Renata Cardoso Lisboa ¹
RESUMO: A Constituição Brasileira de 1988 possui um dos textos mais avançados no que se refere à proteção e a promoção dos direitos humanos. O Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) está previsto entre os direitos sociais da Constituição, desde a aprovação da Emenda Constitucional n.º64, em fevereiro de 2010, sendo introduzido no art. 6º CR/88. A instituição da Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (LOSAN) – Lei n.º 11.346/2006 e regulamentada pelo decreto 7.272/2010 – representa um marco fundamental na luta nacional contra a fome, pois através dela criou-se o Sistema de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN) que busca promover condições para a formulação da Política e do Plano Nacional nesta área de Segurança Alimentar, desenvolvendo diretrizes, metas, captando recursos e fomentando instrumentos de avaliação e monitoramento, compostos de ações e programas integrados envolvendo diferentes setores de governo e a sociedade, na busca pela alimentação suficiente e de qualidade para todos brasileiros. Portanto, esta pesquisa tem por objetivo geral realizar discussão sobre o Direito Fundamental à Alimentação Adequada, através de busca sistemática sobre a evolução da Segurança Alimentar no Brasil. Como objetivos específicos, pretende-se identificar o conceito de alimentação adequada, realizar histórico sobre as principais leis e decretos que garantem o Direito à Alimentação Adequada e identificar as Políticas Públicas de Segurança Alimentar e Nutricional existentes hoje no Brasil.
PALAVRAS-CHAVES: Direitos Humanos; Direito Humano à Alimentação Adequada; Segurança Alimentar e Nutricional; Efetivação.
Área de Interesse: Direito Constitucional
1 INTRODUÇÃO
A Constituição Brasileira de 1988 possui um dos textos mais avançados no que se refere à proteção e a promoção dos direitos humanos. O Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) está previsto entre os direitos sociais da Constituição, desde a aprovação da Emenda Constitucional n.º64, em fevereiro de 2010, sendo introduzido no art. 6º CR/88. Antes disso, o DHAA já estava implícito em outros dispositivos constitucionais tais como o direito à saúde, ao salário mínimo, à assistência social, à educação, à alimentação escolar, à reforma agrária, à não discriminação e o direito à vida, dentre outros. A Constituição Federal de 1988 estabelece também como um dos princípios fundamentais da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana.
O DHAA, conforme descrito no relatório emitido pelo Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA), em 2010, se realiza quando todas as pessoas tem acesso garantido e ininterrupto à alimentação adequada e saudável por meios próprios e sustentáveis. As estratégias para a realização do DHAA são múltiplas e pressupõem a garantia de outros direitos humanos. Cabem aos Estados as obrigações de respeitar, proteger, promover e prover os direitos humanos, pois ele é o detentor do poder e do exercício sobre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, incluindo a guarda e a execução do orçamento público. Assim, a obrigação de garantir a realização do DHAA implica em destinar orçamentos públicos e implementar políticas públicas universais que incluam progressivamente (e prioritariamente) a população vulnerável à fome e à pobreza.
Da mesma forma ainda é exposto pelo relatório do CONSEA (2010) que o DHAA é violado toda vez que pessoas, grupos ou comunidades vivenciam situações de fome por não terem acesso a alimentos em quantidades e qualidade adequadas, de forma regular, para satisfazer suas necessidades alimentares e nutricionais, como também pessoas mal nutridas de qualquer idade por deficiências de nutrientes (anemias, hipovitaminoses e outras carências específicas). E ainda, consumir alimentos de má qualidade nutricional e sanitária e aqueles produzidos com a utilização de agrotóxicos, são exemplos de violações ao DHAA.
Outro exemplo a ser dado de violação ao DHAA são casos em que ocorrem a expulsão de agricultores e camponeses, povos indígenas e comunidades tradicionais de suas terras, o desemprego, o subemprego e a baixa remuneração, pois são situações que irão diminuir a capacidade das pessoas em garantirem de maneira digna e autônoma sua alimentação.
Vários estudos, como o desenvolvido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, baseado na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada no período de 2004 a 2009, publicada em 2010, revelou que 17,7 milhões de domicílios, do total de 58,6 milhões pesquisados, encontravam-se em algum grau de Insegurança Alimentar, o que representa 30,2% dos domicílios pesquisados. Isto significa que, de certa forma, as pessoas que vivem nesses domicílios, que representa o total de 65,6 milhões de pessoas, conforme dados da referente pesquisa, estão tendo o DHAA violado e desprotegido.
A instituição da Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (LOSAN) – Lei n.º 11.346/2006 e regulamentada pelo decreto 7.272/2010 – representa um marco fundamental na luta nacional contra a fome, pois através dela criou-se o Sistema de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN) que busca promover condições para a formulação da Política e do Plano Nacional nesta área de Segurança Alimentar, desenvolvendo diretrizes, metas, captando recursos e fomentando instrumentos de avaliação e monitoramento, compostos de ações e programas integrados envolvendo diferentes setores de governo e a sociedade, na busca pela alimentação suficiente e de qualidade para todos brasileiros.
Com isso, é possível perceber que o Brasil ainda necessita de avançar na elaboração de Políticas Públicas que garantam a todos os brasileiros uma alimentação adequada, com qualidade e em quantidade suficiente e de modo permanente, pois a instituição da LOSAN pode ser visto como algo recente e estudos apontam que as pessoas que tem o seu DHAA violado não tem conseguido acessar as políticas públicas, das quais são titulares de direitos.
Sendo assim, o estudo deste assunto justifica-se com introdução do direito à alimentação adequada ao texto constitucional brasileiro, através da emenda constitucional n.º 64/2010, que prevê que a alimentação como um direito social a ser garantido pelo Estado. Além disso, o direito à alimentação reforça a capacidade do cidadão exigir que este direito seja garantido pelo Estado ou pelo Judiciário.
Diante deste contexto, esta pesquisa procura discutir o seguinte problema: será que o Estado brasileiro garante, através das Políticas Públicas, o Direito Humano à Alimentação Adequada? Será que o Judiciário está fiscalizando as ações governamentais, no que diz respeito à garantia da Alimentação Adequada? Com a realização desta pesquisa, poderá ser feita uma abordagem sobre a evolução do conceito de Alimentação Adequada, quais são os principais programas desenvolvidos pelo governo brasileiro e se estes programas estão realmente garantidos à plenitude do conceito de Segurança Alimentar.
Portanto, esta pesquisa tem por objetivo geral realizar discussão sobre o Direito Fundamental à Alimentação Adequada, através de busca sistemática sobre a evolução da Segurança Alimentar no Brasil. Como objetivos específicos, pretende-se identificar o conceito de alimentação adequada, realizar histórico sobre as principais leis e decretos que garantem o Direito à Alimentação Adequada e identificar as Políticas Públicas de Segurança Alimentar e Nutricional existentes hoje no Brasil.
2 DIREITOS SOCIAIS
Um dos fundamentos do Estado brasileiro é assegurar aos seus cidadãos a sua dignidade como pessoa humana, devendo-se garantir direitos básicos e elementares, para que o ser humano possa sobreviver dignamente e em condições satisfatórias.
Entre os direitos fundamentais têm-se os direitos fundamentais de segunda geração, que são os direitos sociais, culturais, econômicos e coletivos. Alexandre de Moraes (2012) conceitua os direitos sociais como direitos fundamentais do ser humano, caracterizando-se como “liberdades positivas”, obrigatórias em um Estado Social de Direito, visando a melhoria de condições de vida aos hipossuficientes, concretizando assim, a igualdade social.
Já Pedro Lenza (2011) conceitua os direitos sociais como “prestações positivas” a serem implementadas pelo Estado, que tendem a concretizar a perspectiva de uma isonomia substancial e social na busca de melhores e adequadas condições de vida, estando, ainda, consagrados como fundamentos da República Federativa do Brasil (art.1º, IV, CR/88).
A Constituição Federal proclama serem direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados (CF, art. 6º). E, a partir da emenda constitucional n.º 64/2010 introduziu o direito à alimentação como direito social.
Pedro Lenza (2011) ainda afirma que a inclusão do direito à alimentação no rol dos direitos sociais trará para os cidadãos brasileiros melhores condições de vida, pois o Estado torna-se obrigado, a assegurar a todos, não somente o direito a alimentação, mas sim a uma alimentação com qualidade.
Para Daniela Lima de Andrade (2010) é possível destacar que a efetivação do direito à alimentação deve ser visto de forma transdisciplinar, pois se discute sobre a adoção de políticas e estratégias sustentáveis de produção, distribuição, acesso e consumo de alimentos seguros e de qualidade, com promoção da saúde e da alimentação saudável. Desta forma, tratando o assunto de forma transdisciplinar é possível contemplar o aspecto social, biológico, sanitário, jurídico e econômico envolvido no assunto.
O acréscimo da alimentação como direito fundamental constante no art. 6º, junto com outros direitos sociais, representa uma evolução do direito à alimentação como direito humano fundamental e tem se apresentado em contínua progressão no Brasil. Conforme descreve Jacques Diouf (2007) o direito à alimentação está cada vez mais presente nas constituições nacionais, textos legislativos, regulamentos e estratégias. Os programas sociais proporcionam mais meios para a reivindicação do direito à alimentação, tornando mais fácil para os cidadãos exercerem seus direitos. Além desta alteração no art. 6ª da CF/88, a palavra “alimentação” também se encontra presente em outros dispositivos da própria Constituição, como:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim.
Art. 208 O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:
VII – atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.
Art. 212 A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino.
4º – Os programas suplementares de alimentação e assistência à saúde previstos no Art. 208, VII, serão financiados com recursos provenientes de contribuições sociais e outros recursos orçamentários.
Art. 227 É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Portanto, nota-se a importância da alimentação para garantir a saúde, a dignidade e melhores condições de vida do cidadão brasileiro e ressalta a preocupação do legislador constituinte com o tema. É importante salientar também que o direito à alimentação não estava explícito na Constituição como um direito fundamental, mas pode ser interpretado através da presença do termo “alimentação” em alguns artigos, como os descritos acima.
3 DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO ADEQUADA
Mas, o que significa o Direito à Alimentação Adequada? Em relação à conceituação do Direito Humano à Alimentação Adequada, as autoras Juliane Caravieri Martins Gamba e Zélia Maria Cardoso Montal (2009), o descrevem sob duas premissas: a disponibilidade do alimento em quantidade e qualidade suficiente para satisfazer as necessidades dietéticas das pessoas, livre de substâncias adversas e aceitáveis para uma dada cultura e, a acessibilidade ao alimento de forma sustentável e que não interfira com a fruição de outros direitos humanos.
Um ponto fundamental para que o direito humano à alimentação adequada seja uma premissa verdadeira é necessário que o ser humano esteja “livre da fome”. E, o que significa a fome? Segundo as autoras, fome é o termo utilizado para expressar a sensação fisiológica manifestada pelo corpo quando este percebe a necessidade de alimentos para manter suas atividades e continuidade à vida. Também pode significar estados de mal nutrição ou privação de comida entre as populações, comumente associados à pobreza, conflitos armados, instabilidade política, catástrofes ambientais ou condições agrícolas adversas.
No Brasil há um entendimento consensual dos conceitos de Direito Humano à Alimentação Adequada e Segurança Alimentar e Nutricional, onde este último é dado por:
[…] realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras da saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam social econômica e ambientalmente sustentáveis. (GAMBA e MONTAL, 2009; p.44).
Portanto, o direito à alimentação saudável e adequada é derivado do próprio direito à vida, sendo um direito humano e fundamental na medida em que é indispensável à pessoa humana e necessário para assegurar a todos uma existência com dignidade, igualdade e liberdade. O direito à vida é o mais fundamental dos direitos humanos, pois é a partir da vida que podemos usar todos os outros direitos fundamentais. Ou seja, do direito à vida é que surgem todos os outros direitos (MENDOZA et al., 2009).
4 O DIREITO A ALIMENTAÇÃO ADEQUADA NO DIREITO INTERNACIONAL
O direito humano à alimentação adequada tem sido debatido amplamente no âmbito internacional, pois é parte dos direitos fundamentais da humanidade podendo ser observado a sua existência em uma série de Tratados, Pactos, Declarações e Acordos Internacionais, dos quais o Brasil é signatário, como o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966 (Brasil é signatário desde 1992). Até nos dias atuais as organizações internacionais estão empenhadas em garantir que os Estados se comprometam e cumpram efetivamente a garantia do direito humano das pessoas a se alimentarem. Dentro deste contexto é importante destacar quais foram os principais documentos que contribuíram para a garantia deste direito, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC), o Comentário Geral nº12 e as Diretrizes Voluntárias para o DHAA (NASCIMENTO et al., 2009).
A declaração Universal dos Direitos Humanos foi adotada e proclamada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948, onde dispõe no artigo XXV:
Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle.
O PIDESC teve o início de sua discussão em 1951 e foi adotado pela Assembléia Geral da ONU em 1966, com as seguintes disposições:
Artigo 11 – §1. Os Estados-partes no presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa a um nível de vida adequado para si próprio e para sua família, inclusive à alimentação, vestimenta e moradia adequadas, assim como uma melhoria contínua de suas condições de vida. Os Estados-partes tomarão medidas apropriadas para assegurar a consecução desse direito, reconhecendo, nesse sentido, a importância essencial da cooperação internacional fundada no livre consentimento.
§2. Os Estados-partes no presente Pacto, reconhecendo o direito fundamental de toda pessoa de estar protegida contra a fome, adotarão, individualmente e mediante cooperação internacional, as medidas, inclusive programas concretos, que se façam necessários para:
1. Melhorar os métodos de produção, conservação e distribuição de gêneros alimentícios pela plena utilização dos conhecimentos técnicos e científicos, pela difusão de princípios de educação nutricional e pelo aperfeiçoamento ou reforma dos regimes agrários, de maneira que se assegurem a exploração e a utilização mais eficazes dos recursos naturais.
2. Assegurar uma repartição eqüitativa dos recursos alimentícios mundiais em relação às necessidades, levando-se em conta os problemas tanto dos países importadores quanto dos exportadores de gêneros alimentícios.
Os Estados signatários do PIDESC têm obrigação de adotar medidas para a realização progressiva dos direitos contidos no Pacto e informarem periodicamente, às Nações Unidas, o progresso obtido na realização progressiva dos direitos previstos no Pacto. O Brasil aderiu ao Pacto em 24 de janeiro de 1992, sendo incorporado à legislação nacional pelo Decreto nº591 de 6 de julho de 1992.
Em relação ao Comentário Geral nº12 sobre o Direito Humano à Alimentação Adequada foi elaborado em 1999 pela ONU, fazendo uma interpretação do artigo 11 do PIDESC. O Comentário define o Direito Humano à Alimentação Adequada que se realiza “[…] quando cada homem, mulher e criança, sozinho ou em companhia de outros, tem acesso físico e econômico, ininterruptamente, à alimentação adequada ou aos meios para sua obtenção”. Assim, os Estados têm o dever de programar ações necessárias para reduzir e suavizar os efeitos da fome e a sociedade deve exigir a possibilidade da existência prática desses direitos.
Já, as Diretrizes Voluntárias para o DHAA, desenvolvida em 2004 pelo Conselho Executivo da FAO, onde o Brasil teve uma participação ativa, demonstrou que a realização dos direitos humanos é fundamental para a efetividade de programas e políticas de diversas áreas como economia, comércio, educação, alimentação e nutrição. As diretrizes destinam-se a todos os Estados, partes ou não do PIDESC.
Além desses foros mencionados, também é importante salientar a Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969 ou o Pacto de São José da Costa Rica que foi ratificado pelo Brasil em 1992, onde o Brasil reconhece como obrigatória de pleno direito a competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre todos os casos relativos à interpretação ou aplicação da Convenção Interamericana de Direitos Humanos. A Conferência Mundial de 1974, que teve participação do Brasil e teve como resultado o compromisso de erradicar a fome no espaço de dez anos, mas que não se concretizou. E muitos outros foros como Conferência Internacional sobre Nutrição (1992), Conferência Mundial sobre Direitos Humanos (1993), Cúpula Mundial da Alimentação (1996), Cúpula do Milênio (2000) e Cúpula Mundial sobre Segurança Alimentar e Nutricional (2009) (NASCIMENTO, et al., 2009).
5 POLÍTICAS PÚBLICAS DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL NO BRASIL
O conceito de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) vem evoluindo ao longo dos anos e se modifica na medida em que a sociedade modifica suas relações de poder e a organização social (ALMEIDA, 2010).
Na década de 80 questionava-se que a fome e a desnutrição eram decorrentes mais do problema de acesso do que da produção de alimentos, portanto o enfoque das ações de combate à fome era voltado para redução da pobreza. Já no final da década de 80 e início dos anos 90, este conceito evoluiu incorporando novos aspectos como cita a autora supracitada:
[…] o conceito de segurança alimentar passou a incorporar a noção de acesso a alimentos seguros não contaminados biológica ou quimicamente; de qualidade nutricional, biológica, sanitária e tecnológica, produzidos de forma sustentável, equilibrada e culturalmente aceitável e, também, incorporando a ideia de acesso à informação (ALMEIDA, 2010 p. 62).
Esta nova percepção a cerca do assunto foi consolidada na Conferência Internacional de Nutrição, realizada em Roma, em 1992.
No Brasil, a discussão sobre SAN iniciou-se em 1985, pelo Ministério da Agricultura, através da elaboração da proposta de uma Política Nacional de Segurança Alimentar, que previa a formação de um Conselho Nacional de Segurança Alimentar e seria dirigido pelo Presidente da República e composto por ministros de Estado e representantes da sociedade civil (TONIN; COLLUCI, 2008).
Em 1986, ocorreu a I Conferência Nacional de Alimentação e Nutrição no Brasil que significou um marco na evolução do conceito de Segurança Alimentar e Nutricional no Brasil, adotando a mesma conotação de âmbito internacional já descrita acima.
Outro marco foi a promulgação da Constituição Federal de 1988, que cita em alguns de seus artigos o direito à alimentação, como o art. 7º, IV – a composição do salário mínimo; art. 23, VIII – a competência comum à União, Estados, Distrito Federal e Municípios para fomentar a produção agropecuária e organizar o abastecimento alimentar e art. 200, VI – a competência e atribuição ao SUS para fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu teor nutricional, bem como bebidas e águas para consumo humano.
Em 1993, foi criado o Conselho Nacional de Segurança Alimentar (CONSEA), sendo um órgão de aconselhamento da Presidência da República e que buscava soluções para o problema da fome e da miséria no país. O CONSEA realizou a I Conferência Nacional de Segurança Alimentar, em 1994, na qual lançou a proposta da Política Nacional de Segurança Alimentar, com as seguintes propostas: ampliar as condições de acesso à alimentação e reduzir seu peso no orçamento familiar; assegurar a saúde, nutrição e alimentação a grupos populacionais determinados e melhorar tecnologias dos alimentos e seu aproveitamento, estimulando práticas alimentares e estilos de vida saudáveis (MACEDO et al. 2009). O CONSEA foi extinto em 1995 prejudicando sua consolidação e o aprofundamento da proposta política.
Ainda de acordo com os autores citados acima, em 1999 foi aprovada a Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN) pelo Conselho Nacional de Saúde enfatizando a produção e o acesso a uma alimentação de qualidade; necessidade de programas de alimentação e nutrição para grupos populacionais nutricionalmente vulneráveis; controle de qualidade dos alimentos; promoção de hábitos alimentares e estilos de vida saudável; promoção do DHAA como fundamento de suas ações e a necessidade de criação de uma política abrangente de Segurança Alimentar e Nutricional.
Em 2004, foi realizado a II Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional propondo diretrizes para o Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional e avaliação de ações e experiências. Bem como, nesta mesma época o então Presidente da República Luis Inácio Lula da Silva reinstituiu o CONSEA e ampliou o debate sobre essa temática de Segurança Alimentar e Nutricional, com a criação em 2006 da Lei Orgânica para a Segurança Alimentar e Nutricional – LOSAN (Lei 11.346/09).
Em 2007, aconteceu a III Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, quando criou o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN) com o objetivo de conseguir alcançar a almejada segurança alimentar e nutricional.
Em 2009, foi lançado o projeto FOME ZERO pelo governo federal assegurando o direito humano à alimentação adequada, sendo articulado por quatro eixos – acesso aos alimentos, fortalecimento da agricultura familiar, geração de renda e articulação, mobilização e controle social.
E, em 2012, a Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN) passou por uma atualização e aprimoramento de suas bases e diretrizes, consolidando-se como uma referência para os novos desafios a serem enfrentados no campo da Alimentação e Nutrição no Sistema Único de Saúde. O objetivo desta reformulação foi melhorar as condições de alimentação, nutrição e saúde, em busca da garantia da Segurança Alimentar e Nutricional da população brasileira. Como também suas diretrizes estão organizadas de forma que abrangem o escopo da atenção nutricional no Sistema Único de Saúde com foco na vigilância, promoção, prevenção e cuidado integral de agravos relacionados à alimentação e nutrição; atividades, essas, integradas às demais ações de saúde nas redes de atenção, tendo a atenção básica como ordenadora das ações (BRASIL, 2012).
6 EFETIVAÇÃO DO DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO ADEQUADA NO BRASIL
Como descrito anteriormente, a obrigação do Estado Brasileiro de proteger e promover o DHAA está prevista em vários foros internacionais, que foram ratificados pelo Brasil, ou seja, Declarações e Tratados Internacionais de Direitos Humanos, como também, os descritos na Constituição da República de 1988 e em várias leis infraconstitucionais vigentes no país, já citadas anteriormente.
Ao firmar um tratado de direito internacional de direitos humanos, como o PIDESC, este deverá elaborar leis, políticas públicas e realizar ações que promovam a equidade e reduzam as desigualdades nacionais e internacionais. Também deve evitar elaborar medidas que possam reduzir ou violar a existências desses direitos humanos, bem como seus mecanismos de proteção (NASCIMENTO et al., 2009).
Os artigos dispostos na Constituição da República de 1988 que se relacionam com direitos e garantias fundamentais, como no caso do direito à alimentação, possuem aplicabilidade imediata (art. 5º, § 1º). Mas, em alguns momentos a Constituição
(…) faz depender de legislação ulterior a aplicabilidade de algumas normas definidoras de direitos sociais, enquadrados dentre os fundamentais. Por regra, as normas que consubstanciam direitos fundamentais democráticos e individuais são de eficácia contida e aplicabilidade imediata, enquanto as que definem os direitos econômicos e sociais tendem a sê-lo também na Constituição vigente, mas algumas em especialmente as que mencionam lei integradora, são de eficácia limitada, de princípios programáticos e de aplicabilidade indireta, mas são tão jurídicas como as outras e exercem relevante função, porque quanto mais se aperfeiçoam e adquirem eficácia mais ampla, mais se tornam garantias da democracia e do efetivo exercício dos demais direitos fundamentais. (apud NUNES, 2008, p.34, apud FERREIRA, 2010, p.47)
A autora Ferreira (2010) ainda descreve que as garantias fundamentais possibilitam aos indivíduos de exigirem dos poderes públicos o respeito ao direito que instrumentalizam. Neste sentido, a inclusão da alimentação como um direito fundamental constitucional está desta forma garantida, diante de qualquer governo presente e futuro, devendo esse zelar pelo seu cumprimento.
E, em relação às leis infraconstitucionais vigentes no país destaca-se a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional – LOSAN, Lei 11.346/06, que define em seu artigo 2º, parágrafo 2º a obrigação do poder público de garantir os mecanismos para a exigibilidade deste direito fundamental:
§ 2o É dever do poder público respeitar, proteger, promover, prover, informar, monitorar, fiscalizar e avaliar a realização do direito humano à alimentação adequada, bem como garantir os mecanismos para sua exigibilidade.
Caso ocorra uma violação ao DHAA o cidadão brasileiro pode exigir o exercício desse direito tanto em nível nacional como internacional. Em nível nacional a exigência desse direito pode ser junto aos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e por meio de instrumentos de exigibilidade (administrativa, política, quase-judicial e judicial) (BURITY et al., 2010).
Os autores citados acima descrevem que a exigibilidade administrativa é a possibilidade de exigir junto aos organismos públicos diretamente responsáveis pela garantia do direito à alimentação (postos de saúde, escolas, postos de previdência social, entre outros) a promoção desse direito, bem como a prevenção, correção ou reparação das ameaças ou violações.
Para que esta exigibilidade ocorra é necessário que seja postulados rotinas e procedimentos que se tornem públicos, explicando quem são os titulares de direito, o que são violações no âmbito do programa e quando podem ocorrer, quais são os organismos responsáveis pelo cumprimento das obrigações e reparação das violações, quais são os mecanismos disponíveis para a cobrança de direitos e quem pode exigi-los e como estas obrigações podem ser cobradas. Este feito já foi realizado com o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), o Programa Bolsa Família (PBF) e a Estratégia de Saúde da Família (ESF).
A exigibilidade política é caracterizada quando existe a capacidade de exigir que os agentes políticos façam escolhas mais eficazes e diligentes, contemplando a participação social e outros princípios, para a garantia dos Direitos Humanos. Junto ao Poder Legislativo e aos seus membros é possível exigir que sejam elaboradas as leis necessárias para a realização dos Direitos Humanos e que deixem de criar leis que possam criar obstáculos (BURITY et al., 2010)
E, também é importante ressaltar que junto ao Poder Executivo, O DHAA e demais Direitos Humanos podem ser exigidos administrativamente (junto aos organismos públicos diretamente responsáveis pela garantia do direito à alimentação) ou politicamente (junto aos organismos de gestão de programas e políticas públicas).
Ainda, continuam descrevendo, que a exigibilidade quase-judicial ocorre quando há a possibilidade de exigir a realização de direitos aos órgãos que não são parte do Poder Judiciário, mas que podem valer do Poder Judiciário para a garantia dos seus direitos, por exemplo, o Ministério Público, que antes de exigir direitos ao Poder Judiciário, pode usar instrumentos quase-judiciais para averiguar violações de direitos, como o inquérito civil e o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC).
O inquérito civil consiste em um procedimento de investigação de denúncias sobre violações de direitos. Esses inquéritos podem levar à emissão de recomendações ao poder público ou à elaboração de TACs – Termo de Ajustamento de Conduta, quando necessário. O inquérito civil é um procedimento administrativo e, por essa razão, extrajudicial e pré-processual, que reúne informações, provas ou outros elementos que possam fundamentar a atuação do Ministério Público, para, por exemplo, promover ações perante o Poder Judiciário. O Termo de Ajustamento de Conduta – TAC é um documento firmado pelas autoridades competentes, no qual se comprometam em ajustar sua conduta aos preceitos legais, dentro de um período estipulado (BURITY et al., 2010 p. 20).
Outras entidades que utilizam esse tipo de mecanismo são as Instituições especializadas na proteção das minorias étnicas, indígenas, crianças e mulheres.
E, por último, a exigibilidade judicial, que é a possibilidade de exigir a realização de direitos perante o Poder Judiciário, mediante a ação civil pública (BURITY et al., 2010).
No âmbito internacional a exigibilidade dos direitos humanos ocorre quando não haja reparação em nível nacional ou esta reparação é demorada ou, ainda, haja risco de vida para as vítimas de violação. Esta reparação pode ocorrer através dos sistemas de denúncias individuais ou através do sistema de apresentação de relatórios e investigações (NASCIMENTO et al., 2009)
Mas, para que a sociedade tenha esses direitos garantidos e tenha condições de exigir a garantia desses direitos é fundamental que todos saibam que têm direitos, os portadores de obrigações precisam conhecer e fazer cumprir suas obrigações e é necessário estabelecer rotinas e instrumentos públicos de exigibilidade, que seja de conhecimento de todos, de fácil acesso e o mais próximo possível das comunidades.
De acordo com os manuscritos de Burity et al. (2010), no Brasil, o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN) depende das instâncias públicas de defesa e exigibilidade dos direitos humanos, dos Conselhos de Políticas Públicas e de direitos humanos e das iniciativas da sociedade civil.
As instâncias públicas de defesa e exigibilidade são compostas pelo Ministério Público, a Defensoria Pública, os Tribunais de Justiça, o Senado Federal (Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa) e a Câmara dos Deputados (Comissão de Direitos Humanos e Minorias).
Os Conselhos de Políticas Públicas são importantes, pois contam com a participação de representantes da sociedade civil, em alguns casos de forma paritária, propondo a criação de algum programa ou política pública ou quando recomendam que políticas e programas sofram modificações com o objetivo de incorporar perspectivas dos Direitos Humanos em sua operacionalização. Como exemplos pode-se citar o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA), Conselho de Alimentação Escolar (CAE), Conselho Nacional de Saúde (CNS), Conselho Nacional de Assistência Social (CONAS), entre outros.
E, por fim, as iniciativas da sociedade civil que pressionam os Estados exigindo a realização prática dos Direitos Humanos, podendo citar como exemplos as organizações não-governamentais (ONGs), entidades populares e sindicais e movimentos sociais.
7 DESAFIOS PARA GARANTIR A EFETIVIDADE DO DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO ADEQUADA
Conforme afirma Almeida (2010) os desafios para garantir a efetividade do DHAA apontam problemas enfrentados pela sociedade e pelos órgãos públicos, mas também pode trazer uma maior interação entre órgãos e instituições na concretização de objetivos comuns.
A autora Almeida (2010) ainda descreve que:
[…] só será possível falar legitimamente de tutela internacional dos direitos do homem quando uma jurisdição internacional conseguir impor-se e superpor-se às jurisdições nacionais, e quando se realizar a passagem da garantia dentro do Estado – que é ainda a característica predominante da atual fase – para a garantia contra o Estado. Deve-se recordar que a luta pela afirmação dos direitos do homem no interior de cada Estado foi acompanhada pela instauração dos regimes representativos, ou seja, pela dissolução dos Estados de poder concentrado. Embora toda analogia histórica deva ser feita com muita cautela, é provável que a luta pela afirmação dos direitos do homem também contra o Estado pressuponha uma mudança que, de fato, já está em andamento, ainda que lento, sobre a concepção do poder externo do Estado em relação aos outros Estados, bem como um aumento do caráter representativo dos organismos internacionais (apud BOBBIO, 1992 p.57).
Os principais desafios para a promoção dos DHAA são a desinformação sobre direitos e a forma de exigi-los, a descrença nas instituições e instrumentos de proteção de direitos humanos, falta de aproximação com a linguagem e prática de direitos humanos por parte de entidades da sociedade civil, falta de informação sobre as obrigações das instituições e de seus agentes que devem por em prática os Direitos Humanos, falta de garantia de acesso aos serviços e às instituições públicas, falta de planejamento, coerência e articulação entre as políticas de Direitos Humanos e Segurança Alimentar e Nutricional e a falta de instrumentos eficazes de exigibilidade de Direitos Humanos (NASCIMENTO et al., 2009).
Para a realização efetiva do DHAA e construção de competências para a promoção do DHAA, alguns passos são fundamentais a serem seguidos, como: o Estado deve assumir compromissos para a realização dos Direitos Humanos, deve estabelecer e divulgar termos de referência com definição clara das atribuições e obrigações para a realização dos Direitos Humanos devem ser divulgadas informações para os titulares sobre seus direitos e para os agentes públicos sobre suas obrigações em relação aos Direitos Humanos, devem ser criadas condições para que os agentes públicos cumpram suas obrigações e deve haver mecanismos para que os agentes públicos sejam responsabilizados por violações do DHAA.
Para a promoção do DHAA é fundamental aumentar a capacidade dos titulares de direitos de exigir, fortalecer os instrumentos e instituições de exigibilidade e promover a construção de competência continuada da máquina estatal e dos servidores públicos (BURITY et al., 2010).
O Brasil vem realizando vários esforços para garantir o DHAA, através das Políticas Públicas de Segurança Alimentar e Nutricional e as dimensões do DHAA, dispostos da seguinte forma: dimensão I e II: Produção e Disponibilidade de Alimentos – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA), Garantia de Preços Mínimos/Formação de Estoques, Programa Brasileiro de Modernização do Mercado Hortigranjeiro (PROHORT), Reforma Agrária, Programa da Agrobiodiversidade, Pesca e Agricultura; dimensão III: Renda/Acesso e Gasto com Alimentos – Bolsa Família, Benefício de Prestação Continuada, Previdência Social, Política de reajuste do salário mínimo; dimensão IV: Acesso à Alimentação Adequada – Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), Programa Acesso à Alimentação, Distribuição de Alimentos à Grupos Específicos, Restaurantes Populares, Cozinhas Comunitárias, Banco de Alimentos, Cisternas, Acesso a água para produção de alimentos para o autoconsumo, Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT); dimensão V: Saúde e Acesso a Serviços de Saúde – Suplementação de ferro e vitamina A, Promoção de Hábitos de Vida e de Alimentação Saudável para Prevenção da Obesidade e das Doenças Crônicas não Transmissíveis, Saúde da Família, Agentes Comunitários de Saúde, Cobertura Vacinal no Primeiro Ano de Vida e Saneamento; dimensão VI: Educação – Combate ao Analfabetismo e política de Educação Básica; dimensão VII: Populações Tradicionais – Comunidades Tradicionais, Regularização das Terras Quilombolas, Carteira Indígena e Regularização Fundiária de Terras Indígenas (CONSEA, 2010).
Portanto, percebe-se que esforços estão realizados para garantir o DHAA, mas ainda existe uma grande insegurança alimentar no país e para que o Estado assuma de fato suas obrigações uma série de mudanças deve ocorrer, como uma revolução cultural dentro da sociedade e do Estado para que a perspectiva dos Direitos Humanos seja efetivamente considerada e para que mudanças efetivas e profundas possam vir a acontecer.
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através do presente estudo pode-se concluir que o DHAA é um tema relevante, pois ainda existem muitas pessoas e comunidades que vivem em situações de insegurança alimentar, prejudicando o desenvolvimento de suas potencialidades e ainda há muito que fazer para melhorar esta situação.
Particularmente, aqui no Brasil, onde existe uma grande desigualdade social as estratégias para a promoção da alimentação saudável devem ser desenvolvidas sob duas vertentes, uma direcionada para o combate à desnutrição e doenças infecciosas e outra de prevenção ao sobrepeso, obesidade e demais doenças crônicas não transmissíveis, resultantes de hábitos alimentares inadequados.
A evolução do conceito de Segurança Alimentar e Nutricional também adotado pelo Brasil, permitiram que avanços fossem conquistados para garantir o DHAA, preocupando-se não apenas com a produção de alimentos, mas também com a ampliação do acesso aos alimentos e que este acesso ocorra de forma segura, a alimentos de qualidade e quantidade suficientes, de modo permanente e sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais.
O Estado em conjunto com a sociedade civil deve respeitar, proteger, promover e prover o Direito Humano à Alimentação Adequada. O Brasil está em direção à eliminação dos problemas relacionados à alimentação inadequada, quando incorpora à sua Política Nacional de Alimentação e Nutrição, a ênfase em modos de vida saudáveis e desenvolvimento humano sustentável, para promover a dignidade humana e a redução das discriminações e das desigualdades.
A inclusão do direito à alimentação na Constituição Federal como direito fundamental, no at. 6º, através da Emenda Constitucional n.º 64/2010 foi de extrema relevância para garantir o DHAA, pois enfatiza que as intenções de que as políticas públicas de alimentação adequada não sejam apenas programa de governo, mas sim obrigação do Estado.
Mas, além de ter esta garantia prevista na Constituição Federal, a sociedade civil deve lutar também pela realização efetiva dos direitos humanos, através da exigibilidade por dignidade, por distribuição de recursos e pela superação de valores que oprimem povos e indivíduos. É necessário que a prática de exigir e respeitar os direitos humanos se torne um hábito na sociedade brasileira. Sendo que a promoção dos direitos ocorrerá através de uma mudança efetiva de cultura e através da pressão política exercida pelos movimentos sociais organizados e pelas instituições da sociedade civil.
REFERÊNCIAS
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NOTA DE FIM
1 Acadêmica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.