Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva

Karen Poliana da Silva[i]

 

RESUMO: A aplicação da embriaguez como hipótese de justa causa vem mudando ao longo do tempo com o novo entendimento de ser doença catalogada pela Organização Mundial de Saúde – OMS. Mudança essa que resultou na propositura de um Projeto de Lei que visa adequar à aplicação da norma a realidade social e a evolução do pensamento da sociedade, bem como ao entendimento médico. Portanto, pretende-se com este trabalho o estudo do citado Projeto e a reflexão da importância social do tema ora proposto.

 

PALAVRAS-CHAVES: justa causa, embriaguez, doença, projeto de lei.

 

Área de Interesse: Direito do Trabalho 

 

1 INTRODUÇÃO

A relação de emprego é, inquestionavelmente, essencial para a sociedade tanto no aspecto econômico, social quanto político, prova disto é que está na Constituição como um dos direitos sociais que visam à busca por uma sociedade igualitária, desenvolvida, sem pobreza e discriminação.

Tendo em vista a importância desta relação, em 1943 foi criada a Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT, que passou a reger a relação entre o empregado e o empregador estabelecendo limites, princípios e garantias, com o propósito de manter uma relação de igualdade e respeito.

Nesse diploma legal, o qual disciplina o início e o fim da relação trabalhista, está presente o art. 482, que dispõe sobre os motivos ensejadores da dispensa motivada do empregado pelo empregador, sendo este último detentor do poder diretivo da relação.

Entre as justas causas estabelecidas taxativamente, destaca-se, como objeto deste estudo, a hipótese de dispensa por embriaguez habitual ou em serviço, tendo em vista os diferentes posicionamentos quanto a sua aplicação.

Portanto, pretende-se diferenciar a embriaguez habitual da embriaguez em serviço, bem como os seus impactos na vida laboral do empregado, e para tanto, utilizar-se-á de estudos jurisprudenciais e doutrinários.

Não obstante, como não é intuito do presente trabalho trazer todos os posicionamentos sobre o assunto, será destacado o Projeto de Lei da Câmara nº 12/2011, demonstrando a nova visão sobre a embriaguez, a sua aplicabilidade nas relações do trabalho, bem como as possíveis consequências da aprovação do citado Projeto de Lei, que pretendia no primeiro momento a exclusão da alínea “f” do art. 482 da CLT.

Será demonstrado que a aprovação do citado projeto visa à mudança na interpretação do dispositivo, dando mais peso àqueles que afirmam ser a embriaguez doença.

Nesse sentido, pretende-se demonstrar a lacuna axiológica da lei, que sendo uma norma positivada não consegue se desenvolver e evoluir juntamente com a sociedade dependendo da atuação do legislador para que haja adequação do direito à realidade social.

 

2 O ALCOOLISMO NAS RELAÇÕES DE TRABALHO

É notório que o alcoolismo tem grande influência e impacto na sociedade em geral, não discriminando raça, sexo ou status social, e sua incidência causa grandes transtornos tanto na vida pessoal quanto profissional do cidadão empregado, bem como na do empregador.

Pode-se perceber a figura da embriaguez desde os tempos bíblicos, tendo referência no livro de Genesis capítulo 9-20,21 (BÍBLIA, 2011, p. 12): ”E começou Noé a ser lavrador da terra, e plantou uma vinha. E bebeu do vinho, e embebedou-se no meio de sua tenda”.

Portanto é um mal que existe na sociedade desde o início, sendo que no período da mitologia já existia um deus ébrio chamado Baco, o deus do vinho (MARTINS, S., 2006, p. 105).

Contudo, o vício começou a ser visto como um malefício à sociedade, às relações de convivência e às relações de emprego, sendo figurado como forma de punição no art.1229, IV do Código Civil de 1916, que trazia como hipótese de rescisão do contrato por justa causa os vícios do locador, podendo ser incluída a embriaguez, tendo em vista que na época da criação do mencionado código não existiam leis trabalhistas, assim, eram aplicadas as normas de locação às relações de trabalho ( MARTINS, S., 2006, p. 103).

Nesse sentido, a justa causa, incluindo assim a embriaguez, no primeiro momento foi uma preocupação do Direito Comercial e Civil que visavam formas de rescisão de um contrato, entendendo por este último o direito contratual e não especificamente trabalhista (MARTINS, S., 2006, p. 105).

Era possível perceber ainda que ao tratar da Caixa de Aposentadoria e Pensões dos Servidores Públicos (Decreto nº 20.465/1931), bem como ao estipular as regras para o Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Marítimos (Decreto nº 22.872/1933), a embriaguez habitual ou em serviço eram tidas como falta grave (MARTINS, S., 2006, p. 105).

Contudo, as relações de emprego se tornaram de grande importância social e política, estando ligada não apenas à sobrevivência do individuo, mas também ao desenvolvimento da economia, sendo atado à evolução histórica do capitalismo (DELGADO, 2012, p. 83).

Portanto, surge a necessidade de um ordenamento próprio no âmbito trabalhista, assim, leciona Sergio Pinto Martins (2006, p. 26), que surgiu como antecedente legislativo da CLT a Lei 62/35, a qual trazia em seu art. 5º as hipóteses de dispensa por justa causa dos trabalhadores do comércio ou da indústria, dispositivo este, que segundo o autor, serviu de base para a Consolidação das Leis Trabalhistas no que tange ao rol das hipóteses de justa causa.

A Consolidação das Leis Trabalhistas, criada em 1943, com o intuito de regulamentar a relação de emprego, trouxe em seu art. 482 (SARAIVA, 2012, p. 805) o rol taxativo das hipóteses de justa causa, que é considerada a pena capital do Direito do Trabalho, permitindo que o empregador dispense o empregado de forma justificada quando este pratica uma das faltas elencadas no citado dispositivo.

Neste contexto, a embriaguez habitual ou em serviço encontra-se positivada no citado dispositivo na alínea “f”, devendo ser aplicada como justa causa. Contudo, a partir da evolução do entendimento sobre a embriaguez nas relações de trabalho e sociais, a Organização Mundial de Saúde reconheceu o alcoolismo como doença, incluindo o mesmo na Classificação Internacional de Doenças – CID (MARTINS, S. 2006, p. 111).

Frise-se que em 1943, ano da publicação da CLT, nem se cogitava ser a embriaguez doença. Hoje esse é um tema atual de grande discussão no âmbito jurídico trabalhista, sendo sua aplicação como penalidade um retrocesso ao entendimento contemporâneo.

Neste contexto, é necessário ter em mente que a relação de emprego é essencial na vida social, bem como para a própria sobrevivência do indivíduo, sendo garantido como um direito social pela Constituição da República de 1988 em seu art. 6º (SARAIVA, 2012, p. 11), dispondo que: ”São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (grifo nosso)”.

Portanto, a visão sobre o alcoolismo tem tido um avanço no sentido médico, devendo ser sua aplicação como justa causa relativizada, tendo em vista a evolução histórica nas relações de trabalho.

 

3. EMBRIAGUEZ COMO HIPÓTESE DE JUSTA CAUSA 

É necessário antes de se conceituar a justa causa, expor brevemente sobre a controvérsia existente quanto à denominação a ser utilizada: justa causa ou falta grave.

Para Wagner Giglio[ii] (2000, apud MARTINS, S., 2006, p. 27): 

Justa causa sempre nos pareceu uma expressão infeliz, porque causa não tem nela sentido jurídico, mas popular, e justa ( ou injusta ) poderá vir a ser a consequência do motivo determinante da rescisão, nunca o próprio motivo ou causa. Assim a justa causa não seria nem justa, nem causa, e melhor andaríamos se a ela nos referíssemos, seguindo o exemplo da lei, como motivo da rescisão.(…)Via de conseqüência, afirmar-se que alguém cometeu uma falta grave não teria, a rigor, o sentido técnico pretendido, ensejando dúvidas. 

Contudo, Sergio Pinto Martins (2006, p. 28) conclui a controvérsia entre a utilização da expressão justa causa ou falta grave dispondo que: 

A falta grave é um ato mais grave ou sério, em decorrência da repetição ou da sua natureza. Diz respeito ao empregado estável. Justa causa seriam hipóteses arroladas no art.482 da CLT para a dispensa do trabalhador.  

Assim, será utilizada a expressão “falta grave” somente quando for estudado a respeito de empregado estável.

Destarte, a expressão justa causa é utilizada para denominar a falta praticada pelo empregado. Quando o empregador dá causa à cessação do contrato de trabalho por justo motivo, a expressão utilizada na prática é a rescisão indireta (MARTINS, S., 2006, p.28).

Segundo Maurício Godinho Delgado: 

Para o Direito brasileiro, justa causa é o motivo relevante, previsto legalmente, que autoriza a resolução do contrato de trabalho por culpa do sujeito comitente da infração- no caso, o empregado. Trata-se, pois, da conduta tipificada em lei que autoriza a resolução do contrato de trabalho por culpa do trabalhador. (DELGADO, 2012, p.1207)  

A justa causa é vista como uma justificativa fundamentada que tenha repercussão jurídica, sendo prevista em lei, a partir da qual ocorrerá a resolução do contrato de forma unilateral e motivada por culpa do autor do erro.

Alice Monteiro de Barros (2007, p. 864) disciplina que a justa causa é uma circunstância peculiar ao pacto laboral. Ela consiste na prática de ato doloso ou culposamente grave por uma das partes e pode ser motivo determinante da resolução do contrato.

Por sua vez, Sergio Pinto Martins (2006, p. 28) traz um conceito mais restritivo declarando que: “a justa causa é a forma de dispensa decorrente de ato grave praticado pelo empregado que implica a cessação do contrato de trabalho por motivo devidamente evidenciado, de acordo com as hipóteses previstas na lei”.

Dessa forma, a justa causa é o fato grave praticado pelo empregado com culpa ou dolo, tendo como resultado final a dispensa do infrator com base nas hipóteses positivadas.

Dentre os doutrinadores trabalhistas é possível observar a divisão da justa causa em três sistemas, quais sejam: genérico, neste sistema há uma definição das hipóteses de justa causa de forma ampla e geral, ficando a cargo do julgador, analisar o caso concreto e aplicar a lei utilizando tão somente seu critério subjetivo; no sistema taxativo, as hipóteses que geram dispensa por justa causa estão todas fixadas na lei de forma exaustiva e taxativa; e no sistema misto há uma mistura do sistema taxativo com o genérico, uma vez que a lei irá definir as hipóteses da dispensa motivada, mas por existirem hipóteses de sentido amplo poderá ocorrer a subsunção de vários fatos à uma norma. (MARTINS, S., 2013, p. 397).

Conforme disciplina Alice Monteiro de Barros (2007, p. 865), a legislação brasileira aderiu ao sistema taxativo ao dispor sobre as hipóteses de justa causa de forma exaustiva, limitando-se a enumerá-las, sem a preocupação de defini-las.

Conclui-se, então, que na legislação brasileira, justa causa são todas as hipóteses que se encontram positivadas, sendo defesa a criação de nova falta por meio do empregador ou aplicador da lei.

Neste ínterim, a embriaguez está presente no rol das hipóteses de justa causa, tendo diversos conceitos nos dicionários e entre os doutrinadores que se dedicam ao assunto.

Nas palavras de Almeida Júnior[iii] (1996, apud, MARTINS, A., 1999, p.151): 

A palavra embriaguez será usada para significar que o indivíduo está de tal forma influenciado pelo álcool, que perdeu o governo de suas faculdades a ponto de tornar-se incapaz de executar com prudência o trabalho a que se consagra no momento.  

            Segundo definição da OMS[iv] (1978, apud MARTINS, A., 1999, p. 20), a embriaguez é: 

O estado psíquico e também geralmente físico, resultante da ingestão do álcool, caracterizado por reações de comportamento e outras que sempre incluem uma compulsão para ingerir álcool de modo contínuo ou periódico a fim de experimentar seus efeitos psíquicos e por vezes evitar o desconforto de sua falta; a tolerância podendo ou não estar presente.

Em consonância com esta definição, Sérgio Pinto Martins (2006, p.107), afirma que: “o álcool é uma substância psicoativa, que age sobre o sistema nervoso central das pessoas. Ela pode interferir no funcionamento do cérebro, implicando conseqüências sobre a memória, concentração, equilíbrio etc.”

Percebe-se no conceito da OMS[v] (1978, apud MARTINS, A., 1999, p. 20), corroborado pelo citado autor, que a embriaguez constitui uma doença psíquica que afeta tanto o psicológico quanto o físico da pessoa. Trazendo esta definição para o âmbito trabalhista, pode-se dizer que o empregado acometido deste mal não comete falta grave, pois não está agindo com culpa ou dolo, mas sofre de um mal psicológico que o impede de pensar de maneira clara, necessitando assim, de um tratamento médico que o possibilite realizar suas funções na sociedade como no ceio familiar, portanto, a aplicação de punição terminaria por piorar a situação do empregado (MARTINS, S., 2006, p. 109).

Contudo, o autor supracitado determina que enquanto a embriaguez estiver na CLT como hipótese de dispensa por Justa Causa, ela assim tem que ser entendida (MARTINS, S., 2006, p. 109).

Portanto, a embriaguez, seja habitual ou em serviço, é motivo para dispensa por justa causa, uma vez que se encontra positivada na legislação trabalhista, a qual não sofreu alteração ou exclusão, tendo apenas uma mudança do ponto de vista axiológico na interpretação da norma.

 

3.1 Embriaguez em serviço

A embriaguez em serviço, juntamente com a embriaguez habitual, está elencada como hipótese de justa causa no art. 482, “f” da CLT (SARAIVA, 2012, p. 805).

Segundo Sergio Pinto Martins (2006, p. 115) a “embriaguez em serviço se caracteriza por uma única falta. Será desnecessária a habitualidade nessa falta, de repetição do ato praticado pelo empregado, mas de um único ato. Pode ser ocasional, mas pode ser revelada no serviço”.

Portanto, para que haja a incidência da embriaguez em serviço como justa causa não é necessária a habitualidade, ou seja, a repetição do ato em um tempo curto, basta que o empregado se apresente ao trabalho uma única vez com sintomas de embriaguez ou ingira bebida alcoólica no ambiente de trabalho para que seja configurada a justa causa, contudo, é preciso observar cada caso concreto.

Um dos exemplos mais clássicos quanto a não repetição da embriaguez em serviço para a aplicação da justa causa é o caso do motorista embriagado, tendo como decisão do Tribunal Regional de Trabalho, in verbis 

Ementa: JUSTA CAUSA. EMBRIAGUEZ EM SERVIÇO. MOTORISTA DE CARRETA. A embriaguez em serviço, prevista na alínea f do art. 482 da CLT , constitui falta grave que autoriza o rompimento do contrato de emprego por justa causa, principalmente quando o empregado desempenha função que lhe exige total e constante atenção e diligência em serviço, como a de motorista. Provimento negado. HORAS EXTRAS. ATIVIDADE EXTERNA. Nos termos do inciso I do art. 62 da CLT , a exclusão do regime da duração do trabalho(…)(BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho-4 região.Recurso Ordinário – RO nº 0000241-30.2010.5.04.0731, Recorrente: Anderson Meinhardt. Recorrida: Scapini Transportes E Logística LTDA. Relatora: Ana Rosa Pereira Zago Sagrilo. Porto Alegre, 18 de outubro de 2011. Disponível em: < http://gsa3.trt4.jus.br/search?q=cache:rywm3BZcG1oJ:iframe.trt4.jus.br/nj4_jurisp/jurispnovo.ExibirDocumentoJurisprudencia%3FpCodAndamento%3D40087850+inmeta:DATA_DOCUMENTO:2011-06-10..2013-06-10+embriaguez+em+servi%C3%A7o+motorista++&client=jurisp&site=jurisp&output=xml_no_dtd&proxystylesheet=jurisp&ie=UTF-8&lr=lang_pt&access=p&oe=UTF-8 >. Acesso em: 05 de maio de 2013. 

Outro exemplo é o caso do segurança armado que em decorrência do seu cargo a ingestão de bebidas alcoólicas poderá gerar transtornos irreparáveis, tornando uma única prática de embriaguez em serviço suficiente para a configuração da justa causa. Neste sentido determinou o Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região:  

Ementa: DISPENSA POR JUSTA CAUSA. EMBRIAGUEZ. VIGILANTE. Diante da natureza das atividades desenvolvidas pelo empregado vigilante, portador de arma de fogo e responsável pela segurança de várias outras pessoas, não se pode admitir a continuidade da relação de emprego quando comprovada a embriaguez em serviço. A conduta irresponsável do vigilante nessa situação exige do empregador uma atitude enérgica para evitar que a falta se repita, já que os riscos a que estariam sujeitos os funcionários, clientes e o próprio empregado são previsíveis. Ademais, no caso em tela, nenhuma prova foi produzida de o autor ser alcoólatra, mas, sim, de que se encontrava embriagado em serviço. (BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho 12ª região. Recurso Ordinário n. 0000872-64.2010.5.12.0047. Recorrente: Ricartt Galdino de Oliveira. Recorrido: Seguridade Serviços de Segurança ltda. Relatora: Ligia Maria Teixeira Gouvêa. Florianopolis, 08 de outubro de 2010, Disponivel em: <http://www.trt12.jus.br/portal/areas/gsa/extranet/jurisprudencia/index.jsp?memoria=partialfields%3D%26as_q%3D%26requiredfields%3DBASE&requiredfields=BASE&partialfields=&site=acordaos&proxystylesheet=jurisesenv&as_
eq=&as_oq=&as_epq=&q=embriaguez+e+justa+causa&as_ft=i&as_filetype=&num=10&proxyreload=
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p&entqr=3&ud=1&escape=0&start=10 >. Acesso em 20 de abril de 2013).
 

            Assim, nos julgados apresentados, as decisões se baseiam na análise do caso concreto para aplicação da justa causa, sendo que no caso do motorista e do segurança armado o perigo do exercício de sua profissão em estado ébrio não coloca em risco apenas a vida do sujeito, mais sim à da coletividade.

Em consonância aos posicionamentos dos Tribunais, disciplina Maurício Godinho Delgado: 

[…] no caso de embriaguez em serviço, ela afeta diretamente o contrato de trabalho, sem dúvida. Em conformidade com a função do trabalhador (motorista ou segurança armado, por exemplo), esta afetação pode ser muito grave, uma vez que coloca em risco a saúde e bem-estar da própria coletividade, o que tende a ensejar a dispensa por justa causa. Noutros casos, dependendo da atividade do empregado, a afetação pode ser menor, propiciando o gradativo exercício do poder disciplinar, com intuitos de ressocialização do obreiro (DELGADO, 2012, p. 1220). 

Na hipótese da embriaguez em serviço deve ser observado o grau de afetação ao contrato de trabalho e qual função é desempenhada pelo empregado, sendo o poder disciplinar exercido pelo empregador com ponderação, uma vez que ao resultado menos grave do ato infracional deve ser aplicada uma penalidade menos grave, como a advertência, por exemplo.

Nem todo ato de beber em serviço deve ser entendido como embriaguez em serviço, neste sentido, Sergio Pinto Martins (2006, p. 116) determina que “o ato de beber no intervalo para repouso e alimentação como aperitivo ou acompanhamento para a refeição não pode ser motivo para dispensa por justa causa, desde que o empregado não fique embriagado”.

Pode-se excluir também o caso da embriaguez funcional, é o exemplo do empregado que trabalha na indústria de bebidas, tendo como função, experimentar as bebidas alcoólicas fabricadas, o que não geraria a justa causa (MARTINS, 2006).

Portanto, para a aplicação da embriaguez em serviço como justa causa deve-se analisar a particularidade de cada caso concreto, sendo observado o cargo, as funções e a consequência da ingestão de bebida alcoólica à execução do trabalho. 

 

3.2 Embriaguez Habitual 

Ao definir embriaguez habitual, Alice monteiro de Barros (2007, p. 878) declara que “pressupõe ingestão não só de álcool, mas de qualquer substância tóxica, inebriante capaz de alterar o comportamento do empregado”, portanto, define como embriaguez habitual a regular ingestão de substâncias que alterem o comportamento do indivíduo.

Para Sérgio Pinto Martins (2006) a caracterização da embriaguez habitual, necessita da repetição do ato. Um único ato não caracteriza tal hipótese. Disciplina ainda que a embriaguez habitual não precisa ser observada no serviço, porém tem que ter reflexos neste: 

A lei, para o caso, não faz referência que a embriaguez tem que ser observada em serviço, mas que seja habitual. Logo, ela pode ser apurada fora do serviço, mas deve ter reflexos no serviço. Do contrário, não tem sentido a justa causa, pois ela não se refere ao contrato de trabalho. O entendimento majoritário, porém, é no sentido de que a embriaguez não precisa ter relação com o contrato do trabalho, bastando que ela seja habitual, ainda que fora do serviço.(MARTINS, S., 2006, p.114) 

O autor supramencionado vai mais além e declara que a embriaguez habitual ou crônica está muito mais para uma doença do empregado, que necessita de tratamento, do que para justa causa. Contudo, existe a previsão da lei (MARTINS, S., 2006, 114).

Destarte, a embriaguez habitual, diferentemente da embriaguez em serviço, depende da habitualidade, da reiteração da pratica do ato de embriagar-se, sendo sua apuração realizada dentro ou fora do horário de trabalho, desde que tenha influência na execução da função laboral.

Neste ínterim, a embriaguez habitual está presente como hipótese de punição tem sido discutida pelos tribunais e doutrinadores no âmbito trabalhista, que se baseiam em um novo entendimento acerca do alcoolismo, sendo este considerado doença pela Organização Mundial da Saúde (MARTINS, S., 2006, p. 111), o que traz insegurança jurídica, uma vez que não existe um posicionamento firmado.

Neste sentido o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, descaracterizou o alcoolismo como hipótese de justa causa, in verbis:

EMENTA: DISPENSA POR JUSTA CAUSA. NÃO CARACTERIZAÇÃO EM VIRTUDE DO ALCOOLISMO DO TRABALHADOR. O alcoolismo configura doença progressiva, incurável e fatal, que consta do Código Internacional de Doenças sob a denominação “F10.2 – Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de álcool – síndrome de dependência”. Neste contexto, considerando-se que o autor, quando praticou o ato ensejador da dispensa motivada, encontrava-se embriagado, é de se mitigar a antiga caracterização da dispensa por justa causa em face da embriaguez do empregado em serviço (art. 482, “f”, da CLT). Isto porque, trata-se de pessoa doente, incapaz de controlar a sua compulsão pelo consumo de álcool. Via de consequência, ele deve ser encaminhado para o tratamento pertinente ao invés de ser punido, atenuando-se, assim, os problemas daí decorrentes na vida social, familiar e financeira do empregado já bastante vulnerável em decorrência da doença que, por si só, torna-o ainda mais frágil. (BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª região. Recurso Ordinário – RO nº 00984-2008-033-03-00-9. Recorrente: Carlos Antônio de Almeida. Recorrida: Companhia de Saneamento de Minas Gerais – COPASA. Relatora: Deoclecia Amorelli Dias. Belo Horizonte,15 de abril de 2009. Disponível em: <https://as1.trt3.jus.br/juris/detalhe.htm?conversationId=7933 >. Acesso em 04 de maio de 2013). 

EMENTA: JUSTA CAUSA. EMBRIAGUEZ HABITUAL OU EM SERVIÇO. INEXISTÊNCIA. Se o trabalho humano é princípio geral da atividade econômica (CF, art. 170), bem como base da ordem social (CF, art. 193), constituindo, ainda, um direito fundamental, como a vida e a dignidade, compartilho do mesmo entendimento daqueles que consideram a dispensa de trabalhador, por motivo de embriaguez, ato meramente discriminatório, que atenta contra princípios constitucionais básicos, além da própria vedação à despedida arbitrária (art. 7-o, inc. I, da Constituição Federal). […]. (BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho 3ª Região. Recurso Ordinário nº 00213-2007-104-03-00-3 RO(RO -10049/07). Recorrente: Araguaia Engenharia LTDA. Recorrida: Antônio Quelce Ferreira. Relatora Convocada: Maria Cecilia Alves Pinto. Minas Gerais 30 de junho de 2007, DJMG, página 26. Disponível em: <https://as1.trt3.jus.br/juris/detalhe.htm?conversationId=7980>. Acesso em: 10 de maio de 2013). 

Segundo o entendimento jurisprudencial supra, a embriaguez habitual não pode ser motivo para justa causa, uma vez que sendo doença deve ser tratada, além de ser o trabalho fundamental para a coletividade, tendo influência no âmbito econômico e social, sendo assim consagrado como direito fundamental que requer proteção.

Frise-se que a embriaguez ainda encontra-se positivada na legislação trabalhista devendo ser aplicada, uma vez que se encontra em vigor, contudo, devem ser analisados os princípios básicos da Constituição, bem como afastada a dispensa arbitrária do empregado.

 

4 PROJETO DE LEI 12/2011 

4.1 Proposta do Projeto de Lei

Decorrente dos posicionamentos apontados neste trabalho a respeito da embriaguez como hipótese de justa causa, estão surgindo resultados no âmbito legislativo. O Deputado Roberto Magalhães propôs Projeto de Lei, o qual recebeu como numeração 206/2003 na Câmara dos Deputados, casa de origem (BRASIL, Câmara, 2003).

Após deliberações na citada casa legislativa, a redação final, aprovada por unanimidade na Comissão de Constituição e Justiça, foi pela exclusão do disposto no art. 482 alínea “f” da CLT, o que geraria a retirada da embriaguez habitual ou em serviço do rol da justa causa para a dispensa do empregado, conforme se verifica na ementa final do projeto: 

Revoga a alínea “f” do art. 482 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT aprovada pelo Decreto-Lei 5.452 de 1º de maio de 1943, a fim de excluir a embriaguez habitual ou em serviço como causa para a rescisão do contrato de trabalho pelo empregador. (BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 206/2003, de 26 de fevereiro de 2003. Revoga a alínea “f” do art. 482 da Consolidação das Leis Trabalhistas. Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=849980&filename=Tramitacao-PL+206/2003. Acesso em: 19 de abril de 2013.) 

Como justificativa da elaboração do citado Projeto de Lei, o Deputado ressalta a necessidade da inclusão social ao empregado que se encontrar perdido no mundo do vício, uma vez que o desligamento do empregado pioraria o seu estado e afastaria a possibilidade de um tratamento digno que resgataria a saúde e a ampla condição física e psicológica do empregado alcoólico.

Neste sentido destacam-se trechos da justificativa do citado Projeto de Lei: 

O presente Projeto de Lei busca dar uma oportunidade de reinclusão social ao empregado infelicitado pelo alcoolismo, ameaçado pela demissão por justa causa, mediante uma licença de curta duração, que certamente não onerará tanto o empregador. Nesta matéria de indiscutível caráter humanitário, é necessário que se dê o primeiro passo, no sentido de ser dispensado um tratamento compatível ao problema do alcoolismo, começando por abrandar a dureza da norma esculpida no inciso “f” do art. 482 da CLT. Que a luta seja pela inclusão social e não pela exclusão, pela recuperação da capacidade laborativa e da verdadeira cidadania. (BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 206/2003, de 26 de fevereiro de 2003. Revoga a alínea “f” do art. 482 da Consolidação das Leis Trabalhistas. Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=114889&filename=Tramitacao-PL+206/2003. Acesso em: 25 de abril de 2013) 

Neste ponto, destaca-se o autor Sérgio Pinto Martins (2006) que leciona em sua obra: 

[…] O alcoolismo é reconhecido como doença pela Organização Mundial da Saúde.[…] Assim o empregado deve ser tratado e não dispensado, sendo enviado ao INSS ou ao Sistema de Saúde Pública. Dispensar o empregado por Justa Causa não vai ajudar a recuperar o indivíduo. Este fica sem emprego e com maiores dificuldades para se tratar. (MARTINS, S., 2006, p.111) 

O autor trabalha o conceito da OMS e ao disciplinar a embriaguez dispõe que a mesma não pode ser considerada justa causa, mas sim deve ser alvo de tratamento e encaminhamento ao INSS.

Neste ponto, a visão do autor se destaca, pois o mesmo não concorda com a aplicação da justa causa, mas também não responsabiliza o empregador, nem tão pouco admite a continuidade do empregado no ambiente de trabalho, mas sim responsabiliza o Estado no sentido de este ser o garantidor da saúde em face da população, ou seja, responsável por promover o tratamento ao empregado alcoólatra, através do Sistema de Saúde Pública.

Em consonância com esse entendimento está a decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região: 

[…] ALCOOLISMO. JUSTA CAUSA. NÃO CABIMENTO. A OMS catalogou o alcoolismo como doença no Código Internacional de Doenças (CID), denominando-a de síndrome de dependência do álcool (referência F-10.2). O 482, letra f, da CLT, portanto, deve ser reinterpretado à luz de tal reconhecimento legal, de modo que o alcoolismo, por si só, não enseja mais a justa causa. Tratando-se de doença oficialmente reconhecida, incabível a punição máxima, devendo o empregador encaminhar o trabalhador para tratamento médico e afastamento previdenciário. (BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho 2ª.Região, Recurso Ordinário – RO nº 00231.2009.311.02.00 – 7. Recorrente:Serviço Autônomo de Água e Esgoto

RECORRIDO: Josep Almir Viturino de Araujo. Relatora: Ivani Contini Bramante. São Paulo, 12 de fevereiro do 2010. Disponível em:http://www.trt2.jus.br/pesquisa-jurisprudencia-por-palavra-acordaos. Acesso em: 25 de maio de 2013). 

Na decisão supra pode-se perceber que a Relatora não concorda em hipótese alguma com a aplicação da embriaguez como justa causa, pelo contrário, defende que a única opção aceitável frente a este caso é proporcionar tratamento médico ao empregado.

Contudo, o referido Projeto de Lei foi remetido à Casa do Senado Federal sendo denominado como Projeto de Lei da Câmara nº 12/2011, tendo sido aprovado na Comissão de Direitos Humanos desta respectiva casa, um substitutivo, o qual traz nova redação e ementa ao Projeto de Lei da Câmara nº 12/2011: 

Ementa: Acrescenta § 2º ao art. 482 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, para dispor sobre a suspensão do contrato de trabalho, pelo empregador, caso o empregado apresente sintomas de dependência crônica do álcool e dá outras providências. (BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei da Câmara nº 12/2011, de 1º de abril de 2011. Revoga a alínea “f” do art. 482 da Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=99870&tp=1.Acesso em: 25 de maio de 2013). 

Com essa nova redação, o Projeto de Lei não visa mais a supressão total da norma, permitindo que a embriaguez habitual ou em serviço continue no ordenamento jurídico como hipóteses de justa causa, porém, acrescenta uma ressalva ao art. 482 da CLT, dispondo que ao se tratar da embriaguez habitual deve ser oferecida ao empregado a oportunidade de receber o tratamento médico e caso este não aceite poderá ser efetuada a dispensa por justa causa.

A redação aprovada do citado substitutivo ao Projeto de Lei 12/2011, in verbis: 

O CONGRESSO NACIONAL decreta:

Art. 1º O art. 482, da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, passa a vigorar acrescido do seguinte § 2º, numerando-se o parágrafo único como § 1º:

“Art. 482. […]

§ 2º Caso o empregado apresente sintomas de dependência crônica do álcool, na hipótese da alínea f deste artigo, o empregador deverá suspender a vigência do contrato de trabalho e determinar que o empregado submeta-se à perícia junto ao Instituto Nacional do Seguro Social – INSS para a concessão de auxílio-doença e posterior tratamento, sendo cabível a justa causa em caso de negativa do benefício, recusa ou resistência do empregado ao tratamento médico cabível.(NR)”(BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei da Câmara nº 12/2011, de 1º de abril de 2011. Revoga a alínea “f” do art. 482 da Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=99870&tp=1.Acesso em: 25 de maio de 2013). 

Assim, a partir do novo substitutivo, o que se pretende é a responsabilidade do empregador em proporcionar uma oportunidade para que o empregado seja tratado e possa retornar as suas atividades laborais, lado outro, permite que seja aplicada a punição da dispensa motivada caso o empregado não aceite esta oportunidade e continue no vício.

 

4.2 Possíveis conseqüências da aprovação do Projeto de Lei 12/2011 

Segundo Adalberto Martins (1999, p. 97): “A ineficácia social da norma decorre da sua inadequação à realidade, portanto se revela manifestadamente injusta, o que se traduz em lacuna axiológica.”

Sendo assim, pode-se dizer que o art. 482, alínea f, da CLT (SARAIVA, 2012, p. 805), trata-se de norma socialmente ineficaz, uma vez que sua aplicabilidade não se adéqua a realidade social, bem como não satisfaz a necessidade de se proteger o empregado da dispensa arbitrária.

Neste sentido, o Relator do substitutivo ao PLC 12/2011, Senador Paulo Bauero, dispõe: 

O texto celetista, nesse aspecto, perdeu parte de sua eficácia e adequação histórica, dada a evolução da ciência médica, com a compreensão dos efeitos físicos e psicológicos das substâncias químicas utilizadas. Também já é reconhecida a existência de fatores genéticos na propensão para o vício. Tudo isso torna injustificável a punição, pura e simples, do alcoolista,

quando for possível diagnosticar a existência de uma doença.(BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei da Câmara nº 12/2011, de 1º de abril de 2011. Revoga a alínea “f” do art. 482 da Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=99870&tp=1.Acesso em: 30 de maio de 2013). 

Neste trecho do citado substitutivo, o Relator concorda com a perda da eficácia da norma frente à evolução histórica, médica e de costumes da sociedade brasileira.

Porém, o citado Relator dispõe ainda que o dispositivo da justa causa serve como uma espécie de educação ao empregado, com o intuito de que a possibilidade de ser mandado embora o impeça de praticar o ato repreendido: 

Nesse sentido, o texto atual da alínea f do art. 482 da CLT possui, no mínimo, qualidades educativas, dado o seu efeito moderador e indutor do controle pessoal e equilíbrio mental do trabalhador. Para os jovens, principalmente, trata-se de uma norma pedagógica importante, mesmo que não seja utilizada, como instrumento de rescisão contratual, pelo empregador. (BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei da Câmara nº 12/2011, de 1º de abril de 2011. Revoga a alínea “f” do art. 482 da Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=99870&tp=1. Acesso em: 30 de maio de 2013). 

Dessa maneira, a possível aprovação do Projeto de Lei 12/2011 é um passo importante na busca pela inclusão social do empregado alcoólatra, servindo de instrumento possibilitador da interpretação mais humana da lei positivada, uma vez que restringe a aplicação simples e pura da norma sem que tenha sido levada em consideração a necessidade de um tratamento médico pelo empregado.

No que tange à interpretação da norma, haverá apenas uma ressalva em que o empregador deverá analisar a situação do empregado e, se for o caso, o encaminhará ao sistema de saúde, contudo, se este não aceitar, poderá ser dispensado por justa causa e assim, continuará sendo aplicada a norma de forma a ferir princípios constitucionais.

Destarte, a aprovação do Projeto de Lei não soluciona o problema da aplicação da norma, visto que não excluirá como hipótese de justa causa a embriaguez habitual ou em serviço, restando ainda, a insegurança e divergências quanto à aplicação da justa causa nestas hipóteses.

Sendo o entendimento prevalecente dos tribunais, bem como por boa parte da doutrina, pela não aplicação da justa causa, tendo como justificativa a aplicação do conceito de doença pela OMS, sendo assim, faz-se necessária a observância do valor a vida e saúde do empregado, bem como o seu direito ao emprego.

Neste sentido, para interpretar e aplicar uma norma infraconstitucional deve ser feita uma análise do ponto de vista constitucional, visto que toda a ordem jurídica deve ser entendida e interpretada sob a lente da Constituição (BARROSO, 2005, p. 2).

Dessa forma, para se analisar a aplicação das penalidades descritas no art.482 da CLT (SARAIVA, 2012, p. 805) devem ser respeitados em primeiro lugar os princípios constitucionais, dentre estes se destaca o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana presente no art.1º da CR/88, sendo um dos fundamentos da Republica Federativa do Brasil do qual se irradiam todos os demais princípios orientadores da ordem jurídica (BARROSO, 2005, p. 1). O citado princípio visa fornecer uma vida digna à sociedade em geral, proporcionando uma vida com melhores condições sociais.

Neste contexto, o emprego constitui fator importante na busca da melhoria da condição social, devendo essa relação observar os princípios constitucionais, e assim zelar pela dignidade do empregado acometido da enfermidade do alcoolismo, que ao ser dispensado sem o devido encaminhamento médico recebe um tratamento indigno e discriminatório tendo os seus direitos desrespeitados enquanto cidadão brasileiro.

Assim, não basta apenas uma ressalva quanto à aplicação da penalidade à embriaguez habitual. É preciso que haja a supressão do dispositivo ora estudado, bem como disciplina Adalberto Martins (1999, p. 97): 

Entendemos, pois, que o dispositivo consolidado deve ser suprimido, não merecendo ser mantida nem mesmo a tipificação da embriaguez em serviço, vez que despicienda. E isso porque esta última pode decorrer do alcoolismo (hipótese que não merece punição), ou traduzir ato de indisciplina ou insubordinação, o que já se encontra tipificado no art.482 da CLT.  

Assim, a melhor solução seria a supressão completa da embriaguez habitual ou em serviço do rol das justas causas, por ser a primeira doença e a segunda indisciplina ou insubordinação, já positivadas no art. 482 da CLT (SARAIVA, 2012, p. 805).

Apesar de ser mais vantajoso e condizente com a realidade social a supressão total do dispositivo estudado, não é afastada a importância do citado Projeto de Lei, tendo em vista a sua influência na interpretação da norma.

Ressalta-se que ao empregado acometido deste mal que é a embriaguez, será possível que o aplicador do direito afaste a incidência da justa causa frente à lacuna axiológica existente (MARTINS, A., 1999, p. 97).

Pelo exposto, a aprovação do Projeto de Lei nº 12/2011 trará inquestionável mudança no que diz respeito à interpretação e aplicação da justa causa, aproximando a norma à realidade social e possibilitando a afirmação do entendimento de ser a embriaguez doença e a sua aplicação incompatível com princípios constitucionais, restando uma lacuna de valores. 

 

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 

A relação de emprego como possibilitadora do desenvolvimento social, econômico e político do Brasil é, indiscutivelmente, importante para o alcance dos fundamentos e objetivos constitucionais, devendo, portanto, ser regida sobre a luz da Constituição.

Neste ponto, a Consolidação das Leis Trabalhistas ao estipular as hipóteses de justa causa, deve ser aplicada observando-se os princípios constitucionais, em especial a dignidade do empregado, considerando ainda a evolução da mentalidade social, tendo em vista que a norma positivada, por si só, não está apta a se adequar as evoluções advindas.

Assim, conclui-se que a embriaguez habitual é uma doença que carece de tratamento médico, sendo a sua aplicação como justa causa um retrocesso à evolução do entendimento social e médico, demonstrando a sua ineficácia social, restando uma lacuna axiológica.

Neste sentido, a possível aprovação do Projeto de Lei da Câmara 12/2011 é um avanço a interpretação da lei, uma vez que reconhece a embriaguez habitual como doença e não um simples desvio de conduta do empregado exigindo do empregador o encaminhamento do empregado enfermo ao tratamento médico, podendo, assim, ser um passo em direção à exclusão total da alínea “f”do art. 482 da CLT.

Este tema analisado como um assunto de cunho social, também responsabiliza o Estado pela educação e assistência à sociedade no que tange ao alcoolismo, que na atualidade tem assolado diversas classes sociais, atingindo a população cada vez mais jovem.

Por fim, salienta-se que a melhor solução seria a supressão da alínea “f”, do art. 482 da CLT, pacificando o entendimento da embriaguez habitual como doença e a necessidade do tratamento do empregado. Além da embriaguez em serviço poder ser considerada ato de indisciplina ou insubordinação, hipóteses já positivadas no citado artigo.

 

REFERÊNCIAS 

BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 3.ed. rev. e ampl. São Paulo: LTr, 2007.

BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito. O triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 851, 1 de novembro de. 2005 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/7547>. Acesso em: 30 de maio de 2013. 

BÍBLIA. Português. Bíblia Sagrada: contendo o velho e o novo testamento.

São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 2011.

BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 206/2003, de 26 de fevereiro de 2003. Revoga a alínea “f” do art. 482 da Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=114889&filename=Tramitacao-PL+206/2003. Acesso em: 25 de abril de 2013. 

BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei da Câmara nº 12/2011, de 1º de abril de 2011. Revoga a alínea “f” do art. 482 da Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=99870&tp=1. Acesso em: 30 de maio de 2013.

BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 2ª.Região, Recurso Ordinário – RO nº 00231.2009.311.02.00 – 7. Recorrente:Serviço Autônomo de Água e Esgoto

Recorrido: Josep Almir Viturino de Araujo. Relatora: Ivani Contini Bramante. São Paulo, 12 de fevereiro de 2010. Disponível em: http://www.trt2.jus.br/pesquisa-jurisprudencia-por-palavra-acordaos. Acesso em: 25 de maio de 2013. 

BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Recurso Ordinário nº 00213-2007-104-03-00-3 RO(RO -10049/07). Recorrente: Araguaia Engenharia LTDA. Recorrida: Antônio Quelce Ferreira. Relatora Convocada: Maria Cecilia Alves Pinto. Minas Gerais 30 de junho de 2007, DJMG, página 26. Disponível em: <https://as1.trt3.jus.br/juris/detalhe.htm?conversationId=7980>. Acesso em: 10 de maio de 2013. 

BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª região. Recurso Ordinário – RO nº 00984-2008-033-03-00-9. Recorrente: CARLOS ANTÔNIO DE ALMEIDA. Recorrida: COMPANHIA DE SANEAMENTO DE MINAS GERAIS – COPASA. Relatora: Deoclecia Amorelli Dias. Belo Horizonte,15 de abril de 2009. Disponível em: < https://as1.trt3.jus.br/juris/detalhe.htm?conversationId=7933 >. Acesso em 04 de maio de 2013. 

BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 4ª região.Recurso Ordinário – RO nº 0000241-30.2010.5.04.0731, Recorrente: Anderson Meinhardt. Recorrida: Scapini Transportes E Logística LTDA. Relatora: Ana Rosa Pereira Zago Sagrilo. Porto Alegre, 18 de outubro de 2011. Disponível em: < http://gsa3.trt4.jus.br/search?q=cache:rywm3BZcG1oJ:iframe.trt4.jus.br/nj4_jurisp/jurispnovo.ExibirDocumentoJurisprudencia%3FpCodAndamento%3D40087850+inmeta:data_documento:2011-06-10..2013-06-10+embriaguez+em+servi%C3%A7o+motorista++&client=jurisp&site=jurisp&output=xml_no_dtd&proxystylesheet=jurisp&ie=UTF-8&lr=lang_pt&access=p&oe=UTF-8 >. Acesso em: 05 de maio de 2013. 

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eq=&as_oq=&as_epq=&q=embriaguez+e+justa+causa&as_ft=i&as_filetype=&num=
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10.12.4.225&access=p&entqr=3&ud=1&escape=0&start=10 >. Acesso em 20 de abril de 2013.

DELGADO, Mauricio Godinho, Curso de Direito do Trabalho. 11. ed. São Paulo: LTR, 2012.

MARTINS, Adalberto. A embriaguez no Direito do Trabalho. Editora LTR, 1999. 

MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 29. ed. São Paulo: Atlas, 2013.

MARTINS, Sergio Pinto. Manual da Justa Causa. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2006. 

SARAIVA. Vade Mecum compacto. 7. ed. atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2012. 


NOTAS DE FIM

[i] Graduando em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva.

[ii]GIGLIO, Wagner. Justa Causa. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 12.

[iii] JÚNIOR. Almeida. Lições de Medicina Legal. 21. ed. revista e ampliada. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1996, p. 512.

[iv]Cf. “ Manual da classificação estatística internacional de doenças, lesões e causas de óbito”. Centro da OMS para Classificação de Doenças em Português, São Paulo, 1978, v. 1, p. 200.

[v]Cf. “ Manual da classificação estatística internacional de doenças, lesões e causas de óbito”. Centro da OMS para Classificação de Doenças em Português, São Paulo, 1978, v. 1, p. 200.