Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva

Elaine Cristina Oliveira e Guerra[i]

 

RESUMO: Opiniões distintas circulam entre Legislativo, Judiciário e especialistas no assunto. Com este estudo pretende-se demonstrar as vantagens e desvantagens com a regulamentação do tema identificando os benefícios sociais e avaliando a existência de impactos financeiros no sistema atual da Previdência Social.

 

PALAVRAS-CHAVE: Previdência Social; Direito Previdenciário; renúncia; aposentadoria; desaposentação.

 

Área de Interesse: Direito Previdenciário 

 

1.     INTRODUÇÃO 

O tema referente à desaposentação tem sido discutido com mais ênfase na doutrina e na jurisprudência. São divergentes as opiniões sobre as conseqüências da renúncia à aposentadoria para que o segurado possa obter benefício mais vantajoso. O fato é que até então o tema era pouco abordado e os principais entendimentos giravam entorno da irreversibilidade da aposentadoria.

Em resumo, conforme Ibrahim (2007, p. 38), o instituto da desaposentação exclui o vínculo do segurado com o regime de origem e possibilita a emissão da certidão de tempo de contribuição, com a respectiva averbação em regime próprio, permitindo que o trabalhador aposentado pleiteie nova aposentadoria em melhores condições financeiras.

A falta de uma legislação específica e de constantes reformas no cálculo do benefício, aliados ao aumento da expectativa de vida dos brasileiros nos últimos anos, tem levado o jubilado que continua na ativa a converter essas contribuições em um benefício maior que o atual. No entanto, pretende-se demonstrar que um benefício maior pode ter impactos sociais positivos para os segurados e déficits incalculáveis para a previdência social. Assim, a análise sobre o beneficio da desaposentação deve ser feita em sua coletividade, já que individualmente o segurado almeja benefício próprio, sem causar prejuízo ao sistema protetivo do país.

De imediato surgem algumas conseqüências, dentre elas: o INSS se vê impedido de deferir administrativamente qualquer pedido que tenha por objeto a desconstituição de aposentadoria já concedida; a outra conseqüência é que, o judiciário acaba por ser o único órgão capaz de atender à demanda do segurado, o que acaba por criar diversas soluções para o mesmo tema.

Para dar seqüência a este entendimento, serão abordados os aspectos conceituais pertinentes à aposentadoria conforme os regimes vigentes e, logo após, seguirá um detalhamento sobre a desaposentação, além de uma avaliação de benefícios sociais e impactos no equilíbrio financeiro do sistema previdenciário. Por fim, serão apresentadas as considerações finais deste estudo.  

 

2.     A APOSENTADORIA 

2.1        Conceito 

Conforme Marcelo (2012, p. 23), a aposentadoria é a prestação dada ao segurado, mediante contribuição, e visa substituir o salário ou renda do trabalhador, garantindo sua subsistência. É o ato administrativo declaratório que reconhece ao segurado o direito a aposentadoria.

Já Castro e Lazzari (2006, p. 543) definem aposentadoria como uma prestação por excelência da Previdência Social.

Em 2011, segundo Anuário Estatístico da Previdência Social, já eram quase 7,5 milhões de segurados por tempo de contribuição e idade, conforme abaixo:

TABELA 1 – Quantidade de aposentadorias urbanas ativas, por grupos de espécies, segundo as Grandes Regiões e Unidades da Federação – Posição em dezembro – 2009/2011 

 Nos tópicos seguintes serão apresentadas as modalidades da aposentadoria e os conceitos da desaposentação aplicados ao Regime Geral da Previdência Social.

 

2.2        MODALIDADES 

2.2.1       RGPS 

O Regime Geral de Previdência Social abrange todos os trabalhadores a iniciativa privada, ou seja, aqueles que possuem relação de emprego regida pela CLT, além de empregados rurais, domésticos, trabalhadores autônomos, empresários, trabalhadores avulsos, servidores públicos não amparados por Regime Próprio de Previdência Social, eclesiásticos, entre outros, garantindo a cobertura de todas as situações expressas no artigo 201 da Constituição da Republica Federativa do Brasil.

 As espécies de prestações[ii] para os segurados do Regime Geral da Previdência Social são as aposentadorias por invalidez, por idade, por tempo de contribuição integral e proporcional, aposentadoria especial, auxílio doença, salário família, salário maternidade e auxílio acidente, das quais, conforme Ministério da Previdência Social, serão sucintamente conceituadas a seguir.

A Aposentadoria por Invalidez é um benefício concedido aos trabalhadores que, por doença ou acidente, forem considerados incapacitados para exercer suas atividades ou outro tipo de serviço que lhes garanta o sustento.

A Aposentadoria por Idade beneficia os trabalhadores urbanos do sexo masculino a partir dos 65 anos e do sexo feminino a partir dos 60 anos de idade.

A Aposentadoria por Tempo de Contribuição pode ser integral ou proporcional. Para ter direito à aposentadoria integral, o trabalhador homem deve comprovar pelo menos 35 anos de contribuição e a trabalhadora mulher, 30 anos. Para requerer a aposentadoria proporcional, o trabalhador tem que combinar dois requisitos: tempo de contribuição e idade mínima.

A Aposentadoria Especial é concedida ao segurado que tenha trabalhado em condições prejudiciais à saúde ou à integridade física.

O Auxílio Doença é concedido ao segurado impedido de trabalhar por doença ou acidente por mais de 15 dias consecutivos.

O Salário Família é pago aos segurados empregados, exceto os domésticos, e aos trabalhadores avulsos com salário, para auxiliar no sustento dos filhos de até 14 anos de idade ou inválidos de qualquer idade.

O Salário maternidade é devido às seguradas empregadas, trabalhadoras avulsas, empregadas domésticas, contribuintes individuais, facultativas e seguradas especiais, por ocasião do parto, inclusive o natimorto, aborto não criminoso, adoção ou guarda judicial para fins de adoção.

O Auxílio Acidente é pago ao trabalhador que sofre um acidente e fica com seqüelas que reduzem sua capacidade de trabalho.

 

2.2.2       RPPS 

O Regime Próprio da Previdência Social contempla os servidores titulares de cargo efetivo no âmbito de cada entidade federativa, abrangendo também magistrado e membros do poder púbico.

As leis nº. 9.717/98 e nº. 10.887/04 tratam das regras gerais dos regimes próprios da Previdência Social.

 

3. A DESAPOSENTAÇÃO 

O tema desaposentação não é recente, foi introduzido no mundo jurídico pelo Advogado previdenciarista Wladimir Novaes Martinez nos idos do ano de 1987, no livro “Desaposentação”, de sua autoria, publicado em 2008, pela editora LTr.

Antes de 1994, quem se aposentava e continuava contribuindo, tinha a concessão do pecúlio, ou seja, suas contribuições devolvidas pelo INSS. Após 15 de abril de 1994, com a lei nº. 8.870/94, não houve mais esta concessão e esta não poderá ser mais invocada pelo segurado que voltasse ao trabalho após essa data. 

Atualmente, só há concessão do pecúlio para contemplar direitos adquiridos para segurados que preenchem cumulativamente dois requisitos: pararem de trabalhar agora e terem se aposentado antes de 03/1994.

 

3.1 Conceito 

Para Ibrahim (2007, p. 34), o instituto da desaposentação é a reversão do ato que transmudou o segurado em inativo, encerrando, por conseqüência, a aposentadoria. Aqui tal conceito é utilizado em sentido estrito, como normalmente é tratado pela doutrina e jurisprudência, significando tão-somente o retrocesso do ato concessivo de benefício almejando prestação maior.

Já para Castro e Lazzari (2006, p.506), a desaposentação refere-se ao direito do segurado ao retorno à atividade remunerada, com o desfazimento da aposentadoria por vontade do titular, para fins de aproveitamento do tempo de filiação em contagem para nova aposentadoria, no mesmo ou em outro regime previdenciário.

Segundo Coelho (2009), desaposentação é a contagem do tempo de serviço vinculado à antiga aposentadoria para fins de averbação em outra atividade profissional ou mesmo para dar suporte a uma nova e mais benéfica jubilação.

Conforme Marcelo (2012, p. 25), a desaposentação consiste no ato de renúncia da aposentadoria, definida pela doutrina como “aposentação inversa”. Nos dias atuais, o conceito de desaposentação está sendo utilizado de forma mais ampla, pois além de significar a renúncia à aposentadoria é utilizada também para conceituar a renúncia de qualquer benefício de natureza previdenciária ou assistencial.

Aqui se torna importante o entendimento de um novo conceito: a renúncia, que conforme Gomes e Gottsckalk (2007, p.234), é o negócio jurídico unilateral que determina o abandono irrevogável de um direito dentro dos limites estabelecidos pelo ordenamento jurídico. É ato, portanto, que independe da aquiescência de outrem (KRAVCHYCHYN, 2007).

Percebe-se, pelos conceitos apresentados, que a desaposentação passa pelo ato da renúncia ao benefício já adquirido para que, posteriormente, um novo benefício seja calculado considerando o período em que houve contribuição. O grande problema é avaliar se este novo cálculo traz realmente os benefícios sociais esperados e se estas diferenças financeiras serão absolvidas pelo sistema de previdência social, já que neste espaço de tempo, o segurado pode deixar de ter um benefício resultante, por exemplo, de uma aposentadoria proporcional para alcançar um benefício integral, aumentando consideravelmente sua remuneração e mantendo sua margem de contribuição. Além disso, contando com uma expectativa de vida e fator previdenciário possivelmente diferentes de quando se aposentou.

O entendimento aqui adotado mescla os conceitos acima, tratando a desaposentação como ato jurídico de interesse do segurado, que depende da renúncia e do posterior recálculo do benefício usufruído por ele, com o objetivo evidente de melhorar sua remuneração em detrimentos as contribuições vertidas após a aposentadoria.

 

3.2 Modalidade 

Conforme Wladimir Novaes (2012, p. 90/93), as modalidades adotadas são no bojo do RGPS, RGPS para RPPS, dentro do RPPS, proporcional para integral, mudança de cargo, benefício por incapacidade, invalidez para idade e previdência complementar.

No entanto, o presente artigo optou por só tratar do instituto no âmbito do Regime Geral da Previdência Social (RGPS). Tal se justifica, por abranger a maioria das ações que se apresentam para julgamentos nos tribunais pátrios.

 

3.3 Benefícios e Impactos 

Neste tópico, o objetivo é demonstrar quais são os benefícios e impactos do instituto da desaposentação na atualidade.

A partir de 1999, a procura pela renúncia da aposentadoria cresceu com a criação do fator previdenciário, criado para inibir as aposentadorias precoces, que reduz o valor do benefício para quem se aposenta com menos idade, independentemente do seu tempo de contribuição.

É certo que em qualquer sistema as despesas necessitam de aporte financeiro prévio, não há como quitar débitos sem o recurso financeiro necessário, sob pena de quebra no equilíbrio das contas. É nesse ponto que se abordam alguns exemplos do reflexo da desaposentação, conforme a seguir.

 

3.3.1 Benefício Social 

Os benefícios sociais que a desaposentação poderia trazer, melhorando o nível de remuneração do segurado, são tão desconhecidos quanto os impactos financeiros que essas revisões poderiam causar à previdência social. Conforme colocação do jurista Wladimir Novaes Martinez, citado por Kravchychyn (2009): 

O aumento no tempo de contribuição e a diminuição da expectativa de vida podem, no caso concreto, garantir o equilíbrio atuarial do sistema. Isso porque, devemos lembrar que uma aposentadoria concedida mais tarde significará um pagamento por menos tempo, o que acabará se equilibrando com um aumento de valor do benefício. Sem falarmos nas parcelas vertidas ao regime após a primeira aposentadoria.

 

3.3.2 Equilíbrio Atuarial e Financeiro 

Marcelo (2012, pág. 65) observa que o fator previdenciário passa a assumir um papel importante no tema “Desaposentação e Reaposentação”. Isso se deve porque o segurado que continua a contribuir para a Previdência Social, conta com um acréscimo no fator previdenciário que diminuirá o desconto em relação ao salário de benefício ou ocasionará um acréscimo no mesmo.

Conforme exemplo citado por Marcelo (2012, pág. 65 e 66) um segurado, quando se aposentou por tempo de contribuição em 20/02/2004, tinha: 

a)            Salário benefício = R$ 2000,00;

b)            Expectativa de Vida de 29 anos;

c)            Tempo de Contribuição de 35 anos;

d)            Idade de 50 anos, 1 mês e 19 dias (50,1361 em decimal);

e)            Alíquota de contribuição de 0,31;

f)             Fator Previdenciário = 0,602310 

A Renda Mensal Inicial com base nestas informações seria de R$ 1.204,62 que equivale a (R$ 2000,00 x 0,602310).

Após a desaposentação e posterior aposentadoria por tempo de contribuição concedida em 20/02/2011: 

1 – Salário Benefício: R$ 2.500,00 (Houve um acréscimo no salário de benefício)

2 – (ES) Expectativa de sobrevida no momento da aposentadoria: 23,50 anos;

3 – (TC) Tempo de Contribuição até o momento da aposentadoria: 42 anos;

4 – (ID) Idade no momento da aposentadoria: 57 anos, 1 mês e 19 dias (57,1361 em decimal);

5 – (A) Alíquota de contribuição correspondente: 0,31. 

f =    Tc x a                  x          [ 1  +  (Id + Tc x a) ]                  =          0,942737

                        Es                                                  100

 Renda Mensal da aposentadoria por tempo de contribuição: salário benefício x fator previdenciário: 

RMI = R$ 2.500,00 x 0,942737   =          R$ 2.356,84 

A desaposentação para este segurado, após 7 anos contribuindo e usufruindo do benefício da aposentadoria, resultou numa diferença de R$ 1.152,22, um acréscimo de mais 95% em seu benefício, resultante de um aumento de mais de 55% no fator previdenciário. Como não está explícito no exemplo, não fica comprovado que as contribuições realizadas pelo segurado durante os 7 anos foram suficientes para cobrir o aumento no novo salário de benefício e a previdência acaba assumindo um seguro sem o aporte necessário para cobri-lo. Fica impossível evidenciar essa diferença em escalas maiores, mas alguns dados podem ser observados a seguir.

A Previdência Social registrou que em 2009, o valor total dos recebimentos do caixa do INSS atingiu R$ 273,5 bilhões, o que correspondeu a um aumento de 12,2% em relação ao ano de 2008.  O valor dos pagamentos em 2009 atingiu R$ 272,7 bilhões, o que correspondeu a um aumento de 12,4% em relação ao ano anterior. As rubricas mais importantes foram Benefícios – INSS, LOAS e RMV e transferências a terceiros, cujas participações no total foram de 79,7%, 6,9% e 6,7% respectivamente.

Em 2009, a relação entre a arrecadação líquida (dada pela diferença entre recebimentos próprios menos transferências a terceiros e restituições de arrecadação) e o PIB foi de 5,8%; e a relação entre os pagamentos com benefícios do RGPS e o PIB foi de 7,2%. O saldo previdenciário (diferença entre arrecadação líquida e benefícios previdenciários) foi de R$42,9 bilhões o que correspondeu a um aumento do déficit de 15,5%, quando comparado com o ano anterior. A diferença entre o valor da arrecadação líquida e o total de benefícios foi de R$ -62,9 bilhões, cerca de 15,3% maior que o déficit observado em 2008.

Com base no exemplo apresentado acima é possível perceber que o benefício social é inquestionável, já que o segurado contará com um benefício maior. No entanto, o principal problema será o crescimento dos benefícios aos segurados sem a devida contribuição a previdência social no período em que eles já usufruíam do benefício da aposentadoria, causando um impacto financeiro considerável nos cofres da previdência.

Conforme o Conselho Nacional de Justiça, 70 mil brasileiros aposentados procuraram a Justiça para pedir a desaposentação[iii]. Hoje, há cerca de 24 mil ações desse tipo nos tribunais. Muitas delas aguardam uma decisão do Supremo Tribunal Federal sobre o assunto, mas ainda não há previsão de quando o caso será julgado.

Em matéria do Jornal Hoje[iv], o ministro da Previdência Social, Garibaldi Alves, diz que o projeto aprovado na Comissão de Assuntos Sociais do Senado provocaria um rombo de R$ 70 bilhões nas contas do INSS, comentado que: “Se pudesse pagar, tudo bem, mas não há a menor viabilidade”.

 

3.4 Necessidade de restituição

É fato que um benefício de aposentadoria só é concedido quando todos os requisitos forem preenchidos, não podendo o autor requerer um novo benefício até que os requisitos deste sejam atendidos, de forma a usufruir de benefício mais vantajoso financeiramente. Contudo, como será demonstrado, alguns autores divergem na opinião sobre a possibilidade de restituição dos valores já auferidos pelos segurados, de forma a abrir uma possibilidade de novo cálculo de benefício.

Para Ibrahim (2007, p. 61/62) em caso de migração entre regimes será desnecessário a restituição de valores, vez que o sistema previdenciário brasileiro adotou a sistemática de repartição simples (os da ativa sustentam os da inatividade para serem sustentados no futuro), aduzindo ainda que se trata de benefício previdenciário, com característica de verba alimentícia, razão pela qual não se poderia exigir a devolução de qualquer valor devidamente recebido.

Já Martinez (2008, p. 36) entende que se deve restituir apenas o necessário, ou o todo, à manutenção do equilíbrio financeiro dos regimes envolvidos com o aproveitamento do período anterior no mesmo ou em outro regime de previdência social, sempre que a situação do segurado melhorar e isso não causar prejuízo a terceiros.

Na Lei nº. 9.796/1999 não há exigência para que o Poder Público, por meio de seus regimes previdenciários, efetue compensação integral, mas apenas do necessário ao equilíbrio financeiro e atuarial.

Visto ser o benefício previdenciário uma verba utilizada na sobrevivência do segurado, entende-se que a restituição não é devida, a menos que o segurado seja obrigado a fazê-lo.

Certo é que, no momento do acerto de contas, poderá haver insuficiências, já que ao aposentar outro segurado, o regime instituidor não possuirá exatamente os recursos para pagá-lo.

 

3.5 Enriquecimento ilícito 

Neste contexto, duas abordagens são necessárias: o enriquecimento ilícito da previdência e o enriquecimento ilícito do segurado. Em ambos os casos é preciso conceituar que para haver enriquecimento ilícito é preciso que alguém fique com o bem de outrem indevidamente, sem claramente merecê-lo.

Os processos de desaposentação indeferidos administrativamente pela previdência não se encaixam neste contexto, visto que a previdência o faz no exercício legal de suas atribuições, respaldado por lei, não se apropriando de nada que não lhe pertença. Artigo 18 § 2º da lei 8.213/91.

Aliás, conforme Martinez (2012, pág. 63), a previdência não enriquece ou empobrece por não ser uma empresa comercial, o seu plano de custeio enfrenta superávits ou déficits, se tornando uma devedora momentânea (ou freqüente).

Ainda conforme Martinez (2012, pág. 64), alguns autores mencionam o possível enriquecimento ilícito do segurado que contesta a restituição dos valores quando a ela é obrigado. Se o aposentado é obrigado a devolver e se esta decisão transitou em julgado, torna-se possível o entendimento de enriquecimento ilícito.

 

  1. 4. PROJETO DE LEI 

A matéria que se pretende regular por lei garante ao aposentado que continuar trabalhando o direito de renunciar ao benefício previdenciário e aproveitar o tempo de contribuição no cálculo de nova aposentadoria mais vantajosa.

Cabe relembrar que conforme o artigo 181-B do Decreto n. 3.048/99, as aposentadorias por idade, tempo de contribuição e especial são irreversíveis e irrenunciáveis.

Atualmente, como a legislação previdenciária não prevê a possibilidade de renúncia do benefício, as agências do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS se recusam a processar os pedidos de renúncia da aposentadoria. Assim, o segurado que, hoje, pretenda renunciar sua aposentadoria para, em seguida, obtê‐la de novo, em valor mais alto, deve recorrer à Justiça.

Neste sentido, o projeto de lei nº. 91, de 2010, propõe exatamente o direito à renúncia bem como o cálculo de nova renda do benefício considerando o tempo de contribuição após a aposentadoria, sem que o beneficiado devolva valores já usufruídos.

O texto da proposta deixa evidenciado que, na hipótese de concessão de novo benefício, tanto a nova remuneração quanto a contagem do tempo de contribuição anterior e posterior à renúncia têm seus efeitos restritos ao âmbito do Regime Geral de Previdência Social.

A proposta do projeto é que o Art. 1º A Lei nº. 8.213, de 24 de julho de 1991, passe a vigorar acrescido do seguinte artigo 18-A: 

Art. 18-A. O segurado que tenha se aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social, por tempo de contribuição, especial e por idade, pode, a qualquer tempo, renunciar ao benefício da aposentadoria. 

§ 1º Ao segurado que tenha renunciado ao benefício da aposentadoria fica assegurado o direito à concessão de nova aposentadoria, no âmbito do Regime Geral de Previdência Social, utilizando-se a contagem do tempo de contribuição que serviu de base para a concessão do benefício objeto da renúncia e a contagem do tempo de contribuição posterior à renúncia, bem como o direito ao cálculo de nova renda mensal do benefício, na forma do regulamento. 

§ 2º A renúncia do segurado à aposentadoria, para fins de concessão de novo benefício no âmbito do Regime Geral de Previdência Social, não implica devolução dos valores percebidos enquanto esteve aposentado. 

Art. 2º Esta Lei entra em vigor no exercício financeiro seguinte ao da publicação desta Lei. 

Com isso, é importante observar que o projeto de lei é limitado e faz referência apenas ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS), não mencionando a transição entre os regimes (ex.: RPPS para RGPS). Apesar de implícitos, os benefícios sociais não são avaliados e o equilíbrio financeiro e atuarial continua sendo uma questão sem resposta.

 

  1. 5. POSIÇÃO JURISPRUDENCIAL 

À luz dos conceitos vistos até o momento, cabe também ressaltar alguns posicionamentos jurisprudenciais acerca do instituto da desaposentação.

O entendimento do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, abaixo, reforça a impossibilidade de ocorrência da desaposentação:

 

PREVIDENCIÁRIO.  DESAPOSENTAÇÃO. NÃO CABIMENTO. MUDANÇA DE ENTENDIMENTO. REFORMA DA SENTENÇA. RECURSO PROVIDO. 

Reanalisando os posicionamentos jurisprudenciais e doutrinários e melhor refletindo a respeito do instituto da desaposentação, passo a alinhar-me ao entendimento de que é cristalino o caráter irrenunciável e irreversível do ato de concessão do benefício de aposentadoria no âmbito do Regime Geral de Previdência Social – RGPS, evidenciando seus efeitos ofensivos à ordem constitucional vigente.          

 À luz dos artigos 11, §3º e 18, §2º, da Lei 8.213/91 e 3, I, 40, 194 e 195 da CRFB, verifica-se que o instituto da desaposentação possui vedação legal expressa que se compatibiliza com o caráter solidário do sistema previdenciário, não sendo, portanto, permitida a utilização das contribuições dos trabalhadores em gozo de aposentadoria para a obtenção de nova aposentadoria ou elevação da já auferida, sob pena de subversão para um sistema individualista/patrimonialista que não se compatibiliza com os fundamentos da Seguridade Social. Assim, o aposentado que retorna à atividade somente faz jus ao salário-família e à reabilitação profissional, quando empregado (artigo 18, §2º, da Lei 8.213/91). 

            O entendimento também reforça que, sob a visão da renúncia, a aposentadoria não é juridicamente aceitável, já que: 

A uma, sob pena de afrontar o princípio da segurança jurídica, consistente no respeito ao ato jurídico perfeito (artigo 5º, XXXVI, da CRFB) e ao princípio da legalidade (artigo 37, caput, da CRFB c/c artigo 18, §3º, da Lei 8.213/91). Isso sem falar no princípio constitucional da isonomia (artigo 5º, caput, da CRFB), uma vez que a desaposentação confere tratamento mais benéfico ao segurado que se aposenta com proventos proporcionais e continua trabalhando para, posteriormente, obter nova aposentadoria em melhores condições, em detrimento daquele que continuou trabalhando até possuir um período contributivo maior para se aposentar com proventos integrais.  

A duas, porque se extrai a natureza alimentar da aposentadoria, que lhe confere o caráter de irrenunciável. Assim como a pensão alimentícia, no âmbito do direito civil, é possível a renúncia às prestações mensais, mas não ao benefício em si, que é intocável, intangível. A aposentadoria não é um direito patrimonial e, portanto, disponível, possuindo, outrossim, um caráter institucional, isto é, os direitos e obrigações não decorrem de ato de vontade, porém da lei. 

E a três porque a pretensão de desaposentação não é livre e desembaraçada, gerando ônus a pessoa jurídica de direito público diretamente envolvida na constituição do ato, no caso, ao INSS, sendo claro que o desfazimento da aposentadoria repercute em ônus no sistema previdenciário, uma vez que o mesmo período e salários-de-contribuição seriam somados duas vezes, com o objetivo de majorar a renda mensal da nova aposentadoria, o que repercute diretamente no equilíbrio financeiro e atuarial do sistema (artigo 201, caput, da CRFB). 

            Destaca-se ainda o posicionamento de Lorena de Mello Rezende Colnago: 

Embora haja o interesse do segurado, no caso da desaposentação, não há interesse público, previsão legal, e, nem mesmo, objeto lícito e mora – face à aferição de vantagem em detrimento do equilíbrio financeiro dos Regimes de Previdência, ou seja, o enriquecimento ilícito do segurado. 

O Tribunal Regional Federal da 5ª Região também tem posições não favoráveis a desaposentação, complementando com outros entendimentos:  

PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. LITISPENDÊNCIA. INOCORRÊNCIA. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. RENÚNCIA. OBTENÇÃO DE APOSENTADORIA MAIS VANTAJOSA. IMPOSSIBILIDADE. REGIMES PREVIDENCIÁRIOS IDÊNTICOS. ÓBICE DO ART. 18, § 2º, DA LEI Nº 8.213/91. 

Quanto às contribuições previdenciárias vertidas após a concessão da aposentadoria por tempo de serviço, não geram direito a um novo benefício, tampouco aumentam o valor da renda mensal da aposentadoria em fruição, nem podem ser adicionadas à aposentadoria proporcional para fins de concessão de aposentadoria integral. 

Uma vez concedida a aposentadoria por tempo de serviço com proventos proporcionais, ainda que o segurado volte a contribuir para o sistema previdenciário, não poderá utilizar as referidas contribuições para complementar o tempo que restaria para obtenção de uma nova aposentadoria com proventos integrais. O art. 11, parágrafo 3º, da Lei nº 8.213/91, inclusive, estabelece que as novas contribuições efetuadas pelo aposentado do RGPS que retornar a atividade serão destinadas ao custeio da Seguridade Social. 

 Vê-se que, pelos posicionamentos jurisprudenciais, a concessão do benefício da aposentadoria é irrenunciável e irreversível. Além disso, as contribuições obrigatórias, vertidas após o retorno ao trabalho, não podem ser usadas para novo cálculo do benefício, reforçando que a desaposentação é um processo que interessa mais ao segurado e que gera ônus ao sistema previdenciário. 

 

  1. 6.            CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Foram demonstrados, neste artigo, os conceitos para melhor entendimento da aposentadoria, renúncia e desaposentação, defendendo os benefícios sociais resultantes deste processo, mas abrindo uma reflexão sobre os conseqüentes impactos financeiros no sistema da previdência social.

Com isso, percebemos que a aposentadoria é um direito patrimonial e a renúncia é um direito previsto na Constituição. Mesmo sendo irreversíveis e irrenunciáveis as aposentadorias por idade e por contribuição, o segurado deverá confirmar se a renúncia e posterior aposentação trarão, de fato, uma vantagem patrimonial em seu benefício. Esse benefício social não é imediatamente visível, já que o impacto na natureza alimentar do benefício só seria evidente com o aumento da remuneração do segurado e esse cálculo não depende somente das contribuições vertidas após a aposentadoria, mas também de outros fatores como expectativa de vida.

Percebeu-se que o impacto financeiro na previdência é claro, visto que a contribuição do segurado durante a aposentadoria não garante cobertura da diferença no benefício após a desaposentação. Esta conclusão também se fundamentou nos números da própria Previdência, já que em diferença entre o valor da arrecadação líquida e o total de benefícios foi negativa, resultando em déficits maiores a cada ano.

Com reflexos sociais que podem ser positivos, mas com evidente impacto financeiro, o tema desaposentação torna-se inviável e gera preocupação entorno do equilíbrio e continuidade de um sistema que muitos contribuem, mas nem todos usufruíram. 

 

REFERÊNCIAS 

BRASIL. Lei nº. 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8213cons.htm. Acesso em: 11 nov. 2011. 

BRASIL. Projeto de Lei do Senado nº 91, de 2010. Altera a Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, para permitir a renúncia à aposentadoria concedida pela Previdência Social. Disponível em http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=125487&tp=1. Acesso em 23/04/2013. 

______. Previdência. Ministério. Benefícios da Previdência Social. Disponível em: http://www.previdencia.gov.br/. Acesso em: 11 nov. 2011. 

CASTRO Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. 7ª Edição. São Paulo: LTR, 2006. 

COELHO, Hamilton Antônio. Desaposentação: Um Novo Instituto? Revista de Previdência Social, São Paulo: LTR, nº. 228. p.1130-1134, nov 1999. 

ESTADÃO. Site. Expectativa de vida no Brasil passa a 73,2 anos, diz IBGE. Geral, São Paulo –SP: 01 dez. 2010. Disponível em: http://www.estadao.com.br/
noticias/geral,expectativa-de-vida-no-brasil-passa-a-732-anos-diz-ibge,647908,0.htm. Acesso em 17 nov. 2011.
 

JORNADA DE DIREITO PREVIDENCIÁRIO I / Escola de Magistratura Federal da 1ª Região – Brasília: ESMAF, 2010. Página 46. 

KRAVCHYCHYN, Gisele Lemos. Desaposentação: Fundamentos jurídicos, posição dos tribunais e análise das propostas legislativas. Conteúdo Jurídico, Brasília-DF: 14 mar. 2009. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.21165>. Acesso em: 19 out. 2011. 

LIMA, Marcos Galdino de. O instituto da desaposentação. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, 78, 01/07/2010 [Internet]. Disponível em http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7952. Acesso: 23/04/2013. 

MARCELO, Fernando Vieira. Desaposentação: manual teórico e prático para encorajamento em enfrentar a matéria. Leme: J. H. Mizuno, 2012.

MARTINEZ. Wladimir Novaes. Desaposentação. 5. edição. São Paulo: LTr, 2012. 


 NOTAS DE FIM

[i] Aluna concludente do curso de Direito do Centro Universitário Newton Paiva em 2013.1.

[ii] Para maiores detalhes sobre os tipos de aposentadoria, auxílios e pensões: www.mps.gov.br.

[iii] http://g1.globo.com/jornal-hoje/noticia/2013/01/setenta-mil-aposentados-procuraram-justica-para-pedir-desaposentacao.html. << Acessado em 30/04/2013 >> 

[iv] http://g1.globo.com/jornal-hoje/noticia/2013/04/comissao-do-senado-aprova-projeto-que-preve-chamada-desaposentacao.html. << Acessado em 30/04/2013 >>