Fernanda Rodrigues Tavares[1]
RESUMO: O presente artigo visa demonstrar que o procedimento de revista realizado nos pertences do empregado, não caracteriza, a princípio, afronta aos seus direitos de intimidade ou privacidade, configurando direito característico ao poder fiscalizatório do empregador.
PALAVRAS-CHAVE: poder de controle, intimidade, privacidade, violação, boa-fé, revista, pertences, empregado.
Área de Interesse: Direito do Trabalho
1 INTRODUÇÃO
Conforme se verifica nos dias atuais, diversas empresas passaram a adotar de forma recorrente o procedimento de revista de pertences de seus empregados, com o intuito de fiscalizar e proteger seu patrimônio contra quaisquer tentativas de dilapidação.
Com efeito, a prática desregrada de tal procedimento excede os limites do poder diretivo do empregador, chegando a violar a intimidade do empregado, submetendo-o a condições vexatórias.
Neste cenário de colisão entre o direito de propriedade do empregador e o direito à intimidade do obreiro, a jurisprudência tem se manifestado de forma a conciliar o legítimo interesse das partes em litígio, não constituindo ato ilícito a revista pessoal de pertences dos empregados realizada de modo impessoal e indiscriminado.
Dessa forma, o presente estudo tem por objetivo analisar o poder de controle conferido ao empregador, bem como, a incidência dos direitos de personalidade (intimidade e privacidade) na seara trabalhista. Serão abordados ao longo do artigo os preceitos da boa-fé na relação de emprego e os aspectos da revista de pertences do empregado. Busca-se demonstrar que o poder de controle confere ao empregador a possibilidade de inspecionar os pertences de seus funcionários, desde que os outros mecanismos à sua disposição se revelem ineficientes na preservação do patrimônio empresarial.
2 O PODER DE CONTROLE DO EMPREGADOR
Em que pese ser do empregador o risco do empreendimento, é através do poder empregatício que este irá se pautar para o efetivo exercício da relação de emprego, ou seja, é por meio de tal prerrogativa que será assegurado ao empreendedor o controle sobre as suas atividades empresariais.
Mauricio Godinho Delgado (2012, p. 658) define o poder empregatício como:
[…] conjunto de prerrogativas asseguradas pela ordem jurídica e tendencialmente concentradas na figura do empregador, para exercício no contexto da relação de emprego. Pode ser conceituado, ainda, como o conjunto de prerrogativas com respeito à direção, regulamentação, fiscalização e disciplinamento da economia interna à empresa e correspondente prestação de serviços.
Deste modo, verifica-se que o poder conferido ao empregador no âmbito da relação de emprego consiste em atribuições que permitam ao mesmo a organização empresarial, o exercício das suas funções administrativas, e a respectiva inspeção, com o intuito de manter a harmonia no ambiente de trabalho.
De acordo com Amauri Mascaro Nascimento (2009, p. 226-228), o poder empregatício apresenta-se em três dimensões, quais sejam:
i.Poder de organização, que atribui ao empregador a organização da sua atividade;
ii.Poder de controle, que assegura o direito de o empregador de fiscalizar as atividades profissionais dos seus empregados;
iii.Poder disciplinar, se traduz no direito do empregador de impor sanções disciplinares aos seus empregados.
Assim, é na modalidade de poder de controle também denominada de poder fiscalizatório, que irá se concentrar o presente artigo. Modalidade esta que se caracteriza pela efetiva vigilância do empregado ao longo do espaço interno da empresa, a fim de se proteger o patrimônio empresarial.
Delgado (2012, p. 662) designa o poder fiscalizatório da seguinte forma:
Poder fiscalizatório (ou poder de controle) seria o conjunto de prerrogativas dirigidas a propiciar o acompanhamento contínuo da prestação de trabalho e a própria vigilância efetivada ao longo do espaço empresarial interno. Medidas como o controle de portaria, as revistas, o circuito interno de televisão, o controle horário e frequência, a prestação de contas (em certas funções e profissões) e outras providências correlatas é que seriam manifestação do poder de controle.
Posto isto, pode-se concluir então que nas situações como o controle de portaria, as revistas propriamente ditas, entre outras, encontram amparo no poder de controle do empregador, vez que garantem ao empreendedor o acompanhamento da prestação de serviços e a inspeção no ambiente laborativo.
Todavia, tal poder é limitado pelos direitos e garantias inerentes a dignidade do ser humano, devendo o empregador se pautar nos critérios de razoabilidade de modo a não ofender a intimidade e a privacidade do obreiro.
3 DIREITOS À INTIMIDADE E PRIVACIDADE
A Constituição Federal de 1988 em artigo 5º, X, assegura: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação” (BRASIL, 2013).
A expressão direito à intimidade e privacidade está relacionada à tutela dos relacionamentos da vida particular da pessoa. Trata-se da máxima de proteger os direitos de personalidade inerentes ao indivíduo.
Alexandre de Moraes (2009, p. 53) conceitua o direito a intimidade e a privacidade como:
Os conceitos constitucionais de intimidade e vida privada apresentam grande interligação, podendo, porém, ser diferenciados por meio da menor amplitude do primeiro, que se encontra no âmbito de incidência do segundo. Assim, intimidade relaciona-se às relações subjetivas e de trato íntimo da pessoa, suas relações familiares e de amizade, enquanto vida privada envolve todos os demais relacionamentos humanos, inclusive os objetivos, tais como relações comerciais, de trabalho, de estudo, etc.
Sobre o tema, José Otávio de Almeida Barros Júnior (2012, p. 618) ainda assevera:
Neste sentido, a intimidade consiste na proteção dos segredos mais íntimos da pessoa, do respeito ao “eu”, ou seja, relaciona-se a questões internas da pessoa que não são de conhecimento sequer de seu grupo familiar mais íntimo. Já a vida privada consiste na proteção dos relacionamentos particulares do indivíduo, seu convívio familiar e social restrito, como local de trabalho, lazer, etc.
Com efeito, há que se dizer que a proteção aos direitos de personalidade, alcança também a seara trabalhista, sendo oponíveis frente a terceiros. Tais direitos devem ser respeitados pelo empreendedor de modo a se preservar a dignidade da pessoa humana.
Barros (apud SENA, 2012, p. 1) por sua vez destaca:
[…] tanto o direito à intimidade como o direito à inviolabilidade da vida privada tem características comuns, entre elas sua oponibilidade erga omnes. Assim, embora o Direito do Trabalho não faça menção aos direitos à intimidade e a privacidade, por constituírem espécie ‘direitos da personalidade’ consagrados na Constituição, são oponíveis contra o empregador, devendo ser respeitados, independentemente de encontrar-se o titular desses direitos dentro do estabelecimento empresarial. É que a inserção do obreiro no processo produtivo não lhe retira os direitos da personalidade, cujo exercício pressupõe liberdades civis.
Dessa maneira, não há como negar a presença aos direitos à intimidade e à privacidade em uma relação de emprego, por constituírem direitos da personalidade previstos no texto constitucional. Assim, não se pode dissociar o direito à intimidade e privacidade do indivíduo, mesmo sob a presença do poder fiscalizatório, devendo este se sujeitar a incidência de tais garantias.
Neste contexto, Sandra Lia Simón (2003, p. 57) esclarece que:
Logo, numa relação de emprego, ainda que o poder de direção do empregador seja incontestável, encontrando fundamento em outro direito humano fundamental, qual seja, o direito de propriedade, não há como negar a sua ampla incidência no que diz respeito aos trabalhadores. Mesmo que se encontrem em patamar hierarquicamente inferior em relação aos empresários, o poder de mando encontrará limites no exercício dos direitos humanos fundamentais.
Vê-se que o poder fiscalizatório conferido ao empregador encontra limites na esfera da vida privada. Tais limites por sua vez, devem ser observados pelo empreendedor ao proceder à revista de bolsas, sacolas e demais pertences dos trabalhadores, sob a consequência de constituir uma afronta às garantias constitucionais.
4 A BOA-FÉ NA RELAÇÃO DE EMPREGO
O código civil em seu artigo 113 estabelece que “Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração” (BRASIL, 2013). Por sua vez, o artigo 422 do mesmo diploma legal reitera que “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé” (BRASIL, 2013).
Tal como nas relações civis, o contrato de emprego deve-se pautar nos preceitos de confiança e boa fé, devendo haver o respeito mútuo das obrigações por ambas às partes, de modo que a não observância de tais condições confira abuso de direito, restando rompidos os elementos basilares do vínculo contratual.
Orlando Gomes (2008, p. 45) afirma que: “O princípio da boa-fé é aplicável a toda e qualquer relação contratual independentemente da existência de debilidade ou hipossuficiência por parte de um dos contratantes ou do desequilíbrio entre os polos da relação”.
Nesse diapasão, Américo Plá Rodriguez (2000, p. 425) distingue a boa-fé, conceituando-a da seguinte maneira:
A boa-fé-crença é a posição de quem ignora determinados fatos e pensa, portanto, que sua conduta é perfeitamente legítima e não causa prejuízos a ninguém. É o sentido que se empresta quando se fala do possuidor de boa-fé (que ignora o vício ou o obstáculo que lhe impede a aquisição da coisa ou do direito possuído) ou do cônjuge que contrai um matrimônio putativo (pois ignora o impedimento ou o erro essencial, e em consequência, os efeitos jurídicos se produzem como se o ato fosse válido).
A boa-fé-lealdade se refere à conduta da pessoa que considera cumprir realmente com o seu dever. Pressupõe uma posição de honestidade e honradez no comércio jurídico, porquanto contém implícita a plena consciência de não enganar, não prejudicar, nem causar danos. Mais ainda: implica a convicção de que as transações são cumpridas normalmente, sem trapaças, sem abusos, nem desvirtuamentos.
De acordo com o autor supracitado (2000, p. 426), a boa-fé que deve vigorar como princípio do Direito do Trabalho é a boa-fé-lealdade, ou seja, que se refere a um comportamento e não a uma simples convicção.
Assim, as relações de trabalho devem estar embasadas em modelos éticos de conduta e lealdade, de modo a não prejudicar ou casar danos às partes envolvidas.
Neste sentido, há que se dizer que o procedimento de revista deve obedecer aos critérios de razoabilidade e ponderação de modo a não violar a boa-fé da relação empregatícia. Busca-se respeitar a dignidade do trabalhador, não configurando ato lesivo à sua intimidade, ou mesmo uma afronta à sua presunção de inocência.
5 A REVISTA DE PERTENCES
Tornou-se comum no meio empresarial o monitoramento dos empregados, buscando-se evitar eventuais subtrações dos estabelecimentos. Neste contexto, a prática das revistas efetuadas nos pertences dos empregados ganhou lugar ao fim jornada de trabalho, como forma de proteção ao patrimônio físico.
Simón (apud REIS e BEZERRA, 2011, p. 2) assevera que:
O procedimento da revista também estará caracterizado quando realizado em bolsas, carteiras, sacolas, armários individuais, marmitas ou qualquer outro meio que atinja a intimidade do empregado. A jurisprudência e a doutrina brasileiras têm reconhecido, além da pessoa do empregado e seus objetos, a revista em armários, mesas, gavetas, arquivos, escrivaninhas e até mesmo veículo do mesmo como ofensivas à sua intimidade.
Deste modo, a vistoria em sacolas, mochilas e demais pertences que atinjam a intimidade do empregado caracterizam o procedimento da revista, sendo reconhecida também como tal prática o monitoramento de lugares particulares, como armários, mesas, veículos, dentre outros. Já que a vistoria destes locais também constitui, ofensa à dignidade da pessoa humana.
5.1 Delineações Legais e Jurisprudenciais
No tocante à revista no ordenamento jurídico brasileiro, é evidente a carência de normatização específica e clara acerca de tal instituto. Diante dessa realidade, faz-se necessário a adoção de princípios constitucionais a fim de assegurar ao empregado à proteção de seus direitos de personalidade.
Maurício Godinho Delgado (2012, p. 663-664) preconiza que:
Nesse quadro, é inquestionável que a Carta Constitucional de 1988 rejeitou condutas fiscalizatórias e de controle da prestação de serviços que agridam à liberdade e dignidade básicas da pessoa física do trabalhador. Tais condutas chocam-se, frontalmente, com o universo normativo e de princípios abraçado pela Constituição vigorante. É que a Constituição pretendeu instituir um “Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem estar, o desenvolvimento, a igualdade, e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social…” (Preâmbulo da CF/88; grifos acrescidos). A dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, constituída em Estado Democrático de Direito (art. 1°, III, CF/88), que tem por alguns de seus objetivos fundamentais “construir uma sociedade justa e solidária”, além de “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (art. 3°, I e IV, CF/88).
O referido doutrinador (2012, p. 664) conclui ainda:
Todas essas regras e princípios gerais, portanto, criam uma fronteira inegável ao exercício das funções fiscalizatórias e de controle no contexto empregatício, colocando na franca ilegalidade medidas que venham agredir ou cercear a liberdade e dignidade da pessoa que trabalha empregaticiamente no país.
Desta forma, em meio à ausência de dispositivos normativos que regulem especificamente o procedimento da revista, a seara trabalhista utiliza-se dos princípios constitucionais como diretrizes basilares a fim de impedir transgressões frente à dignidade do obreiro.
Na CLT o dispositivo que versa hodiernamente sobre tal assunto é o artigo 373-A, VI que veda expressamente revista íntima, vejamos:
Art. 373-A. Ressalvadas as disposições legais destinadas a corrigir as distorções que afetam o acesso da mulher ao mercado de trabalho e certas especificidades estabelecidas nos acordos trabalhistas, é vedado:
[…]
VI – proceder o empregador ou preposto a revistas íntimas nas empregadas ou funcionárias.
Criado à luz da lei 9799/99, o dispositivo proíbe a revista íntima nas empregadas, devendo ser interpretado extensivamente no que se refere aos empregados. Porém percebe-se, que a norma supracitada não faz menção em seu texto às demais formas de fiscalização.
Assim, tratando-se de direitos fundamentais, não pode o empregador se valer da expressão comumente utilizada no direito brasileiro “aquilo que não é proibido, é permitido”. Tal pensamento não se justifica em razão da omissão do legislador acerca dos procedimentos de revista, mais especificamente da revista de pertences.
Neste panorama, há que se pautar nos entendimentos jurisprudenciais e doutrinários, que já se manifestaram acerca da matéria. Os entendimentos do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª região:
EMENTA: DANOS MORAIS.REVISTA PESSOAL. CONTRANGIMENTO CONFIGURADO. A revista pessoal, ainda que seja realizada em todos os empregados indistintamente, revela-se abusiva, desrespeitosa e invasiva, quando o próprio superior hierárquico promove ao manuseio dos pertences existentes na bolsa do empregado revistado, além de o procedimento ser feito na frente de terceiros (clientes), ou mesmo de algum transeunte que passe na porta da loja, onde se fazem a revistas. Procedimento absolutamente ilícito e hediondo, pois afastado dos limites de razoabilidade no exercício do poder diretivo e fiscalizador do empregador e em ofensa flagrante à dignidade humana, malferindo o valor social do trabalho, ambos erigidos a fundamentos do Estado Democrático de Direito, como dispõe os incisos II e III, art. 1o. da CR/88 (Recurso Ordinário 00236-2012-002-03-00-4.Relator: Convocada Rosemary de O. Pires; Revisor: Sebastião Geraldo de Oliveira).
O egrégio tribunal se manifestou no sentido de que a revista ainda que executada de forma indiscriminada se não observados os direitos inerentes à dignidade do empregado configura-se abusiva. No caso em tela, verifica-se que a inspeção foi desrespeitosa já que a mesma foi realizada frente a clientes do empreendimento, violando a dignidade do obreiro, além disso o procedimento realizado pelo superior hierárquico não era meramente visual, havendo o manuseio dos pertences da bolsa do empregado.
O Tribunal Superior do Trabalho também se manifesta acerca da matéria:
EMENTA: I – AGRAVO DE INSTRUMENTO. REVISTAS ABUSIVAS EM PERTENCES DE EMPREGADOS. DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO. Agravo de instrumento a que se dá provimento, em face de potencial ofensa ao art. 5º, X, da Constituição Federal. Agravo de instrumento conhecido e provido. II – RECURSO DE REVISTA. REVISTAS PESSOAIS EM TRABALHADORES. REVISTAS ÍNTIMAS. REVISTAS ABUSIVAS EM PERTENCES DE EMPREGADOS. ABUSO NO EXERCÍCIO DO PODER DIRETIVO. DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO. OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR. CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ART. 5º, INCISOS V e X. Os princípios e garantias constitucionais atuam, na contemporaneidade, em defesa do trabalhador, enquanto e em contrapartida, estabelecem freios para a conduta patronal. A ordem inaugurada pela Constituição Federal de 1988, quando dá destaque à dignidade da pessoa humana e tutela intimidade, privacidade e honra, vedando tratamentos degradantes, revela visível avanço em relação à situação pregressa: ergue a nível matricial a proteção que a classe trabalhadora reclama desde a Revolução Industrial. Fazendo concreto o ideal do Estado Democrático de Direito, este conjunto de princípios deita-se sobre a legislação ordinária, relendo os limites da atuação patronal no exercício do poder diretivo – de base restritamente contratual -, sobretudo naquilo que represente desnecessária exposição e ofensa aos seus subordinados. Somente como exceção e sob escasso olhar, o art. 373-A da CLT admite revistas, regra igualmente limitada para as mulheres e, por influência do princípio isonômico, para os homens: ao empregador incumbe adotar os meios que a tecnologia lhe oferece para defesa de seu patrimônio, sendo-lhe vedado, mesmo com tal aparato, violentar a esfera privada daqueles trabalhadores que contrata. Sendo a última de suas possibilidades, o empregador poderá recorrer às revistas pessoais, desde que o faça sob condições, mas sem jamais macular a privacidade e a intimidade dos empregados. O excesso a tais parâmetros desperta a sanção constitucional e obriga à indenização do dano moral, providência que empresta coerção e concretude ao pilar da dignidade da pessoa humana e delega expressão máxima ao vetor eleito pela Constituição Federal. Recurso de revista conhecido e provido.(Recurso de Revista 843-56.2012.5.08.0014. Data de Julgamento: 22/05/2013. Relator Ministro: Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, 3ª Turma).
De acordo com o TST os princípios e garantias previstos na Constituição Federal atuam como freios do poder de controle do empregador, de forma a não admitir tratamentos degradantes à dignidade da pessoa humana. Assim, a inspeção dos pertences do trabalhador somente é permitida em situações excepcionais, devendo o empreendedor recorrer sempre que possível aos meios tecnológicos à sua disposição.
5.2 Do procedimento
Conforme já mencionado, a vistoria de pertences do empregado deve-se pautar em critérios objetivos trazidos pela doutrina e jurisprudência, de modo a não ofender à intimidade do empregado, já em muitas situações a adoção de tal medida se mostra abusiva deixando o trabalhador exposto.
Entende-se que prática da revista como meio lícito se justifica tão somente no ambiente laborativo não facultando ao empregador interferir na intimidade do obreiro fora do estabelecimento empresarial.
Alice Monteiro de Barros (2008, p. 583-584) leciona que:
A revista deverá ser realizada no âmbito da empresa, assim entendido o local de trabalho, a entrada e a saída deste. O exercício do poder diretivo conferido ao empregador, no caso, não se estende para fora do estabelecimento da empresa, ainda que haja fundadas suspeitas contra o obreiro. Nessa circunstância deverá o empregador recorrer às autoridades competentes.
Assim em que pese o empreendedor possuir desconfianças quanto ao empregado, não poderá interferir na vida privada deste, vez que o poder de controle se encontra limitado ao local de trabalho.
Por sua vez, o poder fiscalizatório encontra ainda limites ainda mais específicos, a fim de coibir procedimentos realizados sem qualquer fundamento, de forma abusiva, desigual e atentatória à dignidade do trabalhador.
Quanto aos requisitos a serem observados pelo empregador ao se proceder a inspeção Barros sustenta (2008, p. 583) que:
Quando utilizada, a revista deve ser em caráter geral, impessoal, para evitar suspeitas, por meio de critério objetivo (sorteio, numeração, todos os integrantes de um turno ou setor), mediante ajuste prévio com a entidade sindical ou com o próprio empregado, na falta daquela, respeitando-se ao máximo, os direitos da personalidade (intimidade honra, entre outros).
Nessa mesma linha, Alessandro Medeiro de Lemos afirma:
[…] A prática, se adotada pela empresa, deve ser estendida a todas suas unidades, sem a observância de regionalismos, salvo se as características de umas ensejarem o procedimento, enquanto que as peculiaridades de outras não o exijam, o que, de todo modo, deve ser plenamente fundamentado […].
[…] A revista, preferencialmente, deve consistir em procedimento geral e impessoal, por critério objetivo (sorteio, numeração, todos os integrantes de um turno ou setor), respeitando-se ao máximo, os direitos da personalidade e se coibindo qualquer prática discriminatória na sujeição a tal procedimento […].
Deste modo, a adoção pelo empreendedor da revista deve ser realizada de forma impessoal e indiscriminada. Não se justificando no local de trabalho procedimentos vexatórios que desrespeitem os direitos fundamentais do obreiro.
Em suma, o poder de controle do empregador é limitado pelos direitos à intimidade e à privacidade, por constituírem direitos de personalidade inerentes ao indivíduo. De modo que quaisquer violações aos mesmos constituem afronta a dignidade da pessoa humana, sendo passível de reparação.
5.3 Outras formas de fiscalização
Em que pese a jurisprudência majoritária permitir o procedimento de revista em pertences dos empregados, alguns doutrinadores ainda o consideram invasivo.
Dessa forma, é recomendável que este ocorra tão somente quando não houver possibilidade de adoção de outros meios de controle no ambiente de trabalho, de forma a garantir a inviolabilidade dos direitos fundamentais dos trabalhadores.
Alice Monteiro de Barros (2008, p. 583) afirma que:
Não basta a tutela genérica da propriedade, deverão existir circunstâncias concretas que justifiquem a revista. Mister, que haja, na empresa, no estabelecimento ou no setor bens suscetíveis de subtração e ocultação, com valor material, ou que tenham relevância para o funcionamento da atividade empresarial e para a segurança das pessoas. Ademais, a tecnologia também poderá ser utilizada para evitar ou reduzir os efeitos da revista na intimidade dos empregados. A título de exemplo a colocação de etiquetas magnéticas em livros e roupas torna desnecessária a inspeção em bolsas e sacolas, nos estabelecimentos comerciais.
Neste sentido Alessandro Medeiros de Lemos (2009, p. 55) também se manifesta:
[…] Para que se compreenda a revista em sacolas, bolsas e pertences de empregados como medida adequada e lícita, é prudente que a mesma seja feita através de comprovação de que outras vias de controle não são suficientes para banir a possibilidade de dilapidação do patrimônio do empregador ou para garantir medidas de segurança, cuja responsabilidade recaia sobre a empresa, ou ainda, que por outros meios não se conseguiria resguardar o sigilo industrial […].
Deste modo, há que se dizer que em meio aos diversos avanços tecnológicos, o empregador tem à sua disposição outros mecanismos menos invasivos que a própria revista para assegurar a proteção ao seu patrimônio, tais como: câmeras de vídeo, aparelhos de raios-X, entre outros, possibilitando uma fiscalização mais abrangente e menos ofensiva à privacidade e à intimidade do trabalhador.
Alice Monteiro de Barros (2008, p. 592-593) aponta também que:
A legislação brasileira não proíbe que o poder de direção conferido ao empregador se verifique por meio de aparelhos audiovisuais de controle de prestação de serviços, o que, aliás, é uma decorrência do avanço da tecnologia e poderá consistir em instrumento probatório valioso na avaliação da conduta do empregado. Inadmissível é entender que o conjunto de locais do estabelecimento esteja sob o total controle do empregador e autorizar a introdução de aparelhos audiovisuais indistintamente. Ora, há certos locais que são privados por natureza ou se destinam ao descanso do empregado, logo, não se pode permitir a instalação de um sistema de vídeo, por exemplo, em um banheiro, ou em uma cantina.
A autora supracitada (2008, p. 593) aduz ainda que: “a vigilância eletrônica poderá ter um futuro promissor, desde que utilizada de forma humana, combatendo-se os abusos na sua utilização e permitindo-se o acesso do obreiro às informações que lhe digam respeito”.
Nestes termos, é indispensável o uso de tecnologias a fim de preservar o patrimônio empresarial, contudo tais medidas preventivas devem estar em consonância com as garantias constitucionais, cabendo ao empregador recorrer às práticas menos agressivas antes de utilizar-se das inspeções em bolsas, sacolas e demais pertences do obreiro.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O poder de controle constitui prerrogativa inerente ao empregador, e como tal, é nela que o empreendedor irá se pautar para o efetivo exercício da relação de emprego. O poder a ele conferido não se confunde com o poder de polícia, não sendo, portanto, aceitável a realização de vistorias abusivas e vexatórias com o intuito de assegurar a proteção ao seu direito de propriedade contra ataques de terceiros.
Assim, não há dúvida de que a vigilância do empregado no ambiente de trabalho não pode ferir os direitos e garantias constitucionais de forma a produzir resultados lesivos à privacidade e intimidade do obreiro, vez que o amparo aos direitos de personalidade alcança também a esfera trabalhista.
Tais direitos se encontram intrinsecamente ligados ao indivíduo, sendo oponíveis a terceiros, no caso, ao empregador. Além disso, devem ser observados pelo empresário a fim de não ofender a dignidade da pessoa humana, causando resultados lesivos a intimidade e à privacidade do funcionário.
Neste diapasão, há que se dizer que a relação de emprego deve estar pautada nos preceitos da confiança e boa-fé de forma a não prejudicar ou casar danos às partes envolvidas.
A revista realizada pelo empregador deve então observar os critérios de razoabilidade e ponderação, sendo medida impessoal e indiscriminada com o intuito de não atingir os direitos de personalidade do empregado.
Ademais, tal medida somente é justificável nas hipóteses em que outros meios de controle se mostrem ineficazes ou de difícil adoção, já que na atualidade o empregador tem à sua disposição outros mecanismos menos invasivos que a própria revista para assegurar a proteção ao seu patrimônio.
Por fim, pode-se concluir que a proibição da revista à qualquer título já não encontra lugar em meio ao cenário globalizado vez que atua em desfavor do patrimônio do empregador, patrimônio este que é a base da atividade empresarial e consequentemente o fator responsável pela oferta de empregos.
REFERÊNCIAS
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BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho. Dano Moral – Revista Pessoal / Revista Íntima. Recurso Ordinário 00236-2012-002-03-00-4. Relator: Convocada Rosemary de O. Pires, 21 de setembro de 2012. Disponível em: <http://www.trt3.jus.br/jurisprudencia>. Acesso em: 23 de maio de 2013.
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Dano Moral – Revista Pessoal / Revista Íntima. Recurso de Revista 843-56.2012.5.08.0014. Relator Ministro: Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira. Disponível em: < http://www.tst.jus.br/jurisprudencia>. Acesso em: 23 de maio de 2013.
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GOMES, Orlando. Contratos. 26 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008.
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NOTA DE FIM
[1]Graduanda do Curso de Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva.