Raquel Araújo de Freitas1
Cristian Kiefer da Silva2
RESUMO: A fim de entender a legislação aplicável ao homicídio passional nos dias de hoje, fez-se necessária uma busca mais profunda pelas causas e principais características do homicídio passional, reputando-se uma análise da evolução da sociedade conjugada com a evolução da legislação e de que forma isto implica no modo de decidir dos jurados.
PALAVRAS-CHAVE: Homicídio passional; Tribunal do Júri; evolução legislativa.
ABSTRACT: In order to understand the law applicable to the passionate murder today, a deeper search was necessary for the causes and main features of passionate deeming murder on an analysis of changes in society combined with the development of legislation and how this implies the way to decide the jury.
KEYWORDS: Passionate homicide; Penal Court; Legislative Developments.
ÁREA DE INTERESSE: Direito Penal
1 INTRODUÇÃO
Desde os tempos mais remotos da história humana, há registros de homicídios passionais, onde o agente é dominado por um sentimento incontrolável que o faz sentir como dono do outro. O crime passional abordado é o homicídio, ou seja, a morte de uma pessoa causada por outra, com uma particularidade: a ligação afetiva entre as partes, que pode ser, ou não, sexual, a chamada paixão.
A busca pela explicação de um ato irracional cometido por um ser dito racional, tendo como justificativa um sentimento, a priori, presente em todos, é algo instigante e passível de discussões mais profundas. O ponto de partida para a análise do problema é a participação da população nas questões judiciais do Estado. Entretanto, se faz necessário, inicialmente, o estudo da origem desta participação fora do Brasil, haja vista que os movimentos estrangeiros influenciaram o modo de como esta se dá hodiernamente.
Tomando por ponto de partida a Antiguidade, tem-se que somente os homens o praticavam, já que as mulheres tinham papel de “coisa”, totalmente dependentes de seus maridos, não sendo admitido, portanto, qualquer traição por parte dela. Já em meados do século XX, houve uma alteração do papel da mulher na sociedade, sendo que esta buscava seu espaço no lar, no trabalho e na vida do país. Não havendo mais esta submissão da mulher ao seu esposo, elas passaram a ser donas de si e também a se permitir possuir uma paixão, que por vezes, acaba de forma desmedida, a originar um homicídio.
Tratar da evolução da sociedade a fim de relacioná-la com a evolução legislativa do homicídio passional, bem como com as decisões judiciais acerca do assunto, faz com que se tenha como ponto de partida a análise do instituto do Tribunal do Júri. Isto porque a evolução das leis e o modo de julgar os homicídios passionais tiveram direta ligação com o fato de este ser composto por pessoas da sociedade.
Com a instituição deste Tribunal no Brasil pela Constituição de 1824 como competente para julgar este tipo penal tem-se a possibilidade da sociedade se envolver no Judiciário e delimitar quais teses serão aceitas, bem como influenciar na legislação que a ele será aplicada. Analisando o contexto histórico do homicídio passional em nosso país surge a seguinte indagação: a evolução legislativa e decisões judiciais sobre o homicídio passional no Brasil acompanharam a evolução social?
2 CRIMES PASSIONAIS
Em latu sensu, os crimes estão presentes durante toda história da humanidade. Durkheim (2002, p. 87) em seus estudos, constatou que o crime é um fenômeno social “normal” e necessário. De acordo com sua visão positivista, o crime é parte da natureza humana porque existiu em diferentes épocas, em diferentes classes sociais.
Assim são os crimes definidos por passionais. Um primeiro exemplo pode ser observado nas Sagradas Escrituras (Gênesis 4:3, 4) onde Caim mata seu irmão Abel por ciúmes, um sentimento originado, no caso, pela inferioridade sentida ao oferecer a Deus frutos do solo que cultivava em relação à oferta de Abel. Este arquétipo demonstra a existência de ciúme existente em outras relações que não a entre homem e mulher, que, contudo, se faz mais comum desde os primórdios até os dias de hoje.
A relação afetiva de amor entre duas pessoas que acaba por gerar a obsessividade e, por conseguinte, o sentimento de posse, começou a ser explorada pela literatura, como no caso de Otelo, personagem da literatura clássica, que retirou a vida de sua esposa Desdêmona por acreditar que esta lhe traía sempre, externando seu ciúme concomitante a uma demonstração de psicopatia.
Além do ciúme e paixão exacerbada, tem-se ainda, como fatos que originam a prática de crimes passionais a rejeição, que gera vingança por não ser mais amado ou querido e a honra, que está relacionada a valores éticos e morais e, portanto, justificaria a realização de um delito para sua defesa, principalmente, em casos de traição. Nesse sentido, explana Luiza Eluf:
Essas pessoas são acometidas de estranha e insuperável obsessão. Não existe mais o amor e sim um estado mental quase patológico. A rejeição leva ao ódio, que gera a violência. O sujeito não descansa enquanto não elimina fisicamente quem julga ser a causa de seu sofrimento, embora a dor decorrente do crime, a punição da Justiça e a repercussão social do fato possam ser terríveis. (ELUF, 2013, p. 15)
O crime passional, em especial o homicídio, foi ganhando espaço no cenário criminal, principalmente face ao seu aumento e crueldade. Em um primeiro momento, a sociedade defendia sua prática para assegurar a honra dos homens. Ao decorrer do tempo seu posicionamento foi evoluindo até que se compreendesse como inadmissível tal conduta.
3 TRIBUNAL DO JÚRI
3.1 A influência popular em julgamentos no mundo
É a participação da população nas questões judiciais do Estado que dá origem à evolução das decisões acerca do homicídio passional e, consequentemente, à evolução legislativa. Entretanto, se faz necessário, a priori, o estudo da origem desta participação popular fora do Brasil, haja vista que os movimentos estrangeiros influenciaram o modo de como esta se dá hodiernamente.
Alguns estudos apontam que o Tribunal Popular teve origem na Palestina, é o que diz Guilherme de Souza Nucci:
Na Palestina, havia o Tribunal dos vinte e três, nas vilas em que a população fosse superior a 120 famílias. Tais cortes conheciam e julgavam processos criminais relacionados a crimes puníveis com a pena de morte. Os membros escolhidos dentre padres, levitas e principais chefes de Israel. (NUCCI, 2008, p. 41).
Com isso, vê-se que foi a própria organização social que fez ensejar a estruturação do modo com que as pessoas iriam influenciar no julgamento de alguns delitos. Nesse primeiro momento, em uma sociedade patriarcal, eram os homens mais velhos que administravam o Tribunal, bem como as comunidades.
O Tribunal do Júri se desenvolveu e teve seus parâmetros definidos principalmente na Inglaterra, através da Carta Magna de 1215 que instituiu o chamado Conselho de Jurados que tinha por objetivo julgar delitos de bruxaria ou ligados à feitiçaria. Era dividido em pequeno Júri, composto por doze pessoas que julgavam apreciando o caso concreto, e em grande Júri, formado por vinte e quatro pessoas que eram encarregadas de fazer a acusação, vez que era composto por testemunhas oculares do fato.
Na Inglaterra, o Tribunal representou uma grande evolução quanto à defesa dos direitos fundamentais face à retirada do julgamento destes delitos das mãos da nobreza, valendo-se do bom senso e de costumes da sociedade inglesa.
Partindo da Inglaterra, o referido órgão julgador chegou à França e, posteriormente espalhou-se pelo mundo. Sobre a propagação do Tribunal Popular Guilherme de Souza Nucci enfatiza que:
Após a Revolução Francesa, de 1789, tendo por finalidade o combate às ideias e métodos esposados pelos magistrados do regime monárquico, estabeleceu-se o Júri na França. O objetivo era substituir um Judiciário formado, predominantemente por magistrados vinculados à monarquia, por outro, constituído pelo povo, envolto pelos novos ideais republicanos. (NUCCI, 2008, p. 42).
A Revolução Francesa motivada por ideias iluministas, segundo Luísa Fragoso Pereira Pinto, contribuiu para a organização judiciária daquele país e o Júri criminal foi consagrado como instituição judiciária. A partir de então as decisões do referido órgão passaram a simbolizar a soberania exercida pelos cidadãos franceses como obrigação de todos.
3.2 A influência popular em julgamentos no Brasil
Os ideais espalhados pelo movimento popular ocorrido na França – Revolução Francesa em 1789 –, especialmente no que se refere à proteção individual e aos ideais políticos-burgueses do século XVIII, chegaram até ao Brasil e fizeram com que Dom Pedro I, em 1822, instituísse o Tribunal do Júri para julgar crimes de imprensa. Após a independência do país, este órgão foi disposto na Constituição de 1824, no capítulo pertencente ao Poder Judiciário, com atribuições para julgar causas cíveis e criminais.
Com o Código de Processo Criminal do Império, de 1832, a competência do Tribunal do Júri fora ampliada, passando o juiz a apenas presidir a sessão, orientar os jurados e aplicar a pena, conforme art. 46 deste Código. Após a proclamação da República, com a Lei nº 261 de 1841, foi extinto o Júri de acusação e permaneceu o Júri de sentença, tendo a previsão da pena de morte, desde que atingisse o quorum mínimo de dois terços.
Com a Constituição de 1891 (art. 72, §31), o Júri foi elevado ao nível de garantia individual e com a Constituição de 1946 (art. 146, §28), a competência foi reduzida aos crimes dolosos contra vida, assim como é nos dias de hoje. A Constituição de 1988, marca da democratização do País, ratificou a figura do Tribunal, dando-lhe, novamente, caráter constitucional, conforme disposto no art. 5º, inc. XXXVIII, alíneas a, b, c, d, sendo assegurados os princípios da plenitude da defesa, do sigilo das votações, da soberania dos veredictos e da competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.
É, portanto, o modo com que a sociedade se dispõe ética e culturalmente, que irá influenciar diretamente no resultado do julgamento do delito, haja vista que a soberania de seus votos e o sistema da íntima convicção presente no Tribunal do Júri, fazem com que seja dispensada a motivação expressa durante a análise de cada quesito na sessão, dando liberdade para que os sete jurados decidam conforme seu ideal de justiça, a absolvição ou condenação do réu e, no caso de condenação, se houve qualificadora, minorante ou a presença de outra tese pleiteada.
4 HOMICÍDIO PASSIONAL NO BRASIL
4.1 Definição
Homicida, vem do latim homo (homem) e coedere (matar), sendo identificado como a pessoa que mata outrem. Já passional é o vocábulo empregado na terminologia jurídica para designar o que se faz por paixão, que por sua vez, segundo o dicionário Silveira Bueno, é um “sentimento excessivo; afeto violento; amor ardente; entusiasmo; objeto de afeição intensa; sofrimento prolongado; o martírio de Cristo”. (BUENO, 2009, p. 131)
Segundo Luiza Nagib Eluf, em “A paixão no banco dos réus” (2003), paixão não é sinônimo de amor, pode decorrer do amor, sendo doce, ou do sofrimento, resultante de uma grande mágoa. E a paixão que move a conduta criminosa não deriva do amor, mas sim do ódio, do ciúme, da vingança, da possessividade, da frustração.
De acordo com o estudo de Paulo Roberto Cecarelli (2003), Platão entendia que as paixões traziam obstáculos, e por isso, defendia que as pessoas deveriam se defender, usar de força para defender-se de seus malefícios. Já para Aristóteles, a paixão seria um elemento intrínseco ao ser humano, que não deveria ser extirpado e nem condenado.
Roque de Brito observa que “no delito passional, a motivação constitui uma mistura ou combinação de egoísmo, de amor próprio, de instinto sexual e de uma compreensão deformada da justiça”. (BRITO, 1984, p. 18)
Assim, em termos gerais, o homicídio passional é o ato de matar alguém movido por um sentimento incontrolável, que pode ser tanto o amor quanto o ódio, mágoa ou ira, em decorrência de uma exaltação ou irreflexão desmedida. Surgem em decorrência de uma obsessão que ao ser contraposta por uma rejeição origina ódio que por sua vez, acarreta os atos de violência.
4.2 Evolução social e o homicídio passional
Na Antiguidade, somente os homens praticavam o homicídio passional, haja vista a figuração de “coisa” da mulher, totalmente dependentes de seus maridos.
Por serem vistas e tratadas como objeto destinado à manutenção do lar, havia um sentimento de posse imbuído na população masculina sobre suas mulheres ou companheiras que lhes fazia sentir detentores de um direito e até mesmo dever, de mantê-las a todo custo.
Um caso marcante no Brasil, apresentado por Luiza Eluf (2013), foi o homicídio praticado por Pontes Visgueiro em 14 de agosto de 1873. O crime foi perpetrado contra Maria da Conceição, menina incitada pela mãe a prostituir-se desde cedo, que despertou no autor do delito uma paixão avassaladora, ocasionando reiterados escândalos de paixão obsessiva e ciúme provocados por Visgueiro, então desembargador do Maranhão.
O ponto crucial para o desenrolar do homicídio foi o fato de Mariquinhas – apelido dado a Maria da Conceição – tornar-se suspeita de um furto ocorrido na casa do desembargador, que por sua vez, nutriu ódio por não ser obedecido e respeitado como sua autoridade exigia, ficando claro, o interesse meramente econômico que ela possuía.
Logo após o ocorrido, encomendou um caixão e planejou o crime. Mariquinhas foi atraída para casa do desembargador que com a ajuda de Guilhermino, segurou e amordaçou a vítima, derramando clorofórmio em sua boca. Desfalecida, Visgueiro solicitou que seu cúmplice se retirasse, e então desferiu em seu corpo golpes com um punhal. Depois de consumado o homicídio, colocou seu corpo no caixão previamente encomendado e a enterrou no quintal.
Após investigado, foi pronunciado pelo homicídio. Em sua defesa foi usada a tese de “desarranjo mental” face ao ciúme provocado pela mulher, contudo, esta tese não fora aceita pelo fato de ter planejado detalhadamente e com antecedência o crime e até mesmo o que faria com o corpo. O Supremo Tribunal de Justiça – órgão competente pelo julgamento na época – por unanimidade, decidiu pelo homicídio agravado para o qual, o Código Criminal de 1830 aplicava a pena de galés perpétuas. Por esta pena, os condenados tinham de cumprir trabalhos forçados, andar com uma argola no tornozelo e corrente de ferro. Todavia, por ter mais de sessenta anos o réu, sua pena foi substituída por prisão perpétua com trabalho.
Este caso evidencia o pensamento de posse dos homens, haja vista que mesmo sem ter nenhum relacionamento oficial com Mariquinhas, Ponte Visgueiro sentia-se no direito de tê-la só para si, independentemente da atividade que a sustentava: a prostituição. Ademais, verifica-se ainda, que o fato de não ser julgado pelo Júri, mas sim pelo Supremo Tribunal de Justiça, originou a condenação de um homem, o que não ocorria na época face ao suposto direito dos homens de terem para si as mulheres que queriam.
Outro caso que, contudo, diferencia-se deste, no que diz respeito ao resultado final foi o homicídio praticado por José de Almeida Sampaio contra o pintor José Ferraz de Almeida Júnior, que era seu primo. O fato criminoso decorreu da traição de Maria Laura do Amaral Gurgel com o primo de seu marido. Assim, após ver sua mulher chegando com o amante, José de Almeida “tirou do colete uma faca desembainhada e cravou-a na clavícula esquerda de Almeida Júnior. Este levou a mão ao seu colete e dele tirou uma faca, mas não conseguiu atacar Sampaio”. (ELUF, 2013, p. 36). José de Almeida, ao ver a tentativa de José Ferraz em atacá-lo, disse “Não, você já não me pode matar! Você roubou-me a minha honra, mas não me rouba minha vida!” (ELUF, 2013, p. 37).
Por este fato, José de Almeida foi levado a Júri e foi absolvido por unanimidade. Isto posto, evidencia que nesta época, ainda prevalecia a honra do homem sobre o direito a vida. Quanto à participação da mulher na sociedade, tem-se em meados do século XX, uma alteração em seu papel devido a sua busca pela independência. Contudo, ainda assim, segundo Luiza Eluf “a história da humanidade registra poucos casos de esposas ou amantes que mataram por se sentirem traídas ou desprezadas”. (ELUF, 2013, p. 13)
A participação ínfima das mulheres como sujeito ativo deste delito, se deve, quase sempre, pela influência do poder econômico que os homens exercem sobre elas e por isso, são eles que com o sentimento de ter “comprado” suas esposas ou companheiras que se sentem no direito de matá-las quando traídos.
Um dos casos de maior repercussão no país que teve uma mulher como autora do homicídio ocorreu em 09 de outubro de 1950 em Botafogo, figurando como partes: Zulmira Galvão Bueno e seu marido, Stélio Galvão Bueno. Eles foram casados por cinco anos após um concubinato – figura ainda existente na época – de quinze anos. O fato criminoso teve como motivo a traição de Stélio. Assim, imbuída pelo sentimento de vingança, pegou a arma de seu marido e lhe desferiu dois tiros. Após entregar-se à Polícia, Zulmira foi pronunciada pela prática de homicídio qualificado pela traição, face à não aceitação do Ministério Público da tese de legítima defesa levantada pela ré. Em seu julgamento foi absolvida pelo Júri que entendeu ter ocorrido legítima defesa putativa – aquela que decorreu de engano, pois pensava estar na iminência de ser agredida pelo marido – e condenada a dois anos de detenção por ter excedido culposamente em sua conduta. Este julgamento, no entanto, foi anulado pelo Tribunal de Justiça por ter sido a decisão manifestamente contrária à prova dos autos. No segundo Júri, houve a mesma decisão, vencendo a tese da defesa de que ela agira por medo.
Esta decisão gerou enorme espanto e contrariou o que a sociedade da época acreditava: as mulheres eram subordinadas aos maridos e foram criadas para compreender as traições. Portanto, não caberia a elas atentar contra a vida daquele que a sustenta e possui uma necessidade humana que poderia ocasionar uma traição.
Agenor Teixeira de Magalhães, em sua tese apresentada no I Seminário Sergipano do Ministério Público em 1969, menciona que:
A sociedade sempre teve com a mulher adúltera grande rancor; a colocando em todos os tempos, com penas as mais atrozes. […] Enquanto as mulheres eram tratadas duramente, os homens o foram com grande complacência. Demóstenes dizia: ‘Nós temos heteras para os nossos prazeres e concubinas para o serviço cotidiano, mas as esposas destinam-se a dar-nos filhos legítimos e a velar fielmente pelos negócios da casa. (MAGALHÃES, 2014).
Destarte, face à igualdade ensejada pelas mulheres ser estabelecida constitucionalmente, hoje a sociedade julga com critérios isonômicos homens e mulheres no que diz respeito a qualquer prática delituosa, inclusive quando são ensejadas pela paixão.
4.3 Evolução legislativa
No Brasil, os primeiros registros legais que se têm sobre o homicídio passional, estão presentes na Lei Portuguesa aplicada no Brasil Colônia, que admitia o homem matar sua mulher e o amante nos casos de traição, o que não era cabível à mulher traída.
Em 1830, tem-se o primeiro Código Criminal do Brasil, que dispunha sobre o homicídio em seus arts. 192 a 194, sob a forma qualificada, simples e culposa, respectivamente. A pena para o homicídio qualificado, aquele dentre outros, cometido por incêndio ou uso de veneno podia ter a pena de morte, galés perpétuo ou de prisão com trabalho por vinte anos. Para o homicídio simples, previa a pena de galés perpétua ou de prisão com trabalho de doze a seis anos. Já para o culposo, era previsto a prisão com trabalho de dez a dois anos. Neste período, os crimes passionais enquadravam-se, quase sempre, como qualificado, mas a figura do homem traído ainda era considerada para absolvê-lo sob o motivo de ter sido realizado em defesa própria da pessoa ou de seus direitos ou em defesa de sua família, o que tornava o crime justificável e excluía a punibilidade.
Após a Proclamação da República do Brasil, foi elaborado e decretado o Código Penal de 1890 que, em seu art. 27, §4º, não considerava criminoso, os que se achavam em um estado de completa privação de sentidos e de inteligência no ato do crime. E eram assim considerados os agentes passionais, vez que tinham privado o autocontrole emocional.
O Código Penal de 1940, em vigor até hoje, elimina a excludente de ilicitude conferida aos agentes que estavam sobre “perturbação dos sentidos e da inteligência” (art. 27, §4º, CP de 1890), fazendo sua substituição pelo homicídio privilegiado. A partir de então, embasados pelo art. 28 do atual Código Penal, os delitos cometidos sob emoção ou paixão têm pena, mesmo que inferiores àquelas dos crimes praticados sobre plena consciência.
O homicídio em comento passou a ser enquadrado, após a promulgação do Decreto Lei 2848/40, como privilegiado, sob a justificativa do agente estar impelido por uma violenta emoção. Este era o entendimento da época, onde se buscava uma prerrogativa com a redução de um sexto a um terço da pena de seis a vinte anos, principalmente para os homens que cometiam homicídios em virtude de uma traição.
Nesta época, até meados de 1970, a sociedade ainda permanecia muito patriarcal, e o então, Conselho de Sentença, era composto exclusivamente ou em sua maioria, por homens, o que facilitou a elaboração da tese de legítima defesa da honra pelos advogados, onde segundo Luiza Nagib Eluf (2013), a infidelidade conjugal da mulher era uma afronta aos direitos do marido. Portanto, o marido, e somente ele, detinha o direito de lavar com sangue a traição que lhe ferira a honra.
Assim, a defesa, embasada pela legítima defesa da honra, conseguia que o autor do homicídio passional fosse, no máximo, condenado por seu excesso culposo o que ensejava o direito ao sursis (suspensão condicional da pena), cabível, em regra, nos crimes que possuem pena máxima de dois anos, desde que preenchidos os requisitos de não ser o réu reincidente em crime doloso, não ser admissível ou indicada a substituição da pena e desde que sejam observadas as circunstâncias judiciais em seu proveito.
A referida tese esteve presente em julgamentos até no século XXI, sendo, contudo, revogada pelo Superior Tribunal de Justiça, como pode ser observado em decisão do Egrégio Tribunal que cassou a decisão do Júri e o acórdão da Segunda Turma Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul, que concederam a legítima defesa da honra sob a alegação da vítima possuir comportamento desregrado e em desacordo com a vida de casada, sujeitando, assim, o recorrido a novo julgamento:
RESP. JÚRI. LEGITIMA DEFESA DA HONRA. VIOLAÇÃO AO ART. 25 DO CÓDIGO PENAL. SÚMULA 07 DO STJ. 1. Relata a denúncia haver o marido, incurso nas sanções do art. 121, § 2º, incisos I e IV, do Código Penal, efetuado diversos disparos contra sua mulher, de quem se encontrava separado, residindo ela, há algum tempo (mais de 30 dias), em casa de seus pais, onde foi procurada, ao que parece, em tentativa frustrada de reconciliação, e morta. 2. A absolvição pelo Júri teve por fundamento ação em legítima defesa da honra, decisão confirmada pelo Tribunal de Justiça, ao entendimento não ser aquela causa excludente desnaturada pelo fato de o casal estar separado, há algum tempo, e porque “a vítima não tinha comportamento recatado”. 3. Nestas circunstâncias, representa o acórdão violação à letra do art. 25 do Código Penal, no ponto que empresta referendo à tese da legítima defesa da honra, sem embargo de se encontrar o casal separado há mais de trinta dias, com atropelo do requisito relativo à atualidade da agressão por parte da vítima. Entende-se em legítima defesa, reza a lei, quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. 4. A questão, para seu deslinde e solução, não reclama investigação probatória, com incidência da súmula 7 do STJ, pois de natureza jurídica. 5. Recurso conhecido e provido. (BRASIL, STJ. Recurso Especial Nº 203.632 – MS (1999/0011536-8); Presidente e Relator Ministro Fernando Gonçalves, 2001).
Percebe-se que apesar do Júri admitir a legítima defesa, os tribunais de segunda instância, já vinham, desde a década de 90, reformando estas decisões, sob a alegação dos fatos não constituírem os requisitos da legítima defesa disposta no art. 25 do Código Penal de 1940. É o que pode ser corroborado pelo Acórdão do Exímio Tribunal do Amapá:
PENAL E PROCESSUAL PENAL – HOMICÍDIO – LEGÍTIMA DEFESA DA HONRA – INOCORRÊNCIA – DECISÃO DOS SENHORES JURADOS MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA ÀS PROVAS DOS AUTOS – APELO PROVIDO À UNANIMIDADE – 1) Sendo a honra atributo personalíssimo, isto é, próprio e individual, não se deslocando da pessoa de seu titular para a de outrem, inexiste legítima defesa da honra na reação daquele que mata seu consorte por infidelidade conjugal, porquanto impossível considerar que o cônjuge traído, portando-se com dignidade e correção no convívio social, sinta-se desonrado. O cônjuge infiel é que se desonra. 2) O argumento de que o reconhecimento desta excludente de ilicitude não está alheio e despercebido de nossa realidade social em face o conceito popular de que entre nós, latinos, a honra ultrajada é a do cônjuge traído, não pode mais ser fomentada pelos operários do Direito no atual estágio da civilização, pois a ninguém é dado, em circunstâncias tais, decidir sobre a vida e morte de alguém por preconceitos culturais. 3) Se dos autos resulta que réu tinha pleno conhecimento de infidelidades pretéritas da vítima, patente a falta de atualidade e moderação na sua reação de, cruel e violentamente, espancá-la a ponto de consentir levá-la à morte por rotura de fígado e baço. (AMAPÁ, TJ. Apelação Criminal Nº 383/95; Relator: Juíza Convocada Sueli Pini, Data de Julgamento: 11/04/1995 – grifos acrescidos).
4.4 Homicídio passional nos dias de hoje
Inicialmente, faz-se necessário ressaltar que a Constituição Federal de 1988 traz a isonomia de homens e mulheres tanto em relação a direitos, quanto a obrigações. Isso faz com que seja inadmissível a aplicação da legítima defesa da honra criada pelos advogados e, por conseguinte, não tem mais sido aceita nos Tribunais de nosso país.
Quanto à inaplicabilidade da defesa da honra, hodiernamente, Luiza Eluf (2013, p. 201), traz que “a honra é bem pessoal e intransferível; a mulher não porta a honra do marido ou vice-versa. Eventual comportamento reprovável por parte de um dos cônjuges não afeta o outro”.
Parte da doutrina atribui, nos dias de hoje, ao homicida passional o delito disposto no art. 121, §1º, CP, dito homicídio privilegiado. Contudo, esta denominação é fruto de criação doutrinária e jurisprudencial, haja vista que não se trata de privilégio, mas sim causa de diminuição da pena (minorante).
O privilégio ao homicídio surgiu após a reforma do Código Penal de 1980, eliminando o perdão que se dava àquele que matava em face de “perturbação dos sentidos e da inteligência”, usualmente aplicado aos homicídios passionais.
Nesta modalidade a lei penal diminui, em abstrato, os limites da pena (um sexto a um terço).
As hipóteses legais de privilégio apresentam caráter subjetivo. Relacionam-se ao agente, que atua imbuído por relevante valor social ou moral, ou sob domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, e não ao fato. Assim, esta causa de diminuição não se aplica aos demais coautores ou partícipes, conforme art. 30, CP.
Em referência ao homicídio passional, insta explanar, por hora, apenas o fato de o agente estar sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima. Para tanto, cita-se as palavras de Rogério Grecco:
Quando a lei penal usa a expressão sob domínio, isso significa que o agente deve estar completamente dominado pela situação. Caso contrário, se somente agiu influenciado, a hipótese não será de redução de pena em virtude da aplicação da minorante, mas tão somente de atenuação. (GRECO, 2012, p. 146)
Hungria, explica que emoção “é um estado de ânimo ou de consciência caracterizado por uma viva excitação do sentimento”. (HUNGRIA, 1979, 131)
Luiza Eluf (2013) diferencia paixão da emoção, por esta ser uma reação súbita e passageira, enquanto aquela, um estado crônico, duradouro, obsessivo. Entretanto, ambas não chegam a anular a consciência, motivo pelo qual, devem ser punidos os atos cometidos sob suas influências.
Por fim, Greco traz que a expressão logo em seguida, refere-se a uma proximidade com a provocação injusta a que fora submetido o agente. E Hungria aclara quanto à locução injusta provocação que “deve ser apreciada objetivamente, isto é, não segundo a opinião de quem reage, mas segundo a opinião geral”. (HUNGRIA, 1979, 131)
Na jurisprudência encontra-se posicionamento favorável ao cabimento do homicídio privilegiado para os delitos tidos como passionais, apesar de ser incomum. É o que se observa na decisão do Tribunal do Paraná onde, apesar de ser declarada a extinção da punibilidade face à prescrição, o Júri caracterizou o crime como o disposto no art. 121, §1º do Código Penal, sendo mantida a sentença neste ponto sob a alegação de ser possível entender o relevante valor moral como incidente em alguns casos, como neste em comento, se considerar que em 1987 – quando ocorreu o fato -, “os valores éticos e familiares possuíam uma postura mais conservadora, mas rígida e não se submetiam às deturpações atuais”, conforme afirmação do Exmo. Des. Gil Trotta Telles, na decisão infra:
JÚRI. HOMICÍDIO QUALIFICADO-PRIVILEGIADO. PRIVILÉGIO DO RELEVANTE VALOR MORAL. PERTURBAÇÃO DA SAÚDE MENTAL POR DESENVOLVIMENTO MENTAL INCOMPLETO OU RETARDADO. RECONHECIMENTO, PELOS JURADOS, DA QUALIFICADORA, MAS TAMBÉM DE AMBAS AS CAUSAS DE DIMINUIÇÃO DE PENA. APELAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. VEREDICTO DOS JURADOS CONSIDERADO EM MANIFESTA CONTRADIÇÃO COM A PROVA DOS AUTOS, PORÉM UNICAMENTE NO TOCANTE AO “PRIVILEGIUM”. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. PRONÚNCIA PUBLICADA EM 21-8-1987 E CONDENAÇÃO INFLIGIDA EM 6-7-2004. PENA IMPOSTA INFERIOR A DOZE ANOS. PRESCRIÇÃO RETROATIVA. 1. Posto a apelação tenha amparo no art. 593, III, d, do CPP, havendo a Acusação, nas razões recursais, manifestado sua insurgência tão-somente quanto à admissão, pelo Conselho de Sentença, do privilégio do relevante valor moral, delimitado está, assim, o âmbito recursal, não podendo o Tribunal conhecer do recurso também quanto à aceitação da outra causa de diminuição de pena. 2. Tendo a ré, quando interrogada na Polícia, afirmado que o ofendido havia trinta dias a vinha agredindo, bem como mantendo relacionamento amoroso com outras mulheres e chegando em casa pela madrugada, com marcas de batom, sendo a última assertiva confirmada por testemunhas ouvidas na instrução criminal, não se deve considerar manifestamente contrária à prova dos autos, no ponto, a decisão do Conselho de Sentença, porquanto o companheiro sequer teria querido conversar com ela a esse respeito no dia do crime, e a situação vinha atingindo, inclusive, o filho menor do casal. 3. Declara-se extinta a punibilidade pela ocorrência da prescrição retroativa, nos termos dos artigos 109, III, 110, § 1o, e 107, IV, do CP, quando, entre a publicação da pronúncia, última causa interruptiva, e a realização do Júri, mais de doze anos são decorridos. (PARANÁ, TJ. Apelação Criminal nº 173.624-5; Relator: Des. Gil Trotta Telles, Data de Julgamento: 09/05/2005).
Apesar de decisões neste sentido, poucos são os que aplicam o art. 121, § º, CP aos homicidas passionais. Luiza Eluf, traz sua posição quanto à impossibilidade desta aplicação:
A violenta emoção, como já visto, somente poderá atenuar a pena imposta se a reação do agente ocorrer logo em seguida a injusta provocação da vítima. Tal situação é difícil de se configurar nos casos de crime passional, pois a paixão não provoca reação imediata, momentânea, passageira, abrupta. A paixão que mata é crônica e obsessiva; no momento do crime, a ação é fria e se revela premeditada. O agente teve tempo para pensar e, mesmo assim, decidiu matar. Na grande maioria das vezes, não há nenhuma “provocação” da vítima, mas apenas a vontade de romper o relacionamento, o que não pode ser considerado “provocação”. O desejo de separação ou eventuais críticas ao comportamento do companheiro ou namorado não podem ser considerados suficientes para causar a “violeta emoção” que ameniza a punição de condutas homicidas. (ELUF, 2013, p. 209)
Outra parte, contudo, enquadra o homicídio passional como homicídio qualificado, disposto no §2º do art. 121, do CP. Tem-se que o mesmo fora cometido por motivo torpe (inciso I) ou fútil (inciso II), caracterizando o delito como hediondo (Lei n. 8072/90). Salienta-se, em princípio, a impossibilidade de se cumular ambas qualificadoras.
Fútil, seria algo insignificante, irrelevante, ou seja, há um abismo entre o motivo e à prática do homicídio.
Luiza Eluf, assevera que alguns julgados consideram o ciúme como motivo fútil, mas não é pacífico o entendimento e para sanar possíveis dúvidas quanto a futilidade e torpeza, trouxe um acórdão do Egrégio Tribunal de São Paulo que teve por Relator Des. Onei Raphael:
A futilidade deve ser apreciada segundo quod prelumque accidit. O motivo é fútil quando notadamente desproporcionado ou inadequado, do ponto de vista do homo medius em relação ao crime de que se trata. Se o motivo torpe revela um grau de particular perversidade, o motivo fútil traduz o egoísmo intolerante, prepotente, mesquinho, que vai até a insensibilidade moral. (ELUF, 2013, p. 189)
Torpe, segundo Rogério Greco é “o motivo abjeto que causa repugnância, nojo, sensação de repulsa pelo fato praticado pelo agente”, ou seja, decorre de um sentimento de ódio, vingança, vilania. (GRECO, 2012, p. 152). Dentre as principais causas para a prática do homicídio passional, segunda Luiza Eluf (2013), estão o ciúme, o egocentrismo, a possessividade, a prepotência, o que, para alguns, descaracterizaria a futilidade do homicídio, haja vista, que para o autor do delito, a perda da outra pessoa ou sua desonra seriam motivos extremamente relevantes e, sobretudo, justificantes de tal atitude.
Luiz Ângelo Dourado (1967), assevera que o homicida passional é narcisista e, por isso, seria torpe a sua atitude. Quanto a isso diz que “o narcisismo é o enamoramento de si mesmo. […] O narcisista exige a admiração ou o amor dos outros. Assim, não acontecendo, julgar-se-á desprezado, morto, destruído, liquidado”. Desta forma, acabar com a vida de outro justificando com a paixão, só podem resultar do narcisismo e da frustração que originou rancor, vingança e ódio pela perda da pessoa amada.
Destarte, a qualificadora mais aceita é a torpeza. O criminoso ao matar, quer de fato, impedir que o outro siga sua vida com outrem. O Tribunal de Justiça de São Paulo tem vasta jurisprudência no sentido de que ocorre a qualificadora do motivo torpe se o acusado, se sentindo desprezado pela amásia, resolve vingar-se, matando-a. Sendo qualificado o homicídio, é também caracterizado como hediondo, recebendo assim, tratamento mais severo. Deste modo não é passível de anistia, graça ou indulto, fiança, liberdade provisória e a progressão estipulada é de 2/5 para primário e 3/5 para reincidente.
Certo é, portanto, que o modo com que o homicídio passional é praticado nos dias de hoje explicita o modo como o qual a sociedade observa a prática de crimes passionais, em especial, o homicídio, não concedendo benefícios ou isenções de culpa e inadmitindo sua prática.
5 CONCLUSÃO
Os crimes, de modo geral, sempre existiram em nossa sociedade desde os tempos mais remotos. Os passionais também se fizeram presente face aos sentimentos que imbuem às pessoas gerando, por diversas vezes, um ato violento decorrente de um amor exacerbado que origina o sentimento de posse ou direito de defender sua honra.
Por muito tempo, o teatro e cinema trouxeram casos que tinham a paixão como motivador à prática do homicídio, mas tratando-a como um fato belo, ligado ao amor que sentia pelo outro. Isso desenvolveu na sociedade uma tolerância, fazendo com que surgissem inúmeras sentenças absolutórias.
A fim de se averiguar o modo com o qual foi se decidindo sobre o homicídio passional no Brasil, fez-se necessário observar o instituto do Tribunal do Júri, responsável por assegurar que membros da sociedade, sem entendimento jurídico, dessem sua opinião sobre os casos que foram levados à plenário.
A figura deste Tribunal como julgador do crime de homicídio teve início com a Constituição de 1824 que o consagrava como parte do Poder Judiciário e com competência para julgar todas as infrações penais e para fatos civis.
Inicialmente, o posicionamento da sociedade para com os autores do homicídio passional era de total aceitação, principalmente, se estes fossem homens e, por conseguinte, estivessem sob um “direito” ao defender sua honra em caso de traição ou ao exigir que sua mulher, tida como objeto, permanecesse ao seu lado, independente de qualquer motivo.
Neste sentido, por muitos anos, foi utilizada a legítima defesa da honra, criação de advogados que ao se verem sem a excludente de ilicitude dos agentes que estavam sob perturbação dos sentidos e da inteligência ao cometerem um delito, tiveram necessidade de implantar uma nova tese para defesa de seus clientes, ainda em sua maioria, homens.
Com a evolução da sociedade, o Júri não mais via com complacência os homicidas passionais e, portanto, não mais decidiam por aplicar o homicídio privilegiado, mas sim o qualificado por motivo torpe, tendo em vista que o sentimento dos sujeitos que praticam este delito é o de levar à extinção àquele que lhe causou dor, gerando assim, repúdio aos atos cometidos.
É claro que a paixão pode ser utilizada para perdoar a prática de um delito, mas não para explicá-lo, seja ele cometido por mulher ou homem. Isso é o que acontece nos dias de hoje, onde a sociedade não aceita a justificativa passional para se retirar a vida, direito fundamental presente na Constituição Federal.
É inadmissível que alguém se valha de um sentimento que origina uma posse sobre outrem para pôr fim à vida de uma pessoa. Este posicionamento, entretanto, só foi tomando força nos tribunais do país a partir do momento em que todos se reconheceram como figura possuidora de direitos e deveres e não devendo, por conseguinte, submeter-se ao outro, se não em virtude de lei. Isto posto, resta claro que a evolução legislativa, bem como as decisões judiciais de homicídios passionais acompanharam a evolução social da população brasileira.
6 – REFERÊNCIAS
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NOTAS DE FIM
1 Advogada. Graduada em Direito no Centro Universitário Newton Paiva.
2 Doutorando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Especialista em Processo Civil Aplicado pelo CEAJUFE/IEJA. Bacharel em Administração pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Bacharel em Direito pela Universidade José do Rosário Vellano. Professor Assistente e Pesquisador em Direito da Faculdade Mineira de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Professor Auxiliar e Pesquisador em Direito da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. Professor Assistente e Pesquisador em Direito do Centro Universitário UNA. Professor Adjunto e Pesquisador em Direito da Faculdade de Minas (FAMINAS-BH). Membro associado do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (CONPEDI). Membro da Associação Brasileira de Sociologia do Direito e Filosofia do Direito (ABRAFI). Integrante dos Grupos de Pesquisas: Direito, Constituição e Processo “Professor Doutor José Alfredo de Oliveira Baracho Júnior” e Direito, Sociedade e Modernidade “Professora Doutora Rita de Cássia Fazzi”.