Carlos Magalhães2
RESUMO: No presente trabalho, analisamos as formas pelas quais homens que se encontravam presos no período da pesquisa relatam a sua própria trajetória de vida e o seu envolvimento com o crime. Partimos do pressuposto de que esses relatos podem ser compreendidos com base no conceito de rotulação, ou seja, o processo de construção social do agente de práticas criminais como indivíduo criminoso. Para a teoria dos rótulos as consequências mais importantes de alguém ser rotulado como desviante são: a mudança drástica na identidade pública do indivíduo e, na sequencia, a constituição de uma autoimagem correspondente à rotulação. O levantamento de dados foi feito por meio de entrevistas em profundidade, orientadas por um roteiro semiestruturado. Foram realizadas cinquenta e cinco entrevistas em três estabelecimentos penais da Região Metropolitana de Belo Horizonte – MG. Procuramos verificar como os entrevistados abordam a dimensão moral da atividade criminosa e como avaliam a pena que lhes foi imposta. A principal conclusão é que os entrevistados, de um modo geral, constroem seus relatos partindo da premissa de que são indivíduos criminosos, no entanto, assumem diferentes posicionamentos em relação a essa atribuição pública de identidade e incorporam o rótulo de diferentes maneiras.
PALAVRAS-CHAVE: Crime; moralidade; rotulação; prisão; justiça.
ABSTRACT: In this work, we analyze the accounts of men who were prisoners during the period of our research about their life and how they became involved with crime. The starting point was the presupposition that it’s possible to understand these accounts based on the concept of labeling, that is, the process of social construction of the agent of criminal deeds as a criminal individual. For the labeling theory the most important consequences of someone being labeled as deviant are: a drastic change in the public identity of the individual and, in sequence, the formation of a self-image corresponding to the labeling. Data-collecting was achieved by depth interviews, guided by a partially structured script. Fifty-five interviews were done at three prisons located in the metropolitan area of Belo Horizonte – MG. We interviewed these individuals about the moral dimension of the criminal activity and how they evaluate the penalty that was imposed on them. As a main conclusion, we may assert that the agents, in general, construct their accounts under the belief of themselves as criminal individuals. However, they assume different positions in relation to that public attribution of identity and incorporate the label in different ways.
KEYWORDS: Crime; morality; labeling; prison; justice.
ÁREA DE INTERESSE: Criminologia; Sociologia Jurídica.
SUMÁRIO: 1- Introdução; 2 – A Realidade Moral; 3 – A Família, a Simplicidade da Vida no Interior e a Religião; 4 – Prisão Injusta, Elaborações sobre a Pena; 5 – Código de Conduta dos Bandidos; 6 – Deterioração do Mundo do Crime, Desconfiança; 7 – Homicídios; 8 – Considerações Finais;
1 INTRODUÇÃO
Nosso propósito neste artigo é analisar algumas entrevistas realizadas com homens que cumpriam pena privativa de liberdade pela prática de algum crime buscando destacar os aspectos morais presentes em suas falas. Acreditamos que esta análise nos ajuda a enxergar a complexidade das motivações e das ações, particularmente nos casos em que os estereótipos e rótulos levam a uma visão muito limitada. Não raramente, por exemplo, as ideias de leigos e especialistas sobre o poder dissuasório da pena se sustentam em concepções muito precárias sobre as motivações da ação. Procuramos ouvir as pessoas presas de modo a compreender de forma mais aprofundada suas motivações e os significados que atribuem à sua conduta. Em especial, estaremos atentos aos juízos apresentados pelos próprios entrevistados sobre o que é certo e o que é errado em seu comportamento.
Acompanhando as ideias de David Matza (1969: p. 17), rejeitamos, no estudo do desvio e do crime, a perspectiva corretiva. De acordo com o autor, quando o fenômeno do desvio (e do crime por extensão) é estudado a partir da perspectiva corretiva a possibilidade de deixá-lo escapar – reduzindo-o a algo que não é, retirando seus detalhes e singularidades – é maior. A preocupação com as causas e com a etiologia do fenômeno, que faz parte da atitude corretiva, faz com que a atenção se desvie do fenômeno em si mesmo e se fixe no objetivo de eliminá-lo. Perdem-se assim os detalhes do objeto. Toda a diversidade do mundo real deve ser afastada para que se possam estabelecer as devidas relações de causa e efeito entre variáveis homogêneas e reduzidas a aspectos supostamente essenciais.
A opção pela perspectiva corretiva pode provocar também a incapacidade de separar os padrões convencionais de moralidade da descrição da realidade. O fenômeno é visto de fora e é descrito como algo moralmente reprovável ou inconveniente, que precisa ser eliminado. Questões importantes e complexas, como os motivos e significados que orientam a conduta desviante, são abordadas de uma forma superficial que se volta não para as possibilidades de descrição e compreensão aprofundada da conduta, mas para as possibilidades de predição, controle e eliminação. Os desviantes são vistos do ponto de vista dos membros da sociedade que não querem a continuação daquele tipo de comportamento.
À perspectiva corretiva se opõe aquela que Matza chama de apreciação. A apreciação requer que o pesquisador se aproxime do fenômeno e procure compreendê-lo em seus detalhes e complexidades. De fato, os seres humanos participam de atividades significativas. Eles criam ativamente sua própria realidade e a do mundo ao redor. Os homens transcendem a dimensão existencial em que concepções como causalidade, força e reatividade são facilmente aplicáveis. Conceber os seres humanos como objetos, aplicar métodos de investigação que desconsideram a dimensão significativa do comportamento seria equivocado. Os seres humanos têm de ser vistos como sujeitos, pois só assim será possível realizar uma descrição acurada das suas experiências.
Do nosso ponto de vista, mais importante do que estabelecer, classificar e hierarquizar causas é descobrir como os envolvidos com práticas criminosas operam, do seu próprio ponto de vista, com os diversos sentidos e significados relacionados à ocorrência do comportamento criminoso. Não pretendemos neste artigo analisar o comportamento dos indivíduos a partir de uma perspectiva corretiva que faz uso de argumentos de ordem moral para caracterizar suas condutas como indesejáveis. Nosso objetivo, ao contrário, é verificar como os próprios indivíduos fazem uso de concepções morais ao construírem relatos sobre o seu envolvimento com atividades criminosas.
Acompanhando Howard Becker (1977), acreditamos que o desvio (ou o crime) não é uma qualidade intrínseca de atos ou atores específicos, mas uma consequência da reação da sociedade (ou melhor, dos segmentos detentores do poder de definição) a esses atos e atores que, no final das contas, os define como criminosos. Ou seja, para Becker (1977: p. 60)
os grupos sociais criam o desvio ao fazer as regras cuja infração constitui desvio e ao aplicar essas regras a pessoas particulares e rotulá-las como marginais e desviantes […] O desviante é alguém a quem aquele rótulo foi aplicado com sucesso; comportamento desviante é o comportamento que as pessoas rotulam como tal.
De acordo com Becker, as consequências mais importantes de ser rotulado como desviante são: a mudança drástica na identidade pública do indivíduo e, na sequência, a constituição de uma autoimagem correspondente à rotulação (idem, 78-80).
2 A REALIDADE MORAL
Para Émile Durkheim, a moral se apresenta como um sistema de regras de conduta, mas as regras morais têm uma importante peculiaridade na medida em que se constituem a partir de dois aspectos diferentes, porém inseparáveis: por um lado, são investidas de uma autoridade especial que resulta em obediência e, portanto, em obrigação. Por outro lado, além da obrigação, as regras morais são também desejadas, pois só assim poderão ser cumpridas por sujeitos reais.
De acordo com Durkheim (1994: p. 58), embora as regras morais sejam desejadas, não são cumpridas sem esforço. No entanto, o próprio esforço é desejável na medida em que nos projeta para fora de nós mesmos, ou seja, nos eleva por cima de nossa própria natureza. Essa realidade que nos supera, que nos projeta para fora e que desejamos não pode ser outra a não ser o próprio grupo considerado como algo qualitativamente diferente da simples somatória dos indivíduos que o compõem. Para Durkheim (1994: p. 77), “nós não temos deveres, a não ser frente às consciências; todos os nossos deveres se dirigem às pessoas morais, aos seres pensantes”. Como a qualificação de moral não pode ser aplicada a um ato que tivesse por alvo apenas o interesse do indivíduo, decorre que “não resta outra finalidade à atividade moral que o sujeito sui generis, formado por uma pluralidade de sujeitos individuais associados de maneira a formar um grupo; enfim, não resta mais que o sujeito coletivo” (DURKHEIM, 1994: p. 79).
O grupo não esgota todos os aspectos da realidade moral. Fora da moral comum e geral do grupo, segundo Durkheim, há uma multiplicidade de outras, pois “cada indivíduo, cada consciência moral particular, expressa de sua maneira esta moral comum: cada indivíduo a compreende e a vê a partir de um ângulo diferente”. Cada um tem o seu daltonismo moral particular. Nesse aspecto, “não existe consciência moral que não seja imoral em alguns aspectos” (DURKHEIM, 1994, p. 64).
A importância maior da moralidade comum encontra-se no fato de que ela representa a realidade objetiva que, de acordo com Durkheim, serve de ponto de referência para julgar as ações. Ações que seriam morais de um ponto de vista particular podem ser imorais do ponto de vista da moralidade comum objetiva. Vale ressaltar que moralidade e imoralidade, na concepção durkheimiana, não são contrários. São apenas as duas formas da vida moral (DURKHEIM, 2002: 166).
Para identificar as regras morais e diferenciá-las das regras técnicas, Durkheim (1994) observa o que acontece quando são violadas. No caso das regras técnicas, quando são violadas, ocorrem, em função do próprio ato de violação, as consequências que podem ser chamadas de mecânicas. Segundo o exemplo dado por Durkheim, se violo as regras da higiene que me ordenam que não me aproxime de coisas contaminadas, sofro a consequência da enfermidade. As consequências podem ser previstas quando se examina o próprio ato a ser praticado.
No caso das regras morais, não posso deduzir da análise de um possível ato de violação a sua consequência. Quando violo a regra que me ordena não matar, exemplifica Durkheim, não encontro no próprio ato do homicídio a menor noção de condenação (1994: p. 67-8). Neste caso, entre o ato e a sua consequência – a sanção – existe uma completa heterogeneidade. Para Durkheim (1994: p. 69-9),
[…] a sanção é uma consequência do ato, que não resulta do seu próprio conteúdo, mas da circunstância de que o ato não se acha de acordo com uma regra pré-estabelecida. Ou, em outras palavras: é por existir uma regra ditada com anterioridade e porque o ato é um ato de rebelião contra essa regra, que o mesmo implica uma sanção.
As regras pré-estabelecidas contam com a autoridade moral derivada do grupo ou sociedade e por esse motivo impõem respeito. A sociedade ou grupo, na concepção de Durkheim, é “um conjunto de ideias, de crenças, de sentimentos de toda espécie, num amálgama realizado pelos próprios indivíduos” (1994: p. 90). Vale destacar que esse amálgama ultrapassa e supera a realidade individual, mas é o resultado das ações e reações que ocorrem entre os indivíduos e que produzem uma vida mental nova.
Este é um dos principais pontos de aproximação entre a abordagem durkheimiana e a de Garfinkel (1967) apontados por Hilbert (1992). Na medida em que é um aspecto da consciência coletiva, a moralidade constitui-se como algo que nenhuma pessoa concreta pode incorporar, manifestar ou ser. Qualquer comportamento individual será, um pouco mais ou um pouco menos, uma violação da moralidade coletiva, mesmo porque pode se pautar por regras morais restritas a um grupo ou a uma situação específica. De acordo com Hilbert (1992: p. 47), a consequência mais importante do caráter transcendente da moralidade coletiva seria aquela situação em que a consciência coletiva, nas mentes individuais, se reduziria a alguma coisa fenomenicamente não existente, o que enfraqueceria o tecido da sociedade, produzindo anomia.
Para que se afaste a possibilidade da anomia, os membros da sociedade recuperam a moralidade comum e o sentido de ordem estável identificando as ações de transgressão e realizando o julgamento ritual do status daqueles comportamentos de acordo com os termos da consciência coletiva, que de outra forma seria um ideal inacessível ou mesmo intangível. Essa cerimônia recorrente é essencial para a manutenção da sociedade, ou da moralidade percebida como uma realidade objetiva, e é colocada em prática nas mais diferentes e corriqueiras interações sociais.
Os membros da sociedade ou dos grupos realizam continuamente esses procedimentos para a manutenção de um sentido de ordem estável. Quando julgam e sancionam as ações concretas com base em uma noção de moralidade comum objetiva, estão na verdade construindo em seus relatos não só os sentidos das ações concretas, como estão também tentando recuperar a percepção da existência de uma moralidade comum objetiva e transcendente. Nem sempre os membros e grupos são bem sucedidos. A anomia é sempre uma possibilidade e sua aparição terá de ser administrada de alguma forma.
Nas próximas páginas, vamos fazer, a partir de entrevistas concedidas por pessoas que cumpriam pena privativa de liberdade, alguns apontamentos sobre as interseções entre a moralidade convencional e o envolvimento com atividades criminosas. Procuramos chamar a atenção para os aspectos morais do pensamento das pessoas envolvidas com atividades criminosas quando perguntadas e estimuladas a construir relatos sobre as suas próprias experiências.
3 A FAMÍLIA, A SIMPLICIDADE DA VIDA NO INTERIOR E A RELIGIÃO
O primeiro aspecto que se destaca nas entrevistas em relação ao desenvolvimento de argumentos morais é o grande valor atribuído à família e, em especial, à mãe pelos entrevistados. Com poucas exceções, a família e a mãe são apresentadas como entidades que ocupam o lado oposto de uma opção que é entendida por alguns como “errada”. Alguns entrevistados referiram-se a si mesmos como sendo a “ovelha negra” da família. O único entre os familiares que teria se envolvido com o crime. Ramalho (2002: p. 112) observou o mesmo tipo de referência à família em sua etnografia sobre o mundo do crime. De acordo com o autor, a valorização da família corresponde a um sinal de recuperabilidade, ou seja, à possibilidade de retorno à vida em sociedade.
André, por exemplo, conta que passou a infância com a família e viveu na casa dos pais até os 18 anos. A maneira como vê o seu envolvimento com o crime já se evidencia quando diz: “Eu fui a primeira ovelha negra”. Muitas vezes, os entrevistados falam da condição de vida dos irmãos, destacando o fato de que trabalham, têm bons empregos e famílias estruturadas. Parecem querer dizer com isso que poderiam também ter seguido o caminho convencional, mas que, por algum motivo, não o fizeram. A referência aos irmãos significa também que o caminho convencional não está fechado, poderá ser retomado após o cumprimento da pena. Muitos contam com a ajuda da família para recomeçar. Os entrevistados parecem dizer que têm uma origem boa, que poderá ser recuperada em algum momento da vida. Aqueles que se apresentam como “ovelhas negras”, preservam as famílias como a referência de uma conduta adequada em relação às regras sociais, conduta que poderão retomar no futuro. Colocam-se como desviantes em relação a um padrão familiar correto e contam com a ajuda dos familiares para retornarem ao caminho considerado bom.
Não são poucos os casos de entrevistados que relataram situações em que ofereceram dinheiro em casa, para ajudar nas despesas, mas que a mãe ou o pai recusaram veementemente a quantia, pois sabiam da sua origem ilícita. André chegou a oferecer dinheiro à mãe, mas ela dizia que “dinheiro de crime é coisa que não presta”. O entrevistado passou então a esconder da mãe o seu envolvimento. Sempre que ela perguntava, ele negava e dizia que “não estava mexendo” com o crime.
André contou uma história curiosa: a sua mãe passava por severas dificuldades financeiras, não tendo, muitas vezes, o que comer em casa. O entrevistado, já envolvido com o crime, queria ajudar, mas a mãe se recusava a aceitar qualquer ajuda vinda dele porque desconfiava da origem ilícita do dinheiro. O entrevistado passou então a pagar a uma pessoa para que se apresentasse à sua mãe como alguém que estivesse pagando a seu filho por um serviço realizado. Dessa maneira a mãe aceitava o dinheiro e podia fazer a despesa de casa. O entrevistado mostra com seu relato que a família não compartilha de seu envolvimento com atividades ilícitas e, ao mesmo tempo, mostra que as suas intenções eram “boas”. Engana a mãe e oferece a ela o dinheiro ilícito, que de outra forma recusaria, mas por um motivo “nobre”, ou seja, para o sustento da casa. O relato evidencia o uso de um procedimento engenhoso pelo qual são manipulados os preceitos morais respeitados pela mãe de modo que se atinja um resultado moralmente “desejável”, o sustento da casa.
Sérgio, como também acontece com frequência, dá importância à sua família e ao fato de conviver com os familiares mesmo depois do envolvimento com o crime. A família é uma espécie de ponto de referência do que é certo e do que é bom. Mesmo afastado do modo de vida indicado pela família ou por aquilo que ela representa, o entrevistado continua valorizando os conselhos dos pais e as tentativas de retirá-lo do envolvimento com o crime.
Eu tive família, até hoje, graças a Deus, né, quando fala com eles é muito bom, né. Minha família me deu muito conselho, minha mãe e meu pai arrumou emprego pra mim de office boy”.
Depois que sair da prisão, Sérgio pretende cuidar da sua família. Essa fala é bastante comum, talvez repetida mais vezes do que aquelas que se referem ao desejo de conseguir um emprego. Muitos entrevistados se referem à família como o lugar para onde vão quando saírem da prisão. Alguns dizem que vão voltar para casa da mãe, outros dizem que vão morar com a esposa e os filhos.
Em relação ao emprego, quase todos afirmam que pretendem deixar o crime e trabalhar em uma atividade convencional. Mas muitos demonstram desconfiança em relação às reais possibilidades de conseguirem emprego. Alguns entrevistados, depois de falarem que pretendem trabalhar, fazem algum tipo de ressalva dizendo que existe a possibilidade de não conseguirem emprego e que, nesse caso, seriam obrigados a voltar ao crime. Nestes casos, se eximem de responsabilidade pelo retorno ao crime, pois essa alternativa não seria pretendida, tendo ocorrido apenas porque a “sociedade” não facilitaria o retorno de egressos do cárcere ao mercado de trabalho.
Nesse aspecto, o interior do estado costuma aparecer nas entrevistas como uma solução tanto para o problema da vida em família, como do emprego. Vários entrevistados se referiram à ideia de passar a morar no interior com a família depois de cumprida a pena, ou mesmo durante a liberdade condicional, e dessa forma se afastarem das tentações e perigos da cidade grande. O interior também é visto como um lugar em que é mais fácil conseguir um emprego, mesmo que seja um emprego na lavoura.
Em alguns casos, a referência ao emprego na lavoura se mostra claramente como uma opção por uma alternativa de emprego simples e de baixa remuneração que contrasta evidentemente com o estilo de vida que contribuiu para que o entrevistado se envolvesse com a atividade criminosa. Isto é, um estilo de vida que exige gastos com bebidas, drogas, mulheres, carros, motos e que está sempre está ligado à aventura. Parece haver um raciocínio que associa a simplicidade da atividade a uma suposta pureza. Assumir uma atividade simples e de remuneração pequena seria uma forma de se afastar das tentações do crime. Há claramente um sentido moral nesse raciocínio na medida em que a opção pela vida “simples” do interior é percebida como algo intrinsecamente “bom” que trará como recompensa – ou sanção positiva – o afastamento das tentações do crime.
4 PRISÃO INJUSTA, ELABORAÇÕES SOBRE A PENA
Em relação à prisão e à condenação, muitos entrevistados, mesmo se apresentando como culpados, percebem algum tipo de injustiça durante os procedimentos. Os critérios que usam para avaliar a sua conduta e as medidas tomadas pela polícia e pela justiça criminal dizem muito sobre as suas ideias sobre a atividade criminosa.
Em relação à prisão por tráfico, Alisson acredita que a prisão foi injusta, pois o flagrante teria sido forjado.
Na justiça, pela lei, eles não poderia ter dado flagrante ne nós. Porque é o seguinte, rodou eu e meu parceiro, a gente já tava caguetado no 0800. Só que, porém, a caguetagem do 0800 era que eu era traficante, meu parceiro também era traficante, mas não tinha droga nenhuma que eles pegasse com nós, ele deram geral ne nós, não pegou nada com nós, e foi lá no jogo de totó, numa distância daqui na parede, pegô a droga dentro do totó e falou que era nossa. O pessoal do bar testemunhou a nosso favor. A polícia pra forjar pra qualquer um eles não mudam a roupa não.
O entrevistado não contesta o fato de ser traficante, conforme teria sido denunciado pelo telefone. Mas contesta a forma como foi efetuada a prisão, já que o flagrante teria sido forjado pela polícia. Alisson percebe e relata uma das formas de operação da rotulação (BECKER, 1979) na medida em que foi preso “por ser traficante” e não pela “posse de drogas”. Agia cuidadosamente, procurando não portar drogas, evitando assim o flagrante. Mas como “a polícia pra forjar pra qualquer um, eles não mudam a roupa não”, a sua precaução não foi suficiente para evitar a prisão.
No entanto, é interessante observar que apesar de reconhecer a injustiça do flagrante forjado, a situação toda é percebida com desalento.
Eu tô preso, tô pagando, não adianta não, mas só que pela justiça, pela lei mesmo, eu não poderia ser condenado não. A denúncia foi anônima, correto, mas eu não tinha nada na mão, como iam me prender?
Quando afirma que está preso, que está “pagando” e que não adianta fazer nada para mudar a sua condição, Alisson constata de forma resignada que é impotente para reverter a situação. Mesmo que a prisão tenha sido injusta, não há recurso possível, o entrevistado se conforma a cumprir a pena.
A mesma postura de resignação aparece em outras entrevistas. Sobre a prisão, André conta que emprestou uma arma para rapazes que foram fazer um assalto e acabaram matando o vigia. “A condenação que eu tomei nesse revólver foi muito. Foi 8 anos semiaberto. E eu não tinha envolvimento nenhum. Se eu tivesse envolvimento, aí sim, mas eu não tinha”. O envolvimento que ele afirma não ter seria o de estar presente no momento do crime.
Mesmo percebendo como injusta a decisão judicial, conclui da seguinte maneira: “Em relação à justiça é isso mesmo, cometeu erro tem que pagar”. Ou seja, o entrevistado admitiu ter cometido um erro e reconhece a necessidade de pagar, mas o erro que admite parece ser o de ter praticado uma ação – o empréstimo da arma – que “para ele” não seria errado, mas que “para a justiça” é motivo de condenação. O fato de a sentença ser injusta é percebido apenas como um dado da realidade contra o qual não é possível reagir.
Fabrício, ao narrar a história de sua prisão, também adota uma postura resignada:
Fugi aí mais ou menos uns 5 ou 6 quarteirão a pé porque o carro que eu tava com eles foi sair e deixou eu sozinho e nisso aí quando eu fui abordado eu fui abordado como sempre apanhando, claro. Aí apanhei uns 10/20 minutos porque eles queriam que eu falasse onde estavam os outros, mas eu não sabia e mesmo se soubesse não ia falar de jeito nenhum. Depois eles me levaram para o DI, fiquei lá 10 dias, o advogado foi lá com meu pai. Depois eles mandaram um bonde com dez pra cá [Dutra Ladeira] e eu vim nesse bonde e to aqui até hoje.
Nessa última fala é interessante destacar a expressão “aí apanhei uns 10 ou 20 minutos…” Mais uma vez aparece a percepção resignada sobre o funcionamento do sistema de justiça criminal. O fato de apanhar da polícia é algo natural para o entrevistado – “eu fui abordado como sempre apanhando” – e ele se refere ao acontecido sem nenhuma emoção, sem se referir ao sofrimento, mas apenas ao tempo de duração. A agressão física é percebida como um meio tecnicamente adequado para se atingir um fim – “Aí apanhei uns 10/20 minutos porque eles queriam que eu falasse onde estavam os outros” –, mas o entrevistado destaca que não falaria, pois assim estaria traindo a confiança dos companheiros e correndo o risco de sofrer alguma retaliação.
Igor, como os demais, considera que a prisão não foi justa. As provas teriam sido forjadas. No entanto, o próprio entrevistado reconhece ter cometido crimes. Mas pensa que só poderia ser preso legalmente pelos crimes que realmente praticou. Como a polícia não conseguiu prendê-lo por esses crimes, acabou forjando um flagrante, já que estava “de olho” no que ele fazia.
Não foi [justa] não, porque eles me confundiu, uai. Eu posso tá pagando por outros crime, né? Porque eles já tava de olho ne mim. Então é por isso mesmo, eles tava de olho ne mim, então eles não conseguiu me pegar pelos atos que eu tava fazendo, e pos isso aí pra mim, foi forjado mesmo.
Ao mesmo tempo o entrevistado acredita que aprendeu algumas coisas boas na cadeia e que, de certa forma, pode ter sido bom ficar preso. Caso não estivesse preso, poderia estar morto, argumenta.
Então pra mim aqui eu aprendi muita coisa. Pra te falar a verdade, foi até bom pra mim. Se eu tivesse lá eu podia não tá conversando com você aqui agora no momento, eu podia tá no caixão, eu podia tá aleijado, na cama. Tem coisas boa, mas tem coisas ruim também que corre aqui entre nós.
Fabrício considera a pena recebida injusta para o tipo de crime que praticava.
Acho que minha pena foi injusta pelo seguinte: 157 primário, não atirei em ninguém, só roubei lotérica, eu tomei 5 anos e 7 meses, fechado, primário. O que o 157 levaria é 5 anos e 7 meses semiaberto, se eu tivesse ganhado 5 e 7 semiaberto tudo bem, mas eu tomei um fechado. Tem que pagar no mínimo uns dois anos e seis meses.
Ou seja, além de primário, não atirou em ninguém e não praticou o roubo contra transeuntes, mas apenas contra casas lotéricas. Por isso a pena deveria ser em regime semiaberto. Vários entrevistados apresentaram avaliação desse mesmo tipo. O roubo a transeuntes e o uso de violência desnecessária durante a ação do roubo são percebidos como ações passíveis de sanção. Um entrevistado chegou a mencionar que sempre procurava tratar bem a vítima. Outro disse que mesmo em caso de reação da vítima procurava manter a frieza e não usava de violência. Alguns entrevistados deram ênfase ao fato de que avisavam claramente à vítima que se interessavam apenas por seus pertences, ou seja, não pretendiam agredi-la. Vários entrevistados se referiram ao fato de que roubaram sem usar de violência e por esse motivo a pena deveria ser menor.
Mesmo assim, o roubo a transeuntes é mal visto por muitos dos entrevistados. A maioria negou ter praticado esse tipo de crime. Muitos dos que admitiram o fizeram se desculpando, expondo circunstâncias que os obrigaram a tomar esse tipo de iniciativa que eles próprios consideravam errada. Da mesma forma, o roubo a passageiros de ônibus é visto como algo errado. Roubar pessoas que trabalham e têm pouco dinheiro é visto como algo ruim.
O roubo a estabelecimentos comerciais, por outro lado, é visto como uma forma de roubar de quem tem. No caso das lotéricas parece haver ainda uma percepção de que roubar o dinheiro do jogo é algo “menos errado” do que valores de outra procedência. O dinheiro do jogo seria um dinheiro dispensado ao azar, isto é, não é um dinheiro a ser usado para o sustento da família.
Esses raciocínios, aparentemente contraditórios, em que a prisão e a condenação são percebidas como injustas, ao mesmo tempo em que os entrevistados reconhecem a culpa pelo envolvimento com o crime, fazem parte, na verdade, da percepção de que o sistema de justiça criminal é desorganizado.
Os entrevistados mencionam em seus relatos que a atuação da polícia ocorre frequentemente fora dos padrões legais. Muitos entrevistados foram presos em flagrante. Em muitos casos, os indícios que levaram os policiais a se decidirem pela prisão são questionados. Mesmo quando o flagrante não é deliberadamente forjado, a sua caracterização pode ser feita com base em elementos imprecisos. Como narra um de nossos entrevistados, a polícia não o encontrou, ou a seu parceiro, na posse de drogas, embora houvesse uma denúncia de que era traficante. A polícia encontrou drogas no mesmo recinto ocupado pelos suspeitos. Independente de a droga ter sido colocada no recinto propositalmente pelos policiais, como alega o entrevistado, ou não, o fato é que o entrevistado, seu parceiro e outras pessoas estavam presentes no bar em que a droga estava escondida. A conclusão de que a droga pertencia aos dois suspeitos se deu muito mais pela denúncia anterior de que eram traficantes do que por alguma evidência inequívoca.
Os entrevistados mencionam em seus relatos a contradição entre a incriminação legal pautada pelas regras processuais e a acusação social/moral que se dirige contra a subjetividade do transgressor e não contra a transgressão legalmente tipificada. Não por acaso, os entrevistados contestam as acusações com base em suas próprias concepções morais como a de que tomar os pertences da vítima, desde que não se faça uso de violência excessiva, não é algo tão errado.
Na verdade, a situação em que o suspeito é condenado por indícios e não por provas demonstra a operação do processo de rotulação criminal. A condenação por indícios significa que o objeto do processo e da condenação não foi o crime, mas a própria pessoa do agente que já entrou no processo, desde o seu início, como culpado pela acusação moral. Os entrevistados relatam que os policiais, muitas vezes, decidem efetuar uma prisão porque já têm a suspeita, ou “já sabem”, que um determinado indivíduo está envolvido com a prática de crimes. Nesses casos, ao invés de investigar para determinar a autoria de um crime, os policiais prendem aqueles que “já sabem” que são autores de crimes, em um procedimento semelhante ao do inquérito realizado de trás para frente descrito por Paixão (1982).
5 CÓDIGO DE CONDUTA DOS BANDIDOS
Mauro se apresentou como alguém que faz parte de uma antiga “malandragem” que segue um código de conduta segundo o qual o roubo e a violência que o acompanha não são aceitos.
Eu sou conhecido rua. Eu sou muito conhecido na rua. Porque estou na rua desde os 13 anos de idade. Todos malandro me conhece e falava comigo ‘vão róba” e eu falava ‘não, róba eu não róbo’”. “Se eu topá com um desses folgado que gosta de pegar os outro e ficar batendo eu quebro a cara dele, uai. Eu já vi gente querendo pegar uma bolsa igual essa sua, se eu tiver passando perto na hora eu falo ‘dá a bolsa ele rapaz, dá a bolsa senão eu te passo uma bala na cabeça’. Não deixo não. Não deixo ninguém robá ninguém não.
O envolvimento com as atividades ilícitas começou com o fascínio pelas armas e o desejo de andar armado.
Eu andava armado porque gostava, né. Quando a gente é mais moleque a gente é meio sangue quente, entendeu. Então, vão supô, a gente é sangue quente, mas a gente ainda tem um pouco o bom pensamento, agora tem outros que já tem o mau pensamento.
A partir de certo momento, começou a usar e vender drogas. Mauro justifica o uso dizendo que droga é algo que se encontra facilmente, que está presente em todos os lugares. Esse tipo de justificativa aparece com frequência. Os entrevistados reconhecem que fazem algo errado, mas que não são os únicos. O erro seria, na verdade, comum e disseminado e, portanto, “menos errado”: “Foi a partir do momento em que eu fui ferido. Antes eu andava no meio da malandragem, fumava um baseadim, isso aí é coisa que cê já vai crescendo, vai vendo pra todo lado mesmo”.
Warley acredita que pode sair do crime porque não tem nenhum “furo”. Não tem dívidas ou desavenças.
Tenho cinco cadeia com essa aqui. Eu fui atuado no DI, do DI fui pra Tóxico, da Tóxico fui pro CERESP, do CERESP pra Furtos & Roubos e agora tô aqui. E daqui eu pretendo ir embora se Deus permitir, se Deus me der a permissão dele, não tenho furo no crime, aonde que eu entrá eu saio, agora quem tem furo infelizmente… Tem truta, vai ali caguetá, caguetá é quem vai ali e fala pros polícia. Eu não tenho guerra com ninguém, entrei sozinho e tô saindo sozinho nessas unidade. Aonde que eu ir eu sou bem vindo.
O entrevistado afirma que é importante estar sozinho e não participar de grupos. Participar de grupos implica necessariamente inimizades com pessoas que não fazem parte daquele grupo. Uma postura mais individualista pode significar a preservação de uma reputação isenta de questionamentos, ou seja, de “guerras”, como afirma Warley. Os “furos” seriam provenientes das delações e o entrevistado enfatiza que nunca as praticou.
Rogério estava preso por assalto a ônibus. Como vimos na seção anterior, o assalto contra passageiros de ônibus é mal visto pela maioria. O entrevistado procura mostrar que não assaltava os passageiros, mas apenas a empresa.
Só assaltava o ônibus, pessoa que tá dentro do ônibus é sofredor também. Então a gente, nesses assalto assim a gente ia mais pegar o da empresa mesmo. Porque a empresa tem muito, né? O que a gente tira deles ali é um desfalquinho lero lero.
Levar o dinheiro da empresa não é tão ruim porque eles “têm muito”. Para o entrevistado, no caso da empresa, o roubo significa um pequeno desfalque sem maior importância. A ação que poderia ser condenada moralmente – roubar de trabalhadores sofredores – não seria, de acordo com o relato, praticada. Vale destacar que, ao se referir aos passageiros do ônibus como “sofredores também”, o entrevistado estabelece um sentido de proximidade que faria do roubo uma ação condenável. Roubar dos passageiros seria roubar de semelhantes. Roubar da empresa, por outro lado, seria roubar dos outros, dos que tem muito e para quem o roubo representaria um pequeno desfalque.
Euclidiano conta que roubava casas lotéricas porque nelas encontrava dinheiro de jogo. De acordo com o seu relato, não teria coragem de roubar ônibus e táxis, pois o dinheiro seria “suado”. O entrevistado afirma que não “teria fôlego” para anunciar o assalto no caso de ônibus e táxis. O fôlego lhe faltaria pelo fato de saber da importância daquele dinheiro para os seus portadores.
Sempre roubava loteria. Loteria é coisa de jogo, então faz parte. Eu não tinha medo de roubar loteria. Mas ônibus, táxi eu sempre pensava que não porque eles tão suando pra conseguir o dinheiro, eu vou chegar e pegar, não tinha coragem, mesmo que eu quisesse eu não tinha fôlego pra anunciar o assalto.
Esse entrevistado era jogador e, de acordo com o seu relato, quase todo o dinheiro que ganhava fazendo assaltos, gastava com o carteado. Contou que, dos valores que roubava, deixava uma pequena parte em casa, com a esposa, e a maior parte era usada no jogo. No primeiro assalto que realizou sozinho, teria permanecido nas imediações de uma casa lotérica por um longo tempo, sem coragem para fazer o assalto. Até que viu alguém pagando uma conta com uma cédula de 50 reais. Quando viu o dinheiro grande, ganhou coragem. Conta que calhou de a lotérica ficar vazia nesse mesmo momento e assim entrou e fez o assalto. A partir dessa primeira vez, repetiu o roubo a casas lotéricas muitas vezes e depois teria roubado outros estabelecimentos comerciais, como lojas de roupas. Mas sempre destacava que passageiros de ônibus e taxistas ele não tinha coragem de assaltar. O dinheiro do jogo seria, na sua percepção, um dinheiro dispensado, um dinheiro da ambição, um dinheiro que não foi usado em casa, para gastos que poderiam ser chamados de “nobres”. Esse dinheiro poderia ser roubado, já que seu próprio dono o teria colocado em uma aposta.
Alberto conta que a decisão de assaltar uma mercearia aconteceu por acaso, depois de um encontro com colegas que fumavam maconha enquanto se preparavam para fazer um assalto. A escolha da mercearia se deu no momento em que se viram diante do estabelecimento. Situação que nos lembra a relação entre delinquência e deriva, tal como elaborada por Matza (1964). É interessante observar que, de acordo com o relato, um dos fatores que levaram o entrevistado a se decidir pelo assalto foi o fato de ter dado “a sua palavra” em um primeiro momento e não poder voltar atrás. Podemos notar uma situação interessante que diz respeito a um vínculo que se estabelece entre um compromisso moral constituído no nível da interação face-a-face que conduz, por sua vez, a uma ação contra os padrões morais constituídos coletivamente.
Porque os meus parceiro, como diz assim, eu não considerei eles até hoje nunca mais como parceiro porque eles me traíram. Eu pessoalmente tava vindo do exército, certo? Eu ia entrar pro exército, aí encontrei com eles, já ia pra minha casa pra podê almoçá, né? Se tivesse alguma coisa pra mim comer e voltava de novo pra mim podê pegar minha farda. Aí encontrei com esses rapazes, aí eles tava fumando um baseado, eu me lembro ainda como hoje, aí pego e falô: ‘Aí, colé, vamo lá’. Eu falei: ‘Não mexo com isso aí mais não. Parei. Não quero nunca mais mexê com esses trem’. Aí pagou pau, né? O pessoal: ‘Fuma aqui que ocê vai ficar belezão. Aí cê vai animá’. Eu falei ‘é’, Aí então peguei e dei uma bolinha. No baseado, na maconha, né? Dei uma bolinha com eles né? E aí passei umas meia hora assim e eu senti mesmo realmente que eu tinha mudado, né? Mas só que eu mudei ali assim, mas o meu pensamento eu não tinha mudado, entendeu? Falei com eles: ‘Eu não vou não, não vou mexer com esses trem não. Aí eles falou: ‘Que isso’. Ele olhou assim pra mim. Um tava com um 22 e outro com uma garrucha e tava sobrando uma faca aí ele foi, me deu a faca e falou assim: ‘Colé, falou que ia, agora vai dá mole?’ Aí eu pensei e falei assim: ‘Nossa, esses cara, falei uma coisa, é foda, a gente não pode voltar a conversa atrás. Aí fui lá com eles.
Essa situação nos remete às diferenças entre regras morais particulares e a moralidade coletiva transcendente, tal como observada por Durkheim. O entrevistado elabora em seu relato um sentido de compromisso em relação aos colegas na rua e assim não seria adequando voltar atrás após ter dado a palavra de que participaria do assalto. No entanto, esse compromisso dizia respeito a uma ação em que iriam invadir uma mercearia para roubar dinheiro e mercadorias. Nesse aspecto, o entrevistado não demonstrou nenhuma consideração moral. Disse apenas que precisava do dinheiro e dos mantimentos para ajudar a família (sem usar a ajuda à família como álibi) e, portanto, decidiu roubar.
6 DETERIORAÇÃO DO MUNDO DO CRIME. DESCONFIANÇA
Uma ideia interessante que surgiu várias vezes ao longo das entrevistas é a de que estaria em curso um processo de deterioração da confiança entre as pessoas em geral e entre os envolvidos com atividades criminosas em particular. Esse problema não deixa de ser moral e se relaciona evidentemente com a divergência entre pontos de vista constituídos por realidades morais diferentes e, às vezes, contraditórias. Muitos entrevistados fizeram referência a situações em que a confiança foi rompida ou não chegou a se estabelecer adequadamente.
Ramalho (2002: p. 74-75) encontrou em sua pesquisa referências ao malandro como a figura principal no mundo do crime. O malandro poderia ser positivo – quando cumpridor das regras de procedimento da massa – ou negativo – quando desrespeitador das regras. Considerando os relatos apresentados por nossos entrevistados, o malandro positivo parece ser uma espécie em extinção.
Alberto, o mesmo que foi assaltar a mercearia com os colegas porque não podia voltar atrás com sua palavra, ao relatar a sua participação no assalto e a consequente chegada da polícia, chama a atenção para o fato de que no momento em que apontou a arma e ameaçou atirar contra o segurança ele “não acreditou” na ameaça. Essa menção aparecerá em outras entrevistas e permite uma interpretação relacionada ao tema da falta de confiança que está presente no mundo do crime e na sociedade nos dias de hoje:
Eu não, os meus amigo, esses cara, suposto amigo é que foi, eu não [presos na mesma hora]. No bairro lá, eu fiquei perdido no bairro. Que tem polícia demais. Aí eu me lembro, se eu me lembro mesmo, acho que eu peguei na época não sei se foi 10, 50 cruzeiros, não lembro mais quanto foi, porque não tinha esse reais ainda não, era cruzeiro na época. Aí eu consegui pegar e eles também pegaro algumas coisa e saíram, mas só que nisso deles saíram deu aquele tumulto danado, atirei num segurança, é, eu tomei a arma do rapaz e falei: ‘Eu não vou entrar com faca na mão não’. Peguei o 22 dele e fiquei com a arma. Aí ele prendeu um dos cara. Prendeu um dos cara aí eu peguei o revólver, ele também com revólver, eu peguei e apontei o revólver pra ele e ele não acreditou. Ele pôs o cara na frente e falou: ‘É ocê que vai ter que soltar’. Falei: ‘Eu não. Você que vai ter que soltar o revólver’. Aí na hora eu peguei e disparei os tiro por cima dele. Só que pegou lá nele assim por cima do ombro dele. Aí ele soltou o rapaz e o rapaz saiu correndo e eu acabei de dar mais uns tiro nele. Aí na hora surgiu muita polícia. A polícia também me deu um muncado de tiro. Se eu tô vivo hoje em dia, eu vou ser sincero pra você, é pela glória e honra ao nome do Senhor Jesus, que eu sou muito grato ao Senhor Jesus, por ter me retornado, ter me dado a minha vida novamente. Depois lá no morro também, o próprio camarada juntou com a polícia lá e me deu um muncado de tiro também. O próprio cara que tava junto comigo.
Alberto fez a ameaça de atirar, mas, como foi dito, o segurança não acreditou. O entrevistado acabou atirando e o segurança revidou. Houve troca de tiros, inclusive depois da chegada da polícia. A maneira pela qual Alberto menciona o fato de que o segurança “não acreditou” em sua ameaça mostra que a situação, para ele, é inesperada e perturbadora. O agente se vê diante de uma situação em que é obrigado a cumprir a ameaça para alcançar os seus objetivos. O fato de ter que cumprir a ameaça e o caos representado pelo tiroteio que se segue, reforçam a percepção de uma ausência de confiança nas relações interpessoais.
Alberto foi denunciado pelos colegas que participaram do assalto à mercearia. Os mesmos colegas que o convenceram a participar do assalto, aqueles a quem ele não quis decepcionar voltando atrás em seu compromisso:
No mesmo dia um foi para casa da mãe deles e outro foi pra casa da irmã. Aí eles foram e falaram com a mãe deles o decorrido, o que aconteceu. Aí a mãe parou o carro, deu muita polícia, parou a polícia, pôs ele com o revólver, entregou, e foi lá na minha casa com a polícia falá quem que era. Mas quem falou foi ele, uai.
Mauro, o malandro que não gostava de ver ninguém roubando, menciona em sua entrevista a ideia de que houve uma deterioração da confiança no mundo do crime. Não haveria mais confiança entre os “malandros”.
Gostava de trocá umas ideia, porque todo mundo respeitava uns aos outro, não tem falsidade, quer dizer, não tinha, não tinha falsidade. Agora? Agora nego fala ‘vão ali pra nós fuma um cigarrim ali’, chama ali e já mata ocê. Então não tem mais amizade. Teve um certo tempo que era um crime conceituado, pessoal falava e cê respeitava. Agora não tem respeito a ninguém.
É a mesma percepção apresentada por Roberto.
Pretendo voltar pra mesma vida que eu tinha. Não quero continuar no crime. Não existe mais crime. O crime existiu, existiu o crime, existiu o crime, antes cê saia aí cê buscava 100 mil, cê chegava, dividia tudo e cada um ia cuidar da sua vida. Hoje se acontecer isso numa quadrilha aí um vai matar o outro até conseguir todo o dinheiro, certo. Então, o crime já era.
É possível dizer, pela frequência desses tipos de afirmação e pela variedade de situações em que surgem espontaneamente nas entrevistas, que é um assunto recorrente entre os próprios presos. A maior parte deles tem alguma história de traição ou de mal-entendidos para contar. O tempo é um elemento importante nessas histórias. Todos localizam a desconfiança no presente e falam de um passado em que havia códigos de conduta vigentes no mundo do crime. Trata-se, provavelmente, de uma idealização do passado, mas, por ser repetida inúmeras vezes, torna-se uma idealização com ares de constatação objetiva.
Fernando conta que foi preso porque sua mulher o denunciou. Afirma que isso aconteceu porque “hoje em dia” as pessoas não querem ver as outras em uma boa situação. É o mesmo tipo de entendimento – de que não existe mais confiança entre as pessoas – que aparece em várias outras entrevistas.
Eu fui preso por, eu fui preso porque nesse mundo de hoje lá fora a ambição é muito grande e tem gente que não quer ver você bem, foi o motivo por qual eu vim preso. Uma companheira minha de muita confiança minha. Ela se envolveu com o crime porque se envolveu comigo e envolveu comigo envolveu com o crime. A gente teve uma briga e nessa briga que a gente teve ela num gostô, ela num gostô e num tinha um meio de me prejudicá fisicamente, o jeito que ela teve foi esse. Ela me denunciou. Me prenderam, no momento da abordagem não haviram droga comigo, não haviram nada, reviraram a minha casa e no lugar onde que eu aguardava a droga ela chegou e me apresentou a droga, né? Tava com cem papel de pedra.
No caso desse entrevistado houve uma traição praticada por sua própria mulher, que também havia se envolvido com o crime. É curioso observar que, de acordo com Fernando, a mulher não tinha envolvimento com o crime até conhecê-lo. Depois de conhecê-lo se envolveu, como não poderia deixar de acontecer, segundo a percepção do entrevistado. Não tendo outra forma de atingi-lo, optou pela denúncia. Assim, a mulher, que era de confiança, deixou de ser a partir do momento em que se envolveu com o crime. Numa desavença com o marido acabou usando a arma que tinha: a denúncia.
De acordo com Wilson, a “malandragem” era de confiança no passado, hoje não é mais.
Agora eu falo procê uma verdade, que o crime não tá com nada não tá não. Crime tá por fora. O crime não compensa não. O cara fala que é amigo da gente, mas tá querendo é matá a gente”. A malandragem de primeiro não agia assim não, agora tá agindo assim. A malandragem agora tá agindo é assim. Mexeu ali não achou o cara, vai lá e mata a família, queima a família.
Wilson se refere a uma situação já mencionada por Mauro, o assassinato sem qualquer motivo aparente. No caso da entrevista de Mauro, há a referência ao assassinato de membros da família, que pode ocorrer quando o inimigo não é encontrado. A ideia elaborada nesses relatos é a de que não é possível identificar as regras que orientam as ações das pessoas. Até mesmo nas situações de violência, regras são necessárias para que as pessoas soubessem onde estão os limites. Os entrevistados parecem sentir falta dessas regras mínimas, sentem falta de um mínimo de previsibilidade e orientação no ambiente em que vivem. A incapacidade de encontrar um sentido moral nas situações vividas indica a presença da anomia.
Acácio considera que
Hoje em dia o crime também acabou. Hoje em dia é pouca coisa e eles te matam ocê. Se ocê tá ganhando dinheiro, se ocê tá vendendo droga, se ocê é o cara no morro, eles te matam ocê. Antigamente tinha respeito. Hoje esses menino novo tá matando pra fazer nome. Eu saio da cadeia… chego no movimento do crime… eu posso morrer. Por que? Porque o menino novo lá ele qué fazer nome. Eles qué fazer nome e faz. Cê não conhece eles, não sabe a intenção deles. Quando ocê conhece, ocê sai fora, mas quando ocê não conhece? Menino com 12 anos tá matando.
Vale destacar as observações do entrevistado de que “Eles qué fazer nome e faz” e de que “Cê não conhece eles, não sabe a intenção deles. Quando ocê conhece, ocê sai fora, mas quando ocê não conhece”? A intenção de matar “para fazer nome” é apresentada como um dado da realidade e restaria então a alternativa de evitar o contato com aqueles que têm essa disposição. Como o entrevistado não tem como identificar antecipadamente quem são os dispostos a matar para fazer nome, percebe-se em uma situação de desorientação e risco permanente
É curiosa a observação de Rogério. Para ele, o crime em Belo Horizonte não é bom, os criminosos são desonestos. O crime seria bom no Rio de Janeiro e em São Paulo:
Aqui em BH aqui o crime é podre. No Rio de Janeiro é melhor. Porque lá a bandidagem é mais conscientizada, mais inteligente. Agora aqui não. Aqui o que a gente vê é muitos querendo pegar irmãozinho que tá sofrendo. São Paulo também é muito bom. Pra pessoa viver no crime é bom. Porque lá todo mundo sabe que tendo pilantragem morre. Aqui não, aqui a gente vê muito pilantra aí no meio da gente aí e a gente não pode fazer nada. Eu não pego uma faca e vô dá num cara uma facada. Pra mim me atrasar e pegar 30 ano de cadeia? Eu quero sair. Eu quero me adiantar. Saí. Começar a trabalhar de novo.
Nesse caso, temos uma variação da idealização do passado. Dois lugares diferentes são idealizados. De alguma forma, o entrevistado criou essa noção de que o crime no Rio de Janeiro e em São Paulo é melhor do que em Belo Horizonte. Os criminosos do Rio e de São Paulo são, de acordo com o entrevistado, mais conscientizados, o que acontece nesses lugares é que as pessoas sabem que se fizerem “pilantragem” morrem. Rogério aponta a existência de regras válidas que se forem descumpridas levam à morte do transgressor. Mais uma vez, a falta de regras ou sua desorganização – a anomia, em outras palavras – parece ser um problema sentido intensamente pela maioria dos entrevistados.
7 HOMICÍDIOS
No caso dos homicídios que envolvem questões de honra a dimensão moral do comportamento criminoso aparece com muita nitidez. Alguns assassinatos são narrados como se tivessem sido motivados por alguma atitude da vítima que foi interpretada como ofensiva ou imoral. Normalmente, os entrevistados não demonstram nenhum arrependimento quando falam desses homicídios. Na única entrevista não gravada, conversamos com uma pessoa condenada a vários anos de prisão por tráfico de drogas. Afirmou categoricamente que nunca se arrependeu de ter matado algumas pessoas. Matou, por exemplo, quando era guarda na porta de uma boate, uma pessoa que, apesar de ter sido proibido de entrar, usou da força física para passar pela porta. Não havia escolha, disse o entrevistado, pois a vítima teria lhe faltado com o respeito. Argumentamos que uma falta de respeito, por mais incômoda que pudesse ser, poderia ser administrada de outra forma. Ele poderia ter simplesmente colocado o indivíduo para fora da boate. Mas ele não concordou. Um homem não pode aceitar certas coisas, disse o entrevistado. Tentando justificar o seu ponto de vista, perguntou aos entrevistadores se não o matariam caso ele pegasse o “radinho” (o gravador desligado) que estava sobre a mesa e o quebrasse. Os entrevistadores responderam que, por mais que não gostassem de ver o “radinho” quebrado no chão, não o matariam por esse motivo. Mesmo porque um “radinho” quebrado nunca justificaria alguns anos de cadeia. A pergunta foi devolvida: não teria sido melhor deixar a pessoa da boate viva e economizar alguns anos de cárcere? Respondeu enfaticamente que não. Conclui-se, a partir do relato do entrevistado, que é melhor estar preso do que conviver com uma agressão moral que não foi solucionada adequadamente. Durante toda a argumentação o entrevistado se mostrou irredutível. O fato é que apresentou uma forte concepção moral sobre as relações entre as pessoas.
Esse não foi o único caso de não arrependimento pelos homicídios praticados. Aqueles que mataram por questões de honra ou traição se sentem justificados. Outros mataram pelo que chamam de “guerras do crime”. Nesses casos, encaram o homicídio como uma decisão inevitável, pois estariam mortos se não tivessem matado o inimigo. Mesmo nesses casos, um dito comum entre os entrevistados revela uma perspectiva moral: “Melhor chorar a mãe dele do que a minha”. Com essa frase, os entrevistados argumentavam que não matavam apenas para garantir a própria sobrevivência individual. Mas protegiam também a família do sofrimento que poderia ser causado por sua morte.
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
As falas dos presos chamam a nossa atenção para algo nem sempre notado: a perspectiva profundamente moral por meio da qual alguns dos envolvidos com atividades criminosas enxergam a realidade. Muitos consideram que o comportamento criminoso é errado. Tentam aliviar sua responsabilidade dizendo que teriam entrado para o crime por influência das más companhias. Outros afirmam que a injustiça e a corrupção estão presentes em todos os lugares e que não teriam alternativa de vida fora das atividades ilícitas. Essas não deixam de ser tentativas de amenizar a culpa por um comportamento ilícito.
É interessante o fato de que o crime que causa maior repulsa aos próprios criminosos é o roubo a transeuntes e a ônibus. Mesmo aqueles que praticam tais atos costumam afirmar que consideram errado prejudicar trabalhadores e inocentes, que não têm orgulho do que fizeram. Costumam se justificar dizendo que foram conduzidos por alguma força independente da vontade. As drogas, a bebida, a natureza de ladrão ou as más companhias têm a preferência nos discursos de neutralização da culpa.
Os roubos a estabelecimentos comerciais e a bancos são vistos como aceitáveis. Mesmo porque não é raro os próprios funcionários “darem a fita”, isto é, avisarem quando o caixa da empresa está cheio. Especialmente no caso dos bancos, existe a crença de que eles têm muito e roubam de seus clientes. Não seria errado, portanto, roubá-los (“Tem que roubar de quem? O banco rouba da gente…”).
O homicídio que envolve questões de honra é justificado moralmente e não encontramos expressões de arrependimento ou de autocondenação nesses casos. É comum o argumento de que existem situações em que a pessoa não tem alternativa a não ser matar.
Tratamos as entrevistas como relatos nos quais se desenvolveram, de um ou outro modo, argumentos morais sobre a conduta criminosa. A moralidade foi entendida como uma característica das regras de conduta que são obrigatórias e desejáveis, no sentido durkheimiano. Isto é, são obrigatórias e desejáveis no plano coletivo. No plano individual, das ações concretas, desempenhadas por sujeitos reais, a moralidade coletiva será sempre mais ou menos agredida. A moralidade comum transcende a realidade individual – não é internalizada psicologicamente – e só pode ser acessada pelos indivíduos por meio dos rituais reparadores. Por esse motivo, a transgressão a essas regras provoca a aplicação de uma sanção que não pode ser deduzida da análise do próprio ato transgressor, mas que é decorrente do fato de a ação ser proibida (nos casos em que a ação é considerada boa e correta, podemos observar a aplicação de sanções positivas). Com a aplicação da sanção, os indivíduos (e a sociedade) procuram mostrar que a transgressão não anula a existência de uma moralidade comum, mas constitui-se apenas como um desvio isolado.
Observamos que os entrevistados, na medida em que são acusados e condenados pela transgressão da lei, são, ao mesmo tempo, objetos e participantes de rituais de reconstituição de um sentido de ordem estável ou de moralidade comum. Seus relatos nos dizem muito sobre esses procedimentos reparadores, pois se encontram em uma situação crítica – a rotulação criminal – que não é experimentada pela maioria das pessoas. Vimos diversas argumentações morais nas quais os indivíduos procuravam construir algum resultado específico. Seja a ideia de que erraram, mas teriam a capacidade de mudar e não voltar a cometer os mesmos erros, seja o reconhecimento de que erraram, mas que o erro deveria ser relativizado, pois não agrediram fisicamente a vítima, não roubaram de quem não tem ou roubaram para ajudar a família.
No final das contas, podemos afirmar que a rotulação criminal, como um processo que atribui ao sujeito os elementos de diferenciação individual que explicariam a sua propensão para a prática de atividades criminosas completa-se quando o próprio sujeito, de uma forma ou de outra, incorpora ou se identifica com a caracterização que lhe foi imposta. A partir do momento em que reconhece, se identifica ou põe em prática a caracterização moral como criminoso, o agente de práticas criminais passa a participar ativamente da cerimônia pública que, por meio da imposição da lei, promove a definição e o estabelecimento de seu contrário: o sujeito correto e cumpridor de seus deveres, que realiza em sua conduta as expectativas da ordem moral coletiva.
REFERÊNCIAS
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RAMALHO, J. R. O mundo do crime. São Paulo: IBCCRIM, 2002.
NOTAS DE FIM
1 Este artigo é uma versão ligeiramente modificada de um capítulo da tese de doutorado “O Crime segundo o criminoso: um estudo de relatos sobre a experiência da sujeição criminal”, defendida no ano de 2006 no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. As entrevistas foram feitas a partir de um roteiro, mas frequentemente seguiam por caminhos não planejados. Foram gravadas e posteriormente transcritas. Procuramos reproduzir o modo de falar dos entrevistados de modo a possibilitar o reconhecimento de sua condição social. Para informações completas sobre a pesquisa, consultar a tese que está disponível em: <http://teses.ufrj.br/IFCS_D/CarlosAugustoTeixeiraMagalhaes.pdf>.
2 Professor do Centro Universitário Newton. Doutor em Sociologia pelo IFCS/UFRJ.