Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva

Guilherme Carvalho Monteiro de Andrade
André Pablo dos Santos Crescêncio
[1]
Brenda Lima Costa[2]
Rodrigo Vaz Mendes Sampaio[3]

 

RESUMO: A Nova Lei de Recuperação de Empresas e Falências (Lei nº 11.101/2005) criou um novo instituto – recuperação judicial e extrajudicial – para combater a falência do empresário, estabelecendo como regra a necessidade de adesão volitiva dos credores ao projeto apresentado pelo devedor. O presente ensaio buscará analisar o papel do juiz na concessão do benefício da recuperação judicial ordinária, diante da declaração de vontade externada pelos credores, mostrando a importância de o intérprete da lei identificar casuisticamente eventual abuso na manifestação de direito de voto.

 

PALAVRAS-CHAVE. Direito Empresarial; recuperação judicial ordinária; papel do juiz; manifestação de voto pelos credores.

 

Área de Interesse: Direito Empresarial

 

1 INTRODUÇÃO

O trabalho em tela apresenta como tema de estudo o sistema legal de concessão do benefício da recuperação judicial ordinária, abordando a função reservada ao juiz e a declaração de voto manifestada pelos credores.

Entre a concordata e a recuperação houve uma profunda alteração no mecanismo de prevenção da falência do empresário, tendo o legislador modificado consideravelmente a maneira de atuação do devedor, dos credores e do juiz, no que diz respeito ao enfrentamento desse problema.

O sistema do Decreto-Lei nº 7.661/1945 adotava um critério potestativo, permitindo ao comerciante a faculdade de usar o benefício independentemente da convergência de vontade dos credores. Com a entrada em vigor da Lei nº 11.101/2005, aboliu-se a concordata e criou-se o instituto da recuperação, exigindo o legislador que esta medida fosse deferida mediante a obrigatória adesão (tácita ou expressa) dos credores ao projeto apresentado pelo devedor, com exceção do plano especial de recuperação, que continua tendo natureza potestativa.

Apesar de o critério da Lei nº 11.101/2005 ser definido com clareza, embora a interpretação inicial da questão, por parte da doutrina e dos tribunais, tenha sido feita no sentido proposto na legislação, a compreensão do problema parece ganhar novos rumos, diante da recente posição que estão adotando o Tribunal de Justiça de São Paulo e o Superior Tribunal de Justiça, bem assim em decorrência dos enunciados 44, 45, 46 e 57, criados pelo Conselho da Justiça Federal, na 1ª Jornada de Direito Comercial, realizada em final de 2012.

Tentar-se-á, então, sugerir critério(s) para interpretação da questão objeto de análise, visando à busca da segurança jurídica que deve existir na concessão da recuperação judicial ordinária.

 

 

2 O PAPEL DO JUIZ NA CONCESSÃO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL ORDINÁRIA VERSUS A MANIFESTAÇÃO DE VOTO DOS CREDORES

Desde a entrada em vigor do Código Comercial de 1850, por meio do qual se instituiu a concordata suspensiva, passando pelo Decreto nº 917/1890, que introduziu a concordata preventiva, com as posteriores modificações legislativas que vieram, notadamente pelo Decreto-Lei nº 7.661/1945, o instrumento legal que o devedor comerciante[4] possuía para evitar a falência ou contornar os efeitos da quebra decretada não era eficiente. Careciam os atores que gravitavam entorno da atividade empresarial de medida protetiva adequada à salvaguarda de seus interesses.

A concordata (denominada como “favor legal” por muitos), em ambas as modalidades, apresentava o problema da ausência de concordância prévia dos credores, a limitação de extensão aos quirografários e a restrição a poucos meios de enfrentamento da crise: moratória, desconto e parcelamento. Fora isso, havia o rigor formal e processual que dificultava ou obstava o acesso ao instituto.

Durante anos e anos seguidos a literatura jurídica brasileira clamava por mudança no direito concursal pátrio, como sintetiza BEZERRA FILHO[5] na introdução de seus comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falências.

Para satisfação de todos nós brasileiros, em 1993, foi iniciada a tramitação do Projeto de Lei nº 4.376, que originou posteriormente a Lei nº 11.101/2005, cujo principal objetivo foi proteger a atividade empresarial da crise econômico-financeira, modernizando a falência e criando o novel instituto da recuperação.

O “favor legal” da concordata deu lugar ao “contrato” de recuperação judicial[6], benefício agora outorgado ao empresário mediante negociação prévia e aquiescência obrigatória dos credores.

A respeito dessa natureza contratual da recuperação, veja-se a lição de CAMPINHO[7]:

Por isso, em nossa visão, o instituto da recuperação judicial deve ser visto com a natureza de um contrato judicial, com feição novativa, realizável através de um plano de recuperação, obedecidas, por parte do devedor, determinadas condições de ordens objetiva e subjetiva para a sua implementação.

Não é outro o entendimento de MARZAGÃO[8], para quem:

a partir da vigência desta nova Lei, estaremos resgatando um sistema já adotado no século passado, e não haverá mais dúvida quanto à natureza contratualista da recuperação judicial que, a princípio, obriga a participação efetiva de todos os credores representados em assembléia geral de credores, que terão o poder de aprovar ou não o plano de recuperação apresentado pelo devedor.

A inserção do caráter contratual na recuperação judicial ordinária estabelece a necessidade de negociação entre as partes, fato que acaba multiplicando a possibilidade de superação do estado de crise econômico-financeira do devedor, princípio orientador do instituto, como definido pelo artigo 47 da Lei nº 11.101/2005, que assim dispõe:

Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

A solidariedade e a contratualidade existentes no novel instituto difere-se da potestatividade e da restrição de extensão previstas na concordata[9], característica que provoca a seguinte indagação: qual deverá ser o papel do juiz na presidência do feito da ação de recuperação judicial ordinária, diante desse caráter contratual do instituto? A resposta não é simples, advirta-se, desde logo.

Veja-se, inicialmente, o que prevê a legislação concursal em vigor, para depois, passar-se pela literatura jurídica e jurisprudência sobre o ponto de reflexão.

Na ação de recuperação judicial, o legislador concursal exigiu (artigo 48) que o empresário, somente ele, seja o autor do pedido, que tome a iniciativa de salvar, da falência, a empresa explorada, mediante a propositura de um plano de reestruturação perante os seus credores. O empresário deve apresentar o plano de recuperação judicial ordinário dentro do prazo assinalado pela lei (artigo 53), para que os credores o analisem e o aprovem (artigo 55).

Havendo alguma objeção (artigo 56) quanto ao plano de recuperação judicial ordinário apresentado pelo empresário, deverá ser convocada a assembléia geral de credores (artigos 35 e seguintes), para as partes envolvidas no processo de recuperação judicial – devedor e credores – dialogarem e construírem o projeto de reestruturação da empresa.

Visando a potencializar a solidariedade que deve prevalecer entre as partes, o legislador estabeleceu, no artigo 45, um quórum qualificado para aprovação do plano de recuperação judicial ordinário, exigindo que todas as classes de credores aprovem concomitantemente o projeto em debate, determinando, ainda, que, na classe dos credores trabalhistas, essa deliberação seja tomada por maioria per capita e, nas outras duas classes, a maioria seja por cabeça e também econômica.

Embora seja necessária a existência de solidariedade entre os atores que gravitam entorno da empresa em crise, por causa da importância da proteção dos interesses coletivos que ali co-orbitam, não se pode olvidar o caráter contratual do plano de recuperação judicial e a autonomia da vontade privada do credor sobre seu o direito patrimonial disponível. Noutras palavras, mesmo que se tenha criado um instituto baseado na distribuição racional e equitativa do prejuízo entre os envolvidos na ação de recuperação judicial, a liberdade associativa prevista no art. 5º, inciso XX, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, impede seja a parte (qualquer uma delas) obrigada a aceitar a contratação do plano ou a sua rejeição. Na prática, os interesses individuais das partes – devedor e credores – não se convergem, necessariamente, quando se debate um plano de recuperação.

Sobre este ponto, importantíssima a opinião de SATIRO[10]:

O simples fato de os credores submetidos constituírem uma comunhão não significa que eles tenham, de fato, interesses alinhados. A comunhão é criada pela LRF em abstrato. Concretamente, cada credor deliberará na exata medida de seu interesse individual, desde que legítimo. É nesse ponto que o exercício de voto de cada credor na AGC se afasta do caso aparentemente similar dos sócios das S/As nas AGO/Es.

Os credores analisarão o plano de recuperação judicial ordinário apresentado pelo empresário, levando em conta o seu legítimo interesse individual de receber o crédito que lhes é devido e, se for possível do ponto de vista econômico e financeiro, pensando também na manutenção da empresa em funcionamento. Não é preciso muito esforço de raciocínio para constatar-se que o credor não estará mais preocupado com a preservação do empresário e da atividade por este exercida, do que em receber o próprio crédito, já que ali o credor está exercendo a autonomia da vontade privada sobre seu direito patrimonial disponível, repita-se. Esses interesses, muitas vezes antagônicos e distantes entre si no caso concreto, deverão ser confrontados na construção e debate sobre o projeto.

Seguindo o princípio constitucional da liberdade associativa, a novel lei de recuperação de empresas estabeleceu que a deliberação dos credores sobre o plano de recuperação será soberana, não cabendo ao juiz o papel de examinar o conteúdo econômico-financeiro do projeto, conforme previsto no artigo 58, adiante transcrito:

Art. 58. Cumpridas as exigências desta Lei, o juiz concederá a recuperação judicial do devedor cujo plano não tenha sofrido objeção de credor nos termos do art. 55 desta Lei ou tenha sido aprovado pela assembléia-geral de credores na forma do art. 45 desta Lei.

A única possibilidade legal de interferência do juiz sobre a decisão dos credores na recuperação judicial ordinária é prevista pelo próprio artigo 58 da Lei nº 11.101/2005, acerca da qual assim se manifesta NEGRÃO[11]:

Esta terceira via é denominada por Alberto Camiña Moreira cram down brasileiro, por assemelhar-se ao instrumento norte-americano previsto no § 1129 Bankrupcy Code. A opção foi cunhada pela doutrina do país do norte para regular o ato de “o juiz impor aos credores discordantes o plano apresentado pelo devedor e já aceito por uma maioria”.

Sobre esse permissivo legal do cram down, valioso acrescentar as palavras de PERIN JÚNIOR[12]:

Esse mecanismo, criado pelo direito norte-americano, como salienta Fábio Ulhoa Coelho, tem revelado que tanto devedor como credores procuram evitar a imposição judicial da revisão da obrigação (cram down), empenhando-se realmente em encontrar uma saída negociada para a crise que afeta os interesses de ambos.

Neste modelo tenta-se criar as condições de uma barganha estruturada entre devedores e credores, com o objetivo de maximizar o valor da empresa por meio da adoção pela gerência (administração) da empresa, que tem de ser aprovado por maioria de cada uma das classes de credores.

Como visto acima, a Lei nº 11.101/2005 estabeleceu um critério contratual de aprovação de plano de recuperação, guiado pela pedra angular do artigo 47, mas pautado na liberdade de manifestação de voto por parte do credor, fundada na autonomia da vontade privada. Em função disso, percebe-se tocar ao juiz a verificação da legalidade do processo e do plano de recuperação, sendo-lhe vedado o exame do mérito econômico e financeiro do projeto e proibida a análise quanto à qualidade do voto proferido pelo credor.

Quando foi iniciada a interpretação e aplicação dessa regra, parecia haver, tanto na doutrina como nos tribunais pátrios, uma posição consensual, embora não unânime, de que o juiz seria apenas o “guardião da legalidade” na ação de recuperação judicial ordinária.

A título exemplificativo desse posicionamento, cite-se o julgamento promovido na ação de recuperação da Bombril Holding S/A[13], nos autos do agravo de instrumento nº 460.339.4/7, originário do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em que o Relator Desembargador Lino Machado e o Desembargador Romeu Ricúpero assim se manifestaram:

Voto do Relator:

O plano de recuperação aprovado pelos credores, na falta de comprovação de nulidade, deve ser homologado pelo juiz, ao qual não cabe interferir no seu conteúdo (art. 58, caput, da NLF).

Declaração de voto Des. Romeu Ricupero.

Quis o legislador, com isso, em clara disposição contrária ao que dispunha o Decreto-lei n.º 7.661/45, diminuir o campo de atuação, na recuperação judicial, tanto do juiz, quanto do promotor de justiça. […] ainda que não se queira concordar com a posição que defende uma atuação minimalista do Ministério Público, […] há de se concordar que a fiscalização não pode ir além, no plano de ordem material, ou do exame da violação dos requisitos legais para a recuperação […], ou do exame de fraude à lei ou abuso de direito, quer por parte do devedor, quer dos credores, ou de acordos contrários à lei, à moral, aos bons costumes, à boa-fé objetiva, ao interesse público etc.[14]

Essa posição é convergente com o entendimento de MUNHOZ[15], para quem:

Não cabe ao juiz, portanto, nenhuma margem de discricionariedade a respeito da matéria ou, em palavras mais precisas, não há na lei, quanto a  este aspecto, conceitos abertos (chamados conceitos indeterminados) que  confiram ao juiz margem ampla de interpretação para a emissão dos respectivos Juízos de legalidade. Assim, uma vez preenchidos os requisitos da Lei, que nesse aspecto não adota nenhuma cláusula aberta ou conceito indeterminado, cumpre ao juiz conceder a recuperação se, por outro lado, não se configurar em tal hipótese, cabe ao juiz decretar a falência.

Tudo parecia caminhar para a consolidação do entendimento de que a assembléia geral de credores poderia tomar, de forma soberana, a decisão sobre o plano de recuperação de judicial ordinário, sem caber ao judiciário entrar no exame do conteúdo do projeto e/ou sobre a qualidade do voto dos credores.

Todavia, em 28 de fevereiro de 2012, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no julgamento do agravo instrumento nº 0136362-29.2011.8.26.0000, envolvendo a Cerâmica Gyotoku Ltda.[16], houve por bem alterar essa posição, para manifestar-se da seguinte maneira:

Plano aprovado pela assembleia de credores prevendo pagamento do passivo em 18 anos. Pagamento antecipado de menores credores, instituindo conflitos de interesses entre credores da mesma classe. Previsão de remissão ou anistia dos saldos devedores após os pagamentos do 18º ano. Violação de princípios gerais do direito – princípios constitucionais da isonomia, da legalidade, da propriedade, da proporcionalidade e da razoabilidade, e em especial do princípio da pars conditio creditorum e normas de ordem pública. Determinação de apresentação de outro plano a ser submetido à assembleia de credores em 60 dias, sob pena de decreto de falência. Voto do Relator:

Cumpre ressaltar que incide-se em grave equívoco quando se afirma, de forma singela e como se fosse um valor absoluto, a soberania da Assembleia-Geral de Credores, pois, como ensinaram Sócrates e Platão, as leis é que são soberanas, não os homens. Aristóteles, na Ética a Nicômano, fortaleceu a concepção de soberania da lei, harmonizando a idéia de justiça e equidade.[17]

Aumentando a expectativa de que esse posicionamento será adotado largamente em muitos casos daqui para frente, no final de 2012, o Conselho da Justiça Federal, na 1ª Jornada de Direito Comercial, sob a coordenação científica do Professor Paulo Penalva Santos, que ficou responsável pelo Capítulo intitulado Crise da Empresa: Falência e Recuperação (Enunciados de n. 42 a 57), aprovou quatro enunciados sobre a questão objeto deste artigo, que seguem abaixo citados:

44. A homologação de plano de recuperação judicial aprovado pelos credores está sujeita ao controle judicial de legalidade.

45. O magistrado pode desconsiderar o voto de credores ou a manifestação de vontade do devedor, em razão de abuso de direito.

46. Não compete ao juiz deixar de conceder a recuperação judicial ou de homologar a extrajudicial com fundamento na análise econômico-financeira do plano de recuperação aprovado pelos credores.

57. O plano de recuperação judicial deve prever tratamento igualitário para os membros da mesma classe de credores que possuam interesses homogêneos, sejam estes delineados em função da natureza do crédito, da importância do crédito ou de outro critério de similitude justificado pelo proponente do plano e homologado pelo magistrado.

Segundo se percebe das recentes lições doutrinárias e precedentes trazidos à baila, a soberania da assembléia de credores está longe de ser um dogma absoluto, devendo o magistrado estar atendo a abusos manifestados no exercício de direito de voto pelos credores.

Mas, então, como interpretar essa questão? Existe diretriz que possa nortear o trabalho do juiz, neste aspecto? Por exemplo, a fixação de um prazo de carência muito longo, o refinanciamento da dívida a perder de vista, a inclusão de encargos baixos ou inexistentes, o recebimento do crédito estar condicionado ao desempenho da empresa pós-plano de recuperação, são motivos que provocariam a anulabilidade da decisão dos credores aprovadora do plano? Como e quando deve o judiciário interferir na decisão autônoma e livre do credor de querer, ou não, aceitar a oferta de contratar um plano de recuperação ordinário apresentado pelo empresário? Isso não representaria ofensa do direito à liberdade de associação, violação à autonomia da vontade privada? Infelizmente, não há como solucionar esses problemas abstratamente, devendo as respostas serem apresentadas somente diante do exame cuidadoso dos casos concretos, a partir da confrontação do fato com o disposto na lei concursal e demais normas legais e constitucionais.

Sobre o papel do juiz na solução desse problema hermenêutico, veja-se a opinião de LOBO[18]:

No caso da ação de recuperação judicial da empresa, a assembléia geral de credores, primeiro, depois, o Ministério Público e, por derradeiro, o juiz da causa deverão sopesar a realização dos fins – salvar a empresa, manter os empregos e garantir os créditos –, através do princípio da razoabilidade ou proporcionalidade, quando, então, talvez, venham a concluir que o caso concreto exige o ‘sacrifício’ de determinado fim se indispensável ao saneamento da empresa ou o ‘sacrifício’ parcial do interesse da empresa em benefício de empregados e credores etc., pois, como ressaltam os franceses, os procedimentos coletivos são ‘procedimentos de sacrifício’ que limitam os poderes do devedor e restringem os direitos dos credores.

Deverão, ao mesmo tempo, empenhar-se na ‘ponderação de princípios’ – o da conservação e da função social da empresa, o da dignidade da pessoa humana e da valorização do trabalho e da segurança jurídica e da efetividade do Direito –, através do ‘teorema de colisão’ de Alexy, para o qual diante de um choque de princípios, as circunstâncias fáticas determinarão qual deve prevalecer, pois ‘possuem uma dimensão de peso’, verificável caso a caso.

Por isso, aos que sustentam ser a função do magistrado na ação de recuperação judicial de empresa simplesmente formal, o que o transformaria em mero homologador das deliberações da assembléia geral de credores, respondo que o juiz, no processo de reorganização da empresa, exerce, em toda a sua plenitude, poderes de caráter jurisdicional ou ‘poderes-fim’, ‘poderes-meio’ ou ‘instrumentais’ e ‘poderes administrativos’[…].”

Destarte, se o plano de recuperação ofende o ordenamento jurídico deve ser combatido pelo Poder Judiciário, não podendo subsistir a aprovação do mesmo.

Sendo a matéria relacionada a normas de conteúdo econômico é necessária que haja uma mudança de mentalidade no exercício da atividade jurisdicional, menos formalista e abstrata. Como não há uma posição jurisprudencial, tampouco legal, definida a esse respeito, o ideal é dar ampla margem de discricionariedade ao magistrado haja vista que a economia e o mercado continuam em funcionamento e clamam por respostas.

Segundo demonstra o citado Autor, a interpretação do tema-problema apresentado neste ensaio – papel do juiz na concessão do benefício da recuperação, diante da manifestação de voto dos credores – deve ser material e não formal, impondo-se ao magistrado exercer o controle de legalidade sobre o processo de recuperação judicial, acerca do projeto de reestruturação e da declaração de vontade dos credores.

 

4 CONCLUSÃO

Em síntese conclusiva, é possível afirmar que o critério para diferenciar as hipóteses em que o juiz pode (ou não) analisar o conteúdo do plano de recuperação aprovado (tacitamente ou em assembléia) pelos credores e a manifestação de voto destes não está claramente descrito em lei, na medida em que a redação do texto normativo (art. 58 da Lei 11.101/2005) indica que a decisão dos credores sobre o projeto do devedor é soberana.

Essa falta de parâmetro para conduzir a atuação do juiz cria uma elevada dose de discricionariedade para o magistrado e retira a segurança jurídica (previsibilidade de decisões) que deve existir em situações como essa.

Consequentemente, resta ao intérprete identificar casuisticamente se está comprovado na hipótese em análise a presença de eventual abuso na manifestação de direito de voto dos credores, perquirindo se foi extrapolado o mero exercício da autonomia da vontade privada sobre o destino de direitos patrimoniais disponíveis, com o objetivo deliberado de desprestigiar a preservação da atividade economicamente viável exercida pelo empresário. At last, but not least, convém acrescentar que esta atividade interpretativa jamais poderá presumir a ocorrência de abuso por parte do credor, impondo-se a prova da violação dos princípios acima delineados.

 

5 REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de Falência e Recuperação de Empresas: de acordo com a Lei n. 11.101/2005. 24ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2008. 

BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de recuperação de empresas e falências: comentada: Lei 11.101/2005: comentário artigo por artigo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. 

BRASIL. Código Civil (2002). Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Brasília: Presidência da República, 2002. 

BRASIL. Lei nº 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Brasília: Presidência da República, 2005. 

BRASIL. Constituição (1988) Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988. 

CAMPINHO, Sérgio. Falência e recuperação de empresa: o novo regime da insolvência empresarial. 3. Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. 

COELHO, Fábio Ulhoa. Código Comercial e Legislação Complementar Anotados. 4ª Ed. Saraiva: São Paulo, 2000. 

ENUNCIADOS DO CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL, aprovados na 1ª Jornada de Direito Comercial. Disponível em: http://www.jf.jus.br/cjf/CEJ-Coedi/Enunciados%20aprovados%20na%20Jornada%20de%20Direito%20Comercial.pdf. Acesso em: 09.05.2013. 

LOBO, Jorge Joaquim. Comentários aos artigos 35 a 69 da lei de recuperação de empresas e falência. In: TOLEDO, Paulo Fernando Campos Salles de; ABRÃO, Carlos Henrique (Org.). Comentários à lei de recuperação de empresas e falência. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

 ______________________. Direito da empresa em crise: a nova lei de recuperação da empresa. Rio de Janeiro, Revista Forense. v. 379, p. 119/131, mai-jun 2005. 

MARZAGÃO, Lídia Valério. A recuperação judicial. In: MACHADO, Rubens Approbato (Coord.) Comentários à nova lei de falências e recuperação de empresas: doutrina e prática. São Paulo: Quartier Latin, 2005. 

MUNHOZ, Eduardo Secchi. Comentários aos artigos 55 a 69. In SOUZA JÚNIOR, Francisco Satiro de; PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Morais, Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2006, páginas 284. 

NEGRÃO, Ricardo. Manual de direito comercial & de empresa – recuperação de empresa e falência. v.3. 7ª Ed. Saraiva: São Paulo, 2012. 

PERIN JÚNIOR, Ecio. Curso de Direito Falimentar e Recuperação de Empresas. São Paulo: Saraiva, 2011, 4ª edição. 

ZANINI, Carlos Klein. In Interface entre judiciário e assembleia de credores: revisibilidade das decisões dos credores pelo judiciário. Direito Brasileiro e Legislação Comparada. Palestra proferida no IV Congresso TMA Brasil de Reestruturação e Recuperação de Empresas Perspectivas atuais e mudanças, ocorrido em São Paulo, em outubro de 2012.

 

NOTAS DE FIM


[1]Aluno do 7º Período do Curso de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Direito Empresarial (GEPEM) do Centro Universitário Newton Paiva.

[2] Aluna do 7º Período do Curso de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. Monitora da Disciplina Direito Empresarial e do Grupo de Estudos e Pesquisas em Direito Empresarial (GEPEM) do Centro Universitário Newton Paiva.

[3]Aluno do 7º Período do Curso de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Direito Empresarial (GEPEM) do Centro Universitário Newton Paiva.

[4] Ainda não havia sido inserida no ordenamento jurídico brasileiro a “Teoria da Empresa” dos italianos, norma positivada pelo artigo 966 do Código Civil de 2002.

[5] BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de recuperação de empresas e falências: comentada: Lei 11.101/2005: comentário artigo por artigo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, páginas 34/41.

[6] Para efeito de desenvolvimento de raciocínio, será considerada neste artigo apenas a recuperação judicial ordinária, excluindo-se do objeto destes comentários o exame da recuperação judicial especial, prevista nos artigos 70 e seguintes da nova lei, dada sua potestividade, que a difere do modelo ordinário e a assemelha à concordata. Também não será abordada aqui a recuperação extrajudicial, uma vez que o objetivo do trabalho em epígrafe é examinar o papel do juiz na concessão do benefício.

[7] CAMPINHO, Sérgio. Falência e Recuperação de Empresa: o novo regime da insolvência empresarial. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, páginas 12/13. 

[8] MARZAGÃO, Lídia Valério. A recuperação judicial. In: MACHADO, Rubens Approbato (Coord.) Comentários à nova lei de falências e recuperação de empresas: doutrina e prática. São Paulo: Quartier Latin, 2005, página 93. 

[9] E na recuperação judicial especial, como dito alhures.

[10] SATIRO, Francisco. Autonomia dos credores na aprovação do plano de Recuperação Judicial. In CASTRO, Rodrigo Rocha Monteiro de; WARDE JÚNIOR, Walfrido Jorge; GUERREIRO, Carolina Dias Tavares (Coord.). Direito Empresarial e Outros estudos em Homenagem ao Professor José Alexandre Tavares Guerreiro. São Paulo: Quartier Latin, 2013, página. 108.

[11] NEGRÃO, Ricardo. Manual de direito comercial e de empresa – recuperação de empresas e falência. Volume 3. 7ª Edição. São Paulo: Saraiva, página 211.

[12] PERIN JÚNIOR, Ecio. Curso de Direito Falimentar e Recuperação de Empresas. São Paulo: Saraiva, 2011, 4ª edição, página 381.

[13] Citado por CARLOS KLEIN ZANINI, in Interface entre judiciário e assembleia de credores: revisibilidade das decisões dos credores pelo judiciário. Direito Brasileiro e Legislação Comparada. Palestra proferida no IV Congresso TMA Brasil de Reestruturação e Recuperação de Empresas Perspectivas atuais e mudanças, ocorrido em São Paulo, em outubro de 2012.

[14] No mesmo sentido, veja-se o seguinte julgado: RECUPERAÇÃO JUDICIAL DE EMPRESA. “PLANO” DE RECUPERAÇÃO APROVADO PELA ASSEMBLÉIA GERAL DE CREDORES. OBJEÇÃO DE UM CREDOR, QUE ENTENDE TER SIDO PREJUDICADO. Nos precisos termos do caput artigo 58 da Lei nº 11.101, de 09 de fevereiro de 2005, é à assembléia geral de credores que cabe o exame da conveniência e oportunidade da aprovação do “Plano”, em decisão soberana, incumbindo ao magistrado tão somente o exame do cumprimento das formalidades previstas no artigo 45 da mesma lei. Não competia ao juiz, portanto na decisão que homologou o “Plano”, examinar as objeções apresentadas, por ser isso matéria de exclusiva competência da  a respeito da matéria assembléia geral. Inexiste, pois, qualquer nulidade do julgado. Recurso desprovido. (TJ/RJ – Agravo de Instrumento n. 2009.002.45839. Relator: Desembargador Sergio Lucio de Oliveira e Cruz. Julgado em 26/01/2010).

[15] MUNHOZ, Eduardo Secchi. Comentários aos artigos 55 a 69. In SOUZA JÚNIOR, Francisco Satiro de; PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Morais, Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2006, página 284.

[16] Idem nota 12.

[17] No mesmo sentido, o Superior Tribunal de Justiça assim decidiu: RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. APROVAÇÃO DE PLANO PELA ASSEMBLEIA DE CREDORES. INGERÊNCIA JUDICIAL. IMPOSSIBILIDADE. CONTROLE DE LEGALIDADE DAS DISPOSIÇÕES DO PLANO. POSSIBILIDADE. RECURSO IMPROVIDO. 1. A assembleia de credores é soberana em suas decisões quanto aos planos de recuperação judicial. Contudo, as deliberações desse plano estão sujeitas aos requisitos de validade dos atos jurídicos em geral, requisitos esses que estão sujeitos a controle judicial. 2. Recurso especial conhecido e não provido. (REsp. nº 1.314.209, Relatora Ministra NANCY ANDRIGHI, julgamento ocorrido em 22.05.2012).

[18] LOBO, Jorge Joaquim. Direito da empresa em crise: a nova lei de recuperação de empresa. Rio de Janeiro, Revista Forense. v. 379, p. 119/131, mai-jun 2005.