Rosane Ferreira Pinto Alves[1]
RESUMO: Dentre as alterações trazidas pela Emenda à Constituição nº 45 de 2004, está a necessidade do comum acordo para ajuizar o dissídio coletivo de natureza econômica, expressão esta, introduzida no art. 114, §2º, CF/88. Sobre esta mudança feita no texto constitucional, contrários são os posicionamentos sobre sua constitucionalidade, ressaltando que, até hoje o entendimento sobre o tema não é pacífico.
PALAVRAS-CHAVE: negociação coletiva; comum acordo; dissídio coletivo; natureza econômica.
Área de Interesse: Direito Constitucional.
1 INTRODUÇÃO
A negociação coletiva é uma forma de mediação de conflitos, sendo notória a sua relevância para a solução de conflitos trabalhistas de natureza econômica.
Os métodos para a solução dos conflitos podem ser divididos em três grupos: autotutela, heterocomposição e autocomposição. Destacando que a negociação coletiva encontra-se no grupo da autocomposição, e dela pode resultar um Acordo Coletivo do Trabalho ou uma Convenção Coletiva do Trabalho, ambos com caráter normativo e reconhecidos constitucionalmente (art. 7º, XXVI, CF/88).
Antes da Emenda á Constituição n°45, as partes para resolverem o conflito deveriam seguir o disposto no art. 114, §2º da Constituição Federal de 1988- CF/88, de modo que, primeiro deveriam recorrer à negociação coletiva, onde as partes ajustam de forma autônoma as condições de trabalho, sendo frustrada a negociação, era facultado às mesmas elegerem árbitros, ou seja, um terceiro resolveria o conflito, e em último caso, permanecendo o dissídio as partes poderiam recorrer ao Poder Judiciário.
A Emenda Constitucional supracitada trouxe algumas inovações ao texto constitucional, destacando-se dentre elas a alteração do art. 114, §2° da CF/88 exigindo também o comum acordo entre as partes para que, as mesmas pudessem ter acesso ao Poder Judiciário, a fim de, solucionar o conflito coletivo de natureza econômica.
Desde tal alteração, o assunto vem sendo muito discutido, tanto pelos doutrinadores, quanto pelos tribunais, entretanto, ate hoje não se chegou a um consenso, sobre a constitucionalidade ou não do disposto, com relevantes teses defendendo cada posicionamento.
2 NEGOCIAÇÃO COLETIVA COMO FORMA DE MEDIAÇÃO DE CONFLITOS
A negociação coletiva é sem dúvida na sociedade contemporânea um dos mais relevantes métodos para a solução de conflitos trabalhistas de natureza econômica.
Os métodos para solução de conflitos podem ser divididos em três grupos: autotutela, heterocomposição e autocomposição. Sendo que a negociação coletiva encontra-se na autocomposição.
A autotutela acontece quando uma das partes conflitantes afirma o seu interesse unilateralmente, impondo a sua vontade a outra parte contestante, como aborda Maurício Godinho Delgado:
A autotutela ocorre quando o próprio sujeito busca afirmar, unilateralmente, seu interesse, impondo-o (e impondo-se) à parte contestante e à própria comunidade que o cerca. Como se vê, a autotutela permite, de certo modo, o exercício de coerção por um particular, em defesa de seus interesses. (DELGADO, 2012, p.1454)
A autocomposição acontece quando o conflito é solucionado pelas próprias partes, sem intervenção de terceiros. Este é, sem dúvida, o melhor meio de solução das controvérsias, pois ninguém melhor do que as partes para resolverem suas pendências, porque elas mais do que ninguém conhecem os problemas da categoria. Do mesmo modo dispõe Sergio Pinto Martins:
A autocomposição é a forma de solução dos conflitos trabalhistas realizadas pelas próprias partes. Elas mesmas chegam à solução de suas controvérsias sem a intervenção de um terceiro. Este é, realmente, o melhor meio de solução dos conflitos […]. (MARTINS, 2007, p.48)
A autocomposição pode ser classificada como bilateral e unilateral. A unilateral ocorre quando uma das partes renuncia a sua pretensão. A bilateral ocorre quando ambas as partes fazem concessões recíprocas, o que também é chamado de transação.
Na heterocomposição o conflito é resolvido por um terceiro, um agente externo à relação conflituosa original. São exemplos de heterocomposição a mediação, a arbitragem e a tutela ou jurisdição. Na mediação um terceiro, chamado pelas partes, propõe uma solução às mesmas. Normalmente a mediação é extrajudicial, o terceiro pode ser qualquer pessoa, não sendo requisito o conhecimento jurídico,sendo vantajosa porque a solução do processo é mais rápida. O mediador não resolve o conflito, pois não tem poder de decisão, ele aconselha, por isso há quem diga que a mediação não integra essa forma de solução dos conflitos, conforme explica o ilustre doutrinador Maurício Godinho Delgado:
O mediador, à diferença do árbitro, não assume poderes decisórios perante as partes, as quais preservam toda a autonomia quanto à fixação da solução final para o litígio. Também não se arroga, a partir do instante em que ingressa no litígio, a prerrogativa de formular, isoladamente, a solução para o conflito. Apenas contribui para o diálogo entre as partes, fornecendo-lhes subsídios e argumentos convergentes, aparando divergências, instigando à resolução pacífica da controvérsia. (DELGADO, 2012, p.1466)
Na arbitragem, facultativa no processo do trabalho, o conflito é solucionado por um terceiro, estranho a relação, este terceiro vai impor a solução do caso. A vantagem é a rapidez e o sigilo.
Na tutela ou jurisdição a controvérsia será resolvida pela intervenção do Estado, por meio de um processo judicial. O Estado diz o direito, impondo às partes a solução do conflito. No dissídio coletivo o Poder Judiciário exerce poder normativo, proferindo uma sentença normativa, criando normas.
Como já dito, a negociação coletiva enquadra-se no grupo dos instrumentos de autocomposição. Porém, é fórmula essencialmente democrática. Desta forma, Segundo Maurício Godinho Delgado (2012, p. 1388) “não se confunde com a renúncia e muito menos com a submissão, devendo cingir-se, essencialmente, à transação”.
A negociação coletiva pode resultar em um Acordo Coletivo do Trabalho ou em uma Convenção Coletiva do Trabalho, sendo que, ambos possuem caráter normativo. Nestes instrumentos os Sindicatos representativos das categorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações individuais do trabalho, conforme redação do artigo 611 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT.
A Constituição Federal de 1988 cuidou de forma expressa de aspectos relacionados ao Direito Sindical, no seu art.7º, inciso XXVI trouxe a previsão do reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho.
Outros incisos do referido artigo 7º colocam em evidência a relevância da negociação coletiva, tais como: inciso VI que prevê a irredutibilidade salarial, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo; o inciso XIII dispõe que a duração do trabalho normal não poderá ser superior a oito horas diárias e quarenta e quatro horas semanais, facultada a compensação de horários e a redução de jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho; e o inciso XIV que estipula jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva.
Sendo misterressaltaro artigo 8º da Lei Maior, incisos III e IV que dispõem que a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, cabe ao sindicato, inclusive em questões judiciais ou administrativas, sendo que, a assembleia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontada em folha, para custeio da representação sindical, independente da contribuição prevista em lei.
Conrado Di Mambro Oliveira no seu artigo:Ainda sobre a necessidade do comum acordo no ajuizamento de dissídio coletivo de natureza econômica, traz o seguinte comentário sobre os dispositivos analisados:
[…] o sindicato possui importante papel como representante da categoria, cabendo-lhe a defesa dos interesses e direitos dos seus representados, sendo obrigatória sua participação nos processos de negociação coletiva. Por sua vez, a via negocial ganhou fundamental destaque como forma para composição dos interesses obreiros e empresários, sendo permitida, por exemplo, desde que com a participação da entidade sindical respectiva, até mesmo a redução salarial através de acordo ou convenção coletiva.
Portanto, os sindicatos desempenham um papel fundamental na defesa dos direitos e interesses de seus representados, ressaltando que a sua participação nos processos de negociação coletiva é obrigatória.
Outro ponto importante que deve ser ressaltado são as possibilidades e os limites da negociação coletiva, onde deve ser feita a seguinte pergunta segundo Maurício Godinho Delgado (2012, p. 1415) “em que medida as normas juscoletivas podem se contrapor às normas jusindividuais imperativas estatais existentes?”.
Com base no princípio da adequação setorial as normas juscoletivas criadas para incidirem sobre determinada comunidade profissional podem sobrepor-se sobre o padrão geral heterônomo justrabalhistas, mas devem ser observados alguns critérios objetivos. O doutrinador Maurício Godinho Delgado traz esses critérios:
[…] são dois esses critérios autorizativos: a) quando as normas autônomas juscoletivas implementam um padrão setorial de direitos superior ao padrão geral oriundos da legislação heterônoma aplicável; b) quando as normas autônomas juscoletivas transacionam setorialmente parcelas justrabalhistas de indisponibilidade apenas relativa ( e não de indisponibilidade absoluta). (DELGADO, 2012, p.1416)
Contudo, a amplitude atribuída à validade e eficácia jurídica das normas coletivas sobre as normas heterônomas imperativas encontram limites objetivos.
A adequação setorial negociada não prevalece se consolidada por um ato adstrito de renúncia. Neste sentido, comenta Maurício Godinho Delgado:
[…] ela não prevalece se concretizada mediante ato estrito de renúncia (e não transação). É que ao processo negocial coletivo falece poderes de renúncia sobre direitos de terceiros (isto é, despojamento unilateral sem contrapartida de agente adverso). Cabe-lhe, essencialmente, promover transação (ou seja, despojamento bilateral ou multilateral, com reciprocidade entre os agentes envolvidos), hábil a gerar normas jurídicas. (DELGADO, 2012,p.1416)
Também não prevalecerá se for referente a direitos cobertos de indisponibilidade absoluta, pois estes não podem ser transacionados por negociação coletiva. Tais parcelas formam um patamar mínimo civilizatório que não pode ser reduzido, seja qual for o segmento econômico-profissional, sob pena de configurar afronta a dignidade da pessoa humana (arts.1º, III e 170, caput, CF/88). Podendo ser citados como exemplo de parcelas de indisponibilidade absoluta a anotação na CTPS, as normas de medicina e segurança do trabalho, conforme explanação de Maurício Godinho Delgado:
Também não prevalece a adequação setorial negociada se concernente a direitos revestidos de indisponibilidade absoluta (e não indisponibilidade relativa), os quais não podem ser transacionados nem mesmo por negociação sindical coletiva. Tais parcelas são aquelas imantadas por uma tutela de interesse público, por constituírem um patamar civilizatório mínimo que a sociedade democrática não concebe ver reduzido em qualquer segmento econômico-profissional, sob pena de se afrontarem a própria dignidade da pessoa humana e a valorização mínima deferível ao trabalho (arts, 1º, III e 170, caput, CF/88). Expressam, ilustrativamente, essas parcelas de indisponibilidade absoluta a anotação de CTPS, o pagamento do salário mínimo, as normas de medicina e segurança do trabalho. (DELGADO, 2012, p. 1417)
Segundo Maurício Godinho Delgado (2012, p.1417), no sistema brasileiro este patamar civilizatório mínimo está dado, por três grupos de normas trabalhistas heterônomas: as normas constitucionais em geral; as normas de tratados e convenções internacionais aplicáveis no plano interno brasileiro; as normas legais infraconstitucionais que garantem a cidadania ao indivíduo que labora (preceitos relativos à saúde e segurança no trabalho, normas relativas a bases salariais mínimas, normas de identificação profissional, dispositivos antidiscriminatórios, etc.).
Neste sentido, a negociação coletiva não pode ter como objeto, direitos cobertos de indisponibilidade absoluta, pois tais direitos constituem um patamar civilizatório mínimo, o qual não pode ser reduzido em nenhuma hipótese. No Brasil este patamar civilizatório mínimo é garantido por todo o ordenamento jurídico, inclusive pelas normas de âmbito internacional, aplicáveis no sistema interno brasileiro.
3 NOVA REDAÇÃO DADA AO ARTIGO 114, §2º DA CF/88 PELA EMENDA À CONSTITUIÇÃO Nº 45 DE 2004. EXIGÊNCIA DO COMUM ACORDO PARA AJUIZAR O DISSÍDIO COLETIVO DE NATUREZA ECONÔMICA.
Em 08 de dezembro de 2004, foi editada a Emenda à Constituição nº 45, que dentre outras alterações, modificou a redação originária do artigo 114, §2º da Constituição Federal de 1988.
Antes da Emenda à Constituição nº45 a redação do art.114, § 2º da CF/88 era a seguinte:
Art.114. […]
§2°. Recusando-se qualquer das partes à negociação ou à arbitragem, é facultado aos respectivos sindicatos ajuizar dissídio coletivo, podendo a Justiça do Trabalho estabelecer normas e condições respeitadas as disposições convencionais e legais mínimas de proteção ao trabalho.
A Emenda à Constituição nº45 de 2004 modificou o art.114, § 2° da CF/88 dando-lhe a seguinte redação:
Art.114. […]
§2°. Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente.(SARAIVA, 2011, p.51)
A Emenda à Constituição nº45, também chamada de Reforma do Poder Judiciário, alterou o § 2° do art.114, exigindo o comum acordo entre as partes para terem o direito de ajuizarem o dissídio coletivo de natureza econômica, conforme explanação de Cleber Lúcio de Almeida:
A instauração do dissídio coletivo da natureza econômica pressupõe. Por força do art. 114, §2º, da Constituição Federal, comum acordoentre as partes em conflito. Sob essa ótica, o Judiciário somente irá solucionar o conflito a pedido de ambas as partes. (ALMEIDA, 2009, p.767).
Desde tal alteração, muitos questionamentos foram feitos. Parte da doutrina e da jurisprudência defendem a sua constitucionalidade, argumentando que se trata de uma alteração extremamente benéfica, ressaltando que a intervenção estatal no caso do dissídio coletivo deve ser mínima. Em contrapartida, outros defendem a sua inconstitucionalidade, pois tal dispositivo viola dentre outras coisas o direito de ação conferido no art.5º, XXXV da Lei Maior.
4 ÊNFASE A NEGOCIAÇÃO COLETIVA OU RESTRIÇÃO JUDICIAL
Ressalta-se que no âmbito trabalhista existem conflitos individuais, ou seja, são aqueles conflitos entre o empregado e o empregador, trata-se de pessoas determinadas e interesses concretos, englobando apenas as partes contratuais e as condições específicas do contrato de trabalho ou da prestação de serviço, e há também os dissídios coletivos, que segundo Maurício Godinho Delgado:
São conflitos coletivos trabalhistas que atingem comunidades específicas de trabalhadores e empregadores ou tomadores de serviços, quer no âmbito restrito do estabelecimento ou empresa, quer em âmbito mais largo, envolvendo a categoria ou, até mesmo, comunidade obreira mais ampla. (DELGADO,2012, p. 1316)
Maurício Godinho Delgado (2012) trouxe o conceito de dissídio coletivo, estes podem envolver partes específicas ou determinada categoria. Nesta pesquisa o que se questiona é a exigência do comum acordo no caso dos dissídios coletivos, sendo que o entendimento mais plausível seria dizer que a expressão comum acordo introduzida no texto constitucional deveria ser interpretada como uma faculdade entre as partes, e não como uma necessidade.
É de suma importância para o esclarecimento do tema em análise, diferenciar dissídio coletivo de natureza jurídica, do dissídio coletivo de natureza econômica, sendo que o primeiro cuida das divergências das regras e dos princípios jurídicos, e o segundo trata das divergências existentes no ambiente laborativo, onde os trabalhadores reivindicam melhores condições de trabalho.
Dispõe a Constituição Federal de 1988 que as partes para solucionarem o conflito trabalhista, primeiro devem buscar a negociação coletiva, ou seja, é indispensável a tentativa precedente de negociação coletiva, como dispõe o art. 114, §2º, da Constituição Federal e o art. 616, §4, da CLT: “Nenhum processo de dissídio coletivo de natureza econômica será admitido sem antes se esgotarem as medidas relativas à formalização da Convenção ou Acordo correspondente.”(SARAIVA, 2011, p.993)
Nota-se que a negociação coletiva é o meio prioritário para solução dos conflitos coletivos trabalhistas, sendo considerada por muitos doutrinadores a forma de solução mais adequada.
Antes da negociação coletiva, as partes não podem acionar o Poder Judiciário, ou seja, não se pode buscar a substituição de um Acordo ou Convenção Coletiva do Trabalho não celebrado, por uma sentença normativa. Diante disso, se for ajuizado a ação judicial e não houver a comprovação prévia de que houve a tentativa de negociação coletiva, este processo será extinto sem resolução do mérito, pela ausência do interesse de agir. Sobre este assunto comenta o douto doutrinador Cleber Lucio de Almeida:
Antes da negociação coletiva, as partes do conflito não têm interesse para acionar o Poder judiciário, isto é, para recorrer à sentença normativa como substitutivo da convenção ou acordo coletivo do trabalho não celebrado. Com isso, não sendo comprovada a prévia tentativa de negociação coletiva, o processo coletivo deverá ser extinto, sem julgamento do mérito, por carecer o suscitante de interesse de agir […]. (ALMEIDA, 2009, p.766)
Sendofrustrada a negociação coletiva, ás partes poderão eleger árbitros, recusando-se qualquer das partes à arbitragem é facultado às mesmas de comum acordo recorrer ao Poder Judiciário.
Até hoje o entendimento sobre o tema não é pacífico, ainda é muito discutida a questão da constitucionalidade ou não da exigência do comum acordo para instauração do dissídio coletivo de natureza econômica. Antônio Álvares da Silva citado por Cleber Lúcio de Almeida na obra Direito Processual do Trabalho (2009, p. 768 e 769) entende pela constitucionalidade da exigência do comum acordo, esclarecendo que esta alteração se trata de um lado extremamente positivo da reforma, dizendo também, que se o legislador não teve a vontade de extinguir o dissídio coletivo, pelo menos teve o bom senso de limitá-lo, ressaltando ainda, que no caso do conflito coletivo, a intervenção estatal deve ser mínima, porque o que se deseja, é a autocomposição, ou seja, as partes por meio da negociação coletiva devem resolver o conflito.
Entretanto, a visão do doutrinador Antônio Álvares da Silva não é relevante para defender a constitucionalidade da necessidade do comum acordo para ajuizar o conflito coletivo, primeiro porque ele questiona a própria existência da justiça trabalhista, o que se tem por inadmissível, pois a justiça do trabalho é um procedimento célere e efetivo; segundo porque a sociedade vive em um Estado Democrático de Direito, sendo que, o direito de ação é uma garantia fundamental, portanto não pode ser limitado.
Sobre o assunto, também comenta Alice Monteiro de Barros:
À primeira vista, pareceu-nos violar a autonomia do sindicato condicionar o exercício do direito de ação à aquiescência da outra parte e, consequentemente, um desrespeito a esse direito. Analisando melhor o assunto, concluímos que a intenção da lei foi, de fato, imprimir nova dimensão ao poder normativo atribuído á Justiça do Trabalho, mantendo-o de forma mitigada, com o objetivo de estimular a negociação coletiva. (BARROS, 2006, p.1228 e 1229)
Ainda segundo Alice Monteiro de Barros:
E nem mesmo caberia dizer que a norma em estudo traduziria ofensa ao art.5º, XXXV, da Constituição, que assegura o exame de lesão ou ameaça a direito pelo Poder Judiciário. O art. 114, §2º apenas impôs condição para o exercício do direito de ação, o que pode ser instituído até mesmo pelo legislador ordinário.” (BARROS, 2006, p.1230).
Em alguns julgados do Tribunal Superior do Trabalho ele se manifestou dizendo que a exigência do comum acordo é um pressuposto processual, e a sua ausência leva a extinção do processo sem resolução do mérito, nos termos do art.267, VI do Código de Processo Civil- CPC, conforme demonstra a seguinte jurisprudência:
Ementa:RECURSO ORDINÁRIO EM DISSÍDIO COLETIVO. AUSÊNCIA DE COMUM ACORDO, PRESSUPOSTO ESPECÍFICO PARA AJUIZAMENTO DO DISSÍDIO COLETIVO.
A regra, ante o que dispõe o art. 114, § 2º, da Constituição Federal, é a exigência de comum acordo para instauração do dissídio coletivo. Havendo, como no caso, clara evidência de que a parte contrária se opôs à instauração da instância em defesa, força é prover o recurso para declarar-se em relação aos Recorrentes a extinção do processo, sem julgamento do mérito, nos termos do art. 267, IV, do CPC, por ausência do requisito do comum acordo. (BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Recurso Ordinário nº 1482003520085040000. Recorrente: Sindicato do Comércio Atacadista do Estado do Rio Grande do Sul e outros. Recorrido: Sindicato dos Empregados no Comércio de Cachoeira do Sul e Sindicato e Organização das Cooperativas do Estado do Rio Grande do Sul- OCERGS. Brasília 13 de agosto de 2012. Disponível em <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/22094569/recursoordináriotrabalhista-ro-1482003520085040000-148200-3520085040000-tst. Acesso em: 14 de maio de 2013).
Em contrapartida, outros doutrinadores argumentam pela inconstitucionalidade da exigência do comum acordo, com a propositura de diversas Ações Diretas de Inconstitucionalidade que tramitam perante o Supremo Tribunal Federal (ADI: n°3.392,3. 423, 3.431, 3.432 e 3.520).
Os juristas que entendem pela inconstitucionalidade do disposto defendem que a exigência do comum acordo viola o art.5°, XXXV da CF/88 que prevê o Princípio da Indeclinabilidade, onde a “lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça à direito” (SARAIVA, 2011, p.11), portanto é garantido a toda pessoa que se sentir lesado o acesso aos órgãos judiciais, não podendo este ser restringido.
É plausível, para aqueles que sustentam a constitucionalidade da necessidade do comum acordo para ajuizamento do dissídio coletivo de natureza econômica, dizer que o art. 5º, XXXV, da Constituição Federal garante o acesso ao Poder Judiciário, apenas no caso de lesão ou ameaça a direito preexistente (o cumprimento da norma está sendo solicitado) e no dissídio coletivo o que se almeja é o estabelecimento de normas e condições de trabalho (o dissídio tem por finalidade a criação de normas, e não a aplicação de norma já existente). Contudo, é importante relembrar que, a tutela jurisdicional tem como foco tanto um direito quanto um interesse, como esclarece sabiamente Cleber Lúcio de Almeida:
[…] que a tutela jurisdicional pode ter por objeto tanto um interesse quanto um direito. Basta ver, por exemplo, que às organizações sindicais foi atribuída legitimidade para exercer a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais (art. 8º, III, da Constituição Federal). O direito de ação não é assegurado apenas na hipótese de lesão ou ameaça a um direito, como o comprova, inclusive, a possibilidade de ajuizamento de ação meramente declaratória, uma vez que esta não pressupõe lesão ou ameaça a direito (art. 4º do Código de Processo Civil). (ALMEIDA, 2009, p.770)
Portanto, o argumento da não violação ao art. 5º, XXXV, da Constituição Federal no caso da exigência do comum acordo é frágil, tendo em vista que, cabe ao Poder Judiciário apreciar demandas que afrontem direitos ou interesses daquelas partes envolvidas.
É inegável que a Emenda à Constituição aqui analisada, limitou significativamente o papel do dissídio coletivo na ordem jurídica, social e econômica do país, conforme esclarece o ilustre doutrinador Maurício Godinho Delgado:
A EC n.45/2004 aprofundou a incorporação de tais críticas ao singular instituto, criando restrição nova ao ajuizamento do dissídio coletivo de natureza econômica: havendo recusa de qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é-lhes facultado, de comum acordo, ajuizar a referida ação coletiva (art.114,§ 2°, ab initio, CF/88, conforme EC n.45/2004). Com essa nova exigência à instauração da instância pelas partes- de dificílimo cumprimento, na prática-, diminuiu significativamente o papel do dissídio coletivo na ordem jurídica, social e econômica do país. Desse modo, a Constituição da República, dezesseis anos após 5 de outubro de 1988, pela EC n.45/2004, remeteu, decididamente, à negociação coletiva o papel de geração da normas jurídicas coletivas trabalhistas no Brasil. (GODINHO, 2012, p.1319 e 1320).
Cleber Lúcio de Almeida (2009, p.769) também discorda da necessidade do comum acordo para ajuizar o dissídio coletivo de natureza econômica, no seu livro de Direito Processual do Trabalho ele elenca vários motivos, dentre eles, dizendo que a necessidade do comum acordo para instauração do dissídio fere o art.8°, III da CR/88, porque impede o sindicato de realizar em juízo a defesa dos interesses da categoria profissional, uma vez que o acesso ao Poder Judiciário na esfera trabalhista já é limitado pela exigência de prévia negociação coletiva, não se justificando, portanto, mais essa restrição; o art.114,§2º da Constituição Federal deve ser interpretado de forma harmônica com o art.5º, XXXV, da Lei Maior, não podendo ser excluída da apreciação do Judiciário lesão ou ameaça de lesão a direito, destacando o direito de ação, como um direito fundamental; ademais, não seria razoável, nem tão pouco justificável, atribuir a um dos interessados o poder de decidir sobre o acesso do outro ao Judiciário.
É inegável, o poder normativo da Justiça do Trabalho, pois cabe a ela, quando acionada estabelecer normas e condições de trabalho, como prevê o art.114, §2º, da Constituição Federal.
A intenção do legislador derivado ao modificar a redação do art.114, §2º da CF/88 era favorecer a negociação coletiva, mas esta já estava em destaque porque necessariamente as partes deveriam em primeiro lugar buscar a autocomposição, neste sentido, não se justifica mais esta restrição quecertamente traz prejuízos para os trabalhadores, porque os sindicatos patronais não têm interesse em concordar com o dissídio, pois sabem que podem ser criados instrumentos normativos que irão garantir mais direitos aos trabalhadores, e esta resistência acaba incentivando as greves. Segundo Cleber Lúcio de Almeida (2009, p.769): “o acesso ao Judiciáriojá é limitado pela exigência de prévia negociação coletiva, não se justificando mais uma restrição a ele, sob pena de limitação desproporcional ao acesso à justiça”.
Portanto, a ênfase dada a negociação coletiva, não pode representar restrição judicial, afrontando o direito fundamental de acionar o Poder Judiciário, quando necessário.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não restam dúvidas de que, a negociação coletiva é um dos mais importantes métodos para a solução dos conflitos trabalhistas de natureza econômica. Contudo, em algumas situações a sua aplicabilidade se torna inviável, tendo em vista, que as partes não conseguem entrar em um acordo, para alcançar o objetivo almejado.
O desejo das partes ora conflitantes é ver o seu conflito solucionado, portanto sendo impossível a negociação coletiva, e frustrada a arbitragem (lembrando que esta é facultativa), as mesmas devem recorrer ao Poder Judiciário, e não devem encontrar limitações, como a necessidade do comum acordo.
Neste ínterim, a Emenda à Constituição nº 45 criou uma nova restrição para o ajuizamento do dissídio coletivo de natureza econômica, diminuindo assim significativamente oseu papel, uma vez que, é necessário o comum acordo entre as partes para ajuizar a referida ação.
Alguns doutrinadores defendem que no caso do dissídio coletivo, a intervenção estatal deve ser mínima, mas é importante ressaltar que o estado deve atuar sempre que for provocado, para proteger e garantir os direitos e interesses do seu povo.
Esta pesquisa não discute o fato da autocomposição ser a forma mais saudável de resolver o conflito, porque ninguém melhor do que as partes para conhecerem os seus problemas e resolverem da melhor forma possível, mas às vezes o acordo é inviável, deste modo, as partes têm o direito de recorrer ao poder judiciário sem que haja limitação.
Não é plausível argumentar no sentido de que tal mudança ocorrida no texto constitucional foi para enfatizar ou estimular a negociação coletiva, pois esta já está em evidência, uma vez que, as partes precisam obrigatoriamente em primeiro lugar buscar a negociação coletiva.
Ressaltando que o acesso ao Poder Judiciário na esfera trabalhista já é limitado, tendo em vista que a negociação coletiva é o meio prioritário para a solução do dissídio. Neste contexto, a valorização da negociação coletiva não pode afrontar o direito fundamental de ação.
A exigência do comum acordo também impede o sindicato de realizar em juízo a defesa dos interesses e direitos dos seus representados.
Por isso, o prévio acordo contido no art.114, §2° da CF/88 deve ser entendido como uma faculdade entre as partes, de modo que, frustrada a negociação coletiva, as partes poderão de comum acordo recorrer ao Poder Judiciário, mas se não houver esse consenso qualquer das partes diante do direito de ação conferido pela Constituição Federal poderá instaurar o dissídio.
REFERÊNCIAS
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 2º ed. São Paulo: LTr, 2006.
ALMEIDA, Cleber Lúcio de. Direito Processual do Trabalho. 3° ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2009.
BARROSO, Fábio Túlio; NILO, Taciana Carolina Alípio. A exigência do “comum acordo” para o ajuizamento do dissídio coletivo de natureza econômica. Disponível em <http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9213&revista_caderno=25>. Acesso em: 15 de abril de 2013.
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Recurso Ordinário nº 1482003520085040000. Recorrente: Sindicato do Comércio Atacadista do Estado do Rio Grande do Sul e outros. Recorrido: Sindicato dos Empregados no Comércio de Cachoeira do Sul e Sindicato e Organização das Cooperativas do Estado do Rio Grande do Sul- OCERGS. Brasília 13 de agosto de 2012. Disponível em <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/22094569/recursoordináriotrabalhista-ro-1482003520085040000-148200-3520085040000-tst. Acesso em: 14 de maio de 2013).
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 11. ed.São Paulo: LTr, 2012.
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito Processual do Trabalho. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2007.
SARAIVA. Vade Mecum. 11° ed. São Paulo: Saraiva, 2011.