Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva

Lucas Gabriel Molina dos Santos[1]

RESUMO: O presente trabalho teve como escopo tratar da cobrança de ICMS sobre operações interestaduais que destinem bens a consumidor final não contribuinte do imposto. Atualmente, o comércio eletrônico possui um papel relevante para a economia e para os estados-membros da Federação, em função da arrecadação tributária. No entanto, há uma disputa entre os entes a fim de assegurarem a fonte de receita que provém dessas operações. Frente a isso, foi posto em discussão teses favoráveis e contrárias à inconstitucionalidade de leis e decretos estaduais, bem como o Protocolo ICMS no 21, elaborado com o fim de possibilitar que os estados de destino da mercadoria ou bem também cobrem o imposto na sua entrada. Por fim, tendo em vista que é comum a compra por meio de lojas virtuais de produtos e serviços, a pesquisa teve como objetivo incentivar a discussão acerca do tema, tendo como parâmetro as jurisprudências consolidadas dos tribunais, em especial do Supremo Tribunal Federal.

 

PALAVRAS-CHAVE: inconstitucionalidade; ICMS; comércio; eletrônico.

 

Área de interesse: Direito Tributário e Direito Constitucional.

 

1 INTRODUÇÃO

A Constituição Federal foi promulgada em 5 de outubro de 1988, consagrando o Estado Constitucional Democrático, um modelo em que se efetiva a participação do povo no governo e, também, não obstante a preocupação com o caráter formal, há maior atenção ao caráter substancial, principalmente dos direitos fundamentais. Busca-se, atualmente, a efetividade, uma vez que os direitos já foram consagrados.

No que toca ao sistema tributário, as normas constitucionais a ele concernentes são relativas ao modelo econômico vigente na década de 1980, em que não havia informatização. Atualmente, o comércio está pautado pelas inovações tecnológicas e a derrubada de barreiras que, à época da promulgação da Carta Maior, pareciam intransponíveis.

Quando da elaboração da Constituição, a comercialização de mercadorias era por meio presencial e todo o sistema tributário foi baseado nesse costume. Ocorre que a informatização e o acesso à internet trouxeram uma mundialização do comércio, na qual qualquer pessoa realiza compras por um site disponível na rede mundial de computadores.

Com isso, Estados de destino do produto ou serviço, onde os consumidores do comércio eletrônico residem, não arrecadam o Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS), sendo este absorvido pelo Estado de origem.

Sentindo-se prejudicados, alguns Estados elaboraram um ato normativo conjunto que determina a cobrança do tributo, arrecadando também o Estado de destino. Entidades e instituições ligadas ao comércio e à indústria ajuizaram ações diretas de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF) com o argumento de desrespeito às normas constitucionais.

Desse modo, focar-se-á o presente trabalho no controle de constitucionalidade que deverá ser feito pelo STF, apontando as teses ventiladas a respeito da inconstitucionalidade da cobrança, tanto a favor como as contrárias.

 

 

2 CONSIDERAÇÕES GERAIS A RESPEITO DA COBRANÇA DE ICMS SOBRE OPERAÇÕES INTERESTADUAIS DECORRENTES DE COMÉRCIO ELETRÔNICO

A Constituição da República, promulgada em 1988, elaborou um sistema tributário complexo, visando garantir a distribuição de renda entre os estados e diminuir a discrepância econômica entre as regiões.

O Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) é o tributo mais importante e a maior fonte de receitas para os estados.

Nesse desiderato, qualquer divergência a respeito da arrecadação do imposto pode gerar uma guerra fiscal envolvendo inúmeros estados, como ocorre atualmente. Isso se deu fruto da tributação de ICMS pelo estado de destino de mercadorias destinadas à venda a consumidor final de forma não presencial e não contribuinte do imposto.

Em outras palavras, conflito entre estados oriundo de operações interestaduais decorrentes de comércio eletrônico, utilizando-se de uma ferramenta que à época da Constituição de 1988 não era possível imaginar que atingisse a relevância dos dias atuais, a internet.

As inúmeras empresas que vendem mercadorias pela rede mundial de computadores situam-se nas regiões Sul e Sudeste, especialmente nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Como a arrecadação de ICMS nas operações de comércio eletrônico é destinada ao estado de origem da mercadoria, a maioria dos estados, os de destino, não recolhe o imposto, gerando um desconforto.

Tal desconforto foi o ponto de partida para a elaboração do Protocolo no 21, de 01 de abril de 2011, pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ). Por meio deste, a grande maioria dos estados de destino também tributariam a mercadoria ou bem.

Por conseguinte, inúmeras Ações Diretas de Inconstitucionalidade foram ajuizadas perante o Supremo Tribunal Federal, tais como as de número 4.565, 4.705, 4..713 e 4.885 que, no Recurso Extraordinário no 680.089, reconheceu repercussão geral da questão constitucional suscitada.

Apesar de não ter havido julgamento definitivo, o Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição e competente para dirimir mais esse capítulo da guerra fiscal entre os estados, já concedeu liminares a favor da inconstitucionalidade da cobrança.

 

2.1 Comércio eletrônico e o impacto no cenário mercantil

O comércio eletrônico ou e-commerce é uma transação comercial feita através de um equipamento eletrônico, utilizando a internet como ferramenta de interligação entre as partes envolvidas. A finalização do negócio termina com o pagamento feito, em sua grande maioria, por meio eletrônico.

Os levantamentos destinados a medir a importância do comércio eletrônico no Brasil atingiram números convincentes. De acordo com matéria publicada na revista Pequenas Empresas Grandes Negócios, o Brasil já conta com 36,7 milhões de e-consumidores e faturou, apenas no primeiro semestre de 2012, R$10,2 bilhões. (LIRA, 2012).

No mesmo período, foram realizadas 29,6 milhões de encomendas com valor médio de R$346. Os produtos mais vendidos foram os eletrodomésticos e itens de saúde, beleza e medicamentos.

De acordo com os números divulgados pela Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico, o Brasil poderia alcançar R$25 bilhões em faturamento, expansão de 22% em relação a 2011. (E-commerce…, 2012)

Logo, com um faturamento previsto de R$25 bilhões e atingindo quase 40 milhões de brasileiros, o comércio eletrônico assume papel relevante nas transações comerciais e, em razão da tributação, uma fonte de renda inabdicável por partes dos estados.

 

2.2 Disciplina normativa do ICMS

O ICMS é o imposto mais relevante na esfera de arrecadação dos estados para o custeio de suas atividades. É de competência estadual ou distrital e pode ser disposto mediante lei ordinária.

A definição legal vem prevista na Lei Complementar no 87, de 1996, e na Constituição Federal, precisamente no artigo 155, II, na qual é competência dos Estados e do Distrito Federal instituir impostos sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior. (BRASIL, 1996).

Por circulação, como bem explica Leandro Paulsen, entende-se a passagem das mercadorias de uma pessoa para outar, sob um título jurídico, sendo irrelevante a mera circulação física ou econômica. (PAULSEN, 2010, p. 221).

O acrônimo “ICMS” alcança, ao menos, cinco impostos diferentes. Desse modo, embora esses impostos não se confundam, possuem o mesmo “núcleo central comum”, como a regra da não-cumulatividade. Roque Antonio Carrazza enumera os cinco impostos:

a) o imposto sobre operações mercantis (operações relativas à circulação de mercadorias), que, de algum modo, compreende o que nasce da entrada de mercadorias importadas do exterior; b) o imposto sobre serviços de transporte interestadual e intermunicipal; c) o imposto sobre serviços de comunicação; d) o imposto sobre produção, importação, circulação, distribuição ou consumo de lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos e de energia elétrica; e e) o imposto sobre extração, circulação, distribuição e consumo de minerais. (CARRAZZA, 2009, p. 36-37).

A função predominante do ICMS é a fiscal, sendo, como já mencionado, fonte de receita expressiva para os estados. Todavia, assimila a função extrafiscal quando é seletivo em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços, na forma do artigo 155, §2o, III, da Constituição Federal.

Trata-se de tributo não vinculado, cuja consistência tem por hipótese de incidência uma situação independente de qualquer atividade estatal. (ATALIBA, 2010, p. 134).

Também é imposto indireto, pois admite a repercussão do encargo econômico. José Morschnacher, citado por Leandro Paulsen, explanou acerca do conceito de imposto indireto:

Especificamente em termo de Direito Tributário, imposto indireto será aquele no qual a norma jurídica de tributação vincula ao Estado, como sujeito passivo da relação de imposto, não a pessoa de cuja renda a hipótese de incidência seja fato-singo presuntivo, mas aquele ou aquelas antepostas a ela dentro do relacionamento econômico objeto da imposição. (Paulsen apud Morshnacher, 2009, p.39).

A característica principal que carrega o ICMS é o respeito ao princípio da não-cumulatividade. Na dicção do artigo 155, §2o, I, da Constituição Federal, o referido imposto será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal. (BRASIL, 1988).

Ensina Fabiana Del Padre Tomé:

O conceito de ‘não-cumulatividade’ utilizado pela Constituição Federal é uniforme: consiste em uma sistemática constitucional erigida com a finalidade de evitar superposição de cargas tributárias, impedindo a incidência de um mesmo tributo mais de uma vez sobre o valor que já serviu de base à sua cobrança em fase anterior do processo econômico. (TOMÉ, 2002, p. 204).

Em continuidade, é necessário tecer breves comentários sobre as alíquotas do ICMS com o objetivo de explicitar a tributação em relação ao comércio envolvendo operações interestaduais, sendo o consumidor não contribuinte.

Existem duas alíquotas de ICMS: as internas, quando o vendedor e o adquirente da mercadoria encontram-se situados no mesmo estado; as externas, divididas em alíquotas interestaduais, aplicadas quando vendedor e adquirente da mercadoria situam-se em estados diferentes, e alíquotas de exportação.

As alíquotas internas são definidas por lei estadual. De seu turno, as externas são determinadas por resoluções do Senado Federal. Atualmente, as alíquotas interestaduais são de 7% e 12%, conforme prevê a Resolução no 22, de 19 de maio de 1989, do Senado Federal.

Em caso de operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro estado, adota-se, com fulcro no artigo 155, §2o, VII, b, a alíquota interna do estado de origem, ou seja, onde está sediada a empresa que distribui as mercadorias.

Em razão dessa disciplina normativa, os estados de destino se reuniram e votaram um ato normativo em conjunto, enfoque do presente trabalho, consoante as anotações abaixo.

 

2.3 CONFAZ e o Protocolo ICMS nO 21/2011

Tal como trazido à baila nas linhas anteriores, o e-commerce permite que qualquer pessoa acesse um site de uma loja virtual e adquira mercadorias ou bens, recebendo o mesmo no local indicado pelo consumidor.

Roque Antonio Carrazza traz a conceituação de mercadoria:

Não é qualquer bem móvel que é mercadoria, mas tao-só aquele que se submete à mercancia. Podemos, pois, dizer que toda mercadoria é bem móvel, mas nem todo bem móvel é mercadoria. Só o bem móvel que se destina à pratica de operações mercantis é que assume  a qualidade de mercadoria. (CARRAZZA, 2009, p. 43)

 Na mesma linha, discorre Hugo de Brito Machado que:

O que caracteriza uma coisa como mercadoria é a destinação. Mercadorias são aquelas coisas móveis destinadas ao comércio. São coisas adquiridas pelos empresários para revenda, no estado em que as adquiriu, ou transformadas, e ainda aquelas produzidas para venda. (MACHADO, 2012, p. 377)

Na forma da legislação tributária pátria, em especial o artigo 155, §2o, VII, b, da Constituição Federal, na qual estabelece que em relação às operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, será adotada a alíquota interna, quando o destinatário não for contribuinte dele.

Isso quer dizer que o Estado de origem da mercadoria ou bem, na qual se situa a sede empresa virtual, arrecada o ICMS devido na operação utilizando-se de sua alíquota interna, definida por lei estadual.

Em função da concentração das maiores empresas do ramo estarem localizadas nas regiões Sul e Sudeste, os estados das regiões norte, nordeste e centro-oeste formalizaram um ato normativo em conjunto a fim de preservar a repartição do produto da arrecadação da operação entre as unidades federadas: o Protocolo ICMS no 21, de 1 de abril de 2011.

Aderiram ao protocolo 19 os estados de Acre, Alagoas, Amapá, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Roraima, Rondônia, Sergipe, Tocantins e também pelo Distrito Federal.

O Protocolo foi elaborado pelo CONFAZ, um órgão deliberativo constituído pelos Secretários de Fazenda, Finanças ou Tributação de cada estado e Distrito Federal e pelo Ministro de Estado da Fazenda, instituído em decorrência de preceitos previstos na Constituição Federal, com a missão maior de promover o aperfeiçoamento do federalismo fiscal e a harmonização tributária entre os Estados da Federação. (Conselho Nacional de Política Fazendária).

O que ensejou a criação do Protocolo ICMS no 21 foi a crescente mudança do comércio tradicional para o eletrônico, persistindo, entretanto, a tributação apenas na origem, não preservando a repartição do produto da arrecadação dessa operação entre as unidades federadas de origem e de destino.

A cláusula primeira diz:

Acordam as unidades federadas signatárias deste protocolo a exigir, nos termos nele previstos, a favor da unidade federada de destino da mercadoria ou bem, a parcela do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS – devida na operação interestadual em que o consumidor final adquire mercadoria ou bem de forma não presencial por meio de internet, telemarketing ou showroom. (Conselho Nacional de Política Fazendária, 2011)

A grande controvérsia reside na exigência do imposto pela unidade federada destinatária da mercadoria ou bem, aplicando-se, inclusive, nas operações procedentes de unidades da Federação não signatárias do Protocolo.

O procedimento de exação funciona da seguinte maneira: os estados de origem da mercadoria ou bem arrecadam o ICMS de acordo com a quantia da operação realizada, aplicando a alíquota interna. O Estado de destino, aquele onde o consumidor não contribuinte do imposto reside, também arrecada da mesma forma, aplicando a alíquota interna, entretanto, deduzindo-se do valor equivalente a alíquota interestadual.

Conforme as disposições na cláusula terceira, que já foram previstas em resoluções do Senado Federal, a alíquota interestadual de mercadorias ou bens oriundos da região Sul e Sudeste, exceto Espírito Santo, é de 7%. De seu turno, a alíquota interestadual correspondente a mercadorias ou bens procedentes das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e do Estado do Espírito Santo é de 12%.

Por exemplo, o estado de Mato Grosso do Sul fixou a alíquota interna em 17%. Se um consumidor situado no referido estado adquire uma mercadoria pela internet, cujo custo foi de R$1.000,00, amoldando-se nas definições do Protocolo, poderá o cálculo ser feito de duas formas.

Primeiro, caso a empresa situada seja da região Sul ou Sudeste, exceto Espírito Santo, o Estado de origem cobra a exação normalmente e o estado de Mato Grosso do Sul também arrecada através da exigência de pagamento de 10%, que é a diferença entre a alíquota interna do estado (17%) e a alíquota interestadual (7%), correspondendo a R$100,00.

Segundo, caso a empresa situada seja da região Norte, Nordeste, Centro-Oeste ou do estado do Espírito Santo, o percentual adequado ao estado de Mato Grosso do Sul é 5%, porquanto a alíquota interestadual, nesse caso, é de 12%, correspondendo a R$50,00.

Após a entrada em vigor do referido ato normativo elaborado por 19 estados e o Distrito Federal, empresas e outras instituições ligadas ao setor questionam a constitucionalidade da cobrança. Para ambos, surgem teses convincentes que serão postas em discussão, no mérito, pelo Supremo Tribunal Federal.

 

3. DISCUSSÃO ACERCA DA INCONSTITUCIONALIDADE DA COBRANÇA DE ICMS

As discussões a respeito da cobrança de ICMS sobre operações interestaduais em que o consumidor final adquire mercadoria ou bem de forma não presencial por meio de internet, telemarketing ou showroom tem dedicado muita atenção por parte dos juristas e empresas diretamente interessadas.

Desta feita, imperioso tratar nesse momento das teses ventiladas a favor e contrárias à inconstitucionalidade da exação. Em breve, após admitir a repercussão geral do tema no plenário virtual, o STF deve enfim sedimentar o entendimento sobre o assunto.

 

3.1 Posicionamento favorável à inconstitucionalidade

Com a elaboração do Protocolo ICMS no 21, os Estados signatários normatizaram em seus territórios a situação por meio de decretos, o que gerou a impugnação de instituições e empresas contrárias a conduta estatal. Isso fez gerar inúmeras Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI), em tramite na Corte Suprema.

As teses que sustentam a inconstitucionalidade do Protocolo e dos decretos estaduais que regulamentam a exação estão alicerçadas na Constituição Federal, precisamente na parte que define o sistema tributário nacional.

O primeiro argumento é a bitributação jurídica, com violação do artigo 155, §2o, VII, b e VIII, da Constituição Federal. Diz a referida norma:

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

[…]

II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;

[…]

§ 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:

[…]

VII – em relação às operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, adotar-se-á:

a) a alíquota interestadual, quando o destinatário for contribuinte do imposto;

b) a alíquota interna, quando o destinatário não for contribuinte dele;

VIII – na hipótese da alínea “a” do inciso anterior, caberá ao Estado da localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual; (BRASIL, 1998).

O texto constitucional prevê que deve ser deve ser adotada a alíquota interna quando o destinatário não for contribuinte do ICMS, sendo este tributo devido à unidade federada de origem e não à unidade federada destinatária.

O Protocolo, todavia, institui nova incidência de ICMS, de titularidade dos estados de destino signatários, que só tem sujeição jurídica ativa do diferencial de alíquota previsto no artigo 155, §2o, VII, a, da Constituição Federal.

Isso quer dizer que, com o Protocolo e os decretos estaduais que o regulamentam, regras exclusivas incidentes sobre os destinatários contribuintes são aplicadas do mesmo modo a destinatários não contribuintes do ICMS, em contrariedade com o previsto na Constituição.

Tocante à regra constitucional que se aplica às operações interestaduais sobre destinatários contribuintes do imposto, a Confederação Nacional da Indústria, na ADI 4.713[2], que é uma das ações propostas no Supremo Tribunal Federal para o fim de declarar inconstitucional o Protocolo 21 e suspender a cobrança pelo estado de destino, dispôs:

Como a alíquota interna é, na quase totalidade dos casos, maior que a interestadual, o Estado de destino se apropria, na operação interna subsequente à interestadual, da diferença entre a alíquota interna aplicada ao preço total do produto e o crédito correspondente ao percentual da alíquota interestadual, menor, sobre o preço da operação anterior, também menor. Caso não haja operação subsequente, então haverá uma incidência específica, a prevista no inciso VIII do art. 155, § 2.º, da CF.

Em conclusão, tomando-se por base as operações interestaduais de compra de mercadorias efetuadas por não contribuinte do imposto tem-se que a alíquota a ser aplicada é a interna, sendo o ICMS devido somente ao Estado onde se encontram os fornecedores, que são os remetentes das mercadorias.

O segundo argumento está no sentido da violação do artigo 146, III, da Constituição Federal, que dispõe:

Art. 146. Cabe à lei complementar:

I – dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; (BRASIL, 1988).

Se houvesse cmpetência comum dos estados para cobrar o ICMS, tanto na saída como na chegada da mercadoria, seria necessário lei complementar para dirimir os conflitos de competência entre os estados signatários e não signatários do Protocolo no 21.

O Supremo já se dedicou ao assunto quando julgou se seria possível a cobrança de adicional estadual do imposto sobre a renda. Manifestou, através do Recurso Extraordinário 136.215, pela impossibilidade de cobrança sem prévia lei complementar, pois a mesma é indispensável materialmente à dirimência de conflitos de competência entre os estados da federação.

Ives Gandra Martins ressalta que a lei complementar em questão cumpre dupla função tutelar, pois, além de representar elemento de estabilização do sistema jurídico-tributário instituído pela Carta da República, atua como fator de insuprimível garantia dispensada ao próprio contribuinte. (MARTINS, 1990, p. 75).

O Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário 136.215, julgado em 16 de abril de 1993, discorreu sobre a lei complementar:

A lei complementar a que se refere o preceito inscrito no art. 146 da Carta Política tem o caráter de lei nacional, projetando-se e impondo-se, na esfera jurídico-normativa, e no que concerne aos estritos limites materiais de sua incidência, à compulsória observância das pessoas estatais investidas, pelo ordenamento constitucional, de competência impositiva.

Nessa condição formal, a lei complementar, que veicula regras disciplinadoras do conflito de competências tributárias e que dispõe sobre normas gerais de direito tributário, evidencia-se como espécie normativa que, embora necessariamente obediente às diretrizes traçadas pela Carta da República, constitui manifestação superior da vontade jurídica do próprio Estado Federal. A autoridade dessa lei complementar – cuja gênese reside no próprio texto da Constituição – vincula, em sua formulação normativa, as pessoas políticas que integram, no plano da Federação brasileira, a comunidade jurídica total. (BRASIL, 1993)

Em síntese, caso fosse possível a titularidade comum entre Estados de origem e destino do ICMS, seria necessária a confecção de lei complementar para dirimir conflito de competência entre entes estatais signatários ou não do protocolo em comento.

O terceiro argumento está na violação do artigo 150, V, da Constituição Federal, que reza:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

[…]

V – estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público; (BRASIL, 1988)

A norma em testilha define o princípio da liberdade de tráfego. Kiyoshi Harada define o seu conceito:

O referido princípio é uma decorrência natural da unidade econômica e política do território nacional. Objetiva assegurar a livre circulação de bens e pessoas ou meios de transportes, que não pode ser limitada ou embaraçada por tributação interestadual ou intermunicipal, ressalvada a cobrança de pedágio. (HARADA, 2009, p. 374).

As disposições constitucionais a respeito legitimam a liberdade de ir e vir e, no caso em estudo, de empresários estruturarem seu negócio em um estado e buscarem compradores em todo território nacional, por meio de ferramentas que estejam disponíveis no mercado. A própria Carta Política assegura a livre concorrência, na forma do artigo 170, IV.

A Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo, na ADI 4.628[3] em trâmite no Supremo Tribunal, cujo conteúdo se assemelha ao da ADI 4.713, trouxe a lume a seguinte explanação:

O disposto no art. 150, V, da Constituição da República tem como objetivo maior impedir barreiras fiscais que imponham limitações ao tráfego de pessoas e bens entre as unidades federadas e, mesmo que saibamos que impor restrições tributárias não foi o objetivo principal a nortear a edição do Protocolo, e sim aumentar arrecadação de ICMS, constata-se inegavelmente que foram criadas limitações a entrada de bens, por conta de ônus tributário abusivo criado pelas unidades federadas signatárias do Protocolo nas operações interestaduais nas quais se adquire mercadorias ou bens de forma não presencial.

O Protocolo, ao assentar que o ICMS incidirá de mercadorias ou bens oriundos de outras unidades da Federação, revela tentativa de impedir ou dificultar o ingresso de mercadorias e bens provenientes de outros estados, em descompasso com o artigo 150, V, da Constituição, que visa impedir barreiras fiscais entre os estados.

O quarto argumento situa-se na proibição de utilizar o tributo com efeito confiscatório, com violação do artigo 150, IV, da Constituição Federal, que determina:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

[…]

IV – utilizar tributo com efeito de confisco; (BRASIL, 1988)

Confiscatório é o tributo que derriba as forças econômicas do contribuinte. Roque Antonio Carrazza afirma que o artigo 150, IV, da Constituição Federal encerra um preceito vinculativo, na qual será inconstitucional a lei que imprimir à exação conotações confiscatórias, esgotando a “riqueza tributável” dos contribuintes. (CARRAZZA, 2010, p. 518).

Reitera na mesma linha Hugo de Brito Machado:

Assim, o tributo com efeito de confisco, no regime da vigente Constituição, está proibido sob todos os aspectos, seja qual for a interpretação adotada para os dispositivos pertinentes ao direito de propriedade (art. 5o, item XXII), e ao regime econômico prevalente (art. 170, itens II e IV). O disposto em seu art. 150, item IV, não permite dúvidas a este respeito”. (MACHADO, 1989, p. 68).

O STF bem definiu sobre a ação normativa do Estado na ADI 2.551[4], na qual a Confederação Nacional do Comércio pleiteou contra o Governador do Estado de Minas Gerais a inconstitucionalidade da cobrança de taxa de expediente sobre as sociedades seguradoras em face da garantia constitucional da não-confiscatoriedade. Foi dito:

A prerrogativa institucional de tributar, que o ordenamento positivo reconhece ao Estado, não lhe outorga o poder de suprimir (ou de inviabilizar) direitos de caráter fundamental constitucionalmente assegurados ao contribuinte. É que este dispõe, nos termos da própria Carta Política, de um sistema de proteção destinado a ampará-lo contra eventuais excessos cometidos pelo poder tributante ou, ainda, contra exigências irrazoáveis veiculadas em diplomas normativos editados pelo Estado. (BRASIL, 2006)

Desse modo, o Protocolo ratificado por boa parte dos estados-membros da Federação induz à injusta apropriação estatal do patrimônio ou dos rendimentos dos contribuintes, o que resulta, na colocação de Aliomar Baleeiro, no aniquilamento da empresa ou no impedimento de exercício de atividade lícita e moral. (BALEEIRO, 1997, p. 564).

O quinto argumento resulta da violação do artigo 152 da Constituição Federal, ao prescrever:

Art. 152. É vedado aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer diferença tributária entre bens e serviços, de qualquer natureza, em razão de sua procedência ou destino. (BRASIL, 1988)

Paulo de Barros Carvalho aduz que “a procedência e o destino são índices inidôneos para efeito de manipulação de alíquotas e da base de cálculo pelos legisladores dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.” (CARVALHO, 2009, p. 184).

O artigo 152 em análise impede o estabelecimento de diferenças tributárias entre bens e serviços em razão de sua procedência. O Supremo Tribunal Federal esposou a respeito do tema na ADI 3936[5], na qual tratou de norma produzida pelo Estado do Paraná que contribuía para a guerra fiscal e foi contestada pelo Estado do Amazonas. Disse:

A Constituição é clara ao vedar aos Estados e ao Distrito Federal a fixação de alíquotas internas em patamares inferiores àquele instituído pelo Senado para a alíquota interestadual. Violação ao art. 152 da CF/88, que constitui o princípio da não-diferenciação ou da uniformidade tributária, que veda aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer diferença tributária entre bens e serviços, de qualquer natureza, em razão de sua procedência ou destino. (BRASIL, 2007)

Logo, a sobretaxa em razão da origem feita pelos estados de destino das mercadorias adquiridos por meio de comércio eletrônico por consumidores não contribuintes do ICMS revela-se em desconformidade com as normas constitucionais.

O sexto argumento está situado na violação do artigo 1o da Carta Maior, base do princípio do pacto federativo, na qual ressalta que a República Federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal.

O Ministro Celso de Mello, na ADI 1.237-MC[6], examinou da seguinte maneira:

O pacto federativo, sustentando-se na harmonia que deve presidir as relações institucionais entre as comunidades políticas que compõem o Estado Federal, legitima as restrições de ordem constitucional que afetam o exercício, pelos Estados-membros e Distrito Federal, de sua competência normativa em tema de exoneração tributária pertinente ao ICMS. (BRASIL, 1995)

A Ordem dos Advogados do Brasil, parte autora da ADI 4.885[7], na qual também se assemelha à ADI 4.713 e a 4.628, ressaltou:

O princípio constitucional adotado para as vendas diretas a consumidor final foi o da TRIBUTAÇÃO EXCLUSIVA NA ORIGEM, sendo induvidoso que o ato ora questionado viola tanto a partilha constitucional de competência (por adentrar o campo de tributação alheio), quanto à própria partilha constitucional de receitas (que, no caso, cabem ao estado de origem).

Em suma, foram apresentados os argumentos que sustentam a inconstitucionalidade da cobrança de ICMS sobre comércio eletrônico quando se trata de operações interestaduais de consumidores não contribuintes do imposto.

 

3.2 Posicionamento contrário à inconstitucionalidade

De outra feita, os estados signatários do Protocolo ICMS no 21 do CONFAZ defendem a constitucionalidade da exação, sustentando-se em argumentos consistentes, que serão tratados a seguir.

O primeiro argumento reside na ocorrência de fato gerador do ICMS dentro do território da unidade federada consumidora. O artigo 155, §2o, VII e VII, da Constituição Federal, trata de disposições referentes a uma realidade já ultrapassada, em que o consumidor se deslocava até uma loja física e adquiria uma mercadoria.

No contexto atual, o e-commerce transformou em uma nova realidade, cujas consequências eram impossíveis de serem previstas à época da Constituição de 1988. Não há mais necessidade de deslocamento do consumidor, porquanto a compra se realiza dentro da sua casa ou do seu trabalho por meio de um sistema eletrônico conectado a internet.

Nesse ponto é que se sustenta a constitucionalidade da cobrança de ICMS nas operações referidas, visto que o conceito de estabelecimento até então caracterizado sofre profundas alterações, tratando-se de empresas que veiculam suas atividades no ambiente da internet. Na defesa apresentada pelo estado de Mato Grosso do Sul na ADI 4.713, em trâmite no STF, foi dito:

Para empresas que atuam conectadas à rede mundial de computadores, o estabelecimento passa a ser muito mais que uma realidade física ou jurídica. Seu estabelecimento é uma realidade, sobretudo, virtual.

Realidade virtual significa dizer que um estabelecimento dessa natureza é capaz de funcionar de forma autônoma em qualquer lugar do País e até do mundo por meio de um computador que a ele esteja conectado. Cada uma das pessoas que o acessa tem condições de realizar operações, usufruindo de ferramentas disponibilizadas.

Reiterando, nas operações de venda não presencial constata-se a existência de estabelecimento virtual com sede no município destinatário das mercadorias, com base no artigo 11, I, a, da Lei Complementar Federal no 87, de 13 de setembro de 1996, que diz:

Art. 11. O local da operação ou da prestação, para os efeitos da cobrança do imposto e definição do estabelecimento responsável, é:

I – tratando-se de mercadoria ou bem:

a) o do estabelecimento onde se encontre, no momento da ocorrência do fato gerador; (BRASIL, 1996).

Desta feita, o estabelecimento não corresponde a um lugar físico, mas a um ambiente virtual, na qual a sociedade empresária se “teletransporta” para o computador de todas as pessoas que o estejam acessando de um determinado lugar.

O desembargador Vladimir Abreu da Silva, do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, ao se pronunciar sobre o tema no Mandado de Segurança 2012.015705-2/0000-00 – Campo Grande, julgado em 8 de agosto de 2012, em especial sobre o sujeito passivo e o fato gerador do ICMS no caso analisado, dispôs:

No caso, o fato gerador ocorre no local do Estado Consumidor, também denominado de Estado de Destino, pois a circulação da mercadoria ocorre no local onde foi feita a operação, mesmo que tenha sido de modo virtual, como no caso vertente, onde foram feitas através de “e-comércio”.

Logo, ao contrário do que afirma a impetrante, o sujeito passivo da obrigação tributária é a empresa que vende ao consumidor final as mercadorias por eles adquiridas através de showroom, internet e telemarketing e, o local do fato gerador é o local em que tenha sido efetuada a operação. (MATO GROSSO DO SUL, 2012).

O estabelecimento comercial, restruturado em seu conceito para se adequar à realidade atual, é que comparece virtualmente perante o comprador, por meio da rede mundial de computadores, sendo capaz de funcionar de forma autônoma em qualquer computador ou celular conectado à internet.

Em continuidade, não houve bitributação ou nova incidência do ICMS, pois há uma nova realidade fática tributável, que vem até a casa do consumidor, aperfeiçoando-se a operação no estado de destino da mercadoria ou bem, em face da mobilidade do estabelecimento comercial, razão pela qual pode situar-se em vários lugares ao mesmo tempo para fins de tributação.

O segundo argumento se insere na definição de mutação constitucional, que se aplica ao caso em discussão. Para Uadi Lammêgo Bulos, citado por Pedro Lenza:

Mutação constitucional é o processo informal de mudança da constituição, por meio do qual são atribuídos novos sentidos, conteúdos até então não ressaltados à letra da Constituição, quer através da interpretação, em suas diversas modalidades e métodos, quer por intermédio da construção (construction), bem como dos usos e dos costumes constitucionais. (LENZA, 2007, p.110).

O fenômeno da mutação origina-se em virtude de uma evolução na situação de fato sobre o qual incide a norma. Isso faz com que a Constituição mude sem que seu texto se modifique.

O Ministro do Supremo Tribunal Federal Celso Mello, no Habeas Corpus no 90.450/MG, manejado em face do Presidente do Superior Tribunal de Justiça, na qual tratava da infidelidade depositária e prisão civil, julgado em 6 de fevereiro de 2009, discorreu acerca da contemporaneidade da Constituição. Disse:

Na realidade, a interpretação judicial, ao conferir sentido de contemporaneidade à Constituição, nesta vislumbra um documento vivo a ser permanentemente atualizado, em ordem a viabilizar a adaptação do “corpus” constitucional às novas situações sociais, econômicas, jurídicas, políticas e culturais surgidas em um dado momento histórico, para que, mediante esse processo de “aggiornamento”, o estatuto fundamental não se desqualifique em sua autoridade normativa, não permaneça vinculado a superadas concepções do passado, nem seja impulsionado, cegamento, pelas forças do seu tempo. (BRASIL, 2009)

O Ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal Carlos Ayres Britto, em debate quando da análise da medida cautelar na ADI 4.705[8], novamente trata da mesma matéria e se assemelha às ADI 4.885, 4.713 e a 4.628, que trata do tema em destaque do presente trabalho, ressaltou que se trata de “mutação constitucional por alteração do quadro factual, cultural, do País”. (BRASIL, 2012).

Nesse ínterim, em se tratando de comércio eletrônico, o texto constitucional, baseado numa interpretação teleológica, deve ser interpretado a fim de perpetuar as premissas irretocáveis lá descritas, como a repartição tributária e o desenvolvimento igualitário de todos os entes da federação. Portanto, a cobrança de ICMS pelo estado de destino é constitucional.

O terceiro argumento traz à baila um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, previsto no artigo 3o, III da Constituição Federal, que é reduzir as desigualdades sociais.

Atualmente, o cenário socioeconômico mostra que aa regiões Sul e Sudeste domina as atividades produtivas do país. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) demonstram que os estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul detém quase 70% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil. (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2012).

Conforme dados disponibilizados pelo CONFAZ, levando em consideração a balança comercial dos produtos negociados entre os estados, tendo por base vendas a quem não é contribuinte do imposto, o estado do Ceará teve um déficit com a arrecadação de ICMS no comércio eletrônico de R$15 milhões, apenas nos primeiros meses de 2012, podendo chegar a R$90 milhões no final do ano. (DÉFICIT…, 2012).

Note-se que tais estados formam as regiões Sul e Sudeste, com exceção do Espírito Santo, e são os únicos que não aderiram o Protocolo ICMS no 21. Isso demonstra a concentração industrial que há nesses estados, em especial São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.

Além do poderio econômico e industrial presente nessas regiões, os estados menos desenvolvidos, caso não formulassem o protocolo, deixariam de arrecadar quantias de suma importância para a tentativa de diminuir as discrepâncias regionais.

O protocolo trouxe a justiça fiscal, em forte compasso com o princípio constitucional da partilha do ICMS. Tal ato normativo surgiu para diminuir as desigualdades entre os estados, vez que toda a tributação do ICMS oriunda das transações comerciais por meio da internet era recolhida pela unidade federativa da origem, onde se situam as grandes empresas do mercado virtual.

A norma do artigo 170, VII, da Constituição, estabelece o princípio da redução das desigualdades regionais e sociais. Com a medida elaborada pelos estados, o comércio fortalece, gerando mais emprego e renda, evitando o fechamento de empresas.

Da mesma banda o artigo 173, §4º, da Constituição Federal, na qual afirma que a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.

O quarto argumento situa-se na não infringência ao princípio da não discriminação e da vedação a liberdade de tráfego, artigo 152 e 150, V, da Constituição, respectivamente. Em primeiro, repise-se as colocações enumeradas acima que sustentam a necessidade de arrecadação do ICMS por todos os estados, a fim de que se diminuam as desigualdades sociais.

Logo, tratando de comércio eletrônico, cujas regras não foram previstas pela legislação constitucional e nem pela infraconstitucional, precipuamente a Lei Kandir (Lei Complementar no 87 de 1996), não se discrimina ou limita o tráfego de mercadorias, mas apenas regula a tributação interestadual, por meio de regras uniformes para todos os estados, com fulcro na justiça fiscal federativa.

O quinto argumento está na insubsistência da alegação de ofensa ao princípio da livre concorrência, previsto no artigo 170, IV, parágrafo único, da Constituição Federal de 1988.

Com o advento do comércio eletrônico, como já mencionado, a tributação do ICMS fica toda com o estado de origem da mercadoria ou bem, ao passo que cria uma injusto desequilíbrio no sistema tributário e na repartição de receitas provenientes do referido imposto.

Desse modo, o Protocolo e os decretos estaduais posteriores em nada contrariam a livre concorrência, pois tem como objetivo primordial a preservação da partilha de receitas tributárias do ICMS nas operações interestaduais.

Por último, também não ofendem o artigo 146, I, da Carta da República, tendo em conta que não há conflito de competências entre estados ou entre estados e União. Ainda, não há que se falar em edição de lei complementar, visto que o protocolo não invade o campo de atuação reguladora das normas gerais de direito tributário, que são reservadas à lei complementar.

 

3.3 Posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal em liminar

Já informado, inúmeras ações foram manejadas perante o STF com o fito de discutir a inconstitucionalidade da cobrança de ICMS sobre operações interestaduais, bem como do Protocolo ICMS no 21 e dos decretos e leis estaduais subsequentes.

O Pretório Excelso já se pronunciou, em primeiro, na ADI 4.565[9] proveniente do estado do Piauí. O Relator Ministro Joaquim Barbosa desenvolveu o tema comparando a partilha tributária com o famigerado caso norte-americano Quill v. North Dakota, concernente às vendas por catálogo postal.

Após, mencionando o critério híbrido adotado pelo constituinte originário, nos termos do artigo 155, VII da Constituição, especificou sobre o procedimento aplicação das alíquotas interestaduais da seguinte forma:

a) Operações interestaduais cuja mercadoria é destinada a consumidor final contribuinte do imposto: o estado de origem aplica a alíquota interestadual, e o estado de destino aplica a diferença entre a alíquota interna e a alíquota interestadual. Há, portanto, tributação concomitante, ou “partilha simultânea do tributo”. Quer dizer, ambos os estados cobram o tributo, nas proporções já indicadas;

b) Operações interestaduais cuja mercadoria é destinada a consumidor final não-contribuinte: apenas o estado de origem cobra o tributo, com a aplicação da alíquota interna;

c) Operações interestaduais cuja mercadoria é destinada a quem não é consumidor final: apenas o estado de origem cobra o tributo, com a aplicação da alíquota interestadual;

d) Se a operação envolver combustíveis e lubrificantes, há inversão: a competência para cobrança é do estado de destino da mercadoria, e não do estado de origem. (BRASIL, 2011).

 Apesar de compreender a diferença abissal entre as diversas regiões do país, o relator entendeu que a alteração pretendida depende de reforma tributária, que não pode ser realizada individualmente por cada ente político da Federação.

Também observou que o texto impugnado, uma lei estadual do estado do Piauí baseada no Protocolo ICMS no 21, fixa alíquota interestadual que é de competência do Senado Federal por meio de resolução, com base no artigo 155, §2o, IV, da Constituição.

O Ministro Luiz Fux seguiu a linha adotada pelo relator, apenas acrescentando, em termos claros, tratar-se de bitributação no estado de origem e destino, o que poderia ocasionar uma guerra fiscal. Desse modo, fora concedida medida cautelar para suspender a eficácia da Lei 6.041/2010, do estado do Piauí.

Do mesma forma, na ADI 4.705, também sob a relatoria do Ministro Joaquim Barbosa, foi concedida medida cautelar para suspender a eficácia da Lei 9.582/2011, do estado da Paraíba. Os argumentos foram os mesmos, sendo ressaltado como uma preocupação a ser enfrentada pelo tribunal a questão da guerra fiscal.

Finalmente, insta ressaltar que no debate realizado no julgamento da medida cautelar na ADI 4.705, o Ministro Luiz Fux inferiu:

Essas liminares, nas ações de declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, muito embora elas sejam de caráter urgente, elas não são, necessariamente, cautelares; na verdade, elas são satisfativas, elas antecipam uma definição jurídica final de mérito e que, dificilmente – como disse o Ministro Gilmar Mendes -, será modificado. (BRASIL, 2012).

Portanto, o Supremo Tribunal Federal, ao analisar o mérito de alguma ADI, deve se manter em uníssono a favor a inconstitucionalidade do protocolo do CONFAZ e dos decretos e leis estaduais que tratam do tema, repisando que a Corte Suprema já admitiu repercussão geral no Recurso Extraordinário 680.089.

 

4. CONCLUSÃO

A presente pesquisa teve como objetivo aprofundar a discussão acerca da inconstitucionalidade da cobrança de ICMS pelos estados signatários do Protocolo ICMS no 21 do CONFAZ, porquanto, por envolverem todos os estados e o Distrito Federal, assume um grande risco ao pacto federativo e a harmonia entre as unidades federadas.

O julgamento de medida cautelar pelo Supremo Tribunal Federal sinalizou já o entendimento que se deve manter nas decisões de mérito, entendendo pela inconstitucionalidade da exação.

Mesmo assim, esse novo capítulo da guerra fiscal ainda não estará finalizado. Apesar das medidas tomadas pelos estados menos desenvolvidos com vistas à proteção de sua receita, o que torna o país mais igualitário em função da distribuição mais uniforme dos recursos, o ato jurídico-normativo está eivado de inconstitucionalidade, porquanto não pode um estado-membro instituir reforma tributária nesses moldes.

Com efeito, não podem um ou vários estados legislarem e irem de encontro à Constituição Federal. Logo, é necessária a intervenção do Poder Legislativo para dirimir esse conflito, uma vez que também se trata de autêntica briga de estados, que põe em risco também a economia do país.

A disputa por maior arrecadação envolve o imposto de maior geração de renda e o grande alicerce dos estados para manterem suas atividades. A redistribuição do ICMS é medida de justiça fiscal e deve atender às necessidades das regiões, cujo desenvolvimento econômico está abaixo das outras, com o intuito de atender os princípios norteadores da República Federativa do Brasil.

 

REFERÊNCIAS

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NOTAS DE FIM


[1]Advogado, Pós-Graduando pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Direito Tributário e Direito Constitucional. Rua Sabino José da Costa, 1402, São Jorge, Três Lagoas – MS. CEP: 79645-320  lucasmolinaadv@uol.com.br . 

[2] Relator Luiz Fux. Ainda não julgada.

[3] Relator Luiz Fux. Ainda não julgada.

[4] Relator Celso de Mello. Julgada em 20/04/2006.

[5] Relator Gilmar Mendes. Julgada em 09/11/2007.

[6] Relator Celso de Mello. Julgada em 08/09/1995.

[7] Relator Marco Aurélio. Ainda não julgada.

[8] Relator Joaquim Barbosa. Medida liminar concedida em 19/06/2012.

[9] Relator Joaquim Barbosa. Medida liminar concedida em 29/06/2011.