política. Com a nova, outros se beneficiam; se isto parece injusto, é porque o costume adotava a velha política.

A constitucionalidade dos novos critérios é verificável pela coerência desses com os objetivos das políticas públicas destinadas a promover a igualdade entre os cidadãos de raças distintas. Quanto aos resultados das políticas afirmativas, somente em longo prazo será possível avaliar se lograram êxito ou fracassaram.

Não se pretende concluir que os critérios raciais são o padrão mais correto para ingresso em universidades. Aliás, todos os outros critérios, inclusive o intelectual, também não o são. De qualquer forma, avaliar a excelência escolar é apenas uma das formas possíveis.

Por fim, conclui-se que a opção por criar cotas em universidades públicas para grupos minoritários ratifica o papel do ensino superior como centro de promoção da diversidade. A experiência educacional é mais rica quando reflete a composição étnica do Estado em um ambiente de troca plural e multicultural, e a qualidade dessa experiência é garantida pela diversidade.

 

 

8 REFERÊNCIAS

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NOTAS DE FIM


[1] A discriminação, no sentido de usar uma característica estatisticamente preditiva do grupo a que pertence alguém para tomar uma decisão sobre esse indivíduo, nem sempre é considerada imoral. Negar direitos de dirigir e votar aos adolescentes é uma forma de discriminação por idade injusta para os adolescentes responsáveis (PINKER, 2004, p. 208).

[2]  Flores demonstra que os direitos humanos não devem ser compreendidos como algo posto ou imposto de cima para baixo. Esses resultam das ações sociais “de baixo”, que geram a emancipação. De nada adiantam declarações de direitos sem que haja condições sociais, políticas, econômicas e jurídicas para alcançá-los. As normas jurídicas são garantias jurídicas, e não os direitos humanos em si mesmos. O mínimo ético consiste em garantir às pessoas o direito à integridade corporal e à satisfação de suas necessidades (sociais, físicas, culturais, econômicas) e de reconhecimento (gênero e etnia). 

[3] É curioso lembrar que na década de 1930 foi elaborada a Lei dos Dois Terços, que reservava a participação majoritária de trabalhadores brasileiros nas empresas em funcionamento no Brasil. Nessa época em que muitas empresas eram de propriedade de imigrantes costumavam discriminar os trabalhadores nativos.

[4]O termo “Jim Crow” é uma alusão ao comediante norte-americano Thomas D. Ride, que em suas atuações pintava-se de preto para ridicularizar os afrodescendentes. 

[5] Os fatos que desencadearam a discussão foi a prisão de um homem negro que se recusou a sair do vagão de trem da primeira classe, pois, embora os assentos fossem exclusivos para brancos, ele havia comprado a passagem de trem. A Suprema Corte Americana decidiu que a reserva de acomodações para negros nos transportes ferroviários, apartadas dos brancos, seria compatível com o princípio da igualdade, desde que qualitativamente as acomodações fossem semelhantes – o sistema igual mas separado era legal. (http://supreme.justia.com/cases/federal/us/163/537/case.html) 

[6] A expressão “ação afirmativa” apareceu pela primeira vez nos EUA, num decreto presidencial, a Executive Order 10.925, de 6 de março de 1961, com a assinatura do então presidente norte-americano John F. Kennedy. Dizia o texto que, nos contratos com o Governo Federal, “[…] o contratante não discriminará nenhum funcionário ou candidato a emprego devido a raça, credo, cor ou nacionalidade” e “[…] adotará uma ação afirmativa para assegurar que os candidatos sejam empregados, como também tratados durante o emprego, sem consideração a sua raça, credo, cor ou nacionalidade” (MENEZES, 2001, p. 88).

[7] “A noção de mito para qualificar a ‘democracia racial’ é aqui usada no sentido de ilusão ou engano e destina-se a apontar para a distância entre representação e realidade, a existência de preconceito, discriminação e desigualdades raciais e a sua negação no plano discursivo. Essa noção não corresponde, portanto, ao conceito de mito usado na Antropologia” (HANSEBALG, 1996, p. 237). 

[8]Informações obtidas no sítio eletrônico <http://www.brasil.gov.br/noticias/arquivos/2012/07/02/censo-2010-mostra-as-diferencas-entre-caracteristicas-gerais-da-populacao-brasileira>. Acessado em: 18 jan. 2013.

[9] A crítica que sofrem, principalmente por Milchael Walzar, consiste na impossibilidade de construir um conceito de justiça atrelado à fidelidade a uma comunidade.

[10] PINKER, 2004, p.10 e 77.