Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva

Emerson Luiz de Castro[1]

 

RESUMO: O presente artigo tratou do Ensino Jurídico no Brasil e seus fundamentos constitucinais. Abordou a visão governamental e a política de implementação do processo pedagógico nas instituições de ensino, com especial destaque para o ensino jurídico. Também analisou a forma como a Ordem dos Advogados do Brasil lida com o ensino jurídico para ao final fazer as apreciações críticas acerca da necessidade de uma consciência ética a ser assumida pelo bacharel do Direito.

 

PALAVRAS-CHAVE: Ensino Jurídico; Direito; Avaliação; Ética; Política; Filosofia do Direito

 

Área de Interesse: Direito Constitucional; Filosofia do Direito

 

1 INTRODUÇÃO

Mais do que componentes curriculares, a Filosofia do Direito, a Ética e a Política são temas centrais que compõem o principal objetivo dos cursos de Direito, ao refletir, criar, apoiar, estruturar e aplicar conceitos jurídicos visando a garantia da justiça, da plena cidadania e da paz social, re-pensando a sociedade.

Em um mundo em permanente transformação, distâncias e diferenças culturais, locais, regionais e mundiais, a discussão desses temas de tão grande relevância, são imprescindíveis para que sejam desenvolvidas e construídas propostas e soluções que levem a um mundo mais humano, com maior igualdade.

Sabemos que a maior parte dos juristas formados nos cursos de Direito compõem em sua maioria os poderes de um Estado, seja ele o judiciário, o legislativo ou o executivo, daí por consequência serem os mesmos responsáveis por transformações sociais relevantes que levem a sociedade novas formas e possibilidades de garantia a plena cidadania, a liberdade e a dignidade humana.

De certa forma podemos afirmar que a formação jurídica empodera os bacharéis, potencializando suas inserções nos cenários de decisão do Estado. Daí a importância da citação: O PODER QUE SE SERVE É UM PODER QUE NÃO SERVE. A instrumentalização jurídica de um indivíduo o responsabiliza a servir.

Assim, os Cursos de Direito precisam reforçar o conhecimento filosófico, ético e político de seus alunos, mas acima de tudo criar e desenvolver formar de incentivar a permanente motivação que os leve a praticar esses conhecimentos, tornando-os instrumentos de uma verdadeira transformação sócio-jurídica.

 

2 O ENSINO JURÍDICO NO BRASIL

Os primeiros cursos de Direito no Brasil foram criados por meio da Lei de 11 de agosto de 1827, com sede em São Paulo e Olinda, e foram chamados de Academias de Direito. O curso de São Paulo foi instalado no Convento de São Francisco, em março de 1828. O de Olinda, no Mosteiro de São Bento, em maio de 1828. Em 1854 passaram a ser chamados de Faculdades de Direito.

Desde então temos ao longo do tempo várias transformações políticas e sociais que influenciaram fortemente as políticas e configurações educacionais do Brasil. Atualmente, por meio do Ministério da Educação e da Ordem dos Advogados do Brasil, o Ensino Jurídico vem sendo avaliado permanentemente.

Torna-se de suma importância e de alta relevância social a preparação de juristas que venham a preencher os quadros do poder judiciário brasileiro e também dos advogados, tratados no Art. 133 da Constituição Federal de 1988 como indispensáveis à administração da Justiça.

 

3 A EDUCAÇÃO BRASILEIRA NA CONSTITUIÇÃO DE 1988

Na Constituição Brasileira de 1988 a Educação está inserida no Capítulo III, denominado “Da Educação, da Cultura e do Desporto”. A Educação especialmente é abordada entre os Arts. 205 e 214. Destacamos principalmente três incisos do Art. 206 que trata dos princípios que serão a base do ensino:

II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;

III – pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;

VII – garantia de padrão de qualidade.

Os princípios acima citados são extremamente relevantes para a garantia de liberdade de cada instituição de ensino desenvolver suas ideias e concepções pedagógicas, restringindo-se a garantia de padrão de qualidade que é definido pelo Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior – SINAES.

Este padrão de qualidade é o indicado pelo Ministério de Avaliação por meio dos processos de credenciamento, autorização e reconhecimento de cursos, além do Exame Nacional de Estudantes – ENADE, todos organizados dentro do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior – SINAES.

Mais adiante no Art. 209 tem-se que o ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as normas gerais da educação nacional e a autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público.

Importante, também ressaltar que no inciso III, do artigo 206, no qual se destaca o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, garante-se a coexistência de instituições públicas e privadas, não se sobressaindo uma sobre a outra. Desejou o constituinte à época garantir a educação por um dos direitos sociais do cidadão brasileiro, em especial destaque ao Art. 6º da Carta Magna.

Podemos assim estabelecer que nas concepções pedagógicas de cada instituição de ensino poderemos encontrar diversas matrizes de formação filosófica, ética e política dos estudantes de Direito, o que se relativiza dado ao padrão de qualidade estabelecido pelo Poder Público, por meio do Ministério da Educação e pela forte influência das instituições públicas na elaboração de políticas e instrumentos de avaliação educacional.

 

4 O MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E O ENSINO JURÍDICO

O Ensino Jurídico brasileiro está regulamentado por meio da Resolução nº 9, de 29 de setembro de 2004, da Câmara de Educação Superior, do Conselho Nacional de Educação, que estabeleceu as diretrizes curriculares nacionais para o curso de Direito.

Seguindo a Resolução nº 9, os cursos jurídicos se organizarão observadas as Diretrizes Curriculares Nacionais, devendo o seu projeto pedagógico, abranger o perfil do formando, as competências e habilidades, os conteúdos curriculares, o estágio curricular supervisionado, as atividades complementares, o sistema de avaliação, o trabalho de curso como componente curricular obrigatório do curso, o regime acadêmico de oferta e a duração do curso, sem prejuízo de outros aspectos que tornem consistente o referido projeto pedagógico.

O projeto pedagógico do curso, que é principal documento norteador do curso, deverá apresentar a clara concepção do curso de Direito, com as suas peculiaridades, seu currículo pleno e sua operacionalização, abrangendo:

I – concepção e objetivos gerais do curso, contextualizados em relação às suas inserções institucional, política, geográfica e social;

II – condições objetivas de oferta e a vocação do curso;

III – cargas horárias das atividades didáticas e da integralização do curso;

IV – formas de realização da interdisciplinaridade;

V – modos de integração entre teoria e prática;

VI – formas de avaliação do ensino e da aprendizagem;

VII – modos da integração entre graduação e pós-graduação, quando houver;

VIII – Incentivo à pesquisa e à extensão, como necessário prolongamento da atividade de ensino e como instrumento para a iniciação científica;

IX – concepção e composição das atividades de estágio curricular supervisionado, suas diferentes formas e condições de realização, bem como a forma de implantação e a estrutura do Núcleo de Prática Jurídica;

X – concepção e composição das atividades complementares;

XI – inclusão obrigatória do trabalho de curso.

Ainda, determina a Resolução nº 9 que o curso de graduação em Direito deverá assegurar, no perfil do graduando, sólida formação geral, humanística e axiológica, capacidade de análise, domínio de conceitos e da terminologia jurídica, adequada argumentação, interpretação e valorização dos fenômenos jurídicos e sociais, aliada a uma postura reflexiva e de visão crítica que fomente a capacidade e a aptidão para a aprendizagem autônoma e dinâmica, indispensável ao exercício da Ciência do Direito, da prestação da justiça e do desenvolvimento da cidadania.

O termo filosofia tem origem grega, onde filo quer dizer amigo, e sofia significa conhecimento ou sabedoria, daí ser de extrema importância para a formação indicada acima. Seguem, na mesma linha a ética e a política, indispensáveis a construção do perfil citado.

Como habilidades e competências inerentes a formação profissional, os cursos jurídicos, segundo a Resolução nº 9 deverão garantir o desenvolvimento de:

I – leitura, compreensão e elaboração de textos, atos e documentos jurídicos ou normativos, com a devida utilização das normas técnico-jurídicas;

II – interpretação e aplicação do Direito;

III – pesquisa e utilização da legislação, da jurisprudência, da doutrina e de outras fontes do Direito;

IV – adequada atuação técnico-jurídica, em diferentes instâncias, administrativas ou judiciais, com a devida utilização de processos, atos e procedimentos;

V – correta utilização da terminologia jurídica ou da Ciência do Direito;

VI – utilização de raciocínio jurídico, de argumentação, de persuasão e de reflexão crítica;

VII – julgamento e tomada de decisões;

VIII – domínio de tecnologias e métodos para permanente compreensão e aplicação do Direito.

Cabe ressaltar aqui o equívoco da Resolução ao confundir competências e habilidades e a não fazer qualquer menção à atitudes e valores profissionais fundados na Filosofia, Ética e Política.

Como eixos de formação a Resolução nº 9 indica três a serem estruturados. O primeiro denominado Eixo de Formação Fundamental, que tem por objetivo integrar o estudante no campo, estabelecendo as relações do Direito com outras áreas do saber, abrangendo dentre outros, estudos que envolvam conteúdos essenciais sobre Antropologia, Ciência Política, Economia, Ética, Filosofia, História, Psicologia e Sociologia.

Geralmente esses conteúdos são tratados e abordados nos períodos iniciais dos cursos jurídicos.

O segundo denominado Eixo de Formação Profissional, abrange, além do enfoque dogmático, o conhecimento e a aplicação, observadas as peculiaridades dos diversos ramos do Direito, de qualquer natureza, estudados sistematicamente e contextualizados segundo a evolução da Ciência do Direito e sua aplicação às mudanças sociais, econômicas, políticas e culturais do Brasil e suas relações internacionais, incluindo-se necessariamente, dentre outros condizentes com o projeto pedagógico, conteúdos essenciais sobre Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito Tributário, Direito Penal, Direito Civil, Direito Empresarial, Direito do Trabalho, Direito Internacional e Direito Processual.  Nesse eixo seria importante a abordagem dos conteúdos por meio de uma abordagem critica dentro do ponto de vista filosófico, ético e político, reforçando atitudes positivas na formação profissional.

Já o terceiro denominado Eixo de Formação Prática, objetiva a integração entre a prática e os conteúdos teóricos desenvolvidos nos demais eixos, especialmente nas atividades relacionadas com o Estágio Curricular Supervisionado, Trabalho de Curso e as Atividades Complementares. Já nesse eixo a inclusão de pontos de avaliação que pudessem medir os níveis de comprometimento filosófico, ético e político dos estudantes seria de extrema valia, apesar de existirem inúmeras dificuldades nessa implementação.

Assim, cabe à instituição de ensino no momento de adequar o perfil do formando instituir padrões valorativos de conduta e atenção garantindo o contorno filosófico, ético e político esperado do estudante ao término do curso. O que deve se esperar da formação jurídica ao longo de todo o curso que essa temática não se esgote apenas em disciplinas estaques mas que venha permeando a formação reflexiva do aluno e suas atitudes durante todo o curso.

 

5 A ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL E O ENSINO JURÍDICO

A OAB tem participado ativamente das discussões acerca da qualidade do ensino jurídico, especialmente por meio dos resultados do Exame de Ordem. É certo afirmar que uma prova de conteúdos, dependendo de sua concepção não consegue por si só apurar a qualidade de um curso, ainda mais considerando que a liberdade de concepção pedagógica, garantida constitucionalmente, pode ser exercida em não observância as diretivas do Exame de Ordem. Por isso, mesmo com baixa aprovação no Exame de Ordem, não se poderia atribuir má qualidade daquele curso.

Somente a partir de 2012 é que foram incluídas questões de Filosofia de Direito, sem, no entanto, serem incluídas questões de cunho comportamental ou valorativa, exceto as de técnico-práticas sobre Estatuto da OAB e Ética Profissional.

 

6 CONCLUSÃO

O grande desafio que põe frente aos cursos jurídicos é o de garantir não somente conhecimento filosófico, ético e político aos estudantes, mas como “transformar” esses estudantes em seres filosóficos, éticos e políticos, responsáveis pela grande transformação social requerida, para a garantia dos direitos de liberdade, igualdade, e justiça, promovendo a dignidade plena do ser humano e a almejada paz social.

Com esta responsabilidade abordar os elementos essenciais de competência como conhecimento, habilidades e atitudes/valores é de suma importância, o que importa em uma revisão da metodologia do ensino jurídico, na formação dos professores e nas suas práticas de ensino.

Ensinar filosofia, ética e política não se garante a prática por decorrência. Formar juristas que agirão em nome do Estado e pelo Estado, ocupando postos estratégicos de um dos poderes do Estado, não significa a prática dos ensinamentos recebidos.

A corrupção e a letargia face à realidade social contaminam grande parte dos juristas atualmente distanciando-os dos propósitos básicos de sua formação, como cotidianamente podemos constatar por meio dos meios de comunicação. A formação não pode se distanciar da realidade social, antes pelo contrário deve agrega-la para dar sentido e valor a própria formação.

Reestabelecer uma consciência da importância do pensar e do agir humano, do pensar e agir político, resgatando-se os princípios básicos do Estado Democrático de Direito, e pensando e agindo segundo os princípios éticos que devem contornar a nossa convivência social, torna-se ponto vital da construção de bacharéis de Direito, úteis à transformação da uma sociedade.

A sociedade precisa de pensadores jurídicos, cientes de sua relevância e importância social e não meros técnicos, operadores do Direito, que estão à margem das reais necessidades de transformação do país.

 

7 REFERÊNCIAS

BASTOS, Aurélio Wander. Ensino Jurídico no Brasil. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2000.

BRASIL. Constituição. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1998.

BRASIL. Resolução CNE/CES nº 9, de 29/09/2004. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Direito e dá outras providências. 

HORTA, Jose Luiz Borges. Direito Constitucional da Educação. Belo Horizonte: Decálogo, 2007.

RODRIGUES, Horacio Wanderlei. Pensando o Direito no Século XXI. Florianópolis: Fundação Boiteaux, 2005.

 

NOTAS DE FIM


[1] Mestre em Direito, Coordenador do Curso de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.