Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva

Tatiana Bhering Serradas Bon de Sousa Roxo[1]
Vitória Aparecida Pereira Salvio[2]

                                  

Resumo: O presente trabalho abordará a desigualdade dos direitos dos empregados domésticos em relação aos demais trabalhadores regidos pela CLT, tendo em vista que essa categoria de trabalhadores possui um histórico de desigualdade e preconceito devido as suas origens. Tal desigualdade, além do motivo histórico, justifica-se no ordenamento jurídico pátrio pelos elementos fático-jurídicos peculiares dessa relação de trabalho. Ademais, para que os domésticos conseguissem alcançar a totalidade dos direitos que são assegurados aos trabalhadores em geral foram necessários anos de luta e diversas legislações, como a Lei nº 11.324/06, até chegar à Emenda Constitucional 72/2013. Desta forma, princípios como da dignidade da pessoa humana e da isonomia passaram a ser garantidos aos domésticos. 

PALAVRAS-CHAVE: Empregado doméstico; desigualdade de direitos; princípio da isonomia; princípio da dignidade da pessoa humana. 

Áreas de Interesse: Direito do Trabalho, Direito Processual do Trabalho. 

 

1 Introdução 

O empregado doméstico é um tipo de trabalhador bem peculiar no Brasil, eis que possui legislação, regras e conceitos próprios que os diferencia dos demais tipos de empregados urbanos e rurais. Entretanto, toda esta distinção não o beneficia, tendo em vista que esses trabalhadores sofrem grandes preconceitos perante a sociedade.

Diante disso, será demonstrado que a diferenciação é oriunda da herança escravista que existiu no país. Mesmo após a abolição da escravidão, muitas pessoas continuaram atreladas a seus patrões, trabalhando em troca de comida e casa.

A evolução da legislação dos domésticos no Brasil foi lenta e gradativa. Esses trabalhadores foram citados primeiramente em leis criadas na época da monarquia, passando pela legislação própria, chegando à Emenda Constitucional 72/2013 que finalmente assegurou todos os seus direitos trabalhistas.

O empregado doméstico pode ser conceituado de muitas maneiras, eis que há definição na doutrina e na própria lei. Conceito clássico deste trabalhador é o presente na Lei 11.324/06, em seu artigo 1º, que diz que doméstico é “aquele que presta serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas”.

Os domésticos além de possuir os elementos fático-jurídicos definidores da relação de emprego comum, ele possui elementos próprios da sua relação empregatícia, sendo eles: continuidade, serviço prestado sem natureza lucrativa à pessoa ou família e prestação do labor no âmbito residencial do empregador.

Observa-se que não é a natureza do trabalho do empregado que irá determinar se ele é ou não doméstico, mas a existência de lucratividade na atividade do empregador e a prestação do serviço com continuidade no âmbito residencial ou na pessoa jurídica.

Deste modo, devido à toda diferenciação, o empregado doméstico em razão do art. 7º, § único, da Constituição Federal de 1988, não possuía a igualdade de direitos, em relação aos demais trabalhadores.

Somente com o advento da Emenda Constitucional 72/2013, os domésticos alcançaram a sonhada igualdade, já que aquela assegurou princípios fundamentais como o da isonomia presente no artigo 5º, caput, da Constituição, e o da dignidade da pessoa humana. Direitos como a jornada de trabalho limitada e o adicional noturno também foram implementados através da reforma constitucional. Porém, ainda há resistência por parte da sociedade. Alega-se que a nova lei elevou o gasto para o empregador, o que pode gerar grande número de demissões.

Diante todo o exposto, o trabalho propõe-se a demonstrar a discriminação sofrida pelos trabalhadores domésticos em razão da sua história e dos elementos que os caracteriza e realizar uma análise jurídica acerca das mudanças ocorridas em sua realidade através da Emenda 72/2013, sem olvidar a lentidão de tal processo.

 

2 A HISTÓRIA DOS DOMÉSTICOS NO BRASIL

Os domésticos possuem um histórico de discriminação próprio das atividades tipicamente exercidas. Diante disto, deve-se voltar à sua origem e história a fim de compreender os motivos que levam a tal discriminação, como será realizado nos apontamentos abaixo:

A história dos empregados domésticos no Brasil remete ao período escravocrata, quando os africanos vieram para o Brasil e realizavam trabalhos domésticos. Os homens efetuavam o trabalho braçal nas plantações de cana, algodão e nos engenhos; as mulheres efetuavam serviços domésticos como cozinheiras, arrumadeiras, criadas, mucamas, amas de leite, enfim, cuidavam do lar e dos filhos dos senhores de engenho (RANGEL, 2010).

Em relação ao trabalho escravo, Rangel (2010) faz alguns apontamentos a respeito das famílias, demonstrando que os escravos tinham grande acesso à casa dos senhores. Assim tem-se que “trabalho e lazer muitas vezes se confundiam no ambiente doméstico, pois as pessoas podiam passar horas a fio juntas, entretidas, cada uma em sua atividade, nem sempre se estabelecendo uma divisão nítida entre elas.” (RANGEL, 2010).

Segundo Rangel (2010):  

Assim, para Alencastro (2004), a vida privada no Brasil nasce marcada pelo escravismo moderno, ou seja, no dualismo público (Estado escravista) versus privado (família escravista). A escravidão é uma instituição que permite uma permeabilidade entre as duas ordens. No decorrer da organização política e jurídica nacional, a vida privada escravista desdobra-se numa ordem privada repleta de incoerências com a ordem pública. Esse dualismo se prorroga por todo o Império, uma vez que o escravo é uma propriedade particular, cuja posse e administração demandam o consentimento da autoridade pública. 

Diante o exposto, pode-se deduzir que a partir da contradição da ordem pública e privada no contexto da escravidão, tem-se a origem das contradições no âmbito dos empregados domésticos atualmente. Segundo Rangel (2010): “Isto porque a contradição é quase a mesma. É o Estado (ordem pública) que regulamenta o trabalho doméstico, mas quem o usufrui é a família (ordem privada)”.

O Estado impõe regras para o serviço doméstico. Entretanto, na esfera familiar há um conjunto de regras que disciplina esta relação, que não é fiscalizada pela autoridade pública. Assim, muitas vezes as regras domésticas decorrentes do cotidiano familiar prevalecem sobre as normas do Estado (RANGEL, 2010).

Com a abolição da escravatura, os escravos alforriados ainda sofriam muito preconceito e não eram reconhecidos como um trabalhador comum, motivo este que dificultava o acesso ao emprego. Assim, acabavam por trabalhar na casa de senhores que antes eram donos de escravos em troca de comida e abrigo, o que propiciou o surgimento da profissão de empregado doméstico. Como afirma Rangel (2007): 

Completamente desamparado e à margem do seio social, o alforriado não conseguiu tesourar o cordão umbilical que o ligava aos senhores. Assim como pássaros que se tornam incapazes de voar após anos de prisão em gaiolas, muitos “libertos” sequer deixaram suas atividades domésticas.

Era preferível suportar a opressora exploração senhorial em troca de subsistência e condições mínimas de trabalho do que encarar uma sociedade malfazeja que enxergava no negro uma vil anomalia da natureza. Conforme ensina Martins (2002, p.18), “com a abolição da escravatura, muitas pessoas que eram escravas continuaram nas fazendas, em troca de local para dormir e comida, porém na condição de empregados domésticos.”.  

Portanto, é inegável a dificuldade dos trabalhadores domésticos alcançarem uma legislação que lhes assegurasse igualdade de direitos, tal dificuldade é permeada, desde a origem escravocrata, por muitos preconceitos e discriminações, cujos reflexos alcançaram os dias atuais. A proposta de emenda constitucional vulgarmente conhecida como “PEC das domésticas” é uma vitória contra esse problema. 

 

2.1 A evolução da legislação 

Segundo Cassar (2012), as primeiras leis que foram dedicadas aos domésticos foram as Ordenações do Reino. Nos ensinamento de Martins (2009), a Lei de 13.09.1830 regulamentou “o contrato por escrito sobre prestação de serviços feitos por brasileiros ou estrangeiros dentro ou fora do Império”. Esta lei abrangia os empregados domésticos, mas era muito vaga.

Posteriormente, o Código de Postura Municipal de São Paulo de 1886, em seu artigo 263, continha preceitos para os serviços de criados e amas-de-leite. Assim, os ensinamentos de Martins (2009, p. 2): 

O Código de Posturas do Município de São Paulo […] Definiu o “criado de servir”, como “toda pessoa de condição livre que, mediante salário convencionado, tiver ou quiser ter ocupação de moço de hotel, hospedaria ou casa de pasto, cozinheiro, copeiro, cocheiro, hortelão, de ama-de-leite, ama-seca, engomadeira ou costureira e, em geral, a de qualquer serviço doméstico”.  

O empregado tinha direito a aviso prévio quando o contrato por prazo indeterminado era rescindindo, o prazo era de cinco dias quando a rescisão era por parte do empregador, e de oito dias quando feita pelo empregado. (MARTINS, 2009)

A justa causa era motivada por doença que impedia o doméstico de trabalhar e também, pela saída do empregado a passeio ou a negócio sem autorização do patrão, principalmente à noite, conforme explicita Martins (2009).

Quando não ocorria o pagamento de multa, por ambas as partes, no caso de inadimplemento do contrato de trabalho, a multa era convertida em prisão simples. (MARTINS, 2009).

O artigo 1.216 e seguintes do Código Civil de 1916 versava sobre locações de serviços, incluindo o trabalho doméstico (MARTINS, 2009).

O Decreto 16.107/23 trouxe a concepção de empregado doméstico e também outorgou alguns direitos à classe. Nesse sentido, Martins (2009, p.2): 

O Decreto nº 16.107, de 30-7-1923, regulamentou os serviços dos domésticos no âmbito do Distrito Federal, especificando quais seriam esses trabalhadores: cozinheiros e ajudantes, copeiros, arrumadores, lavadeiras, engomadeiras, jardineiros, hortelões, porteiros ou serventes, enceradores, amas-secas ou de leite, costureiras, damas de companhia. O empregado doméstico deveria apresentar a carteira de identificação profissional expedida pelo Gabinete de Identificação e Estatística à delegacia do respectivo distrito policial, sempre que deixasse o emprego, no prazo de 48 horas, sob pena de multa (art. 7º). Anota-se na carteira a conduta e aptidão profissional (art. 10, c), o que era feito pelo empregador. A locação do serviço doméstico era conceituada de acordo com a atividade do locador (cozinheiro, ajudante, copeiro, dama de companhia) ou do locatário (hotéis, restaurantes, consultórios, casas particulares) (art.2º). O candidato que tivesse maus antecedentes poderia ter denegado seu pedido relativo à carteira, inclusive se estivesse respondendo a processo criminal inafiançável, e também havia a retenção se o empregado fosse dispensado por falta grave. 

Segundo Cassar (2012, p. 361), o Decreto – Lei nº 3.078, de 27 de fevereiro de 1941, definia empregado doméstico como “todos aqueles que, de qualquer profissão ou mister, mediante remuneração, prestem serviços em residências particulares ou a benefício destas”, excluindo-se os trabalhadores de pensões, por exemplo, e as demais pessoas jurídicas do enquadramento de doméstico. Este normativo concedeu ao trabalhador um aviso prévio de oito dias, depois de um período de prova de seis meses e assegurou o direito de rescisão do contrato em caso de atentado à sua honra ou integridade física, moral salarial ou falta de ambiente higiênico de alimentação e habitação. O contrato de trabalho era chamado de locação de serviço doméstico.

Segundo Martins (2009, p.4), “o art. 161 da Lei nº 3.807, de 26-8-1960 (LOPS), estabeleceu que o empregado doméstico poderia filiar-se à Previdência Social como segurado facultativo”.

Com a criação da Lei 5.859, de 11 de dezembro de 1972, ocorreram algumas mudanças para essa classe de trabalhadores, já que ela efetivamente regulou seus direitos. Conforme preleciona Delgado (2011, p. 374): 

A lei n.º 5.859/72 concedeu à categoria três únicos direitos: férias anuais remuneradas de 20 dias úteis, após cada 12 meses de trabalho (desde a Lei n.º 11.324, arts. 4º e 5º – Diário Oficial de 20.7.2006-, o prazo destas férias passou para 30 dias corridos); anotação de CTPS; inscrição do empregado como segurado obrigatório na Previdência Oficial. O decreto regulamentador da referida lei determinou ainda que se aplicasse ao empregado doméstico o capítulo celetista referente a férias (art. 2º, caput, Decreto n. 71.885/73).  

Para Delgado (2011), o direito ao vale transporte para os domésticos foi citado apenas no Decreto nº 95.247, de 17 de novembro de 1987, tendo em vista que as legislações anteriores não concediam a essa categoria tal direito, sendo elas a Lei nº 7.418, de 16 de dezembro de 1985, Lei nº 7.619, de 30 de setembro de 1987 e Decreto n.º 95.247, de 17 de novembro de 1987. Assim tem-se que o direito ao vale-transporte foi criado pela Lei nº 7.418/85 e regulamentado pelo Decreto nº 95.247/87, que estendeu este direito ao doméstico no art. 1º, II.

Delgado (2011) afirma que a Constituição Federal de 1988 ampliou os direitos dessa classe tão oprimida, trazendo em seu artigo 7º, parágrafo único, o rol dos direitos presentes nos incisos IV, VI VIII, XV, XVII, XVIII, XIX, XXI e XXIV, do caput do presente dispositivo, sendo eles: 13º salário, férias anuais remuneradas + 1/3, descanso semanal remunerado, licença gestante e paternidade, irredutibilidade salarial, direito a salário mínimo, aposentadoria por idade e direito a aviso prévio remunerado.

Conforme destaca Delgado (2011), a Lei n.º 10.208, de 23 de março de 2001, implementou o FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço), sendo facultativo o recolhimento dele pelo empregador. Também permitiu o recebimento de seguro desemprego. Entretanto, como esse direito era uma opção do empregador (opção por “pagar ou não”), muitos empregados se viram prejudicados, pois não recebiam essa parcela.

Com o advento da Lei 11.324, de 19 de julho de 2006, ocorreu grande avanço nos direitos dos empregados domésticos, sendo eles: trinta dias de férias; direito a descanso semanal remunerado; proibição de descontos no salário referente ao fornecimento de moradia, alimentação, vestuário e higiene; estabilidade da empregada gestante. Sobre tais direitos, Delgado (2011, p. 375) afirma: 

A Lei n.º 11.324/2006 (DOU de 20.7.06) fez nova extensão de direitos trabalhistas para a categoria doméstica: descanso remunerado em feriados (art. 9º da Lei nº 11.324/06, revogando exclusão constante no art. 5º da Lei n. 605/1949);30 dias corridos de férias, para períodos aquisitivos iniciados após a da de sua publicação – 20.7.2006 (arts. 4º e 5º, Lei 11.324/06); garantia de emprego à gestante desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto (art.4-A, Lei n. 5.859/72, conforme Lei nº 11.324/06). 

A Emenda 73/2013, mais conhecida como a “PEC das domésticas”, promulgada no dia 2 de abril de 2013, representa um marco para os domésticos do país, eis que essa emenda constitucional garante a tal classe de trabalhadores os mesmos direitos dos demais empregados regidos pela CLT, como será mencionado em capítulo próprio (LEITE, 2013).

Diante o exposto, conclui-se que a quebra de paradigma dos legisladores para a criação de leis que garantissem aos domésticos direitos já concedidos ao demais trabalhadores regidos pela CLT foi lenta e gradativa, o que demonstra o preconceito que há por parte da sociedade quanto a tal classe de trabalhadores. 

 

3  O EMPREGADO DOMÉSTICO

 

3.1 Conceito

A palavra “doméstico” tem origem no latim, domesticus – casa, família, lar. Diante disso, surge o conceito de que doméstico é o trabalhador que presta seu serviço na casa de seu empregador (DELGADO, 2009).

O empregado doméstico possui diferentes conceitos nas leis que o definiram ao longo da história no Brasil. Neste sentido, o art.1º do Decreto-lei nº 3.078, de 27 de fevereiro de 1941, define os domésticos como “todos aqueles que, de qualquer profissão ou mister, mediante remuneração, prestem serviços em residência particulares ou benefício destas” (MARTINS, 2009).

Para a alínea “a” do art. 7º da CLT determina os domésticos da seguinte forma, “de um modo geral, os que prestam serviços de natureza não econômica à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas” (BARROS, 2011).

Segundo Martins (2009), o Estatuto do Trabalhador Rural no artigo 1º, estabelece que “aquele que presta serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas” são considerados domésticos.

Conforme Barros (2011), o art. 1º da Lei nº 5.859, de 11 de dezembro de 1972, define o doméstico como: “aquele que presta serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas”.

Nos ensinamentos de Martins (2009, p. 09), os domésticos deveriam ter a seguinte conceituação: 

A definição de empregado doméstico precisa, assim, ser mais bem enunciada, da seguinte forma: empregado doméstico é a pessoa física que presta serviço de natureza contínua à pessoa ou família, para o âmbito residencial destas, desde que não tenham por objeto atividade lucrativa. (Grifos nossos) 

No que tange ao conceito dos empregados domésticos, a doutrina ressalta que para definir esses trabalhadores é muito importante o fato de o empregador não explorar atividade lucrativa, não importando a atividade exercida pelo empregado. Assim para Vólia (2012, p.362), “se o seu empregador for uma pessoa física que não explore a atividade lucrativa, será doméstica; se o seu empregador for restaurante, um hotel ou uma loja comercial, será urbana; se seu empregador for rural, será rural.”. Corroborando com o entendimento de Vólia, Martins afirma: 

O que importa para a caracterização do empregado doméstico é que seu serviço seja prestado para pessoa ou família que não tenha atividade lucrativa e para o âmbito residencial destas. Pouco importa o serviço que será feito, mas se é realizado naquele contexto. Não interessa também a atividade do prestador, mas se a prestação de serviços é feita a uma pessoa que tenha ou não atividade lucrativa como escopo. (MARTINS, 2009, p. 11) 

Por fim, pode-se concluir que o empregado doméstico possui diferentes conceitos, porém conceito clássico deste trabalhador é o presente na Lei 5.859/72 em seu artigo 1º que defini os elementos típicos da relação empregatícia doméstica, como será exposto no tópico abaixo.

  

3.2 Características específicas da relação de emprego dos empregados domésticos 

Os empregados domésticos possuem os cinco elementos fático-jurídicos presentes em qualquer relação de emprego regida pela CLT, sendo eles: subordinação, pessoalidade, onerosidade e trabalho prestado por pessoa física, entretanto, o elemento não eventualidade, na relação empregatícia dos domésticos é denominado continuidade, possuindo características próprias.

Ademais, os domésticos possuem elementos fático-jurídicos próprios que os caracterizam, presentes no artigo 1º da Lei 5.859/72: “Art. 1º. Ao empregado doméstico, assim considerado aquele que presta serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família no âmbito residencial destas, aplica-se o disposto nesta lei.” (Grifos nossos)

A Lei nº 5.859/72, em seu art. 1º, ao considerar o serviço de natureza contínua dos domésticos, não empregou a expressão “não eventualidade” para caracterização da atividade. Diante disso, surgem dois entendimentos a respeito desse ponto.

A primeira interpretação consiste no fato de ser irrelevante a denominação escolhida para a caracterização do trabalho, sendo importante o serviço prestado pelo doméstico. Assim, preleciona Vólia Bomfim Cassar (2007, p.66):  

A primeira corrente entende que é irrelevante a diferença e que os critérios para apreciação do trabalho contínuo são os mesmos para o trabalho não eventual da CLT, isto é, o que importa é a necessidade permanente da mão-de-obra do doméstico, que é demonstrada pela repetição de seus trabalho durante todo o contrato, mesmo que exercida uma só vez por semana, por quinzena ou mês, mas durante muitos meses ou anos. Alguns autores chamam esta corrente de teoria da descontinuidade, Para os defensores desta tese, seria doméstico tanto o empregado que trabalha de segunda a sexta, durante seis anos para uma família, como aquele que trabalha apenas às segundas- feiras para a mesma família, durante estes mesmos seis anos.  

Godinho, (2010, p. 368), também afirma que:  

[…] a diferenciação de expressões é absolutamente irrelevante. […] o conceito de não eventualidade incorporado pela Lei do Trabalho Doméstico (através da expressão natureza contínua) seria idêntico ao conceito já classificado ao ramo justrabalhista brasileiro e lançado com clareza pelo art. 3º, CLT (natureza não eventual). 

A segunda interpretação diz que a diferenciação dos termos utilizados no ordenamento jurídico é relevante, uma vez que a não eventualidade dos demais trabalhadores regidos pela CLT, deve ser considerada como efetiva continuidade para os trabalhadores domésticos, atrelando-se à repetição do trabalho exercido por essa classe. Corroborando com este entendimento: 

Outra corrente entende que foi proposital a distinção, porque o conceito de trabalho não eventual previsto na CLT (art. 3º da CLT) relaciona-se com a atividade empresarial, com seus fins e necessidades de funcionamento e o empregador doméstico não explora atividade econômica lucrativa, não é empresa. Neste sentido, o trabalho “contínuo” relaciona-se com o seu conceito linguístico, isto é, vincula-se com o tempo, a repetição, com o trabalho sucessivo, seguido, sem interrupção, como conceitua o Dicionário Aurélio. (Cassar, 2007, p.67) 

O entendimento majoritário da doutrina e jurisprudência acolhe a segunda interpretação. Através dela extrai-se a configuração do trabalhador diarista, ou seja, o trabalhador eventual doméstico, incidindo a teoria da descontinuidade. A atividade de diarista caracteriza-se pelo labor em diferentes casas, com prestação de serviço em cada uma delas somente uma ou duas vezes por semana, o que impede o reconhecimento do vínculo empregatício. Neste sentido, decisão do Tribunal Superior do Trabalho: 

Ementa:

RECURSO DE REVISTA – VÍNCULODE EMPREGO – DIARISTA

– PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS TRÊS VEZES POR SEMANA – AUSÊNCIA DE CONTINUIDADE. O quadro fático delineado pelo e. Tribunal Regional é de que a reclamante prestava serviços à reclamada em frequência que variava entre duas e três vezes por semana, razão pela qual reconheceu o vínculo de emprego, ao fundamento de que caracterizada a não eventualidade. Entretanto, nos termos do citado artigo 1º da Lei 5.859, de 11 de dezembro de 1972, o elemento continuidade é essencial ao reconhecimento do contrato de trabalho doméstico, não se confundindo com a não eventualidade ou habitualidade, prevista no artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho, para efeito da configuração do vínculo de emprego do trabalhador comum. A continuidade pressupõe ausência de interrupção. Para a não eventualidade ou habitualidade, basta que o fato seja usual, frequente e, assim, coadunando-se com a interrupção. A natureza do trabalho doméstico é habitual e diária, porquanto os afazeres do lar são ininterruptos. Sob tal ângulo, não se pode admitir que o trabalho prestado em apenas dois ou três dias na semana possa ser considerado contínuo, nos termos do dispositivo de lei já citado. […]

Recurso de revista conhecido e provido.
Processo: RR – 2373700-05.2008.5.09.0014 Data de Julgamento: 03/04/2013, Relatora Desembargadora Convocada: Maria das Graças Silvany Dourado Laranjeira, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 12/04/2013.
Onde encontrou:
… REVISTA -VÍNCULO DE EMPREGO – DIARISTA- PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS TRÊSque a reclamante busca o vínculo Conforme denunciado pela …

 

Em relação ao elemento fático-jurídico da finalidade não lucrativa, o fator preponderante a ser analisado cinge-se à figura do empregador, que não deve auferir renda em relação aos serviços prestados pelo doméstico. O tipo de serviço prestado pelo empregado é irrelevante (pode ser manual ou intelectual), mas é vedado análise do fator de produção do empregador. Assim, tem-se o ensinamento de Delgado (2011, p. 370):

O critério objetivo privilegiado pela lei elabora-se a partir do prima do empregados, uma vez que – sabe-se –  para o empregado todo trabalho efetuado tem evidente conteúdo econômico (a onerosidade, como visto, é elemento fático-jurídico inarredável também da relação empregatícia doméstica). Os serviços prestados não podem constituir fator de produção para aquele (pessoa ou família) que deles se utiliza, embora tenham qualidade econômica para o obreiro. Portanto, se na residência há regular pensionato para não familiares ou sistema de fornecimento de alimentação para terceiros, a faxineira, no primeiro caso, e a cozinheira, no segundo caso, já não mais serão domésticas, mas empregadas comuns.  

A prestação laboral à pessoa ou família na relação empregatícia diz respeito ao polo passivo da prestação do serviço, ou seja, o empregador. Portanto, o doméstico deve prestar os seus serviços à pessoa física, individualmente ou a grupo unitário. Em relação ao grupo unitário, entende-se que seria um grupo de pessoas que necessita do serviço do doméstico em função de interesse pessoal. Como exemplo, as repúblicas estudantis. O mesmo autor (DELGADO, 2011, p. 371) assevera que “não há possibilidade de a pessoa jurídica ser tomadora de serviço doméstico. Apenas a pessoa física, individualmente ou em grupo unitário, pode ocupar o polo passivo dessa relação”.

O último elemento fático-jurídico da relação de emprego doméstico, âmbito residencial da prestação laborativa, diz respeito ao local onde o serviço será prestado. A Lei 5.858/72 refere-se ao âmbito residencial do empregador, porém, mesmo que o serviço seja estritamente externo, poderá ser classificado como doméstico, uma vez que o importante é o ambiente estar atrelado à vida pessoal do empregador, e não ter relação com a obtenção de lucro deste. Neste sentido: 

Isso significa que a noção de âmbito residencial abrange não somente a específica moradia do empregador, como, também, unidades estritamente familiares que estejam distantes da residência principal da pessoa ou família que toma o serviço doméstico. É o que ocorre com a casa de campo, a casa de praia, além de outras extensões da residência, como barracão para uso próprio, se houver. No caso do motorista, enfermeiro, etc., o deslocamento para fora da residência, no exercício das funções domésticas (viagens, etc.), não descaracteriza, por óbvio, a relação. O que se considera essencial é que o espaço de trabalho se refira ao interesse pessoal ou familiar, apresentando-se aos sujeitos da relação de emprego em função da dinâmica estritamente pessoal ou familiar do empregador. (DELGADO, 2011, p.2011) 

Diante o exposto, extrai-se que pelo fato de os empregados domésticos terem peculiaridades em sua relação de empregatícia, implica na não aplicação dos mesmos direitos que possuem os empregados normais. 

 

3.3 Direitos Trabalhistas concedidos aos empregados domésticos antes da PEC 72/2013 

A CLT não concedeu aos domésticos a totalidade dos direitos elencados no corpo de seu texto, salvo o capítulo de férias, como determinado no Decreto nº 71.885/73. Ademais, aos domésticos se aplicam os princípios genéricos da proteção do trabalhador, a regulamentação sobre o aviso prévio, algumas situações de interrupção e suspensão do contrato de trabalho, dentre outros. (CASSAR, 2012)

Contudo, nos ensinamentos do mesmo autor (CASSAR, 2012), a Constituição Federal, em seu artigo 7º, a Lei nº 5.859/72 e a Lei 11.324/06, asseguravam alguns direitos aos empregados domésticos. Incluíam-se nesse rol as leis sobre vale transporte e a Lei nº 11.324/06.  

No tópico presente serão analisados os direitos dos domésticos anteriores à aprovação da emenda constitucional 72/2013, sendo eles: salário mínimo; irredutibilidade salarial; 13º salário; repouso semanal remunerado; férias mais 1/3; licença a gestante; licença-paternidade; aviso prévio; vale transporte e integração a Previdência Social.   

 

3.3.1 Salário Mínimo 

Conforme preleciona Barros (2011), o direito a salário mínimo só foi garantido aos domésticos através da Constituição da República de 1988. Assim, tem-se: 

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

[…]

IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;

Segundo Cassar (2009), a garantia ao salário mínimo possui algumas consequências. O valor a ser pago e o recibo mediante pagamento do salário, conforme artigo (464 da CLT) é uma delas. Neste sentido, a lei trás: “Art. 464 – O pagamento do salário deverá ser efetuado contra recibo, assinado pelo empregado; em se tratando de analfabeto, mediante sua impressão digital, ou, não sendo esta possível, a seu rogo.” Em relação ao valor, observa-se que não há obrigação de pagar o quantum mensal determinado por lei, ao trabalhador que não exerce suas funções de segunda-feira a sábado, eis que não seria justo uma pessoa trabalhar 30 dias e outra 10 dias por mês, e receberem o mesmo salário.

Aos domésticos é assegurado o direito a periodicidade mensal e o pagamento até o quinto dia útil do salário, garantindo-se, assim, que todos os meses o empregado receba salário. A CLT, no artigo 459, prevê que o “pagamento do salário, qualquer que seja a modalidade do trabalho, não deve ser estipulado por período superior a 1 (um) mês, salvo no que concerne a comissões, percentagens e gratificações” (CASSAR, 2012).

Conforme preleciona Cassar (2012), é proibido o desconto não permitido por lei no salário dos domésticos, tendo em vista que os princípios trabalhistas são aplicados a essa classe de trabalhadores. Entre eles, destacam-se o da inalterabilidade contratual in pejus e o da intangibilidade salarial.

Com o advento da Lei nº 11.324/06, que acrescentou o artigo 2º-A à Lei dos domésticos, foi proibido o desconto de utilidades no salário de tais trabalhadores (CASSAR, 2012). Conforme a Lei: 

Art. 2o-A.  É vedado ao empregador doméstico efetuar descontos no salário do empregado por fornecimento de  alimentação,  vestuário, higiene ou moradia. 

§ o  Poderão ser descontadas as despesas com moradia de que trata o caput deste artigo quando essa se referir a local diverso da residência em que ocorrer a prestação de serviço, e desde que essa possibilidade tenha sido expressamente acordada entre as partes.

§ 2o  As despesas referidas no caput deste artigo não têm natureza salarial nem se incorporam à remuneração para quaisquer efeitos. 

Corroborando com este entendimento, Delgado (2011), afirma que devido ao tipo de serviço, essas utilidades são essenciais, não tendo fins retributivos e sim instrumentais.

O piso salarial é assegurado pela Lei Complementar nº 103/00à classe dos domésticos. Permite-se aos Estados e ao Distrito Federal a definição de os pisos salariais superiores ao nacional.

 

3.3.2       Irredutibilidade Salarial 

Ao empregador é vedado reduzir o salário do empregado, tendo em vista que a Constituição Federal assegurou a irredutibilidade salarial como direito do doméstico. (CASSAR, 2012)

Segundo Martins (2009), o direito coletivo não foi assegurado aos domésticos pelo artigo 7º da Constituição. Diante disso, a irredutibilidade salarial por meio de acordo ou convenção coletiva não abrange a classe dos domésticos. Entretanto, o salário poderá ser reduzido em razão de previdência e do imposto de renda retido na fonte. 

 

3.3.3 Décimo terceiro Salário 

A Constituição Federal, em seu artigo 7º, parágrafo único c/c o inciso VII concedeu aos domésticos o direito ao décimo terceiro salário, aplicando-se a Lei nº 4.090, de 13 de setembro de 1962, para sua regulamentação (MARTINS, 2009).

Nos ensinamentos de Cassar (2012), o décimo terceiro salário deverá ser pago até o dia 20 de dezembro de cada ano, devendo o empregador adiantar metade deste valor entre os meses de fevereiro e novembro. O doméstico requerendo em tempo hábil, a gratificação natalina poderá ser paga nas férias.

 

3.3.4 Repouso semanal remunerado 

Conforme Barros (2011), o trabalhador doméstico tem direito ao descanso semanal remunerado regulamentado pela Lei nº 605/49, e assegurado a essa classe pela Constituição de 1988.

O descanso deverá ser preferencialmente aos domingos com duração de 24 horas consecutivas. Não sendo concedido tal direito, deverá o descanso ser conferido em outro dia da semana, não ocorrendo esta folga o dia trabalhado deverá ser pago em dobro (Cassar, 2012).

Martins (2009) afirma que o doméstico, para que tenha direito ao descanso semanal remunerado, precisa ser pontual e assíduo durante a semana que o antecede. Não preenchendo algum desses requisitos, terá direito ao repouso, porém este não será remunerado. Entretanto, Cassar (2012) acredita que não há necessidade de pontualidade para o emprego doméstico, eis que este não é submetido à jornada de trabalho. Tal pensamento, não merece prosperar, tendo em vista a entrada em vigor da PEC 72/2013.

O direito ao descanso remunerado em feriados foi concedido pela Lei nº 11.324/06. Embora, a Constituição não conceda esse direito expressamente, entende-se que a interpretação deve ser ampla, pois assim, irá garantir o desenvolvimento dos valores culturais, morais e religiosos do emprego.

 

3.3.5 Férias

Com o advento da Lei nº 11.324/06, as férias dos domésticos, que antes eram de vinte dias úteis (conforme a Lei nº 5.859/72) passaram a ser de trinta dias corridos. A Constituição de 1988 acrescentou o terço constitucional às férias dos domésticos (CASSAR, 2012).

Neste sentido, a nova redação do artigo 3º da Lei nº 5.859/72: “Art. 3o  O empregado doméstico terá direito a férias anuais remuneradas de 30 (trinta) dias com, pelo menos, 1/3 (um terço) a mais que o salário normal, após cada período de 12 (doze) meses de trabalho, prestado à mesma pessoa ou família.”

Conforme Cassar (2012) há uma controvérsia em relação às férias proporcionais do doméstico, eis que o Decreto nº 71.885/73, afirma que se aplica somente o capítulo referente a férias da CLT aos domésticos, e a Lei nº 5.859/72 dispõe que para a aquisição das férias é necessário que o doméstico tenha trabalhado 12 meses consecutivos para um mesmo empregador.

Diante disto, tem-se uma controvérsia de entendimentos face a um conflito aparente de normas. Alguns entendem que ao doméstico não são concedidas férias proporcionais (seria contrário à Lei); para outros, devido ao princípio da norma mais favorável, deve-se conceder as férias proporcionais (CASSAR, 2012).

Martins (2009, p. 78), acolhendo o primeiro entendimento, preleciona:

O doméstico não tem direito a férias proporcionais, pois o art. 3º da Lei nº 5.859 menciona que o direito a férias ocorre após casa período de 12 meses de trabalho, o que quer dizer que, tendo menos de 12 meses de trabalho, o empregado doméstico não faz jus a férias proporcionais. O art. 2º do Decreto nº 71.885, de 9-3-73, não poderia ir além da lei e dizer que o capítulo de férias se aplica ao doméstico, pois a Lei 5.859 nada menciona sobre o tema. Logo, tal artigo é nulo nesse aspecto, por ir além do previsto em lei. Como a alínea a do art. 7º da CLT estabelece que os dispositivos consolidados não se aplicam ao doméstico, nem a Constituição trata do tema, não há direito a férias proporcionais em relação a tal trabalhador. [..]  

No sentido contrário ao entendimento de Martins, Cassar (2012) e Barros (2011) entendem ser possível as férias proporcionais aos domésticos, em razão da aplicação a normas mais favorável. É entendimento majoritário. Assim, Barros afirma: “[…] corrente que nos filiamos, no sentido de que as férias proporcionais e o abono são aplicáveis ao doméstico. Também não colide com a Lei nº 5.859/72 a extensão ao doméstico das férias proporcionais nem da dobra. […]” 

 

3.3.6 Licença Maternidade e Paternidade  

Conforme preleciona Cassar (2012), a licença paternidade deverá ser concedida ao pai biológico do recém- nascido, com duração de cinco dias e devendo o empregador arcar com tal ônus.

Em relação à licença maternidade, com o advento da Constituição Federal, a doméstica passa a ter direito a 120 dias de licença, devendo ser paga pela Previdência Social no valor referente ao último salário de contribuição, e podendo ser concedida 28 dias antes e 92 dias após o parto (Barros, 2011).

A empregada doméstica gestante a partir da promulgação da Lei nº 11.324/06 passou a ter estabilidade, não podendo o empregador dispensa-la sem justa causa (Cassar, 2012).

Neste sentido, a nova redação da Lei nº 5.859/72: “Art. 4o-A. É vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa da empregada doméstica gestante desde a confirmação da gravidez até 5 (cinco) meses após o parto.”

 

3.3.7 Aviso Prévio

Aos domésticos, por meio dos preceitos constitucionais, é assegurado o aviso prévio proporcional de no mínimo 30 dias. A CLT deverá ser aplicada por analogia, para que o instituto do aviso prévio possa ser aplicado a tal classe de trabalhadores. O aviso prévio será concedido quando houver dispensa sem justa causa ou pedido de demissão, pela parte notificante, nos contratos indeterminados (Cassar, 2012).

Segundo Cassar (2012) o aviso prévio é devido reciprocamente. Entretanto, Martins (2009, p. 97) afirma que: 

Na prática, o empregador não irá querer que o empregado cumpra aviso prévio por ele dado ou que o empregado que quer se retirar do serviço também o faça, justamente porque nesse momento a confiança entre as partes fica abalada e não convém ao primeiro continuar com o segundo em sua residência.  

Cassar (2012) e Martins (2009), afirmam que, pelo fato de o empregado doméstico não possuir jornada de trabalho, a ele não se aplicaria a redução de duas horas diárias para a procura de emprego, e sim a redução de sete dias corridos. Porém, com a promulgação da PEC das domésticas, tal classe passa a ter jornada de trabalho podendo ser aplicadas ambas as possibilidades. 

 

3.3.8 Vale Transporte 

O empregado doméstico tem direito a vale transporte assegurado pelo Decreto nº 95.247/87 em seu artigo 1º (Barros, 2011).

Conforme preceitua Martins (2009), o vale transporte não tem natureza salarial, não podendo incidir contribuição previdenciária, e nem se incorporar a remuneração. 

 

3.3.9 FGTS  

Nos ensinamentos de Barros (2011) é facultado ao empregado doméstico o regime do FGTS devendo ser solicitado pelo empregador. Tal situação foi modificada pela Emenda Constitucional 72/2013.

No que tange o seguro desemprego, Cassar (2012) afirma que a Lei 10.208/01 trouxe algumas ressalvas à concessão desse direito. O pagamento de apenas três meses de seguro desemprego, o que difere dos demais trabalhadores que é de cinco meses, é uma delas. Além disso, o pagamento só poderia ser realizado para quem estivesse trabalhando como doméstico há 15 meses, no mínimo, considerando os últimos 24 meses, e estivesse contribuindo para o FGTS. Neste sentido a lei: 

Art. 1o A Lei nº 5.859, de 11 de dezembro de 1972, fica acrescida dos seguintes artigos:

“Art. 3º-A.É facultada a inclusão do empregado doméstico no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, de que trata a Lei no 8.036, de 11 de maio de 1990, mediante requerimento do empregador, na forma do regulamento.” (NR)

“Art. 6º – A O empregado doméstico que for dispensado sem justa causa fará jus ao benefício do seguro-desemprego, de que trata a Lei no 7.998, de 11 de janeiro de 1990, no valor de um salário mínimo, por um período máximo de três meses, de forma contínua ou alternada.

§ 1o  O benefício será concedido ao empregado inscrito no FGTS que tiver trabalhado como doméstico por um período mínimo de quinze meses nos últimos vinte e quatro meses contados da dispensa sem justa causa.

§ 2o  Considera-se justa causa para os efeitos desta Lei as hipóteses previstas no art. 482, com exceção das alíneas “c” e “g” e do seu parágrafo único, da Consolidação das Leis do Trabalho.” (NR) 

Portanto, os direitos dos trabalhadores domésticos antes da entrada em vigor da “PEC das domésticas” eram muito reduzidos. Deste modo, abriu-se o leque de tais direitos, assegurando-se assim, princípios como o da dignidade da pessoa humana e da isonomia. Logo, esta emenda foi um marco na história dessa classe de trabalhadores e na história do Brasil.

 

4 CONSIDERAÇÃO ACERCA DA EMENDA CONSTITUCIONAL 72/2013  

No dia 02 de abril de 2013, foi promulgada a Emenda Constitucional 72/2013, conhecida como a “PEC das domésticas”. Tal emenda garante à classe dos domésticos a igualdade de direitos comparada aos demais trabalhadores regidos pela CLT (Souto, 2013).

O artigo 7º da Constituição Federal, com a Emenda passa a valer com a seguinte redação: 

Artigo único. O parágrafo único do art. 7º da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 7º ………………………………………………………………………….

Parágrafo único. São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VII, VIII, X, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XXI, XXII, XXIV, XXVI, XXX, XXXI e XXXIII e, atendidas as condições estabelecidas em lei e observada a simplificação do cumprimento das obrigações tributárias, principais e acessórias, decorrentes da relação de trabalho e suas peculiaridades, os previstos nos incisos I, II, III, IX, XII, XXV e XXVIII, bem como a sua integração à previdência social.” (NR) 

Os direitos elencados na Emenda, segundo Leite (2013), são: jornada de trabalho de 8 horas diárias e 44 horas semanais; hora extra; pagamento de pelo menos um salário mínimo; reconhecimento de acordos e convenções coletivas de trabalho; respeito às normas de higiene, saúde e segurança no trabalho; proibição do trabalho de menor de 16 anos e do trabalho noturno, perigoso ou insalubre ao trabalhador menor de 18 anos; proibição de diferenciação salarial, de funções e de critério de admissão em razão do sexo, idade, cor ou estado civil; adicional noturno; FGTS obrigatório; seguro desemprego; salário-família; auxílio-creche; seguro contra acidente de trabalho e indenização em caso de despedida sem justa causa.

Conforme explica Leite (2013), algumas parcelas precisam de regulamentação para que entre em vigor, tais como: proteção contra demissão arbitrária e sem justa causa, salário-família, auxílio-creche, seguro contra acidente de trabalho, recolhimento obrigatório do FGTS, seguro-desemprego e adicional noturno. Entretanto, direitos como a jornada de trabalho limitada e o pagamento das horas extras, passam a valer imediatamente após a promulgação da emenda.

Conforme preceitua Vieira (2013) a PEC das domésticas se amolda à da Convenção Internacional do Trabalho 189, tendo em vista que tal Convenção garante aos domésticos um tratamento digno, igualando esses trabalhadores aos demais empregados urbanos ou rurais.

A Emenda Constitucional 72/2013 tem trazido grandes discussões em relação a sua aplicabilidade, eis que com o advento de vários direitos para os domésticos, o orçamento do empregador é impactado em razão do aumento dos encargos trabalhistas. Tal fato pode inviabilizar a continuidade do doméstico no emprego, devido ao aumento do custo do empregado para o empregador, consequentemente gerando muitas demissões ou até mesmo a informalidade (Vieira, 2013).

Em relação à efetividade do controle da jornada de trabalho, Vieira (2013) e Figueiredo (2013) possuem o mesmo entendimento, qual seja, o de que os domésticos exercem suas funções para uma família e não para uma empresa. Desse modo o controle exato das horas trabalhadas é dificultado. Ademais, o controle se torna ainda mais complicado, considerando que muitos domésticos ficam sozinhos na residência que trabalham, pois o seu empregador encontra-se trabalhando ou cumprindo suas funções externas.

Neste sentido, Figueiredo (2013), sobre o pagamento das horas extras, afirma que:

O pagamento de hora extra, embora devido, nas hipóteses previstas pela PEC, poderá trazer grande transtorno, justamente pela dificuldade de ser estabelecido um controle efetivo da jornada. Diferentemente de empresas, que possuem sistemas sofisticados de controle eletrônico de jornada e onde os empregados estão sob a constante supervisão direta do empregador, os empregados domésticos, na maioria das vezes, trabalham sozinhos em casa, sem controle direto por parte dos patrões.  

Streck (2013) faz uma comparação da aprovação da “PEC das domésticas” com o período da entrada em vigor da Lei Aurea, por meio de uma crítica aos que defendem que tal emenda acarretaria grandes prejuízos à economia nacional.

O liberalismo existente no Brasil ao longo da história, sempre teve um posicionamento político antiquado. Deste modo, os políticos que se diziam liberais, somente o eram quando lhe era conveniente, possuíam discurso de liberdade e igualda, mas esqueciam da situação lamentável de seus escravos (STRECK, 2013).

Assim, conforme afirma Streck (2013) o liberalismo brasileiro foi um meio de justificação para o latifúndio e o trabalho escravo. Destarte, houve uma distorção do liberalismo para conseguir justificar a propriedade dos escravos.

Diante o exposto, Streck (2013) afirma: 

Interessante mesmo é comparar o comportamento dos oligarcas escravagistas do século XIX com a postura dos que atualmente estão demonstrando grande preocupação com a aprovação da PEC que amplia benefícios para os trabalhadores domésticos (…) O discurso de que haveria mais prejuízos do que ganhos foi o mais explorado. Nada diferente do que aconteceu nos grandes debates parlamentares que antecederam a abolição da escravatura. (…)

Hoje, depois de mais de um século de abolição, um expoente dessa mesma tradição liberal fez a seguinte afirmação a respeito da Emenda Constitucional que favorece os trabalhadores domésticos: “É preciso muita cautela nesse processo de desmonte das instituições que foram criadas ao longo dos anos no tocante ao trabalho doméstico. Erros poderão resultar em aumento massivo de desemprego, prejudicando milhões de trabalhadores que hoje são empregados nessas atividades. Ademais, não há sinais de rejeição ou de desconforto nessas relações”.

 Leite (2013), também faz uma alusão à atual situação das domésticas com o momento da promulgação da Lei Áurea, no sentido contrário ao que afirma os que seguem a tradição liberal, afirma: 

A formalização do trabalho doméstico tem como significado representar uma segunda Lei Áurea tendo positivo impacto na economia pátria acarretando a redução da pobreza e o cumprimento de relevante fundamento da república brasileira que é o respeito ao princípio da dignidade humana. 

Em relação ao princípio da Dignidade da Pessoa Humana, presente no artigo 1º, inciso III da Constituição, a promulgação da PEC das domésticas assegurou a efetividade de tal princípio a essa classe de empregados, eis que igualou o seus direitos aos demais trabalhadores, conforme preleciona Leite (2013).

Corroborando com este entendimento, Almeida (2008) afirma que a dignidade é essencial à condição humana, sendo que todas as pessoas devem ter dignidade, assim, os domésticos pela sua condição humana não devem ser discriminados é ter a igualde de direitos garantidos.

Outro princípio que merecer ser citado em razão da Emenda Constitucional 72/2013, é o princípio da Isonomia, presente no caput do artigo 5º da Constituição de 1988, que diz: “Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes.”.

Conforme preceitua Almeida (2008) a Constituição Federal em seu parágrafo único do artigo 7º, ao excluir os domésticos da totalidade dos direitos garantidos aos demais trabalhadores feria o princípio da Igualdade, eis que tal artigo não poderia limitar os direitos dos domésticos, causando uma discordância no Sistema Jurídico.

Porém, com a nova redação de tal artigo, muda-se esta realidade, garantindo um tratamento isonômico aos domésticos, uma vez que igualam seus direitos aos demais trabalhadores regidos pela CLT.  Neste sentido Leite (2013) afirma: “A PEC das domésticas veio enfim efetivar a tão sonhada igualdade de direitos trabalhistas para os empregados domésticos e, por fim em injusta discriminação sociojurídica.”.

Portanto, pode-se dizer que a “PEC das domésticas” precisa de algumas regulamentações para que a totalidade dos direitos trabalhistas seja concedida aos domésticos. Entretanto, essa Emenda traz a conquista de tais trabalhadores que, ao longo da história, sofreram muitos preconceitos e lutam para que a classe chegasse ao patamar de igualdade em que se encontra atualmente.

  

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Diante de todo o exposto, conclui-se que os domésticos são trabalhadores que durante muito tempo foram discriminados, e que receberam tratamento diferenciado, sem uma legislação capaz de garantir a eles direitos que lhes dessem dignidade como os demais trabalhadores. O fator histórico comprova essa realidade, eis que a origem da profissão surge com a escravidão, passando pelos tempos da monarquia, nos quais os escravos, com a abolição da escravatura passaram a serem trabalhadores domésticos.

Esta realidade perpetrou durante muitos anos na legislação Brasileira, pois a CLT excluiu os domésticos do seu rol de leis. As legislações que haviam sobre o tema não concediam a totalidade dos direitos em relação a um trabalhador comum. Ademais, a própria Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 demonstrou uma contradição no que tange os trabalhadores domésticos, uma vez que em seu artigo 5º, caput, garante a igualdade de todos, porém, em seu artigo 7º, § único, concedia aos domésticos apenas alguns direitos dos trabalhadores regidos pela CLT.

Deste modo, fica demonstrado como essa categoria, durante tempos e até mesmo através da própria Constituição, foi deixada de lado e desprezada pela sociedade.

Tais fatos eram justificados pelo ordenamento jurídico com base nas características da relação de emprego domésticas que são diferentes dos demais empregados, sendo elas a continuidade, o serviço ser prestado à pessoa ou família no âmbito residencial desta, e que não acha lucro para o empregador com a prestação de serviço.

Esta realidade mudou com a aprovação da PEC 72/2013, que pode ser considerada como uma conquista valiosa dos domésticos, eis que ela iguala seus direitos aos demais empregados.

Porém, como os domésticos possuem um estigma de discriminação da sociedade, muitos acreditam que as mudanças trazidas pela Emenda Constitucional trarão consequências ruins, sob o argumento de que o serviço doméstico ficará oneroso demasiadamente para os empregadores, com todas as parcelas que devem ser pagas.

Contudo, acredita-se que a PEC 72/2013 trouxe mudanças positivas para a sociedade, garantindo a dignidade da pessoa humana e a isonomia dos domésticos, proporcionando assim uma sociedade justa e um Estado de Direito Democrático.

 

REFERÊNCIAS 

ALMEIDA, Sabrina Armini. O direito dos empregados domésticos à luz dos princípios da isonomia e dignidade da pessoa humana. Evocati Revista n. 27, mar.2008. Disponível em: < http://www.evocati.com.br/evocati/artigos.wsp?tmp_codartigo=196 >. Consultado em: 30/10/2012.

BARROS, Aline Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 7ª ed. São Paulo. LTr, 2011.

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de revista conhecido e provido.
Processo: RR – 2373700-05.2008.5.09.0014. Data de Julgamento: 03/04/2013, Relatora Desembargadora Convocada: Maria das Graças Silvany Dourado Laranjeira, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 12/04/2013. Disponível em http://www.tst.jus.br/consulta-unificada. Acessado em: 24/04/2013.
 

CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do trabalho. 6ª ed. Niterói. Impetus, 2012.

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 10ª ed. São Paulo. LTr, 2011. 

FIGUEIREDO, Letícia Ribeiro C. de Figueiredo. A PEC dos empregados domésticos. Disponível em <http://jus.com.br/revista/texto/24110/a-pec-dos-empregados-domesticos> Consultado em 10/05/2013. 

LEITE, Gisele. Comentários à Emenda Constitucional 72/2013 (PEC das domésticas). Disponível em <http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=10614> Consultado em 10/05/2013. 

MARTINS, Sergio Pinto. Manual do trabalho doméstico. 10 ª ed. São Paulo. Atlas, 2009. 

RANGEL, Helano Márcio Vieira. A discriminação sociojurídica à empregada doméstica na sociedade brasileira contemporânea. Disponível em <http://jus.com.br/revista/texto/14215/a-discriminacao-sociojuridica-a-empregada-domestica-na-sociedade-brasileira-contemporanea> Consultado em 26/03/2013.

STRECK, Lenio Luiz. A PEC das domésticas e a saudade dos “bons tempos”. Revista Consultor jurídico. Disponível em < http://www.conjur.com.br/2013-abr-11/senso-incomum-pec-domesticas-saudade-bons-tempos>  Consultado em: 20/05/2013. 

VIEIRA, Fernando Borges. A PEC das empregadas domésticas e a oneração do orçamento familiar. Disponível em < http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI175073,21048 A+PEC+das+empregadas+domesticas+e+a+oneracao+do+orcamento+familiar Consultado em 10/05/2013.

 


 

NOTAS DE FIM

[1] Professora de Direito do Trabalho do Centro Universitário Newton Paiva

[2] Acadêmica do Curso de Direito do Centro Universitário Newton Paiva