Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva

 Alaine Soares Martins Vieira[1]

 

RESUMO: Em 2010, a Lei nº 12.344 alterou a disposição legal que estabelecia a obrigatoriedade do regime de separação de bens daqueles que se casassem com mais de sessenta anos. Passou-se a estabelecer, no Código Civil, a imposição do regime, entretanto apenas aos maiores de setenta anos. A modificação era ansiosamente esperada em âmbito acadêmico, jurídico e social, contudo não foi nos moldes que se apresentou. Esperava-se uma modificação que findasse com esta obrigatoriedade por ofender princípios constitucionais como o princípio da liberdade, igualdade e dignidade humana. Entretanto apenas aumentou a idade fazendo com que permanecesse uma restrição a liberdade de escolha do regime de bens. Isto mantém aberta a discussão acerca da constitucionalidade do dispositivo legal, hoje presente no artigo 1641 do Código Civil, o que motiva o presente debate.

 

PALAVRAS-CHAVE: regime de bens; separação obrigatória; inconstitucionalidade; princípio da igualdade.

 

Área de Interesse: Direito Civil

 

1 INTRODUÇÃO 

O Código Civil de 2002, objetivando proteger o patrimônio do septuagenário e evitar a realização do enlace matrimonial exclusivamente por interesses econômicos, impõe que o casamento dos maiores de setenta anos de idade deve ser celebrado sob o regime de separação de bens.

A referida imposição legal é objeto de severas críticas por parte dos juristas em face de sua incompatibilidade com os preceitos da Constituição Federal, notadamente com o princípio da igualdade.

Há que se destacar que o atual enfoque jurídico do Direito de Família envolve uma compreensão da unidade familiar em consonância com as necessidades de seu tempo, rompendo com paradigmas anteriormente consagrados.

Note-se, por exemplo, que o estatuto vigente, em obediência aos preceitos da Constituição Federal de 1988, estabeleceu a igualdade entre homens e mulheres para o exercício de direitos e cumprimento de deveres no âmbito da relação conjugal, bem como reconheceu a união sem casamento.

Vê-se, pois, que o progresso humano exigiu alterações legislativas e judiciais para se adequar às constantes mutações do organismo familiar.

Todavia, no tocante à imposição do regime de separação de bens para os maiores de setenta anos, vislumbra-se que a legislação não acompanhou a evolução social.

Diante disso, justifica-se o presente exame, a fim de se explicitar a inconveniência da intervenção do Estado, bem assim a flagrante inconstitucionalidade do dispositivo legal em análise.

 

2 A SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS DISCIPLINADA PELO ART. 1641 DO CÓDIGO CIVIL 

A união pelo casamento traz reflexos patrimoniais, notadamente após sua dissolução, o que se traduz através do regime de bens. Em sendo assim, “o regime de bens constitui uma das consequências jurídicas do casamento” (VENOSA, 2006, p. 175), regulando os interesses pecuniários daqueles que pretendem desconstituir o vínculo matrimonial.

No direito pátrio, prevalece o princípio da liberdade de escolha pelos nubentes do regime de bens que lhes aprouver. Assim, podem estipular, através de pacto antenupcial, o regime a ser adotado ou optar por não estabelecê-lo, oportunidade em que prevalecerá o regime de comunhão parcial.

O Código Civil de 2002 prevê quatro regimes de bens: comunhão universal, comunhão parcial, separação e participação final nos aquestos.

A comunhão universal consiste na comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges, incluindo-se aqueles existentes antes e os adquiridos depois do matrimônio.

Na comunhão parcial, são excluídos da comunhão “os bens que os cônjuges já possuíam ao casar ou que venham a adquirir por causa anterior e alheia ao casamento.” (RODRIGUES, 2004, p. 178).

A participação final nos aquestos constitui um regime misto, “no qual se aplicam regras da separação de bens e da comunhão de aquestos.” (VENOSA, 2006, p. 198). Dessa forma, nos termos do art. 1672 do Código Civil, cada cônjuge possui patrimônio próprio, cabendo-lhes, à época da dissolução da sociedade conjugal, direito à metade dos bens adquiridos pelo casal, a título oneroso, na constância do casamento.

Por fim, o regime de separação de bens é aquele em que há completa independência patrimonial em que cada cônjuge é responsável pela posse, administração e disponibilidade de seus bens presentes e futuros. (RODRIGUES, 2004).

Como bem descreve Maria Helena Diniz (2004, p. 166), no regime de separação de bens “existem dois patrimônios perfeitamente separados e distintos: o do marido e o da mulher.”

Esse regime poderá ser convencional, quando os cônjuges assim estabelecem no pacto antenupcial, ou obrigatório, quando há exigência legal.

Em razão do art. 1641 do Código Civil, será obrigatório o regime de separação de bens para o casamento das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas de sua celebração; de todos os que dependerem de suprimento judicial para casar e da pessoa maior de setenta anos.

Portanto, pode-se afirmar que existem exceções à autonomia da vontade dos cônjuges. São situações nas quais os nubentes perdem a liberdade de escolha, sendo obrigatória a adoção do regime de separação de bens, seja por questões de ordem púbica ou como sanção. (DINIZ, 2004).

 

3 A VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE EM FACE DO REGIME OBRIGATÓRIO DE SEPARAÇÃO DE BENS DO MAIOR DE SETENTA ANOS

A imposição do regime matrimonial baseada no critério etário constitui uma das hipóteses de restrição à liberdade de escolha, pelos nubentes, do regime de bens. É interessante notar que o Código Civil de 1916 dava como obrigação a separação de bens no casamento do maior de sessenta e da maior de cinquenta anos (VENOSA, 2006).

Sílvio de Salvo Venosa (2006, p. 323) assim contempla tal aspecto: 

O legislador compreendeu que, nessa fase da vida, na qual presumivelmente o patrimônio de um ou de ambos os nubentes já está estabilizado, e quando não mais se consorciam no arroubo da juventude, o conteúdo patrimonial deve ser peremptoriamente afastado. 

A redação original do Código Civil de 2002, mantendo a mesma diretriz, estabeleceu a idade de sessenta anos para ambos os sexos, em observância à igualdade entre homens e mulheres estabelecida pela Carta Magna.

Considerando-a uma afronta à liberdade individual, Sílvio Rodrigues (apud DINIZ, 2004, p. 174) assim interpretou a aludida norma: 

É verdade que a proibição não se circunscreve apenas ao casamento do mancebo com sexagenária, ou ao casamento de sexagenária com mulher jovem, casamentos esses em que, mais frequentemente, a busca de vantagem material se manifesta, porém, abrange o casamento da mulher e do homem com mais de 60 anos. Aliás, talvez se possa dizer que uma das vantagens da fortuna consiste em aumentar os atrativos matrimoniais de quem a detém. Não há inconveniente social de qualquer espécie em permitir que um sexagenário ou uma quinquagenária ricos se casam pelo regime da comunhão, se assim lhes aprouver. 

No mesmo sentido, Maria Helena Diniz (2004, p. 174): 

Não se pode olvidar que o nubente, que sofre tal ‘capitis diminutio’ imposta pelo Estado, tem maturidade suficiente para tomar uma decisão relativamente aos seus bens e é plenamente capaz de exercer atos da vida civil, logo, parece-nos que, juridicamente, não teria sentido essa restrição legal em função de idade avançada do nubente, salvo o fato de se tornar vulnerável psicológica ou emocionalmente, podendo, por isso, ser alvo fácil do famoso chamado ‘golpe do baú’. 

Atualmente, face a elevação da expectativa de vida da população brasileira, a Lei nº 12.344/10 alterou o inciso II do art. 1641 do Código Civil, estabelecendo a obrigatoriedade do regime de separação de bens para o casamento das pessoas maiores de setenta anos de idade.

Ainda assim, manteve-se uma determinação legal atentatória aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da liberdade e, principalmente, da igualdade.

Determinar que o casamento dos maiores de setenta anos não pode ser realizado senão sob o regime de separação de bens consiste em patente ofensa à dignidade da pessoa humana na medida em que há maior valorização do patrimônio em detrimento da pessoa.

Tal postura é veementemente repreendida pela ordem constitucional vigente, posto que o estado democrático de direito brasileiro fundamenta-se no respeito e valorização da pessoa, como corolário da dignidade da pessoa humana.

A Constituição da República de 1988, ao tratar, em seu Título I, dos Princípios Fundamentais, inseriu, no art. 1º, inciso III, a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil.

O princípio da dignidade da pessoa humana “é valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida.” (SILVA, 2003, p. 105).

Alexandre de Moraes (2003, p. 50) assim interpreta o aludido princípio: 

A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos. 

A conceituação da dignidade está diretamente associada à capacidade da pessoa regular-se de acordo com seu livre arbítrio, baseando-se em decisões conscientes para plena realização da personalidade humana por seu próprio intento.

Como destaca Kildare Gonçalves Carvalho (2007, p. 546), “a dignidade da pessoa humana decorre do fato de que, por ser racional, a pessoa é capaz de viver em condições de autonomia e de guiar-se pelas leis que ela própria edita.”

A previsão legal em exame retira da pessoa o direito de uma decisão que deve originar-se por sua própria consciência, implicando em verdadeiro constrangimento autoritário, ilegal e abusivo e configurando, inclusive, afronta ao princípio constitucional da liberdade.

Relativamente ao princípio da liberdade, o renomado constitucionalista José Afonso da Silva (2003, p. 232) definiu-o como “um poder de atuação do homem em busca de sua realização pessoal, de sua felicidade.”

Partindo-se de um conceito geral, a liberdade pode ser entendida como a ausência de controle, restrições e imposições de outrem, opondo-se, completamente, ao autoritarismo.

Dessa forma, “a liberdade consiste na ausência de toda coação anormal, ilegítima e imoral. Daí se conclui que toda lei que limita a liberdade precisa ser lei normal, moral e legítima.” (SILVA, 2003, p. 255).

Na visão de Kildare Gonçalves Carvalho (2007, p. 849), liberdade “é a ausência de oposição ou impedimentos externos, que muitas vezes tiram o poder de cada um de fazer o que quer.”

O septuagenário tem sua liberdade de decidir acerca do regime de bens que considerar adequado para sua união tolhida por uma disposição legal que revela franca violação à autonomia da vontade.

A patente inconstitucionalidade da imposição legal em exame ainda é revelada pela violação ao princípio constitucional da igualdade, expressamente previsto no caput do art. 5º da Carta da República.

No mundo, o surgimento do direito à igualdade é associado à Revolução Francesa. Pretendia-se abolir benefícios e privilégios de determinada classe social e impedir discriminações e perseguições em razão da ascendência. (BASTOS, 1999).

Assim, a primeira Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, proclamada em 1789, afirmou que os homens nasciam e permaneciam livres e iguais em direitos. (BONAVIDES, 2009).

Nessa época, a institucionalização da igualdade era compreendida como um valor “que o Direito elegeu para implantá-lo na sociedade, sob a inspiração dos anseios de justiça e segurança social.” (BONAVIDES, 2009, p. 218).

Na dinâmica brasileira, o princípio da isonomia esteve presente em todas as Constituições. A primeira delas, outorgada em 1824, apresentava o princípio simultaneamente à legitimação do trabalho escravo. Ademais, envolvida pela doutrina do Estado liberal, permitiam-se distinções entre os membros da sociedade, através de critérios individuais diferenciadores. (MACIEL, 2010).

A Constituição de 1891, visando uma organização política pautada na liberdade e na democracia sob o regime federativo de Estado e governo republicano, extinguiu todos os privilégios das classes superiores. (MACIEL, 2010).

A segunda Constituição republicana, promulgada em 1934, com caráter eminentemente social, manteve a igualdade perante a lei e inovou ao vedar os privilégios e distinções por motivo de nascimento, sexo, raça, profissões próprias ou dos pais, classe social, riqueza, crenças religiosas ou ideias políticas, fatores esses causadores de desigualdade e discriminação. (MACIEL, 2010).

Seguidamente, a Carta de 1937 conservou o direito à igualdade, mas retirou o elemento tido como inovador na Constituição anterior. (MACIEL, 2010).

Com o advento da Constituição de 1946, fundada na garantia dos direitos fundamentais do homem e no interesse público, proibiu-se a propaganda de preconceitos de raça ou classe. (MACIEL, 2010).

Posteriormente, a Carta de 1967 conservou a igualdade entre todos e estabeleceu a punição do preconceito de raça. (MACIEL, 2010)

Finalmente, a Constituição de 1988, vigente na atualidade, inaugura o capítulo destinado aos direitos fundamentais com o princípio da igualdade, estabelecendo que todos são iguais perante a lei, não se admitindo qualquer tipo de distinção entre as pessoas.

A conceituação desse instituto, muitas vezes, é associada ao pensamento de Aristóteles que, vinculando a igualdade à ideia de justiça, apregoa o tratamento igual aos iguais e desigual aos desiguais, na medida de suas desigualdades. (SILVA, 2003).

Aludindo à importância do princípio da igualdade, Paulo Bonavides (2004, p. 376) pontuou: 

O centro medular do Estado social e de todos os direitos de sua ordem jurídica é indubitavelmente o princípio da igualdade. Com efeito, materializa ele a liberdade da herança clássica. Com esta compõe um eixo ao redor do qual gira toda a concepção estrutural do Estado democrático contemporâneo. 

Considerando-o direito-chave, direito-guardião do Estado social, o referido constitucionalista indica a incontrastável superioridade do princípio da igualdade e destaca que sua força vincula o legislador. (BONAVIDES, 2004).

No mesmo sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello (2000, p. 9) ensina que “o alcance do princípio não se limita à mera igualação dos cidadãos diante da norma legal posta, mas que a própria lei não pode ser editada em desconformidade com a isonomia.”

Em sendo assim, pode-se afirmar que o princípio da igualdade constitui um caráter limitador da atuação do legislador, já que a própria edição das leis deve atentar para o tratamento equânime entre as pessoas.

Note-se, entretanto, que seguindo a máxima aristotélica, seria legitimamente possível distinguir pessoas e situações para tutela jurídica diferenciada, haja vista a existência de diferenças óbvias entre os homens e situações qualificadas que exigem o estabelecimento de obrigações e direitos em disparidade.

Tais discriminações objetivam concretizar o princípio da igualdade, revestindo-se, para tanto, da proteção àqueles que merecem tratamento diverso. Nesse diapasão, a dificuldade reside em determinar se o aspecto discriminador está ou não em harmonia com o princípio da isonomia.

Indagando acerca das discriminações juridicamente intoleráveis, Celso Antônio Bandeira de Mello (2000) apresenta três critérios cuja análise primordial permite verificar o respeito ou desrespeito ao princípio da isonomia.

Para o autor, é necessário investigar o elemento adotado como fator discriminatório; a correlação lógica entre o critério discriminatório e o tratamento jurídico diversificado em razão da desigualdade anunciada; e a conformidade concreta com os valores prestigiados pelo ordenamento constitucional.

Em síntese, para se aferir a legitimidade de uma regra discriminatória em face do princípio isonômico, faz-se mister a existência de uma justificativa racional para a atribuição do tratamento jurídico diversificado.

Ademais, a desequiparação deve ser totalmente compatível com os interesses e valores prestigiados pelo sistema constitucional, sob pena de ofensa ao preceito isonômico.

Nesse contexto, não faz sentido algum estabelecer a idade como critério distintivo para fins de imposição do regime de separação de bens no casamento do septuagenário.

 De igual forma, não se vislumbra motivo racionalmente justificável para a referida determinação legal. Não há, pois, pertinência lógica entre o fator diferencial adotado e o gravame imposto.

O septuagenário é plenamente capaz para o exercício de todos os atos da vida civil, todavia, a norma imposta presume sua incapacidade, configurando uma discriminação ilegítima perante a igualdade constitucional.

E mais. O idoso já possui maturidade e experiência suficientes para deliberar acerca do regime de casamento que considerar adequado para regular sua união.

Desse modo, não merece prosperar a alegação de que o objetivo da restrição legal consiste na proteção do patrimônio do idoso, evitando-se, assim, o casamento por interesses pecuniários.

Se o ordenamento jurídico brasileiro não estabelece que o avançar da idade constitui impedimento para que a pessoa possa comprar, vender e doar seus bens, não há motivo hábil para justificar a imposição do regime de bens com fins de proteção ao patrimônio do idoso.

Em outras palavras, se a idade não constitui critério discriminatório para fins de se determinar tratamento jurídico diversificado no que tange à disposição do próprio patrimônio, de igual forma, não pode configurar elemento de desigualação para restrição à escolha do regime de bens.

Como assevera Celso Antônio Bandeira de Mello (2000, p. 39), “a discriminação não pode ser gratuita ou fortuita.” É imprescindível que o tratamento diferenciado seja construído de forma racionalmente adequada à diferenciação em que foi baseada.

Dessa feita, a lei discriminatória que impõe a separação de bens aos maiores de setenta anos afronta o princípio da isonomia, tendo em vista que não há pertinência lógica entre o avançar da idade e a impossibilidade de escolha do regime de bens.

Nesse sentido, ensina Celso Antônio Bandeira de Mello (2000, p. 39): 

A lei não pode conceder tratamento específico, vantajoso ou desvantajoso, em atenção a traços e circunstancias peculiarizadoras de uma categoria de indivíduos se não houver adequação racional entre o elemento diferencial e o regime dispensado aos que se inserem na categoria diferenciada. 

A intervenção do Estado leva a crer que todo e qualquer enlace matrimonial que envolva pessoa maior de setenta anos é realizado exclusivamente com fins patrimoniais, excluindo do septuagenário a opção de decidir com quem compartilhar e de que forma usufruir dos bens que adquiriu ao longo da vida.

Compelir a utilização do regime de separação de bens em razão da idade avançada do cônjuge caracteriza sério preconceito por parte do legislador e não pode ser suportado pelo prisma da igualdade.

A exigência legal carrega uma mentalidade arcaica que vê o idoso como pessoa frágil, vulnerável, dependente, marginalizado e carente, o que não condiz com o contexto social atual.

Hodiernamente, o idoso possui grande participação na sociedade, estando presente nas esferas políticas, sociais e educacionais. Sua sabedoria e vivência devem servir de ensinamento aos mais jovens.

Não se pode associar o idoso nem mesmo aos sinais físicos clássicos dessa etapa da vida, tais como cabelos brancos, pele enrugada e patologias típicas, posto que os novos recursos científicos e tecnológicos disponíveis vêm superando muitas dessas manifestações decorrentes do avanço da idade.

Nesse caminho, como observam Almeida e Lourenço (2007) diversas personalidades, intelectuais, políticos e artistas com mais de setenta anos são presença constante nos veículos e meios de comunicação. Por demonstrarem inteligência, perspicácia, versatilidade, boa forma, audácia e várias outras características, acabam contradizendo obsoletos paradigmas.

Acompanhando a reflexão dos autores supracitados, a velhice não mais pode ser vista como sinônimo de carências afetivas e doenças que sinalizam o fim iminente.

E, inclusive, em razão da experiência acumulada ao longo da vida, não se justificaria retirar do septuagenário o direito de decidir qual regime de bens deva adotar.

A proteção à família constituiu dever constitucional do Estado que também deve amparar os interesses dos cônjuges e de seus herdeiros. Entretanto, esse dever não pode ultrapassar os limites da esfera privada do cidadão e muito menos contrariar os princípios norteadores de sua atuação, essencialmente o princípio da igualdade.

A política nacional do idoso (Lei nº 8.842/94) objetiva promover a autonomia, integração e participação efetiva do idoso na sociedade e veda qualquer tipo de discriminação. Essa disposição legal não condiz com o preconceito estabelecido no Código Civil que indica verdadeira exclusão social do septuagenário.

Ademais, a Lei nº 8.842/94 ainda assegura ao idoso o direito de dispor de seus bens, proventos, benefícios e pensões, salvo nos casos de incapacidade judicialmente comprovada.

Com efeito, se a política nacional do idoso reforça o entendimento de que o patrimônio do idoso constitui direito disponível, não se pode aceitar que o septuagenário seja coagido a adotar o regime de separação de bens.

Como se percebe, é inadmissível aceitar a idade como critério deflagrador de efeitos jurídicos diferenciados. Não faz sentido algum restringir dos idosos a liberdade de escolha do regime de bens, pois não há nexo plausível entre o fator de discriminação e a diferenciação que dele resulta.

Alcançar a idade de setenta anos, por si só, não presume a incapacidade civil e não tem o condão de determinar tratamento diferenciado, retirando do septuagenário a liberdade de dispor dos seus bens ou partilhá-los da forma que lhe for conveniente.

Contudo, é importante mencionar que seria tolerável o tratamento diferenciado para os idosos que se encontrem em condições de vulnerabilidade, que impeçam ou limitem sua capacidade de regular-se de acordo com seu próprio entendimento, seja por acidente, doença degenerativa ou problema de sanidade.

Portanto, desde que evidenciada a incapacidade do idoso para fazer suas próprias escolhas de forma consciente, seria admissível a tutela jurídica específica que, por óbvio, não deveria abranger somente o septuagenário, mas toda e qualquer pessoa que se encontrar em situação semelhante.

Aqui, o critério diferenciador estaria absolutamente afinado com a isonomia e não implicaria qualquer inconstitucionalidade, posto que, nesse casso, a desigualdade está evidente, necessitando, pois, de tutela diferenciada.

Cumpre mencionar que a política nacional do idoso impõe a nomeação de curador especial em juízo nos casos de comprovada incapacidade do idoso para gerir seus bens.

Daí concluir-se que o instrumento jurídico específico para o idoso que não consegue conduzir seus atos com autonomia e independência ou não mantém suas faculdades mentais intactas é a interdição. 

 

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS 

A simples condição de atingir determinada idade não pode constituir critério diferenciador para imposição do regime de separação de bens. O elemento distintivo não guarda qualquer correlação lógica com o tratamento jurídico estabelecido.

O Estado pressupõe a incapacidade do septuagenário e faz crer que todo enlace matrimonial em que um dos cônjuges seja maior de setenta anos é realizado buscando auferir vantagens econômicas.

A norma imposta utiliza uma vestimenta de proteção ao cônjuge e seus herdeiros, mas, em essência, é totalmente preconceituosa, estabelecendo uma desigualdade constrangedora e limitadora de direito patrimonial disponível.

Embora o preceito isonômico permita que a lei estabeleça discriminações, exige-se uma atuação absolutamente vinculada a fins sociais e baseada nos princípios norteadores do sistema jurídico constitucional.

Tal condição não está satisfeita quando se impõe determinado regime de bens baseando-se unicamente no critério etário. Deve-se permitir a toda e qualquer pessoa a livre administração do patrimônio familiar em busca da felicidade pessoal.

A flagrante inconstitucionalidade está evidenciada pela violação aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da liberdade e, principalmente, da igualdade.

Restou evidenciado que a exigência do regime de separação de bens para o casamento dos maiores de setenta anos configura patente contrariedade à igualdade constitucional.

Nenhum cidadão pode ser desigualado pela lei sem que haja harmonia com os critérios acolhidos ou não vedados pelo ordenamento constitucional.

Em outras palavras, o Estado não pode atuar contrariando um dos pilares estruturantes dos direitos fundamentais e dos direitos humanos, qual seja, o princípio da igualdade.

 

REFERÊNCIAS 

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NOTA DE FIM

[1] Graduanda em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva. Estagiária. E-mail: alaine29@gmail.com.