Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva

Lívia Mendes Moreira Miraglia[1]
Daniela Lage Mejia Zapata[2]

 

Resumo: O objetivo do presente artigo é avaliar as relações de trabalho na contemporaneidade, tendo como foco a análise do elemento da subordinação jurídica no contrato de trabalho. Realiza-se um estudo do conceito de relação de trabalho, distinguindo-a da relação empregatícia, por meio da análise do elemento da subordinação jurídica. Para tanto, faz-se necessário proceder à uma breve incursão histórica do conceito de subordinação, a fim de contextualizá-lo no cenário trabalhista brasileiro atual. Por fim, analisa-se a nova redação do artigo 6º da CLT que amplia o sentido de subordinação jurídica, de modo a atrair para o campo de proteção do Direito do Trabalho um numero maior de trabalhadores hipossuficientes.

Palavras chave: Direito do Trabalho – subordinação jurídica – artigo 6º da CLT

Área de interesse: Direito do Trabalho

 

  1. Introdução

A expressão “relação de trabalho” diz respeito a todo e qualquer trabalho prestado, com ou sem vínculo empregatício, por pessoa física a um tomador do seu serviço. Tem sentido amplo, abarcando toda obrigação de fazer que tenha como conteúdo a prestação de labor humano.

Já a relação de emprego pode ser identificada por cinco elementos fático-jurídicos como ensina Maurício Godinho Delgado[3] (ou pressupostos como leciona Paulo Emílio Ribeiro de Vilhena[4]). São eles: trabalho prestado por pessoa física, com onerosidade, não-eventualidade (ou habitualidade), pessoalidade e subordinação.

É essa a relação tutelada pelo Direito do Trabalho, de modo que às demais relações de trabalho só se aplicam as normas trabalhistas quando houver expressa determinação legal. É o que ocorre, por exemplo, com o trabalhador avulso que, embora não seja empregado será protegido pelo Direito do Trabalho, haja vista que o inciso XXXIV do art. 7º da CF/88 estabelece a igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso.

  1. Caracterização da relação de emprego: arts. 2º e 3º CLT

Nos termos do texto celetista:

Art. 2º – Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.

Art. 3º – Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.

Sendo assim, pode-se afirmar que empregado é a pessoa física que presta serviços de natureza não eventual a empregador mediante salário, com pessoalidade e subordinação jurídica.

O parágrafo único do art. 3º da CLT determina que não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à condição de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual, basicamente repetindo o texto do art. 7º, XXXII da CF/88.

Também não permite a distinção entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador e o executado no domicílio do empregado, desde que esteja caracterizada a relação de emprego (art. 6º CLT). Assim, trabalho a domicílio não é objeto de um contrato especial, sendo-lhe deferido todos os direitos trabalhistas se caracterizada a relação empregatícia.

Segundo Magano, há espécie de aquiescência tácita que o trabalhador possa contar com algum auxílio. Na Itália, o ordenamento jurídico do trabalhador em domicílio expressamente prevê essa possibilidade. Nesse sentido, a jurisprudência pátria já vem flexibilizando o sentido da pessoalidade no trabalho a domicílio, sem que isso importe em descaracterização do vínculo.

Ementa: Trabalho no domícilio do contratado. Pessoalidade. O auxílio por parte de pessoas da família do empregado que labora em sua própria residência, nos moldes do art. 6º da CLT, desde que seus dependentes, não afasta a pessoalidade exigida para o reconhecimento do vínculo empregatício. (TRT 2ª R – 3ª T – RO 02920071917 – Rel. Juiz  Décio Sebastião Dadone – DOE 14.12.93).

Saliente-se que é imprescindível a configuração dos cinco elementos para a caracterização da relação de emprego.

A novel redação do art. 6º da CLT determina que:

Art. 6o Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego. 

Parágrafo único.  Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio.

            Assim, pergunta-se: quais são as modificações impostas pela Lei 12.551 de 2011? A a finalidade do legislador ao incluir o paragrafo único no dispositivo celetista foi adequar à legislação trabalhista à realidade social vigente? Ou pretendeu ir além disso, permitindo o elastecimento do próprio conceito de jornada?

Para que se possa responder à essas indagações, procedendo à uma análise das modificações impostas pela Lei 12.551 de 2011, é imprescindível, primeiro, avaliar o conceito de subordinação jurídica na legislação trabalhista.

2.1.  Subordinação: art. 3º CLT 

É a pedra de toque da relação de emprego, o seu elemento mais importante. Sendo assim, cumpre debruçar-se de forma mais aprofundada sobre esse requisito.

Estabelece a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) que é empregado “toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário” (art. 3º)[5].

Todavia, a CLT não define o que seja dependência – conceito denominado pela doutrina de “subordinação jurídica”. Ainda que a doutrina forneça os instrumentais necessários à definição da relação de emprego, identificando e precisando cada um de seus elementos fático-jurídicos, caberá ao intérprete, diante de cada caso concreto, verificar a existência ou não da relação empregatícia.

Nesse quadro, é necessário apresentar uma breve análise da evolução do conceito de subordinação, a fim de determinar qual a posição atual da doutrina e da jurisprudência acerca deste elemento tão importante.

Registre-se, por oportuno, que uma das principais funções do Direito do Trabalho é servir de mola propulsora ao desenvolvimento social e econômico, abarcando em sua rede protetora o maior número possível de trabalhadores, de acordo com a realidade vivenciada em cada época. Por essa razão, inclusive, é que o conceito de subordinação jurídica sofreu modificações ao longo do tempo histórico e deve ser permanentemente adequado e reavaliado[6].

O Direito do Trabalho nasceu da necessidade de se regulamentar o conflito entre o capital e o trabalho. É resultado do modo de ser do sistema capitalista de produção (VIANA, 2000). Fruto dos anseios e das lutas dos trabalhadores marginalizados pela sociedade industrial, surgiu nos idos do século XIX (DELGADO, 2011).

Nessa esteira, só é possível falar-se em Direito do Trabalho com o advento da Revolução Industrial, momento em que se estruturou a relação jurídica basilar do sistema capitalista de produção: a relação de emprego, cujo elemento central é a subordinação jurídica.

Naquela época, a subordinação era considerada em seu aspecto subjetivo, de modo que apenas se falava em relação de emprego se observada a presença de controle e ordens diretas do empregador para o empregado.

No século XX, avançou-se para o conceito de subordinação objetiva, identificando-se o empregado como aquele que tem participação integrativa na atividade do credor do trabalho. Ou seja, a perspectiva passou a ser vista pela atividade do trabalho e não pela pessoa do trabalhador. Tal fase coincidiu, não por acaso, com os anos de ouro do capitalismo moderno, consolidado no paradigma do Estado de Bem Estar Social (VILHENA, 2005).

Todavia, a partir da década de 1970 rompeu-se com o ideal expansionista e progressista característico do Estado Social. A crise inaugurada pela alta do preço do barril do petróleo e disseminada pela ausência de respostas rápidas e eficientes do Estado Providência, levou à vitória, em parte dos países capitalistas centrais, de lideranças políticas que pugnavam pelo retorno, sob novas premissas, do modelo liberal e pela destituição das redes de proteção até então vigentes.

Ao final da década de 1980 e início dos anos noventa, os resultados da ideologia emergente no sentido de desconstrução do Direito do Trabalho fizeram-se sentir no Brasil, fase que coincidiu exatamente com o período em que o país procurava consolidar o ideal de um Estado Democrático de Direito.

O conceito de relação de emprego foi reduzido: na contramão do que vinha acontecendo, com a adaptação de seus pressupostos essenciais às necessidades sociais e à consolidação da subordinação objetiva, houve uma readequação restritiva de seu conceito, com o reforço da matriz subjetiva.

Fato é que a restrição do conceito de subordinação jurídica ocasionou a expulsão de milhares de trabalhadores (que antes eram considerados empregados, pela matriz objetiva), para a posição de “cooperados”, “terceirizados”, “autônomos”, entre outras figuras não protegidas tradicionalmente pela legislação trabalhista.

Ou seja, o movimento de expansão do Direito do Trabalho se estagnou por meio do aparecimento das novas formas de relações de trabalho que não se enquadravam no conceito clássico de “relação de emprego” e que, portanto, não estariam abarcadas pelo manto de proteção trabalhista.

Assim, o conceito que ainda hoje predomina é o de subordinação jurídica, em seu sentido clássico.

Sobre esse conceito, define Mauricio Godinho Delgado (2006, p. 163):

(…) a situação jurídica, derivada do contrato de emprego, em decorrência da qual o trabalhador acata a direção laborativa proveniente do empregador. É uma situação jurídica que se expressa por meio de certa intensidade de ordens oriundas do poder diretivo empresarial, dirigidas ao empregado.

 É de se ver que prepondera o entendimento de que a subordinação jurídica caracteriza-se pelo poder que o empregador tem de determinar, por meio da intensidade de suas ordens, o modo da prestação de serviços a que se submete o obreiro.

Segundo Evaristo de Moraes Filho (2000, p. 242), a subordinação jurídica é o

(…) direito completamente geral de superintender a atividade de outrem, de interrompê-la à vontade, de lhes fixar limites, sem que para isso seja necessário controlar continuamente o valor técnico dos trabalhos efetuados. Direção e fiscalização, tais são então os dois pólos da subordinação jurídica.

            Alice Monteiro de Barros defende que para a caracterização da subordinação jurídica não é necessário que os poderes de comando e de vigilância do empregador sejam constantes. Basta que se verifique “a possibilidade de o empregador dar ordens, comandar, dirigir e fiscalizar a atividade do empregado”. Desse modo, a autora afirma que “nem sempre a subordinação jurídica se manifesta pela submissão a horário ou pelo controle direto do cumprimento de ordens” (2007, p. 260).

Ou seja, o que se percebe atualmente é a preponderância da utilização da concepção clássica de subordinação jurídica em detrimento da matriz objetiva.

Todavia, observa-se atualmente o surgimento de novas acepções para a subordinação jurídica, no sentido de preservar a finalidade teleológica do ramo justrabalhista revisitando e redefinindo o conceito de seu elemento basilar à realidade sócio jurídica moderna.

Nesse diapasão, Paulo Emílio Ribeiro de Vilhena assevera que a subordinação “é um desprendimento de fundo histórico e corresponde ao pensamento jurídico dominante no modo de equacionar as forças jurídicas conflituais de uma época” (2005, p. 512-513).

Em outras palavras, cabe ao intérprete adequar o conteúdo jurídico dos conceitos da relação de emprego de acordo com a situação histórica vigente, haja vista que o Direito deve ser reflexo dos anseios e objetivos de uma determinada sociedade em um dado momento histórico.

Sendo assim, Paulo Emílio Ribeiro de Vilhena defende a superação da acepção subjetivista da subordinação jurídica (cujo traço marcante é a condição de dependência), em favor da dimensão objetiva, de modo a se definir a subordinação “como a participação integrativa da atividade do trabalhador na atividade do credor de trabalho” (2005, p. 526).

No entanto, é de se destacar que a conceituação objetiva do elemento da subordinação jurídica também não se afigura satisfatória para a regulamentação do mundo trabalhista atual, pois “tende a enquadrar como subordinadas situações fático-jurídicas eminentemente autônomas” (DELGADO, Maurício, 2006, p 164).

Alice Monteiro de Barros alerta para o fato de que a “subordinação objetiva não vem sendo admitida como critério autônomo para definir a existência de um contrato de trabalho”. Conclui que “a par da participação integrativa do trabalhador na atividade empresarial ele deverá estar sujeito ao poder diretivo e disciplinar conferido ao empregador” (2007, p. 261-262).

Nessa esteira, Maurício Godinho Delgado propõe a readequação do conceito clássico de subordinação jurídica, mediante a atenuação do “enfoque sobre o comando empresarial direto, acentuando, como ponto de destaque, a inserção estrutural do obreiro na dinâmica do tomador de seus serviços” (2006, p. 164).

Assim, elege a subordinação estrutural, definindo-a como “a que se manifesta pela inserção do trabalhador na dinâmica do tomador de seus serviços, independentemente de receber (ou não) suas ordens diretas, mas acolhendo, estruturalmente, sua dinâmica de organização e funcionamento” (2006, p. 164).

Continua o autor (2006, p. 164), dissertando que:

A idéia de subordinação estrutural supera as dificuldades de enquadramento de situações fáticas que o conceito clássico de subordinação tem demonstrado, dificuldades que se exacerbam em face, especialmente, do fenômeno contemporâneo da terceirização trabalhista. Nesta medida ela viabiliza não apenas alargar o campo de incidência do Direito do Trabalho, como também  conferir resposta  normativa  eficaz  a alguns de seus mais recentes instrumentos desestabilizadores –  em  especial a terceirização.

Em artigo mais recente, Maurício Godinho Delgado (2010, p. 28) desenvolve e aprofunda a noção da subordinação estrutural, ao afirmar que

Na essência, é trabalhador subordinado não só o humilde e tradicional obreiro que se submete à intensa pletora de ordens do tomador ao longo de sua prestação de serviços (subordinação clássica), como também aquele que realiza, ainda que sem incessantes ordens diretas, no plano manual ou intelectual, os objetivos empresariais (subordinação objetiva), a par do prestador laborativo que, sem receber ordens diretas das chefias do tomador de serviços, nem exatamente realizar os objetivos do empreendimento (atividades-meio, por exemplo), acopla-se, estruturalmente, à organização e dinâmica operacional da empresa tomadora, qualquer que seja sua função ou especialização, incorporando, necessariamente, a cultura cotidiana empresarial ao longo da prestação de serviços realizada (subordinação estrutural).

               Embora ainda prevaleça, na doutrina e na jurisprudência, a concepção clássica de “subordinação direta”[7] – exercício do poder de direção do empregador sobre o trabalhador –, compreende-se que o conceito de “subordinação estrutural” deve prevalecer devido a sua abrangência, atualidade e adequação aos princípios constitucionais e à finalidade teleológica do Direito do Trabalho.

Nessa linha de entendimento, já se observam alguns julgados, como os abaixos colacionados:

EMENTA: TERCEIRIZAÇÃO E SUBORDINAÇÃO ESTRUTURAL – No exercício da função de instalador/emendador de cabos telefônicos, o autor exercia função perfeita e essencialmente inserida nas atividades empresariais da companhia telefônica. E uma vez inserido nesse contexto essencial da atividade produtiva da empresa pós-industrial e flexível, não há mais necessidade de ordem direta do empregador, que passa a ordenar apenas a produção. Nesse ambiente pós-grande indústria, cabe ao trabalhador ali inserido habitualmente apenas “colaborar”. A nova organização do trabalho, pelo sistema da acumulação flexível, imprime uma espécie de cooperação competitiva entre os trabalhadores que prescinde do sistema de hierarquia clássica. Em certa medida, desloca-se a concorrência do campo do capital, para introjetá-la no seio da esfera do trabalho, pois a própria equipe de trabalhadores se encarrega de cobrar, uns dos outros, o aumento da produtividade do grupo; processa-se uma espécie de sub-rogação horizontal do comando empregatício. A subordinação jurídica tradicional foi desenhada para a realidade da produção fordista e taylorista, fortemente hierarquizada e segmentada. Nela prevalecia o binômio ordem-subordinação. Já no sistema ohnista, de gestão flexível, prevalece o binômio colaboração-dependência, mais compatível com uma concepção estruturalista da subordinação. Nessa ordem de idéias, é irrelevante a discussão acerca da ilicitude ou não da terceirização, como também a respeito do disposto no art. 94, II da Lei 9.472/97, pois no contexto fático em que se examina o presente caso, ressume da prova a subordinação do reclamante-trabalhador ao empreendimento de telecomunicação, empreendimento esse que tem como beneficiário final do excedente do trabalho humano a companhia telefônica. Vale lembrar que na feliz e contemporânea conceituação da CLT – artigo 2º, caput – o empregador típico é a empresa e não um ente determinado dotado de personalidade jurídica.  A relação de emprego exsurge da realidade econômica da empresa e do empreendimento, mas se aperfeiçoa em função da entidade final beneficiária das atividades empresariais. (TRT/MG – RO 00059-2007-011-03-00-0 – 1ª Turma – Relator: Juiz Convocado José Eduardo R. C. Júnior – J. 03/08/2007. Grifos nossos).

EMENTA: SUBORDINAÇÃO ESTRUTURAL, INTEGRATIVA OU RETICULAR – OU SIMPLESMENTE SUBORDINAÇÃO. CARACTERIZAÇÃO. A subordinação como um dos elementos fático-jurídicos da relação empregatícia é, simultaneamente, um estado e uma relação. Subordinação é a sujeição, é a dependência que alguém se encontra frente a outrem. Estar subordinado é dizer que uma pessoa física se encontra sob ordens, que podem ser explícitas ou implícitas, rígidas ou maleáveis, constantes ou esporádicas, em ato ou em potência. Na sociedade pós-moderna, vale dizer, na sociedade info-info (expressão do grande Chiarelli), baseada na informação e na informática, a subordinação não é mais a mesma de tempos atrás. Do plano subjetivo – corpo a corpo ou boca/ouvido- típica do taylorismo/fordismo, ela passou para a esfera objetiva, projetada e derramada sobre o núcleo empresarial. A empresa moderna livrou-se da sua represa; nem tanto das suas presas. Mudaram-se os métodos, não a sujeição, que trespassa o próprio trabalho, nem tanto no seu modo de fazer, mas no seu resultado. O controle deixou de ser realizado diretamente por ela ou por prepostos. Passou a ser exercido pelas suas sombras; pelas suas sobras – em células de produção. A subordinação objetiva aproxima-se muito da não eventualidade: não importa a expressão temporal nem a exteriorização dos comandos. No fundo e em essência, o que vale mesmo é a inserção objetiva do trabalhador no núcleo, no foco, na essência da atividade empresarial. Nesse aspecto, diria até que para a identificação da subordinação se agregou uma novidade: núcleo produtivo, isto é, atividade matricial da empresa, que Godinho denominou de subordinação estrutural. A empresa moderna, por assim dizer, se subdivide em atividades centrais e periféricas. Nisso ela copia a própria sociedade pós-moderna, de quem é, simultaneamente, mãe e filha. Nesta virada de século, tudo tem um núcleo e uma periferia: cidadãos que estão no núcleo e que estão na periferia. Cidadãos incluídos e excluídos. Trabalhadores contratados diretamente e terceirizados. Sob essa ótica de inserção objetiva, que se me afigura alargante (não alarmante), eis que amplia o conceito clássico da subordinação, o alimpamento dos pressupostos do contrato de emprego torna fácil a identificação do tipo justrabalhista. Com ou sem as marcas, as marchas e as manchas do comando tradicional, os trabalhadores inseridos na estrutura nuclear de produção são empregados. Na zona grise, em meio ao fogo jurídico, que cerca os casos limítrofes, esse critério permite uma interpretação teleológica desaguadora na configuração do vínculo empregatício. Entendimento contrário, data venia, permite que a empresa deixe de atender a sua função social, passando, em algumas situações, a ser uma empresa fantasma – atinge seus objetivos sem empregados. Da mesma forma que o tempo não apaga as características da não eventualidade; a ausência de comandos não esconde a dependência, ou, se se quiser, a subordinação, que, modernamente, face à empresa flexível, adquire, paralelamente, cada dia mais, os contornos mistos da clássica dependência econômica. (TRT/MG – RO 00942-2008-109-03-00-2 – 4ª Turma – Relator: Des. Luiz Otávio Linhares Renault – J. 13/12/2008)

            O Tribunal Superior do Trabalho (TST) também possui julgados nesse sentido:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. RECONHECIMENTO DO VÍNCULO EMPREGATÍCIO. MATÉRIA FÁTICA. SÚMULA 126/TST. Tratando-se a trabalhadora de profissional com presença imperativa no cotidiano da entidade reclamada (farmacêutica), laborando com os elementos da relação empregatícia (pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e subordinação), por vários anos, cabe o reconhecimento do vínculo determinado na origem. Esclareça-se que o elemento da subordinação não precisa ser aferido apenas a partir de sua dimensão clássica (intensidade de ordens), podendo também ser apreendido, segundo a peculiaridade da relação fática vivenciada, em conformidade com sua dimensão objetiva (nexo entre a função e os objetivos empresariais) ou, até mesmo, a partir de sua dimensão estrutural (integração significativa obreira na organização e dinâmica do empreendimento do tomador de serviços). Atentando o julgador de origem para -o conceito amplo da subordinação jurídica-, apreendeu, para a análise do caso concreto, todas as dimensões do pressuposto fático-jurídico, fazendo-o incidir sobre a situação real trazida no processo.De todo modo, torna-se inviável, em recurso de revista, reexaminar o conjunto probatório fora do acórdão, para se chegar a conclusão distinta (Súmula 126, TST). Agravo de instrumento desprovido. (AIRR – 131440-96.2008.5.03.0013 Data de Julgamento: 07/12/2010, Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 17/12/2010. Grifos nossos).

RECURSO DE REVISTA. 1. VÍNCULO DE EMPREGO. EMPRESA DE TELECOMUNICAÇÃO. TERCEIRIZAÇÃO DE ATIVIDADE-FIM. 1.1. “Serviço de telecomunicações é o conjunto de atividades que possibilita a oferta de telecomunicações”, por intermédio de “transmissão, emissão ou recepção, por fio, radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza” (art. 60, “caput” e § 1º, da Lei nº 9.472/97). 1.2. O §1º do art. 25 da Lei nº 8.987/95, bem como o inciso II do art. 94 da Lei nº 9.472/97 autorizam as empresas de telecomunicações a terceirizar as atividades-meio, não se enquadrando em tal categoria os atendentes aos usuários de telefonia fixa, eis que aproveitados em atividade essencial para o funcionamento das empresas. 1.3. Rememore-se que o conceito de subordinação deve ser examinado à luz da inserção do trabalhador na dinâmica do tomador de serviços, configurando a denominada subordinação estrutural, teoria que se adianta como solução para os casos em que o conceito clássico de subordinação se apresenta inócuo. 2. ENQUADRAMENTO SINDICAL. NORMAS COLETIVAS APLICADAS. DIFERENÇAS SALARIAIS. Não evidenciando o Regional que a reclamante se enquadra em categoria diferenciada, não há como se vislumbrar as ofensas legais manejadas. Recurso de revista não conhecido. (RR – 44100-13.2009.5.03.0003. Data de Julgamento: 23/06/2010. Ministro: Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, 3ª Turma, Data de Publicação: 13/08/2010. Grifos nossos).   

            Na mesma direção, Marcus Mendes e José Eduardo Chaves Júnior propõem a reformulação do conceito clássico de subordinação jurídica, a partir da idéia de “subordinação estrutural-reticular”. Desse modo, articulam a noção de subordinação estrutural proposta por Maurício Godinho Delgado, com a feição reticular da reorganização produtiva, mitigando, sem desprezar, a idéia de atividade preponderante do empregador (MENDES; JÚNIOR, 2007).

Ainda em consonância com a idéia de readequação do conceito de subordinação jurídica, Lorena Vasconcelos Porto (2008, p. 26) desenvolve a concepção de “subordinação integrativa”, nos seguintes termos:

(…) presente quando a prestação de trabalho integra as atividades exercidas pelo empregador e o trabalhador não possui uma organização empresarial própria, não assume os riscos de ganhos ou perdas e não é proprietário dos frutos do seu trabalho, que pertencem, originariamente, à organização produtiva alheia para a qual presta a sua atividade.

            O conceito da autora parte da noção de subordinação objetiva, procurando conjugá-la com critérios que excluam a autonomia. Identificada a subordinação objetiva, o intérprete deve proceder à análise dos indícios de caracterização da autonomia que, caso estejam presentes, afasta a existência da relação de emprego (2008, p. 25-26).

Cita como indícios da ausência da autonomia do trabalhador a prestação de serviços para uma organização produtiva alheia; a pertença dos frutos do seu trabalho originariamente ao empregador; a ausência de uma organização empresarial própria, de modo que o trabalhador não assuma os riscos do empreendimento, cabendo-lhes exclusivamente ao tomador (2008, p. 25-26).

Sendo assim, forçoso asseverar que a análise da existência da subordinação jurídica só poderá ser feita diante do caso concreto, avaliando-se as premissas e variáveis dadas.

Em uma aplicação concreta do conceito de subordinação jurídica, colaciona-se julgado a respeito da existência ou não de relação de emprego de um representante comercial, no qual Alice Monteiro de Barros fornece alguns indícios capazes de auxiliar na aferição da presença de subordinação jurídica.  É de se ver:

A doutrina fornece uma classificação capaz de ajudar na aferição da subordinação jurídica, a qual considera a verificação de três espécies de elementos: de certeza (trabalho controlado para a empresa em certo lapso de tempo; comparecimento periódico obrigatório; obediência a método de vendas; fixação de viagens pela empresa; recebimento de instruções sobre aproveitamento da zona de vendas; e obediência a regulamento da empresa); de indício (recebimento de quantia mensal fixa; utilização de material e papel timbrado da empresa; obrigação de produção mínima; recebimento de ajuda de custo; e pessoalidade na prestação); e excludentes (existência de escritório próprio e admissão de auxiliares; substituição constante do representante na prestação dos serviços, pagamento de ISS; registro no Conselho Regional de Representantes Comerciais; e utilização do tempo de forma livre). Demonstrado os elementos de certeza consistentes no trabalho com comparecimento diário a empresa, no estabelecimento prévio de rotas de vendas pela empregadora e revelados, ainda, os indícios da utilização de transporte e material da demandada e da pessoalidade da prestação, sem a existência de qualquer elemento excludente válido, a relação de trabalho verificada se submete à égide do Direito do Trabalho, pois configura vínculo empregatício. (TRT – 3ª R – RO 7789/03 – 2ª T – Rel. Des. Alice Monteiro de Barros).

            Lorena Vasconcelos Porto (2008, p. 26) considera que o método mais racional é “verificar, primeiramente, se a subordinação em sua dimensão clássica faz-se presente” e, apenas em caso negativo, deve-se partir para a análise da presença da subordinação na dimensão integrativa.

Em resumo, conclui-se que presente a subordinação (seja ela clássica, estrutural, integrativa, mitigada, reticular ou derivada da “relación de ajenidad”) configurado estará o vínculo jurídico de emprego.

  1. 3.    O Art. 6º p. ún. CLT (nova redação Lei 12.551/11): 

Cumpre inicialmente ressaltar que até a promulgação referida lei, a CLT previa apenas a hipótese de trabalho à domicílio. A alteração do parágrafo único do art. 6º da CLT introduziu uma nova forma de trabalho: o teletrabalho, de modo que podemos afirmar que o trabalho à distancia é gênero do qual o trabalho a domicílio e o teletrabalho são espécies.

Nesse aspecto, saliente-se que o legislador apenas reconheceu, juridicamente, a existência de figura já devidamente classificada pela doutrina e pela jurisprudência como espécie de trabalho a domicílio.

O trabalho em domicílio pode ser prestado de forma autônoma ou com subordinação, sendo certo que para a configuração desta última a presença da pessoalidade é mitigada.[8]

Paulo Emilio Ribeiro de Vilhena (1975, 251) explica as causas do surgimento do trabalho em domicílio:

As necessidades de mercado e a reformulação do processo produtivo pela grande empresa diluíram a pequena indústria, o atelier autônomo e passaram a vincular, mais intensa e seguidamente, os pequenos produtores domiciliares a certos e determinados fregueses, as empresas de produção massiva. A partir daí, o trabalhador a domicílio passou a competir, em dependência, com o trabalhador comum e com ele passou a integrar a grande categoria dos prestadores de serviços por conta alheia.

No tocante à regulação do trabalho em domicílio, a CLT não estabelece distinção entre o trabalho praticado na empresa e o realizado no domicílio do trabalhador, conforme disposto no art. 6º da legislação trabalhista, sendo oportuna sua transcrição:

Art. 6º. Não se distinguem entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador e o executado no domicílio do empregado, desde que esteja caracterizada a relação de emprego.

Assim, o trabalhador em domicílio pode ser considerado empregado, desde que a subordinação esteja presente. Todavia, o conceito tradicional de subordinação não auxilia no cumprimento da missão de avaliar a presença ou ausência da relação de emprego. Isso se deve à forma de prestação de serviço do trabalhador em domicílio, que realiza seu trabalho fora do estabelecimento do empregador, longe da vigilância de um superior hierárquico e imune do sistema organizativo empresarial no que diz com as conexões de tarefas a serem desempenhadas.

Fica evidente que o conceito de subordinação não pode ficar restrito à verificação de ordens e vigilância por parte do empregador. Ao contrário, deve ser ampliado para adaptá-lo à posição de empregado perante a empresa.

Como resposta ao desafio da configuração da relação empregatícia no trabalho em domicílio, Paulo Emílio Vilhena defende uma abordagem objetiva da subordinação – com enfoque na participação integrativa da atividade do trabalhador na atividade da empresa. Contudo, esta construção teórica da subordinação não se mostra eficaz na tarefa de distinguir o trabalhador que presta seu serviço de forma autônoma do subordinado, pelo fato de que o labor é prestado fora do estabelecimento empresarial.

É a forma como o trabalhador integra na dinâmica de organização e no funcionamento da empresa que construirá o critério mais eficaz e justo para distinguir o trabalho autônomo do trabalho subordinado.

No que concerne ao teletrabalho, essa modalidade especial de trabalho decorrente da evolução dos meios de comunicação, tornou possível a prestação de trabalho fora do escritório ou do centro de produção.

Perone, citado por Otávio Pinto e Silva (2004, p. 123), conceitua o teletrabalho

[…] como uma atividade laboral desenvolvida por conta de um tomador dos serviços, de modo regular e por uma quota consistente do tempo de trabalho, fora do contexto espacial de estabelecimento e portanto fora dos tradicionais poderes hierárquicos e de controle pessoal que o tomador poderia exercitar naquele contexto, uma vez que utilizados meios telemáticos e informáticos.

Para Alice Monteiro de Barros, esta nova forma de trabalho que reúne informação e comunicação, é desenvolvida fora do estabelecimento empresarial, no domicílio do trabalhador sem impossibilitar, contudo, o contato deste com o empregador.

Apesar de ser uma espécie do gênero trabalho à domicílio, com ele não se confunde. No teletrabalho, há a realização de tarefas mais complexas e a utilização de novas tecnologias.

Várias são as vantagens do teletrabalho para o trabalhador elencadas pela doutrina: flexibilidade de horário de trabalho capaz de facilitar a conciliação de atividades profissionais e os encargos familiares; melhora da qualidade de vida do trabalhador; e possibilidade de inserir no mercado de trabalho as donas de casa, os trabalhadores com idade avançada ou com deficiência física.

Lado outro, o teletrabalho também pode apresentar desvantagens: o trabalhador pode se sentir isolado dos demais trabalhadores, o que impossibilitaria a interação profissional bem como a promoção na carreira, dificultando inclusive o exercício do direito de greve.

Em relação à natureza jurídica do vínculo estabelecido entre o trabalhador e o tomador de serviços no teletrabalho, pode-se afirmar que haverá relação empregatícia quando estiverem presentes os elementos descritos na CLT (pessoalidade, continuidade, onerosidade, subordinação).

Insta frisar que o elemento subordinação pode estar presente na aludida relação jurídica ainda que o controle de jornada não exista de forma clássica no teletrabalho, por ser a atividade prestada fora do ambiente empresarial.

a lição de Trindade (2000, p. 15)

A reengenharia do contrato de trabalho prestado fora da empresa implica na impossibilidade de separar a causa e os efeitos dos fatos sociais. As novas formas contratuais contrastam com a estrutura jurídica tradicional, e o trabalho só pode ser comparado à informática jurídica. A interligação de sistemas pré-programados faz com que o negócio se realize não entre pessoas conhecidas, mas entre máquinas e equipamentos, entre preponente e preposto. Por essa razão afirma que em tais circunstâncias o conceito clássico de contrato perde os seus traços predominantes e característicos, o que afasta a possibilidade de aplicação das regras do trabalho subordinado. Por isso, é possível discutir a natureza jurídica do teletrabalho segundo critérios de interpretação do contrato, pois não se pode afirmar que a autonomia é seu traço característico. A subordinação até mesmo se acentua nessa especial forma de trabalho provocando apenas uma alteração na morfologia típica do trabalho subordinado, o que obriga a uma reconstrução do sistema de indícios até então utilizados para desvendar a dependência.

Nesse contexto, pode-se afirmar que a aplicação da tese da subordinação estrutural, nos moldes já apresentados, possibilita a inserção do teletrabalhador na proteção do Direito do Trabalho. Isso porque a flexibilidade de horários, a ausência de ordens diretas e a inexistência de fiscalização e controle, características do teletrabalho, descaracterizam a subordinação se adotada em sua matriz clássica, o que levaria a exclusão do campo de incidência do ordenamento jurídico trabalhista o teletrabalhador.

Nesse sentido, com o intuito de promover a generalização do Direito do Trabalho, a subordinação deve ser examinada sob o prisma da inserção do trabalhador na dinâmica empresarial independentemente do grau de hierarquia existente entre o trabalhador e o tomador de serviços.

De acordo com Maurício Delgado, a nova redação do parágrafo único do art. 6º da CLT incorpora, ainda que implicitamente, “os conceitos de subordinação objetiva e subordinação estrutural, equiparando-os, para os fins de reconhecimento da relação de emprego, à subordinação tradicional (clássica), que se realiza por meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão” (2012, p. 299).

Permite assim, adequar o conceito jurídico de subordinação e, consequentemente de relação de emprego à nova realidade social, relativizando “a utilidade de fórmulas jurídicas restritivas de direitos sociais e fundamentais”, garantindo o caráter modernizante e progressista do Direito do Trabalho (DELGADO, 2012, p. 299).

Carmo (2012) ensina que:

Como a relação de emprego e a garantia de gozo de direitos sociais por parte do trabalhador pressupõe a existência do poder diretivo ou de comando do empregador, nada mais lógico inteligir que nem todo trabalho executado por meios telemáticos ou informatizados será automaticamente classificado como relação de emprego, pois para que este ultimo relacionamento jurídico reste configurado será necessária a presença de todos os requisitos gizados nos artigos 2o e 3o da CLT, dentre eles, principalmente, o exercício do poder de comando do empregador. Assim, se um trabalhador desenvolve atividade por meios telemáticos ou informatizados para uma determinada pessoa, física ou juridica, mas o faz em regime de total autonomia, a lei n. 12.551/2011 não incidirá neste tipo de trabalho.

            Tecendo críticas à nova lei, defende Murilo Oliveira (2012) que houve um recuo no avanço progressista do ramo justrabalhista, na medida em que a lei parece considerar que a subordinação “somente se caracteriza pelos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão”. Assim, entende o autor que:

(…) a lei induz, incorretamente, que antes da sua vigência a ideia de subordinação jurídica era apenas “controle pessoal hierárquico”, o que sequer coaduna com o próprio caput do mesmo artigo sexto. Isto porque a CLT, neste artigo, sempre admitiu a relação de emprego no trabalho a domicílio, quando dificilmente se identifica controle pessoal direto, pois o “capataz” do empregador não permanecerá na residência do trabalhador. Assim, a inovação, tentando ampliar a própria ideia de subordinação, termina por induzir uma definição bastante restrita (controle pessoal e hierárquico) quando a doutrina já vem apresentando conceitos mais amplos de subordinação pautados na “integração do trabalho” sem um forte controle e comando, a exemplo da subordinação objetiva, integrativa, potencial, estrutural e estrutural-reticular. 

Há quem sustente que a nova redação do dispositivo em comento enseja a modificação da Súmula 428 do TST[9] que determina que “o uso de aparelho de intercomunicação, a exemplo de BIP, “pager” ou aparelho celular, pelo empregado, por si só, não caracteriza o regime de sobreaviso, uma vez que o empregado não permanece em sua residência aguardando, a qualquer momento, convocação para o serviço”.

Para tais doutrinadores e juristas, o parágrafo único do art. 6º da CLT permitiria considerar como jornada de trabalho todo o tempo em que o empregado estivesse de posse de instrumentos telemáticos, como computadores, celulares com internet, dentre outros, haja vista que a mera potencialidade de controla-lo importaria em subordinação deste empregado.

Não obstante, cumpre salientar que o tempo de sobreaviso, disciplinado pelo art. 244, compreende o “período integrante do contrato e do tempo de serviço em que o ferroviário permanece em sua casa aguardando a qualquer momento o chamado para o serviço”, não podendo ultrapassar o lapso temporal de 24 horas, sob pena de multa administrativa. A remuneração devida será referente a 1/3 do salário normal.

O conceito de tempo de prontidão, portanto, enseja uma limitação real ao direito de liberdade de deslocamento do empregado, que fica à espera de ser chamado. Saliente-se que, não pode haver dúvidas de que, ao chegar ao trabalho, o empregado está à disposição, devendo receber remuneração integral.

Na hipótese dos meios telemáticos de controle há que se averiguar se tal situação ocorre. Ou seja, se há limitação à liberdade do empregado. Se esse for o caso, ao nosso ver, será plenamente possível a incidência do tempo de sobreaviso.

O que não significa, por outro lado, a necessidade de cancelamento da Súmula 428 do TST. Isso porque, o que a súmula estabelece continua a prevalecer: o simples fato de o empregado portar instrumentos eletrônicos que possam a vir a ser utilizados para o seu controle não importa em reconhecimento do tempo de sobreaviso. Há que haver uma limitação real e não meramente potencial.

Aduz Carmo (2012) que

(…) mesmo sendo empregado, o trabalhador que desenvolva suas atividades por meios telemáticos ou informatizados só poderá, por exemplo, exigir horas extras, quando, encerrada a jornada normal de labor, continuar sob o guante do poder diretivo ou de comando do empregador, que mediante ordens expressas, devidamente identificáveis, exerça qualquer espécie de controle ou supervisão sobre seu trabalho, exigindo-lhe a extrapolação da jornada de trabalho para que seja realizada ou completada determinada tarefa que lhe tenha sido confiada. Pouco importa se, trabalhando a distância, porte o trabalhador celular, pessoal ou corporativo, lap top, pager ou qualquer outro equipamento informatizado, pois só terá direito a horas extras se restar plenamente evidenciado o comando, o controle ou a supervisão do empregador sobre suas atividades, como pode acontecer, v.g., com o envio de um e-mail, poucos minutos antes da jornada de trabalho ser encerrada, através do qual o empregador comande que o trabalhador continue exercendo sua atividade, ou lhe acometa nova tarefa, pois só assim, estando sob a supervisão e controle de seu patrão, é que poderá ser beneficiado com o direito à percepção de horas extras (grifos nossos).

            Em outras palavras, deve existir, efetivamente, o controle, ainda que indireto, do tomador dos serviços sobre o empregado, ainda que por meios telemáticos.

Outra grande questão que pode ser aduzida da novel redação do parágrafo único do art.6º da CLT diz respeito ao controle da jornada e a possibilidade desse empregado à distancia de percepção do adicional de horas extras.

Inicialmente aduz-se que o art. 4º da CLT considera como tempo efetivo de trabalho “o período em que o empregado esteja à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, salvo disposição especial expressamente consignada”.

Por sua vez, o art. 62, inciso I da CLT exclui da incidência do capítulo de jornada de trabalho aqueles empregados que não são submetidos ao controle de horário, em razão de desempenharem a sua função fora do local da empresa.

Nesse sentido, pode-se equiparar a situação do empregado qualificado no art. 62, I da CLT ao do teletrabalhador reconhecido no parágrafo único do art. 6º da CLT (SILVA; MINICUCCI, 2012), desde que tal situação conste expressamente nas anotações da sua Carteira de Trabalho e Previdência Social.  Nessa hipótese, incidiria uma presunção relativa de ausência de controle da jornada de trabalho, incumbindo ao empregado provar o contrário.

Nessa esteira, alerta-se para o fato de que deverá existir um parâmetro para auferir o tempo efetivamente laborado, haja vista que esse não necessariamente se equivale ao tempo de “login” do empregado. Sustentam que a saída encontrada pelos Tribunais trabalhistas de avaliar a produção desse empregado pode não se coadunar com a presente espécie de trabalho, uma vez que, diferentemente do trabalho em domicílio, a remuneração do teletrabalho não se dá preponderantemente por tarefa (SILVA; MINICUCCI, 2012).

Propõe Carmo (2012):

Em se tratando de trabalho realizado, sob a égide de relação de emprego, por trabalhador que se utilize exclusivamente de meios telemáticos ou de informatização, a situação pode na prática ficar bem complicada, quando por exemplo o trabalho é realizado por peça ou tarefa e não simplesmente dentro de uma jornada de trabalho específica prevista no contrato laboral. Neste contexto e em outros semelhantes o ideal é que o empregador crie um código digital através do qual se possa aferir o tempo trabalhado pelo empregado, isto quando seu labor for totalmente exercido por meios telemáticos ou digitais. Este código digital, que, aliás será muito útil em todo e qualquer espécie de trabalho telemático, poderá prevenir conflitos entre as partes, a par de remunerar de forma equitativa o trabalhador.

             A nosso ver, deve-se analisar, de acordo com cada situação concreta, em primeiro lugar, se há real controle da jornada de trabalho daquele empregado.

Em caso afirmativo, o tempo à disposição do empregador, ainda que fora do local da prestação dos serviços será computado como tempo efetivo de trabalho, nos termos do art. 4º da CLT, ensejando o pagamento das eventuais horas extras prestadas além da oitava diária.

Na hipótese de negativa, há que se aplicar o art. 62, inciso I da CLT, presumindo-se a ausência de controle da jornada o que, consequentemente afasta o pagamento de eventuais adicionais de horas extras e trabalho noturno.

Por fim, caberá ao aplicador da lei avaliar se, ausente o efetivo controle da jornada, há ou não tempo de sobreaviso, nos termos do art. 244 da CLT, aplicado de forma analógica ao caso em comento.

Nesse ponto, deverá ponderar se há restrição à liberdade do empregado portador desses meios telemáticos, como celulares, smartphones, pagers, dentre outros.

Verificando o intérprete que o empregado fica à espera da ligação do empregador para se dirigir ao local de trabalho e/ou iniciar efetivamente o seu serviço (hipóteses essas reais e que são, muitas vezes, denominadas de “plantões”), incidirá o art. 244 da CLT, cabendo-lhe o pagamento de 1/3 do valor da sua hora normal por cada hora de sobreaviso.

Nessa linha de raciocínio, conclui Carmo (2012):

Dentro deste contexto teleológico fica muito fácil inferir que, quem, mesmo a distância, utilizando aparelhos de intercomunicação, esteja cumprindo efetivamente ordens do empregador, sob sua manifesta supervisão, comando ou controle, faz jus à percepção de direitos sociais legalmente previstos, situação que difere totalmente daquele trabalhador que, por mera circunstância encontrando-se a distância, simplesmente porte aparelhos de intercomunicação, sem deles fazer uso por ordem expressa do empregador. Este é o verdadeiro espírito da lei que deverá estar presente em toda e qualquer exegese que dela se queira fazer, sob pena de restar conspurcada a sua finalidade social.

            O que a lei 12.551 de 2011 pretende é enfatizar que não há distinção entre o labor realizado pelo empregado sob as ordens diretas e pessoais do empregador e aquele desempenhado à distancia, controlado por meios eletrônicos. O que importa é a presença dos cinco elementos caracterizadores da relação de emprego, em especial, da subordinação jurídica para que se possa garantir a tutela protetiva da legislação trabalhista.

Interessante posição assume Murilo Oliveira (2012) ao destacar que

(…) revela-se menos importante enfatizar o “controle” e a “supervisão” para destacar o trecho final da lei que menciona “trabalho alheio”, também compreendido como ‘trabalho dependente”. Quiçá não fosse a dependência econômica um caminho muito mais fácil e efetivo para, no lugar da subordinação jurídica, conduzir à ampliação do conceito de empregado, até porque a ideia da dependência sempre esteve na CLT (art. 3º), mas quase nunca é vista3. Talvez fosse mais eficaz uma mudança de mentalidade e de olhares do que uma nova lei…(grifos nossos) 

            Mais uma vez nos aproximamos da teoria do trabalho por conta alheia de Olea. É de se ver que, embora o autor equipare o “trabalho alheio” ao conceito de “trabalho dependente”, suas palavras refletem exatamente a ideia aqui esposada.

Por fim, destacamos que a jurisprudência é divida quanto ao pleito de horas suplementares e sobreaviso nos casos de teletrabalhadores, exemplificamos:

“TRABALHO A DOMICÍLIO. HORAS EXTRAS. Admitindo a reclamante a prestação de serviços em sua residência, no horário que lhe fosse mais conveniente, assim como o auxílio prestado por terceiros (filhos, genro e noras), impossível avaliar o período de tempo despendido. Assim incabível o pedido de horas extras. (TRT 3ª R. – 2ª T. – RO/21773/99 – Relª. Juíza Taísa Maria Macena de Lima – DJMG 14.06.2000 – p. 15)”

“Empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho não são abrangidos pelo regime de jornada estabelecida nas normas trabalhistas.” (Ac. TRT 12ª Reg.; 1ª T.; RO 003035/94; Rel. Juiz Dilnei Ângelo Biléssimo, DJ/SC 18.01.96 – in BONFIM, Calheiros. Dicionário de decisões trabalhistas. 27. ed. Rio de Janeiro: Edições Trabalhistas, 1997.p. 298, nota 1007)

“Serviços externos não controlados – Não faz jus o trabalhador horas extras nessas condições. O trabalhador que presta serviços externos não sujeitos a controle de horário enquadra-se nas disposições do art. 62 da CLT e não faz jus, portanto, ao pagamento de horas extras.” (TRT-SC; RO-V-2.966/90 -AC. 1ª T. 1.250/91, 05.03.91, Rel. Juiz Rubens Muller, Publ. DJSC 30.04.91, p. 62 – in FERRARI, Irany. Julgados trabalhistas selecionados. 3. ed. São Paulo: LTr, v. I, 1994. p. 311, nota 1088)

“(…) A sobrejornada, extraordinária que é, deve ser robustamente provada pelo reclamante. A prova oral não autoriza dizer que o autor desincumbiu-se a contento de demonstrar o sobrelabor. Assim, diante da liberdade do obreiro em agendar seus compromissos, aliada ao fato da fiscalização do reclamado ser feita apenas em relação ao serviço e não aos horários, impõe-se o não acolhimento das horas extras pleiteadas na exordial. (…) Com relação aos documentos de fls. 49/53 e 63/72, a despeito de registrarem em alguns casos horário após às 18:00 horas, não se prestam à comprovação da sobrejornada do autor, seja porque detinha o reclamante acesso ao Correio Eletrônico, independente do horário, seja porque, não estando sujeito a controle de jornada, poderia organizar a prestação de serviços no horário que melhor atendesse a suas necessidades. (…)” (Recurso Ordinário nº 0724/2000 – Goiás – Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região – Juiz Relator Heiler Alves da Rocha – julgado em 21.06.2000)

“Mensagens eletrônicas (e-mails) não provam horas extras. As cópias de e-mails não servem para comprovar trabalho extraordinário, pois podem ser gravadas num momento, mas enviadas em outro. Campinas/SP – A 9ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, com sede em Campinas/SP, decidiu, por unanimidade, que cópias de e-mails não servem para comprovar trabalho extraordinário, pois podem ser gravadas num momento, mas enviadas em outro. O trabalhador ajuizou reclamação trabalhista em face da empresa Motorola Industrial Ltda., requerendo o pagamento das horas extras trabalhadas. Como a 4ª Vara do Trabalho de Campinas indeferiu seu pedido, o empregado recorreu perante o TRT, pretendendo a reforma da sentença de 1ª instância. Alegou o reclamante que as diferenças de horas extras estavam demonstradas pelas provas juntadas nos autos: cópias de várias mensagens eletrônicas por ele enviadas e recebidas. O relator do recurso, juiz Gerson Lacerda Pistori, ao revisar todas as provas documentais produzidas, chegou à conclusão de ter o juízo de 1º grau acertado ao indeferir o pedido de horas extras requerido pelo empregado. Segundo Pistori, cópias de e-mails não servem para demonstrar que determinado trabalho foi realizado naquele horário indicado no correio eletrônico. Mensagens eletrônicas podem ser gravadas num momento, mas enviadas a seus destinatários em outro, disse o relator. “Além disso, as facilidades do mundo virtual moderno, associadas ao estilo de vida da sociedade contemporânea, permitem que um profissional de nível médio receba e envie mensagens relacionadas com seu trabalho através de seu próprio computador pessoal, conectado à rede interna de sua empresa, mas instalado em sua própria residência”, finalizou o magistrado. Diante disso, foi negado provimento ao recurso do trabalhador, restando improcedente a reclamação trabalhista ajuizada. (Processo 02164-2003-053-15-00-6 RO)

“(…) não prospera o inconformismo do reclamante quanto ao indeferimento das horas extras referentes aos períodos de labor externo. E isso porque não foi demonstrada a existência de controles indiretos sobre a jornada externa. A utilização de aparelhos eletrônicos celulares e do sistema de correio eletrônico denominado de “office vision” não se mostra idônea a desempenhar tal finalidade.” (Recurso Ordinário nº 2866/2000 – Goiás – Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região – Juíza Relatora Dora Maria da Costa – julgado em 12.12.2000)

“HORAS EXTRAS – TRABALHO EXTERNO – AUSÊNCIA DE CONTROLE DE JORNADA – ART. 62, INCISO I, CLT – NÃO CABIMENTO. Contatos freqüentes entre empregado e superior hierárquico através de telefone celular não pode ser considerado como fiscalização de horário de trabalho, mormente quando o primeiro é o único empregado da empresa no Estado e executa suas tarefas externamente. A submissão daquele à norma contida no inciso I do art. 62 da CLT é evidente.” (Recurso Ordinário nº 2266 – Acórdão nº 523/02 – Sergipe – Tribunal Regional do Trabalho da 20ª Região – Tribunal Pleno – Juíza Relatora Ismênia Quadros – julgado em 02.04.2002)

“Também entendo improcedente a alegação de que a fiscalização do recorrente era feita via correio eletrônico, vez que, em nenhum momento, o autor comprovou que dito aparelho se prestava a controlar jornadas de trabalho, limitando-se a esclarecer, na exordial (fl. 03), que apenas recebia instruções diárias através do mesmo. É cabível registrar ainda, que o fato do reclamante ter afirmado, em seu depoimento pessoal, que “… não era obrigado a comparecer diariamente na reclamada, mas por força da atividade que desenvolvia, necessariamente teria que comparecer, com freqüência, para preenchimento de relatórios e serviços burocráticos atinentes às vendas”, em nada socorre o recorrente no seu desejo de que fosse judicialmente reconhecido o controle, pela reclamada, do seu horário de trabalho. Enquadra-se o autor, portanto, como bem consignou o v. decisum, na exceção prevista no art. 62, I, da CLT, não fazendo, portanto, jus ao percebimento de horas extraordinárias, valendo ressaltar que a atividade de vendedor externo, por si só, não é impeditiva à percepção de horas extras, mas tão-somente o trabalho externo incompatível com o controle de horário de trabalho, situação última esta, que restou plenamente configurada nos autos em questão.” (Recurso Ordinário nº 2742/2000 – Goiás – Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região – Juiz Relator Saulo Emídio dos Santos – julgado em 06.03.2001).

“TRABALHO EXTERNO. CONTROLE MEDIANTE APARELHO DE COMUNICAÇÃO. DIREITO A HORAS EXTRAS. O controle da jornada de trabalho externo, mediante aparelho de comunicação utilizável como telefone celular, rádio ou Pager, é constitutivo do direito ao recebimento de horas extras, quando caracterizada a extrapolação do limite legal de duração do trabalho.” (Recurso Ordinário nº 19990582346 – Acórdão nº 20010111667 – São Paulo – Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região – Oitava Turma – Juíza Relatora Vilma Nogueira de Araújo Vaz da Silva – julgado em 19.03.2001 – DJ in 10.4.2001)

TRT3-022954) HORAS EXTRAORDINÁRIAS. JORNADA EXTERNA.O controle indireto do labor cumprido externamente através da exigência de comparecimento no início e término da jornada, com emissão de relatórios de visitas e monitoramento de vendedor em rota através de “palmtop”, dispõe o pagamento da jornada extraordinária devidamente comprovada, já que a exceção contida no art. 62, I, da CLT refere-se tão-somente à atividade externa do empregado que implique na impossibilidade de controle pelo empregador.(Recurso Ordinário nº 00355-2004-018-03-00-2, 4ª Turma do TRT da 3ª Região, Belo Horizonte, Rel. Caio L. de A. Vieira de Mello. j. 15.12.2004, Publ. 22.01.2005).

TST-032708) RECURSO DE REVISTA POR CONVERSÃO SALÁRIO FIXO – HORAS EXTRAS – TRABALHO EXTERNO – COMISSIONISTA MISTO – BASE DE CÁLCULO – SERVIÇOS DE COBRANÇA – LABOR EM DOMINGOS E FERIADOS. Tendo o e. Regional concluído pelas provas colhidas que o salário fixo não era pago e, sim, deduzido das comissões, o buscado reconhecimento de quitação esbarra na Súmula 126/TST, que veda o revolvimento de fatos e provas. Inespecífica a divergência trazida que não parte dos mesmos fatos descritos no aresto regional. No que se refere às horas extras, não há como admitir ofensa direta aos arts. 62, I, e 818 da CLT, porque ficou provado que o reclamante estava submetido a horário e à fiscalização, inclusive através de relatórios e do palmtop. Comprovado o labor em horas extras, são devidos os reflexos (Súmula 376, II, do TST). Tratando-se de comissionista misto, a sobrejornada há de ser paga fazendo-se a incidência do adicional de horas extras, apenas, sobre as comissões, ao passo que, sobre o salário fixo, reputam-se devidas as horas extras com o respectivo adicional (Súmula 340/TST). Quanto aos serviços de cobrança, o recurso se encontra desfundamentado à luz do art. 896 da CLT, na medida em que a recorrente não indicou afronta a qualquer dispositivo legal ou constitucional, nem transcreveu arestos para o confronto de tese. Provado o labor em domingos e feriados, não há como conhecer do recurso por afronta ao art. 818 da CLT, porquanto a questão não é de distribuição do ônus da prova, mas de valoração daquilo que juntado aos autos como prova. Agravo de instrumento provido. Recurso de Revista parcialmente conhecido e provido.(RR nº 682/2002-023-03-00, 5ª Turma do TST, Rel. José Pedro de Camargo. j. 28.06.2006, unânime, Publ. 04.08.2006).

HORAS EXTRAS. PLANTÕES. TELEFONE CELULAR. “O uso do BIP, telefone celular, ‘laptop’ ou terminal de computador ligado à empresa não caracterizam tempo à disposição do empregador, descabida a aplicação analógica das disposições legais relativas ao sobreaviso dos ferroviários, que constituem profissão regulamentada, há dezenas de anos em razão das suas especificidades. Cabe a entidade sindical onde tais formas de comunicação são usuais fixar em negociação coletiva os parâmetros respectivos. Efetivamente, tivesse o empregado ‘liberdade de contratar’ e no ajuste laboral já fixar condições salariais condizentes com o uso de tais equipamentos, indubitável que a solicitação do empregado e o serviço que preste em função dessa convocação constituem horas extras. Recurso de revista a que se dá provimento.” (TST RR 172296/95, Ac. 3ª Turma nº 12505, Rel. Min. José Luiz Vasconcellos, in DJU 27.02.1998). Recursos conhecidos e parcialmente providos. (RO nº 00431-2005-008-10-00-5 begin_of_the_skype_highlighting 00431-2005-008-10-00-5 end_of_the_skype_highlighting, 3ª Turma do TRT da 10ª Região/DF-TO, Brasília, Rel. Juiz Márcia Mazoni Cúrcio Ribeiro. j. 08.03.2006, Publ. 17.03.2006).

HORAS DE SOBREAVISO – EQUIPARAÇÃO DE CELULAR COM BIP – POSSIBILIDADE – NÃO CARACTERIZAÇÃO DO SOBREAVISO. APLICAÇÃO ANALÓGICA DA ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL Nº 49 DA SBDI-1 DO TST. Como dispõe o art. 244, § 2º, da CLT, considera-se de sobreaviso o empregado efetivo que permanecer em sua própria casa, aguardando a qualquer momento o chamado para o serviço. No caso, é incontroverso que o reclamante permanecia, durante uma semana por mês, usando telefone celular e aguardando ser chamado a qualquer hora pela reclamada. Todavia, é entendimento predominante nesta Corte Superior que o mero uso de telefone celular não enseja o pagamento de horas de sobreaviso, pois não obriga o empregado a permanecer em sua residência esperando ter seus serviços solicitados pela empresa, condição exigida em lei para o reconhecimento do direito. Aplica-se ao caso, de forma analógica, o assentado na Orientação Jurisprudencial nº 49 da SBDI-1 do TST, sendo possível equiparar o uso do telefone celular com o do BIP. Recurso de revista conhecido em parte e provido. (RR 736/2002-023-04-00. Rel. Min. Ives Gandra Martins Filho. 4ª Turma. DJ 27.05.2005).Conheço, pois, do recurso, por contrariedade com a Orientação Jurisprudencial 49 da SBDI-1 do TST.

  1. 4.    Considerações finais

Pode-se concluir que a nova lei, além de reconhecer e incluir na legislação trabalhista a posição majoritária e já pacífica na jurisprudência, acerca da existência da relação de emprego quando presente a subordinação, considerada em suas dimensões subjetiva e/ou objetiva, abre caminho para uma nova hermenêutica da relação empregatícia ao estabelecer, de modo expresso, a característica do trabalho alheio.

A nosso ver, portanto o avanço trazido pela Lei 12.551 de 2011 é ainda maior do que se conseguiu perceber até o momento. A nova redação da Lei 12.551 permite a (re) leitura não apenas do conceito de subordinação em si mesmo considerado, mas da própria relação de emprego.

Possibilita-nos defender, conforme faremos no próximo capítulo, a existência de duas categorias de trabalhadores: aqueles que desempenham seu trabalho por conta própria, assumindo os riscos da sua atividade e, portanto, excluídos do âmbito de proteção do ramo justrabalhista (haja vista que se são capazes de inserir-se por si mesmos, mediante o seu labor, na sociedade capitalista moderna) e aqueles que trabalham por conta alheia, destinando os frutos do seu trabalho para outrem e em prol da atividade desse e que seriam, em razão da sua hipossuficiência, tutelados pelo Direito do Trabalho. Para esses, a proteção trabalhista é, senão a única, a mais eficiente porta de entrada para o seu reconhecimento enquanto trabalhador, cidadão e ser humano pertencente à uma sociedade.

As demais consequências – reconhecimento de horas extras, aplicação analógica do tempo de sobreaviso e o controle da jornada, conforme visto acima – seriam, então, meros desdobramentos da aplicação da legislação social trabalhista ao empregado que labora por conta alheia, seja no âmbito da empresa ou fora dela, seja por meios físicos ou telemáticos.

Referências 

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[1]Doutoranda em Direito do Trabalho pela UFMG. Mestre em Direito do Trabalho pela Puc Minas. Professora assistente do Centro Universitário Newton Paiva. Advogada.

[2]Mestre em Direito do Trabalho pela Puc Minas. Especialista em Direito do Trabalho e Previdenciário pelo CAD – Gama Filho. Especialista em Direito Tributário pela Puc Minas. Professora do Centro Universitário Newton Paiva. Advogada.

[3] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 10ª ed. São Paulo: LTr, 2011, p. 277.

[4] VILHENA, Paulo Emílio Ribeiro de. Relação de emprego. estrutura legal e supostos. 3ª ed. São Paulo: LTr, 2008, p. 100.

[5] O elemento da pessoalidade, que compõe o tipo jurídico da relação de emprego, aparece no caput do art. 2º da CLT.

[6] Essa parte foi originalmente desenvolvida no artigo: MIRAGLIA, Lívia Mendes Moreira; DELGADO, Gabriela Neves. Interpretação ampliativa da relação de emprego: uma proposta viável para a expansão do Direito do Trabalho. Apresentado no XIX Congresso Nacional realizado em  Florianópolis  nos dias 13, 14, 15 e 16 de outubro de 2010. 

[7] No tocante à terceirização de serviços, a Súmula 331, III, é expressa em sua redação ao determinar que será lícita a terceirização, desde que ausentes os elementos da pessoalidade e da “subordinação direta”.

[8] Trabalho a domicílio – Pessoalidade – O auxílio de familiares na execução de trabalho a domicílio não descaracteriza o requisito pessoalidade, já que essa substituição conta com a aprovação tácita da empregadora. TRT – MG – RO – 16504/92, Rel. Pedro Lopes Martins – DJ 13/08/1993.

[9] Nesse sentido foi a notícia veiculada pelo site do Tribunal Superior do Trabalho acerca do entendimento do presidente, Ministro João Oreste Dalazen. Disponível em: http://www.tst.gov.br/web/guest/home?p_p_auth=EZlF5SlU&p_p_id=15&p_p_lifecycle=0&p_p_state=maximized&p_p_mode=view&_15_struts_action=%2Fjournal%2Fview_article&_15_groupId=10157&_15_articleId=419123&_15_version=1.2. Acesso em: 23.03.2012.