Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva

Mateus dos Santos Barros[1]

 

RESUMO: O presente artigo tem por objetivo analisar a inversão do ônus da prova na justiça do trabalho, facilitando o seu acesso e garantindo uma solução mais condizente com as necessidades sociais. O estudo permeia os entendimentos e críticas doutrinárias acerca do tema, verificando a pertinência da utilização subsidiária das normas presentes em outros meios jurídicos que não o processo trabalhista. Assim, nota-se a importância da aplicação supletiva no processo trabalhista da inversão do ônus probatório presente no Código de Defesa do Consumidor, tornando o acesso à justiça laboral mais concreta, efetiva e célere.  

 

PALAVRAS-CHAVE: Direito Processual do Trabalho – Ônus da prova- Inversão do ônus da prova – Código de defesa do consumidor 

 

Área de Interesse: Direito do Trabalho.

 

1 INTRODUÇÃO  

A prova sempre teve grande importância, não só no processo do trabalho, como também no processo civil e no processo penal. Essa necessidade constante de estudar os mecanismos que norteiam os meios probatórios justifica-se devido ao fato da essencialidade de demonstrar e comprovar ao julgador tudo aquilo que se alega.

Dessa maneira, constata-se que a prova é meio necessário para tornar concreto o acesso à justiça e possibilitar uma decisão efetiva e completa para a solução do conflito de interesses. Nesse sentido, a inserção do tema é imprescindível, dada a posição simplista da Consolidação das Leis Trabalhistas -CLT- a respeito do assunto.

Assim, o presente estudo concentra-se no ônus da prova no campo do processo trabalhista, objetivando demonstrar a diversidade de entendimentos e críticas a repeito do tema, bem como a relevância da sua inversão para garantir uma solução que seja mais condizente com as necessidades sociais.

Nessa esteira, percebe-se a pertinência da abordagem acerca da inversão do ônus probatório, utilizando de modo subsidiário para tanto o Código de Defesa do Consumidor – CDC -, que além de tratar de modo expresso sobre tal instituto, estabelece os requisitos necessários para a concessão da inversão.

Esse emprego supletivo de normas jurídicas que não sejam as trabalhistas torna-se indispensável quando se vislumbra a garantia dos direitos humanos e fundamentais, devendo ser ressaltado que: 

[…] a conduta humana é regulada por todo o direito e não por uma norma ou mesmo um conjunto fechado de normas. Dessa forma, deve ser buscada no ordenamento jurídico uma solução que possibilite tornar concreto o direito ao acesso a uma justiça rápida, eficiente e efetiva. (ALMEIDA, 2009, p. 17).  

Portanto, a discussão adiante se fundamenta na importância da aplicação da inversão do ônus da prova, quando necessária, para assim, obter-se uma justa solução do litígio, observando sempre os princípios que norteiam tal instituto.

 

2 Prova: Considerações gerais

O estudo da prova sempre foi de grande relevância para garantir a ordem jurídica e assegurar uma base sólida e bem fundamentada à sentença. Exatamente por essas razões, durante vários anos ela foi alvo de inúmeras influências históricas.

Atualmente, vigora no ordenamento jurídico pátrio o principio do livre convencimento motivado do Juízo, estabelecendo que o magistrado deverá observar as circunstâncias e fatos trazidos pelas partes ao processo, para assim embasar e firmar a sua decisão convicto da verdade formal dos fatos, garantindo uma prestação jurisdicional justa. 

Já no que se refere especificamente ao conceito do vocábulo prova, existem vários doutrinadores que discursam a respeito, um deles DE PLÁCIDO E SILVA (2002, p. 656), in verbis

do latim proba, de probare (demonstrar, reconhecer, formar juízo de), entende-se, assim, no sentido jurídico, a demonstração, que se faz, pelos meios legais, da existências ou veracidade de um ato material ou de um ato jurídico, em virtude da qual se conclui por sua existência ou se firma a certeza a respeito da existência do fato ou do ato demonstrado.

Também ALMEIDA (1999, p. 21), esclarece que:

Prova é a série de elementos constantes dos autos de um processo que, em conjunto ou individualmente conduzem ao conhecimento dos fatos, objeto de defesa, afirmando-lhes a veracidade e dando procedência às alegações das partes. É a demonstração legal da existência e/ou da autenticidade de um fato material ou de um ato jurídico que interessa ao êxito do que se pleiteia.

Pelo exposto, percebe-se que a prova é de extrema importância para que o julgador conheça os fatos alegados pelas partes e solucione a demanda pleiteada. Além disso, é exatamente por meio da prova que o reclamante tem a possibilidade de convencer o juízo de que os fatos realmente aconteceram, sustentando assim a sua pretensão.

Desse modo, é notória a grande relevância de estudar os mecanismos que norteiam a prova, uma vez que através desse instituto é possível alcançar uma prestação jurisdicional satisfatória.

Outrossim, como já mencionado, uma vez que no Brasil adota-se o princípio do livre convencimento motivado do juízo, a satisfação do direito da parte depende quase que exclusivamente das provas que possuem e que comprovam em juízo (DAIDONE, 2001, p. 204).

Por sua vez, CÂMARA (2006, p. 395), destaca que:

Todo elemento que contribuiu para a formação da convicção do juiz a respeito da existência de determinado fato. Quer isto significar que tudo aquilo que for levado aos autos com o fim de convencer o juiz de que determinado fato ocorreu será chamado de prova.

Portanto, mister é a utilização da prova no processo, como instrumento necessário para a realização de um direito e meio essencial para nortear a decisão do julgador.

 

2.1 Meios probatórios 

O artigo 332 do Código de Processo Civil, que tem plena pertinência com o direito processual do trabalho, relaciona as possíveis formas de demonstração e comprovação dos fatos alegados em juízo, disciplinando que são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa, todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos.

Nessa esteira, OLIVEIRA (2001, p. 61), salienta que os meios de prova constituem os veículos pelos quais a prova há de ser materializada nos autos, alertando, todavia, para o caráter lícito e os meios admissíveis em direito, nos seguintes termos:

[…] a parte incumbida de provar o fato alegado (prova) e a parte adversa a quem interessa o desprestigio da prova produzida (contraprova) poderão usar de todas as provas em direito admitidas, desde que requeridas em tempo hábil e desde que idônea se apresente a via eleita.

Adiante, o Código de Processo Civil, elencou um rol não taxativo dos tipos de provas admitidos, como o depoimento pessoal, a prova documental, testemunhal e pericial, a inspeção judicial, além dos outros meios legítimos que não foram especificados pela lei, mas que são hábeis para provar a veracidade dos fatos.

Sendo assim, NASCIMENTO (2007, p. 533) dispõe sobre a definição da prova documental que é comumente utilizada no processo trabalhista, veja-se:  

Documentos são toda representação objetiva de um pensamento, material ou literal. Em sentido estrito, o documento é toda coisa que seja produto de um ato humano, perceptível com os sentidos da vista e do tato, que serve de prova histórica indireta e representativa de um fato qualquer. Num sentido amplo, documento é todo objeto físico suscetível de ser levado a presença do juiz. 

Com efeito, nota-se a importância da utilização da prova documental como meio de sustentação e comprovação da alegação feita pela parte. De outro modo, a prova testemunhal, também presente frequentemente no processo trabalhista, possui grande valor e revela-se por meio de uma pessoa física que comparece em juízo para prestar informações sobre os fatos de que tem conhecimento, colaborando, assim, para a solução do dissídio (ALMEIDA, 2009 p. 592).

Igualmente, a prova pericial é outro meio fundamental para comprovar o direito pleiteado pela parte, como no caso de comprovação do trabalho em condições insalubres, à apuração de tal fato demanda um conhecimento técnico especial para que assim seja possível desvelar a veracidade do caso.

Na mesma linha, SANTOS (1989, p. 3), assinala que: 

[…] a prova dos fatos faz-se por meios adequados a fixá-los em juízo. Por esses meios ou instrumentos os fatos deverão ser transportados para o processo, seja pela sua reconstrução histórica (narração de testemunhas), ou sua representação (declaração constitutiva de atos, constante de documentos), ou sua reprodução objetiva (exame da coisa por peritos, ou pelo próprio juiz), ou, ainda, sob outras formas idôneas para atestar a sua existência, ou suficientes para se obter a ideia precisa da sua existência. 

Por todo o exposto, percebe-se que é um direito das partes utilizarem de todos os meios de provas admitidos em direito que sejam necessários à apuração dos fatos alegados, levando-se a uma justa decisão da causa.

 

2.2 Ônus da prova 

O estudo a respeito do ônus da prova é de grande importância e repercussão na esfera processual, sobretudo no processo trabalhista, em que sua igual distribuição geralmente não satisfaz a parte hipossuficiente da relação, ou seja, o trabalhador.

NASCIMENTO (2001, p. 422) salienta que o ônus da prova é a responsabilidade imputada a parte para produzir uma prova, sendo que a produção insatisfatória gera, como consequência, o não reconhecimento pelo órgão julgador da existência do fato que a prova pretendia comprovar. 

Seguindo esse raciocínio, SANTOS (2008, p. 357) leciona: 

Como a simples alegação não é suficiente para formar a convicção do juiz (allegatio et non probatio quase non allegatio), surge a imprescindibilidade da prova da existência do fato. E dada a controvérsia entre autor e réu com referência ao fato e às suas circunstâncias (quaestiones facti), impondo-se, pois, prová-lo e prová-las, decorre o problema de saber a quem incumbe dar a sua prova. A quem incumbe o ônus da prova? Esse é o tema que se resume na expressão – ônus da prova. 

Desta forma, infere-se pela expressão ônus da prova a exigência que a lei faz a cada uma das partes, no sentido de demonstrar os fatos que lhe interessa provar, objetivando assim na formação da convicção do magistrado e no possível alcance do resultado pretendido.

            A respeito do ônus processual, PAULA (2001, p. 28) também comenta: 

O ônus processual consiste, pois, em conferir a um sujeito um poder de vontade, ou uma faculdade para tutelar ou não um interesse próprio, pela produção de um certo efeito jurídico. Pelo ônus caracteriza-se uma situação jurídica criada pela liberdade que concede à parte ordenar a própria conduta: o sujeito do ônus tem a opção de escolher entre a realização do fato e a inatividade, que lhe trará resultado desfavorável. 

Por fim, importante mencionar também a lição de THEODORO JÚNIOR (1999, p. 423) de “que o ônus da prova consiste na conduta processual exigida da parte para que a verdade dos fatos por ela arrolados seja admitida pelo juiz”.

Portanto, a produção da prova do fato alegado constitui um imperativo do interesse da parte, uma vez que o litigante produz a prova não porque esteja obrigado a fazê-lo, mas porque, caso não o faça, corre o risco de não ter sua pretensão atendida (ALMEIDA, 2009, p. 571).

Sendo assim, verifica-se a essencialidade da utilização da prova como forma de concretizar e respaldar uma alegação proferida pela parte, bem como a importância da inversão do ônus, se necessário, caso este que será tratado mais adiante.

 

3 A prova no processo do trabalho

No que tange ao tratamento dispensado pela Consolidação das leis Trabalhistas a respeito da distribuição do ônus da prova, o art. 818 estabelece que “a prova das alegações incumbe à parte que as fizer” (BRASIL, 2013). Em razão da simplicidade deste artigo, e considerando-se a disposição do art. 769 da CLT, que permite a utilização do direito processual comum nos casos em que houver a omissão do direito processual do trabalho, faz-se necessária a aplicação subsidiária do art. 333 do Código de Processo Civil (BRASIL, 2013) ao direito trabalhista, que assim estabelece, in verbis: 

 O ônus da prova incumbe:

I-   ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;

II- ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

Dessa maneira, é nítida a necessidade de aplicação do dispositivo processual civil na seara trabalhista, uma vez que não existe contradição e nem incompatibilidade entre eles. Corroborando com tal entendimento, CARRION (2008, p. 564) elucida:

Ao processo laboral se aplicam as normas, institutos e estudos da doutrina do processo geral (que é o processo civil), desde que: a) não esteja aqui regulado de outro modo (“casos omissos”, “subsidiariamente”); b) não ofendam os princípios do processo laboral (“incompatível”); c) se adapte aos mesmos princípios e às peculiaridades deste procedimento; d) não haja impossibilidade material de aplicação (institutos estranhos à relação deduzida no juízo trabalhista); a aplicação de institutos não previstos não deve ser motivo para maior eternização das demandas e tem de adaptá-las às peculiaridades próprias.

Em contrapartida, vários doutrinadores defendem a aplicação do art. 818 do Diploma Consolidado sem a possibilidade de utilização subsidiária do art. 333 do CPC. O entendimento tem como alicerce a incompatibilidade dos dispositivos, além da não omissão da CLT a respeito do tema. Assim é que TEIXEIRA FILHO (2003, p. 126) javascript:void(0); adverte:

[…] o art. 818 da CLT, desde que o intérprete saiba captar, com fidelidade, o seu verdadeiro conteúdo ontológico, deve ser o único dispositivo legal a ser invocado para resolver os problemas relacionados ao ônus da prova no processo do trabalho, vedando-se, desta forma, qualquer invocação supletiva do art. 333, do CPC, seja porque a CLT não é omissa, no particular, seja porque há manifesta incompatibilidade com o processo do trabalho.

Seguindo a mesma linha de raciocínio, SILVA[2] (apud ALMEIDA, 2011, p. 64), alega que o art. 818 da CLT tem o condão de evidenciar a:

[…] prudência e moderação do longínquo e eficiente legislador de 1943. Sobre o ônus da prova, apenas disse, no art. 818, que ‘a prova das alegações incumbe às partes que as fizer’. Esse dispositivo não é uma divisão do ônus da prova nem por ele se pode reduzi-la, pois as alegações fazem tanto o autor, quando requer, como o réu, quando contesta. Ora, se a cada um cabe provar o que ‘alega’, é de cada um o ônus das alegações. Portanto, há distribuição igual do ônus da prova, ficando reclamante e reclamado com o encargo da prova do que afirmar. Foi clara a intenção do legislador de não transportar para o âmbito do processo do trabalho a teoria do ônus da prova do processo civil.

Assim, embora grandes doutrinadores defendam a não aplicação supletiva da regra de distribuição do ônus do processo civil no processo trabalhista, a maior parte do entendimento doutrinário pauta-se na aplicação subsidiária, principalmente pelo fato de não haver qualquer contradição e incompatibilidade entre os dispositivos.

Com efeito, o art. 333 do Código de Processo Civil complementa o art. 818 da Consolidação das Leis Trabalhistas, sobretudo quanto ao critério de julgamento a ser adotado pelo magistrado no momento em que se deparar com a insuficiência da prova de determinado fato controverso e relevante para o deslinde do litígio (ALMEIDA, 2011, p. 66).

Ainda, o descompasso entre a necessidade social e a solução adotada pelo processo do trabalho no deslinde de um caso concreto, permite a utilização supletiva do processo comum (omissão ontológica). Sob essa ótica, percebe-se a necessidade do uso do Código de Processo Civil quando este apresentar normas mais benéficas e dinâmicas a situação fática. Portanto, quando houver uma norma na CLT, ainda que específica, mas que esteja em desacordo com a realidade social, o juiz estará autorizado a utilizar o direito processual comum, visando adotar uma solução mais condizente com as necessidades sociais (ALMEIDA, 2009, p. 15).

Nesse sentido, pode-se constatar a importância da utilização das normas do processo civil, que tenham eficácia, flexibilidade e dinamicidade, no processo laboral, alcançando-se, assim, um processo mais célere e efetivo.

 

3.1 A possibilidade de inversão do ônus da prova no processo do trabalho 

A teoria acerca da inversão do ônus da prova no Processo do Trabalho cada vez mais ganha espaço entre a jurisprudência e doutrina pátrias. A sua utilização faz-se pertinente tendo em vista a necessidade de equilibrar a relação trabalhista, transferindo-se, assim, o ônus da prova que seria do empregado ao empregador.

Nesse sentido, ALMEIDA (1995, p.180) esclarece que a inversão do ônus da prova no processo do trabalho tem como objetivo a modificação da situação de desequilíbrio existente entre os principais sujeitos da relação de emprego, sobretudo no que diz respeito ao trabalhador.

A Consolidação das Leis Trabalhistas não trata expressamente da inversão do ônus da prova, contudo, com o advento do Código de Defesa do Consumidor, o magistrado passou a ter um respaldo legal para solucionar os conflitos e tentar equilibrar a diferença existente entre os pólos que compõem a relação laboral. Isso porque o art. 6º, VIII do CDC poderá ser utilizado e aplicado de forma subsidiária para solucionar a lide, visando igualar a relação de desequilíbrio de forças entre as partes.

Corroborando com tal entendimento, TEIXEIRA FILHO (2003, p. 166), apesar de acreditar na autossuficiência do art. 818 da CLT, defende a utilização supletiva da norma, vejamos:  

(…) conquanto entendemos que o art. 818, da CLT, é auto-suficiente, em matéria de ônus probandi, nada obsta a que se utilize, em caráter supletivo, a regra inscrita no inciso VII, do art. 6º, do CDC, máxime, nos casos em que o trabalhador for, verdadeiramente, hipossuficiente.

Nesse diapasão, é nítida a importância da utilização da inversão do ônus da prova no direito trabalhista, pois o reclamante, na maioria das vezes, não é capaz de produzir a prova que sustenta sua alegação, devido ao seu estado de hipossuficiência ou até mesmo em decorrência da alta onerosidade para a sua produção, inviabilizando-se, assim, o próprio direito pleiteado (PAULA, 2001, p. 151).

            No mesmo sentido, o Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais perfilha seu entendimento:

 EMENTA: HORAS EXTRAS. ÔNUS DA PROVA. AUSÊNCIA DOS CARTÕES DE PONTO. SÚMULA 338 DO TST. A ausência injustificada de controle e registro da jornada de trabalho pela empregadora, nos termos do art. 74 da CLT, implica inversão do ônus de prova, gerando, com isso, presunção favorável à reclamante quanto aos horários de trabalho declinados na peça de ingresso. Trata-se da aplicação do entendimento consolidado pelo item I da Súmula 338 do TST. Sendo relativa essa presunção, ela pode ser elidida por prova em contrário. Deve, assim, ser sopesada pelo magistrado, não atingindo direitos que tenham sido afastados por outro meio de prova. A convicção do julgador, portanto, também se forma com apoio nas demais provas existentes nos autos. Desse modo, a confissão presumida é tão-somente um dos meios de prova destinado a apreender a realidade vivenciada no contrato de trabalho. (BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho. Recurso Ordinário nº 00463-2010-107-03-00-8. Recorrente: Juliana Márcia Silva Santos. Recorrido: Mongeral Aegon Seguros e Previdência S.A.
(TRT da 3.ª Região; Processo: 00463-2010-107-03-00-8 RO; Data de Publicação: 04/04/2011; Órgão Julgador: Sexta Turma; Relator: Emerson Jose Alves Lage; Revisor: Anemar Pereira Amaral; Belo Horizonte, 01 de abril de 2013. Pág. 219. Disponível em: <https://as1.trt3.jus.br/juris/detalhe.htm?conversationId=11632>. Acesso em 22 de maio de 2013).

Assim, percebe-se a pertinência da abordagem a repeito do tema, que é tratado expressamente no Código de Defesa do Consumidor em seu art. 6º VIII (BRASIL, 2013), in verbis: 

Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:

(…)

VIII- a facilitação da defesa de seus direitos inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências. 

Portanto, dada à vulnerabilidade do consumidor, torna-se necessário a aplicação da regra de inversão do ônus da prova no intuito de equilibrar as partes que são desiguais tanto técnica quanto economicamente. Sendo assim, o magistrado deverá observar a incidência da verossimilhança das alegações ou da hipossuficiência do consumidor para aplicar a inversão do ônus probandi.

De acordo com LOPES (2002, p. 50), “a alegação verossímil é que tem aparência de verdade”. O juiz terá que analisar se há motivos para crer ou não nas afirmações do autor. Ainda, o art. 335 do CPC (BRASIL, 2013) aduz que “[…] o juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e ainda as regras da experiência técnica […]”.

Além da análise do critério supracitado, deverá o magistrado observar outro requisito, qual seja: a hipossuficiência do consumidor, que se traduz pela sua capacidade econômica e técnica. Todavia, a hipossuficiência não está ligada apenas ao conteúdo financeiro, mas também ao social, de técnicas, de informações, portanto, estando o consumidor em manifesta posição de desequilíbrio diante do fornecedor (PAULA, 2001, p. 150).

Nessa esteira, observado tais requisitos, a inversão do ônus da prova é um dos caminhos facilitadores para a defesa do consumidor, sendo imposta por força de lei devido à situação de desigualdade entre os litigantes. Outrossim, a proteção conferida pelo código consumerista, visa estabelecer uma relação de equilíbrio, sujeitando-se o fornecedor a produção da prova, já que dispõe de uma facilidade maior que o consumidor (PAULA, 2001, p. 151).

Diante do exposto, nota-se que o Código do Consumidor muito se assemelha ao Processo Trabalhista, sendo viável, assim, a aplicação subsidiária do dispositivo da inversão do ônus da prova na seara trabalhista. Afinal, tanto o direito consumerista quanto o direito laboral são edificados em um alicerce basilar e fundamental, o qual é o da hipossuficiência de uma das partes.

 

4 A inversão como meio de acesso à justiça: uma visão principiológica 

A importância da teoria da inversão do ônus da prova é visível quando se trata da posição de igualdade dos litigantes no processo, essencialmente devido ao fato da sentença apoiar-se nas provas produzidas nos autos.

Desse modo, o equilíbrio da distribuição do ônus da prova, bem como a utilização da inversão quando necessário, alcança de modo justo e efetivo o devido processo legal, facilitando-se, assim, o acesso à justiça.

Nesse sentido, ALMEIDA (2009, p. 16) explicita:  

A nosso juízo, verificando o descompasso entre as necessidades sociais e a solução adotada pelo direito processual do trabalho e visando favorecer o acesso à justiça e a realização concreta dos direitos assegurados pela ordem jurídica, notadamente os de natureza fundamental, o juiz está autorizado a recorrer ao direito processual comum para adotar a solução que seja mais condizente com as necessidades sociais. 

Com efeito, a inversão do ônus da prova, quando necessária, deve ser utilizada para patrocinar o acesso à justiça do trabalho, todavia, sempre que este instituto for empregado, será necessária a observância de alguns princípios, quais sejam: o da aptidão para a prova; o do in dúbio pro operário e o da pré-constituição da prova.

O princípio da aptidão estabelece que a prova deverá ser produzida por aquela parte que a detém, independente de ser autor ou réu, desde que haja a inacessibilidade e dificuldade de apresentação  por alguma das partes (PAULA, 2001, p. 139).

A propósito, PAULA (2001, p. 143) afirma, em conclusão, que: 

Indiscutivelmente, o princípio será aplicado todas as vezes em que o empregado não pode fazer a prova a não ser através de documento ou coisa que a parte contrária detém. Partindo do princípio da boa fé, que informa a conduta processual dos litigantes, todas as vezes que o documento, por seu conteúdo, for comum às partes, haverá também a inversão do ônus da prova, competindo ao empregador colacioná-lo, sob pena de serem admitidas como verdadeiras as alegações feitas pelo empregado. 

Assim, verifica-se que o tema geral que envolve o princípio supracitado é a questão da disponibilidade dos meios probatórios, o problema cinge-se no fato de transferir o encargo do ônus probandi àquele que está apto a isso, tornando concreto, dessa forma, o direito da parte.

Já o Princípio do in dúbio pro operário, versa sobre a possibilidade do magistrado, em caso de dúvida razoável, interpretar a prova em benefício do trabalhador, que geralmente é o autor da ação trabalhista (LEITE, 2007, p. 257).

No entanto, a aplicação desse princípio deve ser feita de forma cautelosa, competindo ao juiz o dever de analisar com discernimento e ponderação o momento da sua utilização, para alcançar, assim, uma solução justa e adequada ao litígio.

Por fim, o princípio da pré-constituição da prova cuida-se daquele instrumento que já se encontra em poder da pessoa antes que se inicie o processo, como exemplo, as anotações dos horários de trabalho que devem ser feitas pelo empregador. Nesse sentido, cumpre destacar que o ônus da prova preconstituída caberá ao detentor desta, de forma a facilitar a solução da demanda.

Por todo exposto, nota-se a importância da utilização da inversão do ônus da prova, respeitando os princípios que a norteiam, para que assim seja possível alcançar uma justiça célere, rápida e eficiente, bem como torne concreto o seu acesso.

 

4 CONSIDERAÇÕES FINAISAs discussões que envolvem o ônus da prova sempre foram de fundamental importância para o desenvolvimento acerca do tema. Os doutrinadores e críticos, ao firmarem seus entendimentos, acabam por construir soluções que tornam concreta a realização dos direitos assegurados pela ordem jurídica.

Sob essa concepção, pode-se constatar a pertinência da utilização supletiva, no processo trabalhista, das normas presentes no direito comum, para garantir assim, um processo mais célere e efetivo.

Com efeito, as questões atinentes a respeito do ônus da prova no Código de Processo Civil, bem como a sua inversão, prevista no Código de Defesa do Consumidor, devem ser empregadas também no direito trabalhista sempre que necessário, vislumbrando-se assim, um processo mais flexível, dinâmico e eficaz.

Para tanto, é necessário, de acordo com SANTOS (2002, p. 43): 

[…] a disseminação de uma nova mentalidade dos operadores das ciências jurídicas, em especial, dos magistrados, no sentido de ampliar sua visão, dos conflitos sociais que nos cercam, passando a aplicar institutos, como a inversão do ônus da prova, não só nas demandas que envolvem as relações de consumo, mas em todas aquelas em que, sem o referido instituto, impossível a ampla produção de provas, e consequentemente, mais difícil a justa solução do litígio. 

Nesse sentido, conclui-se que enquanto não ocorre uma reforma no direito processual do trabalho, a utilização subsidiária de normas mais céleres e eficientes do direito comum, como a inversão do ônus da prova, faz-se imprescindível para garantir o acesso à tutela jurisdicional prestada pelos órgãos da Justiça do Trabalho.

 

REFERÊNCIAS

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______. Tribunal Regional do Trabalho. Recurso Ordinário nº 00463-2010-107-03-00-8. Recorrente: Juliana Márcia Silva Santos. Recorrido: Mongeral Aegon Seguros e Previdência S.A. Relator: Emerson Jose Alves Lage;  Belo Horizonte, 01 de abril de 2011.Pág. 219.Disponível em: <https://as1.trt3.jus.br/juris/detalhe.htm?conversationId=11632>. Acesso em 22 de maio de 2013. 

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NOTAS DE FIM

[1] Acadêmico do Curso de Direito do Centro Universitário Newton Paiva – 2013

[2] Silva, Antônio Álvares. , A prova com direito humano e direito fundamental das partes no processo judicial, Belo Horizonte, 2011, p. 64.Disponível em<http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/bitstream/handle/1843/BUOS8MRFX8/cleber_almeida_27.04.11.pdf?sequence=1> Acessado em 23 de maio de 2013.