Diego Mendes de Sousa1
Diego Valadares Vasconcelos Neto2
Luiza Hermeto C. Campos3
Maíra dos Santos Moreira4
RESUMO: Este artigo busca apresentar as potencialidades do projeto Centro Integrado de Comando e Controle (CICC) da Secretaria de Estado de Defesa Social de Minas Gerais no sentido de garantir uma segurança pública cidadã, em particular no contexto de grandes manifestações. O conceito de segurança cidadã visa adequar o dever de garantir o direito de viver livre de medo ao paradigma do estado democrático de direito. Os limites da atuação de forças policiais neste contexto deve se pautar por normas de Direitos Humanos codificadas em tratados e declarações internacionais, e na legislação brasileira, como na Constituição Federal, leis e decretos. Ao reunir diferentes órgãos e viabilizar o acesso a imagens de câmeras e outras informações, o CICC tem o potencial de permitir o controle entre instituições e o monitoramento das atividades policiais, facilitando o monitoramento pelo Estado do respeito aos Direitos Humanos por seus agentes.
PALAVRAS-CHAVE: Controle Interno; Segurança Cidadã; Centro Integrado de Comando e Controle; Direitos Humanos.
ABSTRACT: This article aims to show the potential of the State Department of Social Defense of Minas Gerais Integrated Command and Control Center (CICC) project in order to ensure public safety citizen, particularly in the context of major events. The concept of citizen security aims at adjusting the duty to guarantee the right to live free of fear to the paradigm of democratic rule of law. The limits of performance of police forces in this context should be guided by human rights norms codified in international treaties and declarations, and laws and regulations such as the Federal Constitution, laws and decrees. By bringing together different agencies and facilitate access to camera images and other information, the CICC has the potential to allow control of institutions and monitoring of police activities, facilitating the monitoring by the State of respect for human rights by its agents.
KEYWORDS: Internal Control; Citizen Security; Center Integrated Command and Control; Human Rights.
SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 A Segurança Cidadã: Conceito e Origens; 3 Responsabilidade do Estado; 4 Controle Interno como Forma de Garantia da Segurança Cidadã; 5 O Centro Integrado de Comando e Controle Interno e suas Potencialidades; 6 Considerações Finais: os Limites do Controle e a Importância do Controle Externo.
ÁREA DE INTERESSE: Direito Administrativo.
1 INTRODUÇÃO
O objetivo do presente trabalho é apresentar as potencialidades de contribuição para a segurança cidadã identificadas no projeto de implantação do Centro Integrado de Comando e Controle da Secretaria de Estado de Defesa Social de Minas Gerais, que surgiu no contexto de grandes eventos, coincidentes com grandes manifestações populares.
O artigo se divide em cinco seções além desta introdução. A primeira seção discute a noção de segurança cidadã e suas origens, destacando sua associação com os regimes democráticos, em contraposição às ideias de “segurança interior” e “ordem pública” muito presentes nas ditaduras latino-americanas.
A segunda seção aborda a responsabilidade do Estado sobre as questões de segurança cidadã sob a perspectiva do Direito Internacional dos Direitos Humanos e como órgãos internacionais aplicam tal conceito para o contexto de protestos e manifestações.
A terceira seção trata do controle da Administração Pública, explicitando a diferença entre controles interno e externo e destacando sua aplicabilidade na área da segurança cidadã.
A quarta seção apresenta o Centro Integrado de Comando e Controle (CICC), seu surgimento e sua concepção, ressaltando seus instrumentos que podem potencializar o controle da atuação policial e garantia de uma segurança pública efetivamente cidadã.
A quinta seção recupera as principais conclusões do trabalho, destacando os alcances e limites do controle interno e a importância do controle social para a segurança cidadã.
2 A SEGURANÇA CIDADÃ: CONCEITO E ORIGENS
Com o surgimento e valorização do Estado Democrático, o conceito de segurança, inicialmente preocupado apenas com a garantia da ordem pública como expressão da força do Estado, foi revisto. A segurança não é mais vista exclusivamente como combate à criminalidade, mas inclui também a criação de condições para a convivência pacífica entre as pessoas. Este conceito de segurança enfatiza estratégias de prevenção e controle das causas da violência, no lugar de se restringir à estratégia reativa, de repressão a violências já ocorridas.
O direito à segurança frente à criminalidade e à violência não consta na ordem jurídica internacional dos Direitos Humanos de forma expressa nestes termos. Isto por que as normas de Direitos Humanos são formuladas, em geral, como normas que têm como obrigados os Estados, e não indivíduos ou grupos. Entretanto, tais normas obrigam aos Estados não apenas a respeitá-las, mas também a garantir o respeito por parte de terceiros.
Assim, o Direito à segurança frente à criminalidade e à violência deriva da obrigação do Estado de garantir a segurança pessoal. O artigo 3 da Declaração Universal dos Direitos Humanos afirma que “Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”; o artigo 1 da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem afirma: “Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança de sua pessoa”; o artigo 9 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos: “Todo indivíduo tem direito à liberdade e à segurança da sua pessoa”; e o artigo 7 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH) afirma que “Toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança pessoais”.
É com base nesta visão do direto à segurança frente à criminalidade e à violência interpessoal ou social que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos em seu Relatório sobre Segurança Cidadã e Direitos Humanos entende que a garantia de direitos afetados por condutas violentas e/ou delitivas é um pressuposto do conjunto normativo que alicerça as obrigações do Estado. Integram este conjunto normativo base das obrigações exigíveis do Estado dos quais deriva o direito à segurança: os direitos à vida, à integridade física; à liberdade; às garantias processuais e ao uso pacífico dos bens (CIDH, 2009, p. 6-7).
O conceito de segurança cidadã surgiu na América Latina no contexto das transições de regimes ditatoriais para regimes democráticos justamente para diferenciar a natureza da segurança na democracia em relação àquela praticada no autoritarismo. A segurança utilizada nos regimes autoritários associa-se a ideia de segurança do Estado, presente nas noções de “segurança nacional” e “segurança interior”. Nos regimes democráticos, a segurança associa-se primordialmente às pessoas e aos grupos sociais. A ideia de segurança cidadã é mais adequada para tratar das questões da criminalidade e da violência de uma perspectiva dos Direitos Humanos porque ela surge de uma ênfase na cidadania democrática e na proteção da pessoa humana como objetivo central das políticas.
A segurança cidadã é uma dimensão central da “segurança humana” como elaborada pelo Programa das Nações para o Desenvolvimento (PNUD). A segurança humana é “um dos meios ou condições para o desenvolvimento humano”, definida em termos de “ausência de temor e ausência de carências”. A segurança humana é entendida
Falhas na segurança cidadã dizem respeito a situações nas quais o Estado não cumpre, total ou parcialmente, sua função de oferecer proteção contra o crime e a violência social. A atuação da força pública orientada para a proteção da segurança cidadã é essencial para o bem comum de uma sociedade democrática5.
Por outro lado, os abusos de autoridades policiais têm se constituído como um importante fator de risco para a segurança pessoal. Os direitos humanos limitam o exercício da autoridade, buscando evitar arbitrariedades, e constituem um amparo fundamental para a segurança cidadã na medida em que buscam impedir que as ferramentas legais de que dispõem os agentes públicos sejam usadas para gerar violência e violar direitos.
A seguir, abordaremos as obrigações do Estado no que diz respeito aos direitos humanos e às medidas para prevenir condutas que comprometem a segurança cidadã, em particular durante grandes manifestações.
3 RESPONSABILIDADES DO ESTADO
Todo ato internacionalmente ilícito atribuível a um Estado gera sua responsabilidade internacional (CDI, 2001, Arts.1 e 2). Um ato é internacionalmente ilícito quando constitui uma ação ou omissão que viola normas de direito internacional vinculantes para um Estado (idem, Art.3). Atos de órgãos de um Estado, como suas forças policiais, são atribuíveis a este (idem, Art.4), mesmo quando tais atos excedem ou violam sua competência (idem, Art.7).
Sobre as obrigações do Estado no campo da segurança cidadã, tem-se, por um lado, as obrigações negativas, de abstenção e respeito, e, de outro, as positivas, associadas às medidas de prevenção. Por exemplo, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos estabelece que:
Artigo 1. Obrigação de respeitar os direitos.
Os Estados Partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social.[…]
Artigo 2. Dever de adotar disposições de direito interno
Se o exercício dos direitos e liberdades mencionados no artigo 1 ainda não estiver garantido por disposições legislativas ou de outra natureza, os Estados Partes comprometem-se a adotar, de acordo com as suas normas constitucionais e com as disposições desta Convenção, as medidas legislativas ou de outra natureza que forem necessárias para tornar efetivos tais direitos e liberdades. [grifos nossos]
Assim, o dever de respeitar normas de Direitos Humanos demanda que o Estado se abstenha de tomar medidas que violem normas codificadas, como aquelas da CADH. O dever de garantir o livre e pleno exercício de Direitos Humanos demanda que o Estado adote medidas positivas contra terceiros que possam ameaçar tal exercício. E, finalmente, o Estado possui a obrigação positiva de adotar disposições de direito interno, adequando a legislação e a administração de seus órgãos às normas internacionais de Direitos Humanos.
Portanto, ao realizar-se o controle da atuação policial, que será apresentado na próxima seção, a autoridade responsável deve conhecer a fundo normas e padrões de Direitos Humanos relevantes. A título de ilustração, apresentaremos como devem ser compreendidas algumas normas no controle da atuação policial durante grandes manifestações.
Tratados de Direitos Humanos estabelecem o direito à vida como o direito a não ser privado da vida arbitrariamente (PIDCP, Art.6.1; CADH, Art.4.1). Os Princípios Básicos sobre o Uso da Força e de Armas de Fogo por Agentes Responsáveis pela Aplicação da Lei preveem os limites para o uso da força (Princípios Básicos). Segundo o princípio 9:
Norma equivalente foi interpretada pela Corte Europeia de Direitos Humanos em casos de manifestações sociais ou outros contextos relevantes. No caso Güleç v. Turquia (CEDH, 1998), por exemplo, a ausência de armas menos letais e de materiais de proteções aos policiais adequadas em um contexto de manifestações que poderiam tornar-se violentas contribuíram para a conclusão de que o direito à vida teria sido violado.
Em outro caso, McCann v. Reino Unido (CEDH, 1995), a Corte Europeia enfatiza a importância do dever de se planejar uma operação policial de maneira a evitar a utilização do uso letal da força. Segundo a decisão, verificou-se uma violação do direito a vida, mesmo no caso de tiros letais contra indivíduos que se acreditava estavam prestes a explodir um carro bomba em uma praça repleta de pessoas. Isto porque a operação falhou ao deixar de tomar medidas necessárias para deter suspeitos antes que a situação se tornasse de extremo risco às vidas não apenas dos suspeitos, mas dos transeuntes que poderiam ser afetados pela suposta bomba. A menção a este caso visa enfatizar a importância do planejamento da operação. Assim, por exemplo, sendo previsível que haja risco à vida de manifestantes que estejam sobre um viaduto onde possa haver tumultos, a operação de policiamento da manifestação deve isolar tal espaço ou apontar outras soluções.6
Entretanto, mesmo quando operações policiais são desencadeadas com vistas a evitar mortes, equipando policiais com armas menos letais7 e planejando a operação, ainda assim é possível que haja a violação do direito à integridade física de manifestantes (PIDCP, Art.7; CADH, Art.5). Como balas de borracha podem causar lesões sérias, os Princípios Básicos se aplicam (Princípio 14 com referência ao Princípio 9). A Corte Europeia decidiu em diferentes casos pela violação à integridade física devido ao mal uso de armas menos letais. No caso Abdullah Yaşa v. Turquia (CEDH, 2013), por exemplo, decidiu-se pela violação do direito à integridade física quando bombas de gás foram arremessadas diretamente contra manifestante, causando ferimentos nestes e em terceiros. A corte também afirmou que bombas de gás não podem ser utilizadas em ambientes fechados. A utilização abusiva do spray de pimenta também foi condenada como violação do direito à integridade física no caso Ali Günes v. Turquia (CEDH, 2012).
Durante o policiamento de manifestações, também é possível que haja violações de Direitos Humanos através da omissão por parte de forças policiais. Por exemplo, a obstrução de tratamento médico pode enquadrar-se como tortura ou outras formas de maus tratos. Assim decidiu a Corte Europeia no caso Keenan v. Reino Unido (CEDH, 2001); e a Comissão Africana de Direitos Humanos nos casos Organização de Liberdades Civis v. Nigeria (ComADH, 1999) Anistia Internacional v. Malawi (ComADH, 1994)8.
Outra forma de omissão que pode gerar a responsabilidade internacional do Estado é a omissão em adotar medidas de Direito Interno. Um exemplo deste tipo de omissão é a não abolição no Brasil do crime de desacato. A Declaração de Princípios sobre a Liberdade de Expressão, aprovada pela CIDH em 2000, afirma, em seu princípio 11 que:
O Brasil segue em responsabilidade internacional por não revogar o crime de desacato de seu Código Penal9. Ainda assim, as autoridades devem se abster de deter manifestantes e apresentar denúncias por desacato, dando aplicabilidade imediata às normas de Direitos Humanos e garantindo uma segurança cidadã10.
Com estes e outros padrões de direitos humanos em mente, deve-se exercer o controle da atividade policial e de outras atividades estatais para garantir-se uma segurança cidadã. Passamos então a uma breve discussão sobre o conceito de controle.
4 CONTROLE INTERNO COMO FORMA DE GARANTIA DA SEGURANÇA CIDADÃ
O Controle é um alicerce do modelo democrático, sendo, inclusive, uma forma de proteger os cidadãos de possíveis arbitrariedades de órgãos e agentes do Estado. Ademais, possibilita a disponibilidade à sociedade de informações claras, conferindo transparência à gestão pública. Em última análise, o Controle opera na garantia de prestação de contas, accountability, de Estado para Estado e de Estado para Sociedade.
Conforme preceituado por Hely Lopes Meirelles, controle aplicado à Administração Pública seria “a faculdade de vigilância, orientação e correção que um poder, órgão ou autoridade exerce sobre a conduta de outro” (1997, pág.XX). Fernanda Marinela, por sua vez, o entende como o “conjunto de mecanismos jurídicos e administrativos para a fiscalização e revisão de toda a atividade” (2010).
O controle se subdivide em controle interno e externo, sendo este o último exercido por outro Poder. Conforme Meirelles, é “o que se realiza por órgão estranho à Administração responsável pelo ato controlado” (1997), como Tribunais de Contas, Judiciários e Legislativo exercem sobre o Poder Executivo. Já o controle interno, é aquele exercido por órgãos da própria Administração, ou seja, por estruturas componentes do próprio órgão, possuindo expressamente previsão na Constituição Federal de 1988:
O controle interno, ou também chamado de controle administrativo tem como função acompanhar a execução das ações, seja de forma opinativa, preventiva ou corretiva. A política de segurança cidadã, dentro do arranjo institucional, merece especial atenção no que diz respeito ao controle e fiscalização de suas ações, dada sua própria natureza, associada ao uso da força. O controle interno eficaz é uma forma de garantir que a atuação policial, fortemente marcada pela tradição militarista, adote uma lógica de maior proximidade com a sociedade, fortalecendo vínculos comunitários e as ações de prevenção. A própria estrutura do ciclo policial no Estado Brasileiro, dividido entre polícia ostensiva e judiciária, remete a um tipo de controle da atividade policial, dado que cada instituição é dependente das ações da outra para dar prosseguimento aos eventos de segurança pública, remetendo em alguma medida a um sistema de freios e contrapesos.
Na perspectiva de Montesquieu, a divisão dos Poderes de um Estado é uma forma de evitar um governo tirânico na medida em cada poder controla e balanceia as ações dos outros. A fiscalização entre poderes é vista como uma forma de garantir que todos eles respeitem os limites legais, reduzindo possibilidade de arbitrariedades e abusos de poder.
Embora Montesquieu tenha pensado no controle entre Poderes (Executivo, Judiciário e Legislativo), a ideia de freios e contrapesos é plenamente aplicável à rotina interna da política de segurança cidadã. Os papéis definidos e intercalados, de forma que o trabalho de um dependa da execução do outro, dos principais agentes desta política (Polícia Ostensiva, Judiciária, Secretarias Estaduais de Segurança, Ministério Público e Judiciário) geram um controle entre instituições, favorecendo uma atuação que respeite as competências privativas dos órgãos e o cumprimento da lei.
Dessa forma, a existência de controles internos efetivos se configura como um importante meio para que as instituições exerçam um controle mútuo e atuem respeitando os limites legais e sociais.
5 O CENTRO INTEGRADO DE COMANDO E CONTROLE E SUAS POTENCIALIDADES
Os Centros de Comando e Controle começaram a ser pensados na II Guerra Mundial com o objetivo de unificar o comando das diversas frentes de guerra, sejam elas terrestres, aéreas ou navais (BRASIL, 2006). Atualmente, com desenvolvimento de novas tecnologias de informação e comunicação, os modernos Centros de Comando e Controle, ou C2 como são chamados, têm o objetivo de integrar em um mesmo ambiente físico pessoas de diversas instituições – sejam elas de segurança, mobilidade, defesa civil, inteligência, entre outros – sistemas, imagens, protocolos, dados e informações. Estes, aliados aos conhecimentos operacionais, permitem a produção de informação em tempo real para subsidiar a tomada de decisão das chefias, neutralizando ou impedindo a ocorrência de riscos, ou mesmo minimizando seus efeitos.
Com o advento da Copa do Mundo de 2014 no Brasil, uma das grandes estratégias na área de segurança dos Governos Federal e Estaduais foi criar Centros de Comando e Controle nas cidades sede que coordenariam e fariam o monitoramento das operações de segurança durante a Copa:
O objetivo é ter um equipamento público permanente que concentrará todos esses serviços, trazendo celeridade aos processos e ao atendimento ao cidadão.
A disposição das instituições em um mesmo ambiente no CICC e a tomada de decisão em tempo real, inclusive com o acompanhamento das ações por meio de imagens e alertas de sistemas, permite um controle mútuo das ações com a correção imediata, caso esta não seja satisfatória. É importante ressaltar que protocolos são definidos previamente, e que, portanto, o objetivo é não haver interferência das ações de uma instituição em relação à outra dentro daquilo que suas competências presumem. Porém, caso a resposta à demanda não produza os resultados esperados, é possível que se tenham correções, apoios em atividades ou qualquer outra ação que leve a um atendimento melhor aos cidadãos envolvidos na ocorrência, garantindo seus direitos e evitando arbitrariedades.
Além do controle entre instituições, o CICC tem uma forte potencialidade de monitoramento das atividades policiais quanto ao respeito aos Direitos Humanos. O acesso às imagens de câmeras e o constante monitoramento das diversas instituições traz uma transformação da natureza do trabalho da polícia, como mostra o estudo realizado por Benjamin J. Goold (2003). A pesquisa qualitativa realizada com cerca de 95 policiais de seis cidades do sul da Inglaterra, questiona sobre a mudança no comportamento quando da inserção de câmeras capazes de monitorar o trabalho realizado. Mais de 2/3 dos policiais afirmaram que “a introdução de câmeras os forçou a serem mais cautelosos durante o patrulhamento” (GOOLD, 2003. tradução nossa). Diante disso, o monitoramento por imagens ou localização de viatura por GPS, além de trazer benefícios quanto à prevenção à criminalidade e minimização de riscos, traz consigo também a perspectiva do comando e controle da atuação policial de rua, fiscalização de suas ações, além da própria mudança comportamental da organização policial, prevenindo também ações violentas ou de violação de direitos, antagônicas a composição do Estado Democrático de Direito e a uma perspectiva de segurança cidadã.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS: os limites do controle interno e a importância do controle externo
A ideia de segurança cidadã se refere a uma política pública voltada primordialmente para a proteção da pessoa humana, que vai além do combate direto à criminalidade, englobando também um conjunto de ações e estratégias para viabilizar a convivência pacífica entre as pessoas.
Embora o direito à segurança frente à criminalidade e à violência não conste na ordem jurídica internacional dos Direitos Humanos de forma expressa, ele pode ser visto como um derivado os direitos à vida, à integridade física, à liberdade e ao uso pacífico dos bens, estes sim claramente expressos, sendo, portanto, uma obrigação exigível do estado (CIDH, 2009). O dever de respeitar normas de Direitos Humanos demanda que o Estado, por um lado, se abstenha de tomar medidas que violem normas codificadas e, por outro lado, adote medidas positivas contra terceiros que possam ameaçar o livre e pleno exercício dos Direitos Humanos. Outra obrigação positiva do Estado é a de adotar disposições de direito interno, adequando a legislação e a administração de seus órgãos às normas internacionais de Direitos Humanos.
O controle da administração pública é uma importante forma de monitorar o atendimento aos parâmetros de Direitos Humanos. Argumentamos aqui que o projeto Centro Integrado de Comando e Controle pode potencializar o controle no campo da segurança cidadã. Em primeiro lugar porque reúne, em um mesmo ambiente, diversas instituições e viabiliza a tomada de decisão em tempo real, possibilitando um controle mútuo das ações. Além disso, permite o acesso às imagens de câmeras, o que estimula uma postura mais cautelosa dos policiais no patrulhamento.
Apesar do controle enfatizado neste artigo ser o do próprio Estado, destacamos que qualquer sistema de controle montado no interior do Estado sofrerá limites, seja por razões orçamentárias, de recursos humanos e/ou pelo grau de interdependência entre quem exerce o controle e quem tem suas ações controladas. Portanto, é o controle social, exercido pelo cidadão, que tem o maior potencial de garantir que os órgãos de segurança pratiquem uma segurança cidadã, respeitando parâmetros de Direitos Humanos. O conceito da preservação do interesse público tem como titular o público, o grupo de pessoas afetadas direta ou indiretamente pelo Estado, e não a máquina estatal. Este público deve, assim, se munir de equipamentos e estratégias para que cobrem o respeito a este interesse em todas as partes.
Para isto, este público deve se empoderar com conhecimentos sobre o conceito de segurança cidadã e padrões de Direitos Humanos, apresentadas nas seções 1 e 2 acima, que devem ser respeitados. Deve também saber identificar o papel do controle e conhecer ferramentas estatais que possam ser utilizadas para tanto, como sugerimos ser uma das funções potenciais do CICC. Com estes conhecimentos, o controle pelos cidadãos tem o potencial de se tornar mais efetivo11.
REFERÊNCIAS
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NOTAS DE FIM
1 Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental atuando como Superintendente de Infraestrutura e Logística da Secretaria de Defesa Social do Governo de Minas. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais.
2 Professor no curso de Pós Graduação em Direitos Humanos na Academia de Polícia Militar de Minas Gerais, no Instituto de Direitos Humanos de Belo Horizonte e na Universidade “MITSO” de Minsk, República da Bielorrússia. Foi Diretor de Proteção de Direitos Humanos do Governo de Minas (entre 2011 e 2013). Possui Mestrado em Direito Internacional Humanitário pela Geneva Academy of International Humanitarian Law and Human Rights. Universidade de Genebra.
3 Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental atuando no Gabinete da Secretária Adjunta de Defesa Social do Governo de Minas, Bacharel em Administração Pública pela Fundação João Pinheiro.
4 Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental atuando na Assessoria de Gestão Estratégica e Inovação da Secretaria de Defesa Social do Governo de Minas. Mestranda em Ciência Política na Universidade Federal de Minas Gerais, Bacharel em Administração Pública pela Fundação João Pinheiro, e Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Minas Gerais.
5 O conceito de segurança cidadã transcende a mera atuação policial, abrangendo políticas de diversas áreas, como programas de iluminação de vias e espaços públicos – por exemplo, o projeto Campos de Luz da CEMIG – programas de prevenção à criminalidade – como o Programa Fica Vivo! do Governo de Minas – e programas de proteção de Direitos Humanos, como o Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas, o Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte, o Programa de Proteção a Defensores de Direitos Humanos e o Núcleo de Atendimento a Vítimas de Crime Violentos. Entretanto, o presente artigo se focará apenas na perspectiva da atuação policial e seu dever de respeitar e garantir Direitos Humanos.
6 Durante as manifestações de junho em Belo Horizonte, tumultos eclodiram próximo ao viaduto entre a Avenida Antônio Carlos com a Avenida Abraão Caram nos três dias de jogos em Belo Horizonte. Após a utilização de balas de borracha e gás lacrimogênio por parte da Polícia Militar em cada um dos três dias, ao menos sete pessoas caíram do viaduto, duas delas vieram a falecer, (Estado de São Paulo, 2014).
7 Após arma menos letal: O termo arma não letal é hoje considerado inadequado, pois qualquer arma tem a potencialidade de causar a morte, mesmo que apenas incidentalmente.
8 Durante os protestos de junho de 2013 em Belo Horizonte alegou-se que em alguns casos, em particular no cruzamento entre as avenidas Abraão Caram e Antônio Carlos, a Polícia Militar teria se omitido na prestação de socorro e na permissão de que médicos voluntários ajudassem feridos, (IANNOTTI, 2013).
9 Até a conclusão do presente texto, estava em tramitação no Congresso Projeto de Lei que previa o fim do crime de desacato. Entretanto, tal projeto transformava o atual tipo de desacato em uma injúria qualificada com pena superior à atual disposição penal. Assim, tal projeto não contempla o dever de revogar o crime de desacato.
10 Durante as manifestações ocorridas no Brasil em 2013, centenas de pessoas foram detidas com base no crime de desacato, em clara violação à Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
11 As maneiras de realizar este controle é tema para outro artigo que extrapola os objetivos deste Não exaurindo como este pode ser realizado, podemos citar como algumas fontes para tal controle leis de transparência (Lei Federal 12.507 de 18 de novembro de 2011, Decreto Estadual de Minas Gerais 45.969 de 24 de maio de 2012), a coleta de imagens durante manifestações realizada por meios de comunicação alternativos, dentre outros. Para mais informações ver estudo da Agência de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI, 2009).