Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva

 Clinton Neyder Leite Junior[1]

 

RESUMO: Com a globalização da economia e a busca das empresas pela maximização de seu lucro, a governança corporativa é um meio eficiente para que o empresário possa atingir um maior grau de confiabilidade perante o mercado de valores e a harmonia entre os entes componentes da empresa. Assim, o presente trabalho tem como escopo demonstrar o que é a governança corporativa e como as suas práticas influenciam no engrandecimento da organização.

 

PALAVRAS CHAVE: governança corporativa; valoração econômica; harmonia de poderes; práticas; globalização da economia; modelo de gestão.

 

Área de Interesse: Direito Empresarial.

 

1. Introdução

O objetivo do presente trabalho é analisar a importância do instituto da governança corporativa e suas práticas, que visam proporcionar o engrandecimento econômico da empresa e a harmonia entre os acionistas ou sócios. Serão tratados indistintamente os diversos tipos de sociedades, sejam empresárias, como no caso das sociedades anônimas e sociedades limitadas, ou não empresárias, como as simples e cooperativas, visto que a governança corporativa não se direciona unicamente ao grupo de sociedades empresárias, podendo ser aplicadas suas práticas em outros tipos de organizações, como as sociedades simples e as cooperativas.

Diante da atual situação financeira dos mercados pelo mundo, as práticas de governança corporativa procuram diferenciar as companhias que as utilizam das demais, tornando-as mais competitivas.

Para tanto, haverá o estudo da história do tema, passando-se pelos estudos feitos pelo ALI (American Law Institute), o Relatório Cadbury, que foi a primeira regulamentação sobre o instituto da governança corporativa, o Relatório Hampel, entre outros marcos que culminaram na formação atual do tema em foco.

Será estudado o conceito de governança corporativa e seus princípios, bem como as regulamentações referentes ao tema, tais como as alterações na Lei 6.404/74 (Lei 10.303/01), a Cartilha das Melhores Práticas de Governança Corporativa do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, o Novo Mercado e os Níveis 1 e 2 de Governança Corporativa da BM&FBOVESPA (antiga Bolsa de Valores do Estado de São Paulo) e a Cartilha de Recomendações da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) sobre governança corporativa.

Por fim, ocorrerá a observação prática do tema, com discussão sobre o que a CVM e a literatura têm a dizer sobre os efeitos das práticas de governança corporativa nas companhias.

 

2 Governança Corporativa 

2.1 Origem Histórica 

O movimento para formação do instituto da governança corporativa se iniciou em meados da década de 80, pelo ALI (American Law Institute), que desenvolveu diversos estudos com o fim de discutir melhores maneiras de gestão das sociedades empresárias. Tais estudos mobilizaram profissionais de áreas variadas, tais como Direito, Economia e Administração.

Em que pesem tais esforços, o primeiro registro concreto que se tem do instituto da governança corporativa encontra-se no Relatório Cadbury, elaborado por uma comissão da Bolsa de Valores de Londres, liderada por Adrian Cadbury, formada em conjunto de outras entidades profissionais e o Banco da Inglaterra. Datado de 1992, continha em anexo o Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa. O relatório continha disposições acerca de algumas das práticas empresariais utilizadas pelo mercado estadunidense que culminaram na expansão de diversas empresas americanas, que envolviam essencialmente o Conselho de Administração, no tocante a adquirir uma postura de oposição a ideia de que apenas determinado indivíduo ou grupo de indivíduos detinham o controle da empresa.

Após, mais precisamente no ano de 1994, e não menos importante, o American Law Institute publicou os Principles of corporate governance (Princípios de Governança Corporativa, em tradução livre).

O Relatório Hampel apareceu posteriormente e teve como escopo ampliar as recomendações dos trabalhos anteriores nos aspectos do papel dos conselheiros, sua remuneração, as relações com os acionistas, prestação de contas e auditoria e conselhos externos independentes (Lodi, 2000, p. 64)

Segundo Fábio Ulhôa (2010, p. 331), o movimento se expandiu por outros países: 

A partir de suas manifestações originárias nos países de common law, o movimento de governança corporativa estendeu-se, ao longo dos anos 1990, aos de tradição jurídica romana, expressando-se, por exemplo, em França (com os informes Vienot I e II), Itália (com o código de autodisciplina Preda, da Bolsa Italiana) e Espanha (único país em que o governo tomou a iniciativa de promover a discussão das regras de governança corporativa) 

Percebe-se que a aplicação da governança corporativa não se limitou apenas à Europa e aos Estados Unidos da América. Pode-se citar como exemplos de outras regulamentações relativas à governança o Korean Code of Best Practice for Corporate Governance, datado de setembro de 1999, o Princípios de Buen Gobierno para las sociedades peruanas, de julho de 2002 e o Código de Mejores Prácticas Corporativas, proveniente do México e elaborado em 2006. 

O Brasil, seguindo esta tendência, publicou por meio do IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa), em 1999, o seu primeiro Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa.

O IBGC, idealizado inicialmente pelo administrador de empresas Bengt Hallqvist e o professor João Bosco Lodi (este último é um dos mais citados autores no que se refere ao tema em estudo), foi fundado em 1995 em conjunto com diversos outros profissionais, com o nome de IBCA (Instituto Brasileiro de Conselheiros de Administração) e objetivava principalmente a gestão deste órgão tão importante das sociedades.

Porém, com o decorrer dos anos, verificou-se que as discussões dentro do Instituto se desdobraram para outros temas, tais como a diretoria, o conselho fiscal e a assembléia, o que fez com que o IBCA passasse a se denominar IBGC, tornando-se paradigma mundial no que concerne à governança corporativa.

No mesmo sentido, a Bolsa de Valores de São Paulo (BOVESPA) fundou em 2000 o Novo Mercado, que visa principalmente listar as empresas que pretendem abrir o seu capital, seguindo práticas básicas de governança corporativa. Criou também seus níveis diferenciados (Nível 1 e Nível 2) que se relacionam precipuamente a um aumento no grau de compromisso de adoção de práticas de governança corporativa.

A CVM (Comissão de Valores Mobiliários), autarquia federal, também regulamentou o tema por meio de sua Cartilha de Recomendações Sobre Governança Corporativa, de 2002.

Tais mudanças ensejaram inclusive alterações na Lei das Sociedades por Ações (Lei 6.404/76), que se fizeram por meio da Lei 10.303/01, que, segundo Rubens Requião (2010, p. 43), “[…] procura atualizar alguns sistemas ou institutos da Lei 6.404/76, com proclamado propósito de proteger os ditos acionistas minoritários.”

Nos dias atuais, o tema é amplamente discutido tanto na academia quanto no âmbito das empresas e vêm sendo cada vez mais difundidas e utilizadas as práticas de governança corporativa.

 

2.2 Conceito, princípios e abrangência

Governança Corporativa é o instrumento utilizado para aperfeiçoar a administração da sociedade empresária, de modo a realizar um esforço conjunto entre acionistas/quotistas, conselho de administração, conselho fiscal, assembléia geral, auditoria e outros entes da empresa em benefício ao desenvolvimento da mesma, garantindo também a sua longevidade. As práticas de governança corporativa, além de melhorarem a administração da companhia, procuram também o seu robustecimento perante o mercado, dando confiança aos investidores, estando estes mais seguros quanto ao investimento a ser realizado.

Dentre os vários conceitos existentes na literatura, aquele que se entende como o mais completo hoje é o presente nas Recomendações da CVM sobre Governança Corporativa: 

Governança corporativa é o conjunto de práticas que tem por finalidade otimizar o desempenho de uma companhia ao proteger todas as partes interessadas, tais como investidores, empregados e credores, facilitando o acesso ao capital. A análise das práticas de governança corporativa aplicada ao mercado de capitais envolve, principalmente: transparência, eqüidade de tratamento dos acionistas e prestação de contas. (2002, p. 2) 

Para Jorge Lobo (2006), a prática da governança corporativa não envolve apenas ações de certos entes da companhia, e sim o seu todo, abrangendo desde o acionista minoritário até os conselhos de administração.

De tal conceito pode-se retirar certos princípios que norteiam a governança corporativa, sendo os basilares a transparência, a equidade de tratamento dos acionistas e a prestação de contas.

A transparência não se traduz apenas na obrigação de informar, imposta em leis ou regulamentos, mas no desejo de disponibilizar as informações de interesse das partes interessadas. Tal transparência resulta em clima de confiança tanto dentro da empresa como nas relações com terceiros, passando uma boa imagem da empresa. (IBGC, 2010, p. 19)

A equidade de tratamento entre credores é o tratamento isonômico entre os sócios e acionistas das empresas, da forma mais correta aplicável ao caso concreto. (IBGC, 2010, p. 19)

Tal tratamento não resulta em igualdade total entre os acionistas ou quotistas majoritários e minoritários, já que os mesmos possuem diferença quanto ao número de ações/quotas e poder de decisão perante a assembléia geral, mas seria possível diminuir esta diferença atribuindo-se, por exemplo, direito de voto a cada ação ou quota.

Já a prestação de contas é o princípio pelo qual os sócios, administradores, conselho fiscal e auditores devem prestar contas de sua atividade, ficando obrigados quanto aos seus atos e omissões. (IBGC, 2010, p. 19)

Jorge Lobo (2006) lista ainda mais alguns princípios complementares aos primeiros: eticidade; proteção ao acionista minoritário; independência dos administradores; e função social da empresa.

A eticidade se traduz sendo o dever de, ao prestar qualquer tipo de informação, em especial àquelas que se referem aos balanços patrimoniais e financeiros, de seguir a estrita veracidade das informações prestadas. (Lobo, 2006)

Percebe-se como em alguns casos específicos, fusões milionárias baseadas em superfaturamentos e superestimativas de lucro fizeram com que surgissem diversos litígios entre empresas na década de 90, podendo ser citado o caso AOL/Time Warner, em desconformidade com o princípio da eticidade. (Lobo, 2006)

O ativismo societário consiste numa maior participação do acionista ou quotista no futuro da empresa, exercendo seu poder decisório. Seria, por exemplo, a participação do máximo de acionistas ou quotistas nas assembléias gerais, procurando o melhor para a sociedade empresária. (Lobo, 2006)

A proteção ao acionista minoritário estabelece que não possa haver na sociedade empresária um império sobre os acionistas controladores e os acionistas minoritários, cabendo ao legislador impor restrições ao exercício do poder na companhia, como, por exemplo, o quórum qualificado para decisão sobre determinadas matérias. (Lobo, 2006)

Para Fábio Ulhôa Coelho (2010, p. 286), o acionista majoritário ou controlador é aquele que “é titular de mais de metade das ações com direito de voto”, enquanto os acionistas minoritários são aqueles que possuem menos da metade das ações com direito a voto.

Quanto ao princípio da independência dos administradores, a boa governança corporativa pretende que os administradores sejam terceiros independentes e qualificados não vinculados nem aos acionistas controladores e nem aos minoritários, com o fim de tornar isentas de influência externas as suas decisões. (Lobo, 2006) 

O dever de responsabilidade imposto aos administradores das sociedades empresárias é aquele em que resultou até em dispositivo da Lei 6.404/74, qual seja, o art. 153, que prevê que o administrador “deve empregar, no exercício de suas funções, o cuidado e diligência que todo o homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios.” (Lobo, 2006)

No que concerne à abrangência de sua utilização, entende-se ser cabível a prática de governança corporativa a todos os tipos de sociedades empresárias, desde que sejam possíveis à realização do objeto social do empresário e não exijam esforço que possa inviabilizar a atividade empresarial.

É perceptível sua maior utilização pelas sociedades anônimas, pois as práticas de governança corporativa foram desenvolvidas para este tipo de sociedade empresária tendo em vista a sua complexidade organizacional e o seu objeto, bem como o mercado de valores mobiliários.

Ainda assim, mesmo sendo um instituto desenvolvido em especial para as sociedades anônimas, diante de um grande volume de notícias de sucesso das sociedades que decidiram empregar a governança corporativa com o objetivo de aumentar seu potencial societário e mercadológico, vêm agora diversas outras sociedades empresárias, como as limitadas, aderindo a tais práticas, o que vem fazendo que aumente o seu nível de competitividade.

Seria possível tal uso tendo em vista que as sociedades limitadas também possuem órgãos de gestão, como conselho fiscal e de administração, o que tornaria possível aplicar os modelos previstos na governança corporativa no sentido de profissionalizar os citados órgãos, bem como os princípios da transparência, prestação de contas e tratamento equitativo entre quotistas.

Também se observa que até os entes integrantes da Administração Pública Indireta nacional vêm absorvendo as práticas de governança corporativa à sua atividade. As sociedades de economia mista, entes públicos resultantes da descentralização estatal, que segundo Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo (2008, 16 ed., p. 73), são aquelas pessoas jurídicas de direito privado controladas pela Administração Pública Indireta, mas com participação do capital social privado e público, sob a forma de sociedades anônimas, que exploram atividades econômicas ou prestam serviços públicos. Exemplo da aplicação da governança corporativa às sociedades de economia mista é o Banco do Brasil S/A, que atualmente se vincula ao Novo Mercado da BOVESPA. 

Importante salientar que, como dito alhures, a aplicação das práticas de governança corporativa irá depender da estrutura e da necessidade do empresário. Seria inviável a aplicação da governança em empresários com uma estrutura organizacional simplificada. Sendo assim, antes da aplicação das práticas de governança corporativa, necessário será observar o binômio necessidade-utilidade.

 

3 A Governança Corporativa no Brasil 

O instituto da governança corporativa ganhou força no Brasil tendo em vista as experiências anteriores e bem-sucedidas dos países que aderiram as suas práticas, formando conselhos de administração mais atuantes e obtendo maior participação dos acionistas nas decisões da sociedade.

Para André Luiz Santa Cruz Ramos, a evolução da governança corporativa no Brasil se deu da seguinte forma: 

[…] A partir de então, vários outros países também aderiram ao movimento, o que ocorreu, inclusive, com o Brasil, onde, em 1999, foi publicado o nosso Código de Melhores Práticas de Governança Corporativa, pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), revisado e ampliado em 2001, após a criação do chamado Novo Mercado da BOVESPA, em 2000. A importância do movimento no Brasil já é tão grande que é facilmente perceptível sua influência na reforma da LSA levada a efeito pela Lei 10.303/2001[…]. (RAMOS, 2012, p. 279) 

Como marcos da governança corporativa no Brasil podem ser citados: 

    • A criação do IBGC, em 1995, com o fim inicial de melhorar a gestão dos conselhos de administração das companhias, bem como a elaboração do primeiro documento inerente à governança corporativa no país, o Código de Melhores Práticas de Governança Corporativa;
    • A criação do Novo Mercado da BOVESPA (Bolsa de Valores do Estado de São Paulo), juntamente com seus Níveis 1 e 2 de governança corporativa;
    • A alteração realizada na Lei 6.404/74 pela Lei 10.303/01;
    • A elaboração da Cartilha de Recomendações sobre Governança Corporativa da CVM – Comissão de Valores Mobiliários 

Tais valores surgiram em razão da mudança de paradigmas dos empresários brasileiros, que vem abandonando o modelo de controle familiar de administração das empresas para adquirirem modelo mais competitivo de administração, pautado na atuação mais incisiva dos seus conselhos e dos seus acionistas.

 

3.1 O IBGC e o Código de Melhores Práticas de Governança Corporativa 

O IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa), inicialmente denominado IBCA (Instituto Brasileiro de Conselheiros de Administração), surgiu em 1994, inicialmente com o objetivo de dar aos conselhos de administração atuação efetiva dentro das companhias. Por fim, e com o desenvolvimento da governança corporativa, o IBCA, em 1999, passou a se denominar IBGC e passou a tratar não apenas dos conselhos de administração, mas sim de toda a estrutura organizacional das sociedades empresárias aplicando-se a governança corporativa.

Diante dos seus estudos do tema, lançou em 1999 o seu Código de Melhores Práticas de Governança Corporativa, que, segundo Lodi (2000, p. 46), baseou-se em outros Códigos de Melhores Práticas, como o Relatório Cadbury e o Relatório Hampel. Focou-se basicamente no Conselho de Administração, ressaltando sua importância dentro das sociedades empresárias, suas competências, como fiscalização da gestão dos diretores e a eleição e destituição dos auditores independentes, transparência (disclosure), entre outros temas. Houve uma revisão de seu texto em 2001, passando a discorrer também sobre os outros integrantes da companhia, como sócios, conselho fiscal e gestores. A partir de então diante de diversos acontecimentos, como o renascimento do mercado de capitais, com companhias abrindo seu capital, surgiu a necessidade de adequar o Código às necessidades atuais das companhias, merecendo o Código nova reforma. (IBGC, 2010, p. 13)

Atualmente, o Código de Melhores Práticas de Governança Corporativa encontra-se em sua 4ª edição, que se encontra subdividida em 6 capítulos: propriedade (sócios/acionistas), conselho de administração, gestão, auditoria independente, conflito de interesses e conselho fiscal (IBGC, 2010, p. 15), os quais serão a seguir analisados. 

A parte inicial do Código dispõe sobre a propriedade da organização, que dá ao sócio/acionista tal propriedade na sociedade de acordo com sua participação no capital social. Elabora o conceito de “uma ação = um voto”, que consiste em atribuir a cada acionista ou quotista direito de voto na assembléia geral. Afirma ainda que, caso queira se propor alguma exceção ao conceito, que tal exceção seja devidamente fundamentada, para que não prejudique o acionista/quotista ou a empresa. (IBGC, 2010, p. 21)

Dispõe ainda sobre o acordo entre sócios ou acordo de acionistas, prevendo o Código que tais acordos sigam estritamente os princípios da transparência, eticidade e moralidade, no sentido de divulgar seu teor aos acionistas, conter mecanismos de solução de conflitos, não haver a restrição ou vinculação do voto dos membros do Conselho de Administração e abstenção da indicação de quaisquer diretores para a sociedade. (IBGC, 2010, p. 22)

Mais adiante trata sobre a Assembléia Geral, órgão máximo de deliberação da sociedade, apontando primeiramente para a sua convocação que, diferentemente de como dispõem os prazos elencados no art. 124, Lei 6.404/74, será de pelo menos de 30 (trinta) dias, para que haja uma adequada preparação do acionista/sócio quanto aos temas a serem tratados e, dependendo do tema a ser discutido, deve ser a convocação feita em prazo ainda maior. A pauta da Assembléia Geral deve ser pormenorizadamente elaborada, não podendo constar como item a ser tratado “outros assuntos”, pois o que se procura aqui é possibilitar ao sócio/acionista uma maior preparação para a deliberação. Traz ainda o Código uma abordagem de como devem ser a deliberação, como por exemplo, ao determinar que dados assuntos tenham quórum mais qualificado para sua aprovação. (IBGC, 2010, p. 23)

Quanto às relações de conflitos entre os sócios/acionistas, o Código traz soluções interessantes, como a previsão expressa no estatuto de quais situações possibilitam a retirada do sócio dissidente e a possibilidade da imposição da mediação e da arbitragem para solução de contendas.

Tratando sobre o Conselho de Administração, o instrumento normativo em comento sugere que seria este o órgão de maior importância no que concerne à aplicação das práticas de governança corporativa, uma vez que segundo o Código é “o guardião do objeto social e do sistema de governança. É ele que decide os rumos do negócio, conforme o melhor interesse da organização.” (IBGC, 2010, p. 29) 

Entre as atribuições do Conselho, pode-se destacar a prevenção e resolução de conflitos de interesses entre os acionistas e a defesa do objeto da sociedade empresária.

Os conselheiros devem ser pessoas capacitadas para tanto e que possam expressar livremente suas opiniões, sem se vincularem aos interessados. O prazo de mandato, segundo o Código, deve ser não superior a 2 anos, sendo limitada a possibilidade de reeleição, privilegiando a renovação do Conselho, devendo todos os conselheiros serem eleitos na mesma Assembléia Geral. O estatuto ou contrato social deverão expressar o número máximo de anos para exercício do cargo de conselheiro, evitando-se a vitaliciedade. (IBGC, 2010, p. 33)

Há uma concentração de deveres para o presidente do Conselho, das quais podem ser citadas as de coordenar os outros conselheiros, presidir as reuniões e organizar a agenda do Conselho. Importante dizer que não deve haver concentração de funções no presidente do Conselho ou no diretor-presidente, a fim de se evitar a concentração de poder dentro da companhia. É aconselhável que o diretor-presidente não seja membro do Conselho de Administração, mas que participe das reuniões como convidado. (IBGC, 2010, p. 36)

O Código não define um número específico de conselheiros para composição do Conselho de Administração, sugerindo o número de 5 (cinco) a, no máximo 11 (onze) de conselheiros. (IBGC. 2010, p. 36)

São definidos três tipos de conselheiros pelo Código, sendo estes os internos, externos e independentes. Internos são aqueles que já fazem parte da empresa, como diretores e funcionários. São externos aqueles que não possuem vínculo direto com a sociedade, como os prestadores de serviços (advogados, consultores). Independentes são os que são contratados especificamente por processos formais, não possuindo vínculo anterior com a sociedade. Há recomendação de que o Conselho de Administração seja formado por conselheiros externos e independentes, principalmente. (IBGC, 2010, p. 36)

A remuneração e a concessão de benefícios aos conselheiros devem passar por procedimento formal que atenda aos princípios de transparência e prestação de contas, devendo ser encaminhada a Assembléia Geral para aprovação, devendo ser discutida toda a remuneração dos conselheiros como salários, benefícios, gratificações e bônus. 

Devem também ser instituídos os Comitês do Conselho de Administração, capazes de exercer funções que, se fossem centralizadas apenas no Conselho, acabariam por inviabilizar as suas atividades, pois tais funções demandam dispêndio de tempo. Podem ser formados Comitês de, por exemplo, Recursos Humanos/Remuneração, Governança, Finanças e Sustentabilidade. (IBGC, 2010, p. 43)

O relacionamento com os demais componentes da companhia deve ser harmônico, devendo o Conselho atuar de forma eficiente e transparente. O Conselho deve manter canal de contato com os sócios, sem estar restrito às Assembléias Gerais ou reuniões. É o caso da instituição da ouvidoria. A relação entre o Conselho e o diretor-presidente pauta-se na reciprocidade, mantida a separação de poderes entre ambos. Quanto ao Conselho Fiscal, será pautada pela transparência, devendo o Conselho de Administração prestar todas as informações úteis para o exercício das atribuições do Conselho Fiscal, como, por exemplo, fornecer cópia de todas as atas das reuniões do Conselho de Administração. (IBGC, 2010, p. 48)

No que toca à gestão da organização, esta é a função essencial do diretor-presidente, que atua como um verdadeiro elo entre Diretoria e o Conselho de Administração. (IBGC, 2010, p. 54)

Os diretores são responsáveis pelas suas atribuições. Devem prestar contas e atuar de forma transparente perante o Conselho de Administração, sócios/acionistas e demais entes da sociedade. São escolhidos pelo diretor-presidente e sua remuneração é submetida a análise do Conselho de Administração, que se fará do mesmo modo que a remuneração dos conselheiros. (IBGC, 2010, p. 54)

O capítulo seguinte do Código é dedicado a atividade do auditor independente. Possui como atividade a fiscalização das demonstrações financeiras da sociedade, para aferição de sua adequação à realidade.

Tal atividade é de suma importância para a organização, pois o auditor independente atua no sentido de atribuir confiabilidade às demonstrações financeiras da companhia. Essa importância foi aumentada logo depois que se teve notícia de diversos escândalos envolvendo demonstrações financeiras das companhias, como os casos Enron e Xerox, que fraudaram seus demonstrativos com o objetivo de ganharem maior visibilidade no mercado. 

Assim, no panorama da governança corporativa, os auditores independentes exercem papel determinante no sentido de aumentar a confiabilidade na companhia, atraindo o mercado de valores e novos investidores, além de manter os investidores que já mantinham vínculo com a organização.

Os auditores independentes se reportam ao Conselho de Administração ou o Comitê de Auditoria identificando as deficiências relevantes encontradas na administração contábil da empresa, propõem alternativas contábeis, a avaliação de riscos e a análise de possibilidades de fraude, entre outras atribuições. (IBGC, 2010, p. 59)

O penúltimo capítulo do Código de Melhores Práticas de Governança Corporativa do IBGC trata sobre outro órgão de extrema relevância dentro da sociedade empresária: o Conselho Fiscal.

O Código atribui ao Conselho Fiscal alguns objetivos, como fiscalizar os atos dos administradores e verificar o cumprimento dos deveres legais e estatutários.

Ressalta-se que os conselheiros fiscais também devem ser independentes, sendo selecionados preferencialmente pelos sócios não controladores. (IBGC, 2010, p. 63)

A relação entre os entes da companhia deve ser de isenção, pois o Conselho Fiscal se responsabiliza para com a organização, e não com os interesses dos sócios ou o Conselho de Administração. Quanto aos comitês e os auditores, devem os conselheiros fiscais atuar fiscalizando e cooperando com os mesmos. Sua remuneração deve ser adequada, de acordo com os trabalhos realizados, divulgando-se individualmente as remunerações.

Por fim, o último capítulo do Código dispõe sobre conduta e conflito de interesses. O código de conduta, elaborado conjuntamente pelo Conselho de Administração e a Diretoria. Além dos preceitos contidos em lei, o código de conduta preverá os princípios e políticas que guiarão a atividade empresarial, bem como o modo de efetuar as denúncias ou resolução de conflitos. (IBGC, 2010, p. 66)

O código de conduta deve abranger todos os integrantes da companhia, desde funcionários aos diretores. O código deve tratar sobre temas como política de negociações das ações da empresa, prevenção e tratamento de fraudes, cumprimentos de leis, pagamentos ou recebimentos e conflitos de interesses, meio ambiente, entre outros.           

            Assim, termina-se o estudo do Código do IBGC e começa a observação de outro importante marco: as regulamentações da BM&FBOVESPA.

 

3.2 O Novo Mercado e os Níveis de Governança Corporativa da BM&FBOVESPA 

Criado em dezembro de 2000 pela BOVESPA (hoje denominada BM&FBOVESPA), o Novo Mercado, juntamente com os Níveis Diferenciados de Governança Corporativa 1 e 2 foram um dos marcos da governança corporativa no Brasil. A elaboração de tais segmentos teve como objetivo precípuo melhorar o ambiente de negociação no mercado de valores, visando atender os interesses dos investidores e valorização da companhia. Enquanto o Novo Mercado cuida de proporcionar a abertura de capital das companhias, os Níveis 1 e 2 se dirigem a empresas que já possuem ações negociadas na Bolsa de Valores, Mercadorias e Futuros (BM&FBOVESPA).

Ao aderirem ao Novo Mercado, as empresas assumem compromissos de governança corporativa, no sentido de que ocorra uma melhor prestação de informações que proporcionem facilidade ao acompanhamento da administração e a sua fiscalização bem como a adoção de regras societárias que busquem a redução de desigualdades entre os acionistas, perseguindo o equilíbrio, atraindo também a confiança dos investidores.

A adesão ao Novo Mercado da BM&FBOVESPA se dá por meio de acordo de vontades, que culmina em contrato. Com a assinatura do instrumento, as partes se obrigam a cumprir o Regulamento de Listagem do Novo Mercado, em que estão os requisitos adicionais do segmento. É adotada a arbitragem para a solução de conflitos entre acionistas.

O Novo Mercado traz ainda algumas das providências já contidas no Código de Melhores Práticas de Governança Corporativa do IBGC, como as pertinentes a emissão exclusiva de ações ordinárias, com direito a voto.

A sociedade empresária pode rescindir o contrato que a vinculou ao Novo Mercado, retornando ao mercado tradicional. A principal característica dessa rescisão é a sociedade não estar mais obrigada a cumprir os preceitos do Regulamento de Listagem. Em que pese tal fato, existe uma “compensação”, por assim dizer, quanto a saída da empresa. A retirada deve ser aprovada por uma assembleia geral e comunicada com antecedência de 30 dias à Bolsa, além de oferta pública de aquisição das ações em circulação por, no mínimo, seu valor econômico.

A adesão ao Nível 1 se dá também por meio de contrato, não sendo automática mesmo que a sociedade empresária esteja inscrita no Novo Mercado e preencha todos os requisitos para se vincular ao Nível 1. Para tanto, é necessária a assinatura do Contrato de Adoção de Práticas de Governança Corporativa Nível 1, cabendo à BM&FBOVESPA a fiscalização e punição dos infratores.

A maior parte dos compromissos contidos no Nível 1 se referem a transparência, que é observada na maior divulgação de informações que auxiliam na avaliação de valoração da empresa, sendo vedada a emissão de partes beneficiárias.

É possível, da mesma forma em que é prevista para o Novo Mercado, o desalistamento da companhia do segmento, importando a rescisão do contrato e retorno ao mercado tradicional.

Quanto ao Nível 2, apresenta este também a faceta de que seja ampliada a prestação de informações aos sócios/acionistas, sendo modelada de acordo com padrões internacionais, além de se instituírem práticas com o objetivo de conseguir equilíbrio entre acionistas, como, por exemplo, a atribuição de voto em determinados assuntos às ações preferenciais. A adesão também é voluntária, como no Novo Mercado e no Nível 1, bem como a rescisão se dá nos mesmos moldes dos demais segmentos.

A diferença principal entre o Nível 2 e o Novo Mercado reside na possibilidade de emissão de ações preferenciais pelos aderentes ao Nível 2, o que não ocorre com os aderentes ao segmento do Novo Mercado, pois neste existem apenas ações ordinárias com direito a voto.

Assim, por tal motivo, O Novo Mercado direciona-se à listagem de empresas que desejam abrir seu capital e o Nível 2 àquelas que já possuem ações preferenciais no mercado e, num primeiro momento, não podem convertê-las em ações ordinárias. É necessário afirmar que, no caso de adesão ao Nível 2, os investidores que adquiriram ações preferenciais possuem direito de voto quando a deliberação tratar de temas como avaliação de bens que concorram para o aumento do capital e transformação, cisão, fusão e incorporação da companhia.

Com tais considerações, é possível afirmar que os segmentos instituídos pela BM&FBOVESPA visam a proteção do investidor e também a igualdade de tratamento entre sócios, pautados na transparência e prestação de contas confiável por parte da empresa, atribuindo à mesma uma melhoria de sua imagem no mercado de valores e a sua valoração.

 

3.3 As alterações efetuadas pela Lei 10.303/01 sob a influência das práticas da boa governança corporativa 

A Lei 10.303/01 realizou diversas alterações na Lei 6.404/76, sob a forte influência do movimento de governança corporativa. De tais mudanças, podem ser citadas como mais relevantes: 

    • A possibilidade dos acionistas minoritários (10% das ações em circulação) poderem convocar assembléia especial para deliberar sobre a oferta pública de ações quando do fechamento do capital da companhia (art. 4º-A);
    • A redução da proporção de emissão de ações preferenciais sem direito a voto de 2/3 para 50% do total das ações emitidas (art. 15, §2º);
    • Alteração no regime de preferências e vantagens nas ações preferenciais (art. 17);
    • Concessão de maior prazo para a primeira convocação da assembléia-geral (art. 124, § 1º);
    • Maior quantidade de documentos que se encontrarão à disposição dos acionistas para deliberação quando da realização da assembléia-geral (art. 133, IV, V e § 2º);
    • Inclusão do direito de acionistas minoritários elegerem ou destituírem membro ou suplente do conselho de administração e conselho fiscal com votação em separado da assembléia-geral (art. 141, § 4º e art. 161, §4º); 

Com a leitura das alterações efetuadas em cotejo com o texto original da Lei 6.404/76, pode-se perceber que a Lei 10.303/01 teve o claro intuito de delegar mais poderes aos acionistas minoritários, como no caso do art. 141, § 4º, em que podem eleger ou destituir em separado da assembléia-geral um dos conselheiros e suplentes do Conselho de Administração.

Entretanto, os preceitos contidos na Lei 10.303/01 não vinculam as companhias, no sentido de ficarem ligadas exclusivamente às práticas previstas em lei, podendo e devendo reformar seus estatutos no sentido de inserirem os preceitos expostos nas melhores práticas de governança corporativa e em que foi silente a lei, como, por exemplo, atribuir maior prazo do que o previsto em lei para convocação da assembleia-geral.

Assim, entende-se que a Lei 10.303/01 teve o objetivo de introduzir na Lei das Sociedades por Ações alguns dos princípios de governança corporativa, como a transparência, equidade de tratamento de acionistas e prestação de contas, melhorando a gestão das companhias e a relação entre os sócios. De forma geral, a Lei 10.303/01 constituiu-se horizonte para a introdução de práticas de governança corporativa nas companhias, podendo as mesmas também criarem suas regras no sentido de promover tais práticas.

 

3.4 A Cartilha de Recomendações da CVM Sobre Governança Corporativa

No ano de 2002, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), autarquia federal, responsável pela normatização e operações envolvendo valores mobiliários, bem como a fiscalização das sociedades anônimas abertas, elaborou a sua Cartilha de Recomendações Sobre Governança Corporativa.

Desta feita, em posse de tais considerações, é de se observar que a Cartilha teve os mesmos princípios das demais regulamentações já existentes à época, como os segmentos de Novo Mercado e Níveis 1 e 2 de Governança Corporativa da BM&FBOVESPA, o Código de Melhores Práticas de Governança Corporativa do IBGC e as alterações realizadas na Lei de Sociedades por Ações pela Lei 10.303/01.

É ressaltado também o caráter de complementaridade da Cartilha, pois a mesma se omite em alguns pontos onde já existe prescrição legal sobre o assunto. Salienta-se que a Cartilha deve ser utilizada de acordo com as necessidades das companhias, atendendo ao interesse das mesmas e que o documento em comento não vincula nenhum empresário, pois se tratam de meras sugestões emitidas pela CVM.

Quanto ao conteúdo da Cartilha, verifica-se que se assemelha bastante ao que foi anteriormente visto nas outras regulamentações analisadas, complementando pontos obscuros deixados pelas outras normas.

Trata a Cartilha sobre a assembléia-geral, acordos de acionistas, conselho de administração e conselho fiscal, no que toca a sua composição e estrutura, proporção de ações ordinárias e preferenciais, direito de voto dos minoritários, padronização internacional de divulgação de informações e auditorias.

Neste ponto, convém dizer que a análise pormenorizada de cada sugestão culminaria em repetição do que já foi dito anteriormente quando da análise dos outros dispositivos normativos brasileiros referentes à governança corporativa, o que prejudicaria o objeto de estudo do presente trabalho.

 

4 Importância prática da Governança Corporativa 

Desde o início da atividade empresarial no mundo sempre se desejou que a mesma extraísse o máximo de lucro possível do seu exercício. A governança corporativa é meio hábil a atingir tal objetivo harmonizando os interesses de todos os envolvidos na atividade, com o fim de atribuir valor à empresa.

Ao fazer uso das práticas de governança corporativa, a sociedade assume compromisso com os princípios de transparência, equidade no tratamento de acionistas/sócios e prestação de contas (accountability). Para que tenham a devida efetividade, é necessária a atuação na gestão pelo Conselho de Administração da companhia. José Antônio Rodrigues (2004, p. 114) diz que “o Conselho deve ser o órgão responsável por delinear estratégias, monitorar resultados, definir o orçamento de capital e a estrutura de financiamento.”

Entretanto, a prática empresarial por muito tempo pecou por não atribuir ao Conselho de Administração esse grau de profissionalismo. Em várias oportunidades verificou-se a atuação deficiente de tal órgão, geralmente gerido por profissionais que concentravam uma larga gama de funções, ocorrendo na maioria dos casos o império dos acionistas controladores sobre os acionistas minoritários e conflitos societários. Assim, restou claro que a gestão das organizações deveria se profissionalizar

No Brasil, a profissionalização da administração das sociedades empresárias se deu com a utilização de conselheiros e auditores independentes capazes de gerir a sociedade sem a intervenção dos interesses dos demais órgãos das organizações.

Há a discussão sobre a existência da efetividade dos princípios de governança corporativa. Para Mônica Gusmão (2011, p. 404), “falta a efetiva concreção”. A autora, visando corroborar seu entendimento, cita ainda John Plender e Avinash Persaud (2005, p. 82), dizendo que “Os Códigos de Governança Corporativa estão se proliferando […], contudo os escândalos corporativos continuam surgindo […] O que deve ser feito?”

Diferentemente do entendido pela ilustre jurista, Fábio Ulhôa (2010, p. 333) entende que “o movimento de governança corporativa é uma tentativa de revitalizar os mecanismos de autofinanciamento das empresas através de capitalização ou securitização no mercado de valores mobiliários”.

Diversos estudos identificam a eficácia das práticas de governança corporativa nas empresas. Em junho de 2000, a McKinsey & Co, em parceria com o Banco Mundial conduziu uma pesquisa (“Investors Opinion Survey”) junto a investidores da Ásia, Europa e América Latina representando um total de carteira superior a US$ 1.650 bilhões, destinada a detectar e medir eventuais acréscimos de valor às companhias que adotassem boas práticas de governança corporativa. Como resultado, verificou-se que 80% dos investidores pagariam entre 18% e 28% a mais por ações de empresas que adotam melhores práticas de gestão, pautadas na transparência, equidade de tratamento entre sócios/acionistas e prestação de contas confiável. Tal informação apenas confirma que as sociedades empresárias que investem na governança corporativa melhoram sua imagem perante o mercado de valores, o que resulta no aumento de valor de suas quotas ou ações.

Como exemplo brasileiro de uma organização que se utiliza das práticas de governança corporativa e vem colhendo os frutos de tal uso é a Vale S/A. Após instituir a governança corporativa, seguindo as regras indicadas pela Bolsa de Valores de Nova Iorque, reorganizou o seu conselho de administração, possuindo atualmente 11 conselheiros e 11 suplentes; instituiu diversos comitês, entre eles o de Governança e Sustentabilidade; inseriu em seu sítio eletrônico informações sobre os pareceres de do conselho fiscal, as atas das assembléias e outros documentos, disponíveis a qualquer um que se interesse por observá-las e; elaborou seu próprio código de ética.

 

4.1 Atuação da CVM na aplicação das práticas de Governança Corporativa

A CVM também vem atuando no sentido de que cada vez mais as companhias se utilizem da governança corporativa, profissionalizando a sua gestão e aumentando a confiabilidade na empresa perante o mercado de valores, como se pode observar nos casos concretos a seguir analisados.

Em atendimento ao princípio da equidade de tratamento entre sócios/acionistas pode ser encontrada na decisão de recurso no processo RJ2000/6117 a necessidade da companhia realizar oferta pública de suas ações quando do fechamento do seu capital, valendo destacar de tal decisão o seguinte: 

Nada mais justo e razoável, assim, que os acionistas da BR possam se manifestar quanto à operação através da aceitação da permuta de suas ações por ações da Petrobras formulada através de oferta pública.De outro modo, restaria aos minoritários da BR, que aplicaram suas poupanças baseados em decisões conscientes de investimento, a frustração de sua confiança no funcionamento eficiente e regular do mercado de capitais do País, pois passariam a deter ações de outra companhia, sem que tenham sido consultados ou concorrido para tal, e, ao menos, ouvidos quanto ao seu valor, quando, repita-se, é a mesma vontade que se manifesta dos dois lados.
A oferta prévia não só é legítima como se coaduna com os princípios de boa governança corporativa de que devem estar imbuídas as companhias que se valem do mercado para se capitalizarem. É através de bons exemplos que o mercado de capitais brasileiro poderá se desenvolver e se tonar respeitado. Só assim nossas empresas terão condições de aumentar a captação de recursos no mercado de capitais e aumentar dessa forma a sua contribuição para o desenvolvimento nacional.

Assim sendo, para atingir o objetivo de incorporar a totalidade das ações de controlada, deve a Petrobras previamente realizar oferta pública de compra da totalidade das ações de emissão da BR em circulação no mercado. E, considerando que declarou intenção de fechar o capital da aludida BR, a oferta deverá seguir os trâmites da Instrução 229/95. 

Diante de tal posicionamento percebe-se o cumprimento do art. 4º-A da Lei 6.404/74, inserido pela Lei 10.303/01, oferecendo assim, proteção aos acionistas minoritários da Petrobras e mantendo a confiabilidade na companhia.

Quanto à transparência das informações fornecidas pela sociedade empresária, a CVM vem atuando no sentido de forçar as organizações a divulgá-las, atendendo ao princípio em comento, tomando até medidas mais radicais para a proteção do mercado e dos investidores, como a suspensão do registro da empresa, conforme se pode notar quando da leitura do teor da decisão proferida pelo Colegiado no processo de número RJ2010/14737: 

Em seu voto, o Relator ressaltou que a suspensão do registro não constitui medida de sanção contra a emissora, mas instrumento de que a CVM dispõe para (i) fazer com que a emissora preste as informações exigidas; e (ii) proteger o mercado, uma vez que aquela emissora vem deixando sistematicamente de divulgar as informações que devem servir de base às decisões de investimento. Embora a suspensão possa se mostrar gravosa para a base atual de investidores brasileiros da emissora estrangeira, trata-se de verdadeiro esforço de proteção ao mercado, uma vez que, desta forma, se impede a atuação de emissores que estão inadimplentes em suas obrigações de cunho informacional por um período significativo. Assim, a suspensão do registro deve ser mantida até que o registro da Recorrente esteja devidamente atualizado com o cumprimento de todas as obrigações periódicas e eventuais. Qualquer outra decisão representaria verdadeira anuência com a falta de transparência, senão a conivência com as más práticas no que tange ao envio de informações ao mercado – e é por haver rompido com esse padrão que o mercado brasileiro vem, nos últimos tempos, se diferenciando.

O Colegiado, acompanhando o voto do Relator Otavio Yazbek, deliberou o indeferimento do recurso apresentado pela Agrenco Limited e a manutenção da decisão da SEP que denegara o pedido de reversão da suspensão de registro da emissora. (CVM, 2011) 

A atual dinâmica do mercado de valores não pode admitir que a sociedade empresária omita informações de interesse dos sócios, sob pena de se incorrer em verdadeira anuência às práticas fraudulentas ou mesmo ao império dos sócios/ acionistas majoritários ou controladores sobre os acionistas minoritários, o que diminui potencialmente o grau de confiabilidade dos investidores para com a organização.

No processo RJ2002/4932, foi destacada a importância da atribuição de voto na assembléia-geral às ações preferenciais da companhia, exaustivamente ressaltada quando da análise do Código de Melhores Práticas de Governança Corporativa do IBGC. No caso em análise, uma interpretação errônea do estatuto social retirava o direito de voto do acionista preferencial sob a condição de recebimento de dividendo privilegiado, senão confira-se: 

Efetivamente, seria iníquo para o acionista, que tem como contrapartida da exclusão de seu voto o recebimento de um dividendo privilegiado, assistir amordaçado o desenrolar da decadência da sociedade sem poder interferir. É irrazoável admitir-se que fique à frente da sociedade quem deu margem aos prejuízos, sob o risco de se atingir a total desvalorização do patrimônio social. Evidentemente não foi esse desígnio antidemocrático que movimentou o legislador. O espírito é permitir o exercício do poder de controle pelos acionistas prejudicados, ao menos, até que a sociedade retorne a seu rumo.
Já é questionável, em termos de boa Governança Corporativa, a existência de ações sem direito de voto, quiçá admitir-se que tais ações também fiquem indiscriminadamente privadas de participar dos lucros, direito intangível do acionista.
O direito de participar dos lucros sociais tem caráter periódico (anual). Assim, a cada ano em que não se pagam os dividendos está-se impedindo um direito essencial do acionista. A contrapartida para essa obstrução só pode ser o direito de votar para tentar sustar a infração continuada. Trata-se de direito individual do acionista, ope legis, insuscetível de modificação, nem mesmo pela Assembléia Geral.
Assim, a única conclusão lídima acerca do pleito é de que todos os preferencialistas adquirem o direito ao voto após a inadimplência contínua da companhia, em razão da própria natureza das ações preferenciais. (CVM, 2009)
 

Sob a ótica da boa governança corporativa, na decisão do Colegiado, foi ressaltada a importância de se atribuir o direito de voto à ação preferencial bem como seria impensável desrespeitar o preceito contido no art. 109, I, Lei 6.404/74, ao retirar do acionista o seu direito essencial de participar dos lucros da sociedade empresária.

 

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Por todo o exposto ao longo deste trabalho, pode-se concluir que a governança corporativa e suas práticas não são apenas teoria, mas trata-se o instituto de instrumento hábil a produzir crescimento da empresa e a melhoria de sua imagem perante os investidores.

Foi possível perceber que os inúmeros abusos praticados por conselheiros de administração e diretores que visavam apenas interesses próprios e que não possuíam habilitação para o exercício de tal função culminaram em uma série de fraudes e escândalos, o que fez com que houvesse um esforço conjunto para a eliminação de tais práticas e a profissionalização da administração da companhia. 

Iniciado internacionalmente, o movimento da boa governança corporativa se expandiu rapidamente, sendo absorvido pelo Brasil, originando diversas regulamentações e incentivando a discussão sobre o tema. 

Como já dito, nos dias atuais é indispensável que qualquer sociedade empresária que deseje maximizar a sua captação de lucros deve seguir os princípios de prestação de contas confiável (accountability), equidade de tratamento entre sócios/acionistas e a transparência, traduzida na padronização e verossimilhança das informações divulgadas. 

Assim, aquelas companhias que se encontram em estado de liderança no mercado de capitais e de maior capacidade de gestão são as que aderiram ao modelo de governança corporativa no Brasil.

 

REFERÊNCIAS 

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NOTA DE FIM

[1]Graduando em Direito, atualmente no 9º período, membro do GEPEM – Grupo de Estudos e Pesquisa em Direito Empresarial do Centro Universitário Newton Paiva, estagiário no Escritório de Advocacia Pinto e Soares Advogados Associados.