Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva

Maraluce Maria Custódio[1]
Rosana Ribeiro Felisberto[2]

 

RESUMO: O presente artigo discute sobre as políticas públicas de proteção à cultura e ao meio ambiente a partir dos dispositivos constitucionais e normas internacionais. A análise também toma como ponto de partida e exemplificação o filme Saneamento Básico, que traz à tona os problemas do tratamento de questões ambientais separadas das questões culturais, mesmo diante do entendimento atual de que não há uma dicotomia entre estas duas áreas. Neste contexto, também se coloca a necessidade da participação popular nas decisões relacionadas às políticas públicas.

PALAVRAS-CHAVE: Meio Ambiente; Cultura; proteção e princípios constitucionais; políticas públicas; participação popular. 

ÁREA DE INTERESSE:  Direito Ambiental; Direito Constitucional.

 

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho levanta o questionamento acerca da atuação da Administração Pública e suas conseqüências e interferências na sociedade a qual se destina. Questiona-se se seria possível, como forma de participação política, a comunidade promover uma destinação diferenciada de recursos públicos tendo em vista atender suas necessidades mais prementes, negligenciadas pelo Poder Público.

Diante da tentativa de implementação de um Estado Democrático de Direito, estabelecido constitucionalmente, cada vez mais a participação política ganha relevo e não se resume à votação periódica em períodos eleitorais.

A participação política engloba uma infinita possibilidade de formas e espécies, passando por discussões públicas de temas relevantes, orçamento participativo, conselhos deliberativos comunitários e outras formas. A tentativa de se ampliar a participação política tem ganhado importância inclusive em razão da evolução dos meios de comunicação.

Desta feita, surge também a possibilidade de participação efetiva da comunidade na tomada de decisões e não apenas de manifestação de opiniões para o setor público.

Diante da tendência de se ampliar o controle e transparência dos atos administrativos, bem como da participação da sociedade nas políticas públicas, o tema aqui tratado é de extrema relevância para o direito atual.

No caso analisado junto ao longa-metragem “Saneamento Básico, o Filme”, fica demonstrada a necessária implementação da participação comunitária para realizar a proteção do meio ambiente, efetivando a perspectiva holística que este deve ter, mesmo em face dos problemas administrativos.

 

2 MEIO AMBIENTE CULTURAL 

2.1 Meio ambiente

Para a maioria da população, a compreensão que o meio ambiente é composto apenas de elementos naturais ainda é comum, excluindo a preocupação com o ser humano e tudo que se liga a ele desta perspectiva. Isso ocorre porque inicialmente “a questão ambiental se resumira a combate a poluição, luta contra o desmatamento e em salvar esta ou aquela espécie em extinção” (COIMBRA, 2002, p.35). O que restringia em muito a amplitude do termo meio ambiente, que hoje é cada vez mais amplo.

Mas meio ambiente vai além do natural, ele engloba também os seres humanos, o meio em que ele vive e suas criações e/ ou modificações no meio natural, como cidades, monumentos, cultura.

Existem vários conceitos de meio ambiente e na verdade não há ainda um consenso sobre o termo. Entretanto, acreditamos que o termo está consagrado trazendo novo sentido às palavras que o compõem. José Afonso da Silva (2011, p.2) ensina que

o ambiente integra-se, realmente, de conjunto de elementos naturais e culturais, cuja interação constitui e condiciona o meio em que se vive. Daí porque a expressão meio ambiente se manifesta mais rica de sentido (como conexão de valores) do que a simples palavra ambiente.

A noção de meio ambiente deve ser acrescentando que meio ambiente é um bem jurídico, que se estruturou na doutrina dos interesses difusos[3]. Ele abriga inúmeras realidades, não se restringindo à proteção da natureza strictu senso, mas abarca dimensões social, urbana e trabalhista. Demonstrando que sociedade e natureza interagem, e que meio ambiente é tudo que envolve os seres como um todo.

Para que ocorra o desenvolvimento equilibrado, logo, é necessário tanto um meio natural equilibrado, quanto a proteção da cultura, da tradição, de um meio propício para se trabalhar, pois o ser humano é um ser histórico, que modifica seu habitat pela cultura. Apenas assim se pode falar em sadia qualidade de vida, fim último da proteção do meio ambiente defendida na Constituição Federal de 1988.

A partir deste conceito, o Direito apresenta, didaticamente, meio ambiente sob dois aspectos, para facilitar o estudo, já que estão sujeitos a regimes jurídicos ainda diversos, que cada vez mais demonstram sua inseparabilidade e completude, e a perfeita  inter-relação, sendo:

a) Meio ambiente artificial: que é aquele construído no espaço urbano, consubstanciado no conjunto de edificações e equipamentos públicos. Este abarca também, tanto o meio ambiente cultural que engloba o patrimônio histórico, artístico, arqueológico, paisagístico, turístico, a memória social e a cultura das sociedades, que embora pertencentes ao meio ambiente artificial, por serem obra do homem, tem ganhado termo especifico diferindo do anterior por ter de obras já construídas e que representam o passado e a tradição dos seres humanos; quanto o meio ambiente do trabalho: que é o meio e local onde o ser humano trabalha e que deve atender a exigências que possibilitem a interação dos seres, – tal como a segurança – e que lhe garantam a qualidade de vida digna.

b)Meio ambiente natural ou físico: solo, água, ar, flora, enfim interação dos seres vivos e seu meio, onde se da a correlação recíproca entre as espécies e as relações destas com o ambiente físico.(SILVA, 2011)

Do meio ambiente artificial surge os direitos culturais que devem ser protegidos, pois, são fruto da vida humana, e a cultura é inerente a nossa natureza, já que “a vida humana e seus aspectos qualitativos sobretudo identidade e memória de um povo, estão ligados a bens materiais e imateriais que tem valor cultural” (REISEWTIZ, 2004, p 65). Assim, a cultura se vincula ao modo de vida da sociedade e a o meio em que ela se desenvolve, sendo este essencial para formação da cultura e personalidade social, como já defendia Montesquieu e Aristóteles (REISEWTIZ, 2004)

A proteção à cultura não é algo recente no direito, mas como parte do meio sim, na verdade ela é mais antiga que a proteção do meio ambiente natural. No Brasil, por exemplo, o patrimônio histórico tem proteção legal desde a década de 30 com o Decreto lei 25 de 1937.

Talvez, por não terem se desenvolvido juntos, meio ambiente cultural e natural parecem coisas apartadas, o que de fato não são na realidade contemporânea. O fato de serem vistas como áreas estanques, dificulta a sua proteção e interação na aplicação jurídica, ponto que deve ser ultrapassado pelos órgãos públicos e aplicadores das normas jurídicas.

 

2.2 Cultura

O conceito de cultura não é facilmente definido ou delimitado, pois a própria Constituição e as legislações infraconstitucionais não trazem uma definição taxativa, deixando o termo “aberto” para novas interpretações e inclusões de significados.

Um dos textos base para a formulação de um conceito de cultura é a redação dada pela UNESCO na DUSDC:

Reafirmando que a cultura deve ser considerada como o conjunto dos traços distintivos espirituais e materiais, intelectuais e afetivos que caracterizam uma sociedade ou um grupo social e que abrange, além das artes e das letras, os modos de vida, as maneiras de viver juntos, os sistemas de valores, as tradições e as crenças (UNESCO, 2002)

Este texto e suas variações muitas vezes se repetem na legislação brasileira e na implantação das políticas de incentivo e proteção da cultura.

Além de possibilitar uma interpretação aberta e não estanque, o termo cultura não pode mais ser visto como contrário ao termo natureza, como se houvesse uma dicotomia entre ambos.

Tudo que é produzido pela cultura, de forma mais ou menos indireta, possui algum substrato na natureza. Isto porque as expressões culturais, os valores, as crenças, as manifestações, os produtos culturais e etc. surgem a partir da transformação de elementos naturais e a partir de criações que o ser humano implementa para suprir suas necessidades (RECASÉNS SICHES, 1970).

A partir desse entendimento, é possível afirmar que o próprio conceito de natureza é também um produto da cultura, assim como todas as ações do ser humano no mundo podem ser associadas à cultura e a algum tipo de manifestação cultural mais específico.

E são as diversas possibilidades de agir e manifestar que acabam por construir e consolidar a existência de grupos culturais e da diversidade e pluralismo cultural. Tal entendimento pode ser aferido inclusive na legislação, como no artigo 1º, inciso IV da Lei n. 8.313/91, também conhecida como Lei Rouanet (BRASIL, 1991):

IV – proteger as expressões culturais dos grupos formadores da sociedade brasileira e responsáveis pelo pluralismo da cultura nacional;

Assim como os indivíduos, os grupos também possuem seus valores e formas específicas de se manifestarem, o que, ao longo do tempo e do espaço, consolidam a identidade cultural de um grupo ou sociedade.

Importante destacar ainda que a cultura não é algo que nos determina e nem se preserva ou consolida sozinha. Todas as ações dos seres humanos são, concomitantemente, influenciadas e influenciam a cultura do grupo ou sociedade em que está inserido, seja no sentido de preservá-la ou transformá-la (RECASÉS SICHES, 1970).

 

3 A PROTEÇÃO JURIDICA DO MEIO AMBIENTE CULTURAL 

3.1 Proteção Internacional

O Direito ambiental surge de forma diferenciada da maioria dos direitos, pois, ele aparece inicialmente configurado no âmbito internacional, para em seguida ser inserido nos âmbitos nacionais. Isso se deve a sua perspectiva universalizante, já que a proteção do meio ambiente é de interesse de todos no planeta e não se fecha em cultura jurídica apenas de um sistema nacional.

O meio ambiente cultural, como pertencente à generalidade do sistema ambiental foi agraciado com a proteção dos princípios gerais de direito ambiental que aparecem construídos pela Convenção de Estocolmo de 1972 e a Convenção Rio de 1992. Mas também tem proteção por convenções específicas, cujas principais são as convenções da UNESCO de Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural de 1972 e Declaração Universal Sobre Diversidade Cultural de 2002.

 

3.1.1 Convenções de Estocolmo de 1972 e Rio de 1992 – Princípios Gerais de Direito Ambiental

A Convenção de Estocolmo ou declaração das Nações Unidas para o meio ambiente humano de 1972 é considerada o “divisor de águas” na inclusão da preocupação com a preservação do meio ambiente e com as questões do desenvolvimento econômico e social.

Após a Declaração saída das discussões em Estocolmo, vários países passaram a normatizar a proteção, melhoria e recuperação ambiental em seus ordenamentos internos. Segundo Guido Soares (2001, p.55)

A declaração de Estocolmo pode ser considerada com a mesma relevância da declaração universal dos direitos do homem (ONU 10/12/1945) por ambas serem verdadeiros guias e parâmetros na definição dos princípios mínimos que devem figurar tanto nas legislações domésticas dos Estados como dos grandes textos de direito internacional da atualidade

A declaração das Nações Unidas para o Meio Ambiente Humano tem 26 princípios podem ser resumidos em cinco princípios gerais que são o legado de Estocolmo para a posteridade e para o Direito Ambiental e estão presentes em várias leis inclusive em várias constituições especialmente na Brasileira como será visto.

Os cinco princípios gerais que estão implícitos – ou explicitamente – apresentados nos 26 são:

1/ O meio ambiente como direito fundamental e essencial dos seres humanos tanto das gerações presentes como as futuras, defendendo que apesar de realizar o desenvolvimento os recursos naturais “devem ser salvaguardados em beneficio das gerações atuais e das futuras (princípio 2). Criando um direito intergeracional e preocupado com o futuro.

2/ O desenvolvimento econômico levando em consideração a conservação da natureza, interessante que incluem a fauna selvagem nesta proteção além da flora, lutando para não destruí-la e contra a poluição no mundo. Mas ambos devem ser levados em consideração como mesmo peso não pendendo para nenhum dos lados e “devendo adotar um processo integrado e coordenado para o planejamento de seu desenvolvimento” (princípio 13), sendo já um protótipo do direito ao desenvolvimento sustentável que aparecerá na Convenção de 1992.

3/ A obrigação estatal de proteger o meio ambiente, planejando, administrando e controlando a utilização dos recursos ambientais, buscando sempre a melhoria destes. Com isso, também, estabelece os princípios da prevenção e reparação como essenciais para proteção do meio ambiente equilibrado.

4/ A educação ambiental como fundamental para a proteção do meio ambiente, “sendo a base para ampliar as bases de uma opinião esclarecida e de uma conduta responsável por parte dos indivíduos” (principio19), e o efetivador social que garantirá a preservação dos recursos ambientais para o futuro.

5/ Princípio da cooperação entre os povos, este princípio aparece em diversos da declaração, sendo que este se realizará por acordos que são essenciais para a defesa do meio ambiente já que os efeitos da degradação atingem a todos, todos devem zelar por sua melhora. Outro ponto da cooperação é a ajuda dos países desenvolvidos aos em desenvolvimento, seja através de ajuda financeira ou tecnológica para que alcancem um patamar de desenvolvimento que possibilite proteger o meio ambiente, já que a pobreza é vista como fator degradador.

A Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, também conhecida como Carta da Terra de 1992, repete alguns princípios de Estocolmo e segundo Soares (2001), estabelece em linhas gerais: a/ reafirmação da proteção dos interesses das gerações presentes e futuras; b/ fixa princípios básicos para uma política ambiental de abrangência global, consagrando o combate à pobreza e realização de uma política demográfica e reconhece a responsabilidade dos países industrializados como causadores principais dos danos já ocorridos ao meio ambiente.

A Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, como o próprio nome diz foi mais voltada para a interação entre a proteção ambiental e o desenvolvimento, construindo o conceito de desenvolvimento sustentável. Incentivou a participação social, especialmente das mulheres, jovens, comunidades indígenas e deu ênfase especial para a paz, considerando-a fator essencial para o desenvolvimento sustentável. Além de reafirmar os princípios de Estocolmo, os 27 princípios podem ser resumidos em oito novos e gerais que são o legado da ECO/92 para a posteridade e para o Direito Ambiental e figuram em várias leis e tratados internacionais posteriores.

Os oito princípios gerais que estão implícitos – ou explicitamente – apresentados nos 27 são:

1/ desenvolvimento sustentável – cujo conceito ainda esta sendo construído, pois tem uma perspectiva cultural e histórica, já que está ligado ao que cada região considera desenvolvimento e ao meio ambiente. Mas como bem defini Demajorovic (2003, p10) “Num sentido abrangente a noção de desenvolvimento sustentável implica a necessária redefinição das relações sociedade humana-natureza e, portanto, em uma mudança substancial do próprio processo civilizatório,” onde industrialização, desenvolvimento, proteção ambiental (em sentido amplo) e paz devem caminhar juntas, apresentando um crescimento concomitantemente econômico, ambiental, social e cultural.

2/ igualdade de todos para fruição dos bens a partir da redução das desigualdades regionais e dos padrões de vida, fundada especialmente no princípio da cooperação dos povos, haja vista que, o meio ambiente e sua proteção, não reconhecem fronteiras, atingindo a todos indistintamente – mais cedo ou mais tarde -, independente de onde ocorra.

3/ participação da sociedade tanto de opinar como de decidir, sendo assegurada pelos governos dos países e pela informação, que mais que garantir a participação da coletividade na proteção do meio ambiente, garante sua efetiva participação na tomada de decisões sobre ele, sobre os seres humanos que pertencem a este meio ambiente. Mas não qualquer participação, mas a participação consciente e engajada a partir da efetiva informação sem deformações dos fatos ocorridos e que vão ocorrer e dos efeitos para o futuro.

4/ direito à informação relativa ao meio ambiente em todos os âmbitos, neste sentido tanto dentro do microcosmo quanto do macro. Para efetividade deste direito são essenciais as organizações não governamentais que estão sempre fiscalizando os fatos e os órgãos.

5/ princípio da Precaução, já existente, mas agora formalizado em um documento oficial internacional e significa “Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental” (princípio 15)

6/ O princípio do poluidor-pagador, onde quem polui deve arcar com os ônus de seus atos, também já existente, mas, agora formalizado em um documento oficial internacional.

7/ Institui a avaliação de impacto ambiental, como instrumento de proteção ambiental efetivada pelos Estados, que apesar de já existir não tinha um aporte jurídico internacional.

8/ A paz como figura interdependente do desenvolvimento e da proteção ambiental, que formam um todo indivisível. Logo a guerra passa a ser visto como contraproducente em termos de desenvolvimento sustentável.

 

3.1.2 Convenção da UNESCO 1972 

Em termos de tratados internacionais especialmente voltados para a proteção do meio ambiente cultural tem se a Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural de 1972, criado pela UNESCO que busca proteger estes patrimônios pois, “:a degradação  ou o desaparecimento de um bem cultural e natural acarreta o empobrecimento irreversível do patrimônio de todos os povos do mundo”, (BRASIL, 1977).

Esta primeira Convenção abre margem para a produção de vários outros tratados internacionais e legislações internas nos países, conduzido a compreensão da necessidade de proteção deste patrimônio para o desenvolvimento sustentável e a existência dos seres humanos.

Ela reafirma a necessidade de cooperação entre os povos para a proteção do meio ambiente cultural, bem como da obrigação estatal de proteger este meio ambiente e realizar a educação ambiental, como retrata o artigo 5º

A fim de assegurar proteção e conservação eficazes e valorizar de forma ativa opatrimônio cultural e natural situado em seu território e em condições adequadas aos países, cada Estado-parte da presente Convenção empenhar-se-á em:

a) adotar uma política geral com vistas a atribuir função ao patrimônio cultural e natural na vida coletiva e a integrar sua proteção aos programas de planejamento;

b) instituir no seu território, caso não existam, um órgão (ou vários órgãos) de proteção,conservação ou valorização do patrimônio cultural e natural, dotados de pessoal capacitado, que disponha de meios que lhe permitam desempenhar suas atribuições;

c) desenvolver estudos, pesquisas científicas e técnicas e aperfeiçoar os métodos de intervenção que permitam ao Estado enfrentar os perigos ao patrimônio cultural ou natural;

d) tomar as medidas jurídicas, científicas, técnicas, administrativas e financeiras cabíveis para identificar, proteger, conservar, valorizar e reabilitar o patrimônio; e

e) fomentar a criação ou o desenvolvimento de centros nacionais ou regionais de formação em matéria de proteção, conservação ou valorização do patrimônio cultural e natural e estimular a pesquisa científica nesse campo. (BRASIL, 1977)

O tratado pela sua forma já apresenta a necessária interligação entre os meios ambientes cultural e natural, que infelizmente não foi seguida pela nossa legislação. A proteção requerida pelo tratado foi constitucionalizada, mesmo que de forma separada na Constituição Federal de 1988. Felizmente a interpretação princiológica, hoje considerada adequada pela maioria doutrinaria, acaba por fazer a proteção integral, já que defende que a constituição deve ser interpretada em seu conjunto legal e não norma a norma.

 

3.1.3Declaração Universal Sobre Diversidade Cultural de 2002

A Declaração Universal Sobre Diversidade Cultural – DUSDC – da UNESCO trata dos patrimônios materiais e imateriais, dando destaque para os bens culturais e para a diversidade cultural. Esta última é colocada como necessária ao gênero humano, tal qual a diversidade biológica para a natureza:

Artigo 1 – A diversidade cultural, patrimônio comum da humanidade

A cultura adquire formas diversas através do tempo e do espaço. Essa diversidade se manifesta na originalidade e na pluralidade de identidades que caracterizam os grupos e as sociedades que compõe a humanidade. Fontes de intercâmbio, inovação e de criatividade, a diversidade cultural é, para o gênero humano, tão necessária como a diversidade biológica para a natureza. Nesse sentido, constitui o patrimônio comum da humanidade e deve ser reconhecida e consolidada em benefício das gerações presentes e futuras. (UNESCO, 2002)

Neste ponto, percebe-se que a proteção internacional à cultura não apenas reconhece a diversidade cultural como também faz uma associação direta com os bens e patrimônio ambiental, apresentando-os de modo umbilicalmente ligados, não podendo, portanto, serem cindidos.

Dessa maneira, qualquer intervenção pública sobre o meio ambiente ou sobre o patrimônio cultural deve considerar a necessidade de preservação da diversidade e também a relação existente entre cultura e meio ambiente.

 

3.2 Proteção Constitucional

Fazendo uma análise do texto constitucional vê se que nele o direito ambiental se destaca no contexto de aplicação das ciências ambientais, ou seja, de forma transdisciplinar e não o delimitou a um espaço restrito de frios artigos, e sim o colocou perpassando toda a Constituição, como fundamento do Estado brasileiro.

Além do Título VIII, capitulo VI que contém o art. 225 que foi reservado para o tratamento do meio ambiente, tem se ainda o capítulo III seção II que trata dos bens culturais, o capítulo II titulo VII que o coloca como princípio da ordem econômica e financeira, e título VII, capítulo II que tratou da política urbana , regulando o desenvolvimento das cidades, o art. 200 inc. VIII que trata do meio ambiente do trabalho, além dos artigos 5 inc. LXXIII, art. 23 inc. VI e VII , 24 inc. VI e VII, 129 inc. III, art. 174 paragrafo 3, art. 200 , 216 e 186.

A lógica de proteção ao meio ambiente, separando seus elementos ao longo da Constituição, se justifica ao compreender que o constituinte entendeu que os outros temas de meio ambiente (cultural, urbano, do trabalho) já estavam consolidados na legislação e cultura social brasileira, por isso, não seria um problema colocá-los ao longo do texto. O tema ligado ao meio ambiente natural, entretanto, ainda estava por ser consolidando e por isso era necessário colocá-lo em um capítulo próprio destacando-o dos outros. Mas não significa que estavam separando ou perdendo a sistematicidade da proteção ao meio ambiente, até porque os princípios deste perpassam a Constituição como tema retor, ligado diretamente ao direito fundamental a vida. Mesmo porque para Dworkin (1999,2000, 2002) a intenção do legislador não é o ponto central da interpretação da norma e sim a sua atualidade segundo a visão da sociedade naquele momento de aplicação da norma.

Parte-se do pressuposto que a constituição brasileira, seguindo a teoria Dworkiana é principiológica e segundo a lição de Canotilho o texto constitucional de q ualquer país pode ser dividido em três categorias de princípios:

os estruturantes, os gerais e os específicos. Os primeiros referem se a estrutura do estado democrático de direitos (soberania, dignidade da pessoa humana etc, art 1 cf /88) só segundos corresponderiam aos princípios relativos as garantias individuais e coletivas previstas no art 5 sempre voltados a tutela da vida, isonomia, liberdade,etc tal como informa o caput do dispositivo. Já os princípios específicos são aqueles que direcionam a determinada ciência em particular (RODRIGUES, 2002, p. 133).

 Fundamentando a completude da Constituição. Fato é que a constituição de 1988 ligou o meio ambiente e tudo que se relaciona a ele ao direito à vida (RODRIGUES, 2002) propiciando uma ligação direta com os direitos fundamentais.

A Constituição de 1988 inova por proteger direitos e não bens, o que permite que o texto possa ser cumprido e lido de forma mais eficiente e diz LEITE e AYALA (2001, p. 78)

Assim uma vez que atua contribuindo na redefinição dos titulares constitucionais da cidadania, que passa a ser atual e potencial, que pode, apesar da proteção da formula jurídica especifica para a cidadania ambiental, contaminar o conceito de cidadania uma vez que a leitura contemporânea da proteção dos direitos fundamentais da pessoa humana intenciona a realização do princípio da interdependência e indivisibilidade dos direitos humanos, o que tornaria inconcebível a possibilidade das instituições optarem pela defesa tópica de certos direitos ou condições jurídicas, em detrimento de outras.

O artigo 225 não diz claramente que está voltado apenas para o meio ambiente natural,

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações. (MEDAUAR, 2012, p.145)

entretanto, o faz na sua normatização, mas reafirmamos que a Constituição deve sempre ser lida no todo e não por artigos isolados. Quando Rodrigues (2002, p 65) diz que

uma demonstração de que o equilíbrio ecológico citado no caput do art 225 corresponde ao que se convencionou denominar de meio ambiente natural, e que, portanto, o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado resultaria do produto obtido da soma dos fatores ambientais como os recursos ambientais

ele não se lembra que sem a configuração do meio ambiente artificial não há como manter o equilíbrio ecológico. O grande problema aqui é que o constituinte ao criar o artigo 225, se baseou na lei 6938/81, que trata apenas do meio ambiente natural, como pode ser visto de uma simples comparação textual. Logo ao interpretar o artigo 225 não se pode olvidar que ele sim pela lógica de interpretação sistêmica se aplica a todo o meio ambiente.

O artigo 225 traz uma série de atos do governo para implementar a proteção ambiental, entre eles a educação ambiental ponto importante para o despertar da sensibilidade, fator que possibilita a eficácia social às normas. Se, se busca criar uma norma que obrigue o cumprimento das outras, aqui está. Pois, é a partir da educação que se condiciona o cumprimento da norma. Não apenas o conhecimento delas, mas o despertar da sensibilidade de cumprimento dela. É a educação ambiental que propicia a consciência ecologia que efetivará a relação harmônica ser humano/ natureza.

Além da responsabilidade governamental, a Constituição inova ao determinar a responsabilidade social perante o meio ambiente, onde a coletividade tem papel preponderante na defesa do meio ambiente, garantindo a participação cidadã. Assim “esta proposta visa, de maneira adversa, a abranger também a tutela do meio ambiente, independentemente da sua utilidade direta, e busca a preservação da capacidade funcional do patrimônio natural, com ideais éticos e de colaboração e interação” (LEITE, AYALA, 2001, p.69)

A Constituição trouxe também nova configuração do que seria bem público. Até então bem público era os que pertenciam ao Estado, mas hoje ela tem este significado e o de bem destinado ao público. Assim quando se fala em bem público no caso dos bens ambientais o estado não é dono e sim gestor do bem destinado ao público, como bem define SOUZA (1995, p.38)

Anteriormente segundo a doutrina tradicional para ser público o bem teria de pertencer a pessoa juridica de direito público interno, ou não seria dessa forma considerado. Atualmente com base na teoria dos interesses difusos foi abandonada a necessidade de titulação concentrada no ente estatal, para dar a caracteristica pública ao em. baseado na moderna teoria os interesses difusos,o meio ambiente passa  ser considerado bem público, não porque pertença ao estado mas porque é considerado pela constituição direito de todos

Assim ele é res communes omnium na definição dos romanos, isto é, bem da comunidade, não interessando se ele pode ser individualmente utilizado ou pertença individualmente a alguém. Ele é voltado para a comunidade e não para o indivíduo. E ai entra a importância do poder de policia, que é instituto da administração que visa disciplinar os usos destes bens evitando conflitos entre os administrados, sendo extremamente importante quando se refere aos recursos ambientais. Mas ainda há uma deficiência na constituição no que se refere a titularidade dos bens ambientais, pois, o legislador restringiu “a titularidade do bem ambiental ao povo brasileiro, quando sabemos que os limites territoriais não são sempre suficientes para definir o alcance conceitual do direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado”. (RODRIGUES, 2002, p. 69)

Outra inovação trazida pela Constituição se refere à questão indígena, que dá aos índios direitos originários e imprescritíveis de usufruto de suas terras e suas riquezas como bem entenderem, direito descrito no art. 231.

Nos artigos 215 e 216 a Constituição de 1988 traz a proteção em especial ao meio ambiente cultural – já em geral ela está também protegida no artigo 225 – definindo:

Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.

§ 1º – O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional.

§ 2º – A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de alta significação para os diferentes segmentos étnicos nacionais.

§ 3º A lei estabelecerá o Plano Nacional de Cultura, de duração plurianual, visando ao desenvolvimento cultural do País e à integração das ações do poder público que conduzem à:

I defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro;

II produção, promoção e difusão de bens culturais;

III formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas múltiplas dimensões;

IV democratização do acesso aos bens de cultura;

V valorização da diversidade étnica e regional.  

Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:

I – as formas de expressão;

II – os modos de criar, fazer e viver;

III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas;

IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;

V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

§ 1º – O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.

§ 2º – Cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem.

§ 3º – A lei estabelecerá incentivos para a produção e o conhecimento de bens e valores culturais.

§ 4º – Os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos, na forma da lei.

§ 5º – Ficam tombados todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos.

§ 6 º É facultado aos Estados e ao Distrito Federal vincular a fundo estadual de fomento à cultura até cinco décimos por cento de sua receita tributária líquida, para o financiamento de programas e projetos culturais, vedada a aplicação desses recursos no pagamento de:

I – despesas com pessoal e encargos sociais;

II – serviço da dívida;

III – qualquer outra despesa corrente não vinculada diretamente aos investimentos ou ações apoiados. (MEDAUAR, 2012, p.141)

Assim, os artigos 215 e 216 Desdobram a cultura em memória, identidade e estética. Nestes artigos transparece claramente a aplicação dos princípios ambientais, especialmente a necessidade de desenvolvimento sustentável, Participação comunitária, Educação ambiental e Intervenção estatal. Ao constitucionalizar a proteção, o estado assume a responsabilidade de garantir a todos os brasileiros o pleno exercício dos direitos culturais, assumindo seu dever de viabilizar o exercício desses direitos fundamentais elencados. E como forma de realizá-lo, este cria órgãos públicos como: o Ministério da Cultura e políticas públicas como a Lei Federal de Incentivo à Cultura (Lei nº 8.313/91).

Parece razoável a existência de um dispositivo que pudesse encontrar uma intersecção entre uma política pública e o capital em benefício da sociedade. Mas, para isso, o governo tem que exercer sua função de planejador, regulador e fiscalizador da sociedade, implementando uma política capaz de efetivar projetos que sejam realmente de interesse público, como definem a Constituição e os princípios de Direito Ambiental. (BRANT, 2004)

Assim a Constituição é um ponto de partida para a defesa do meio ambiente, que assentou praticamente todos os princípios gerais de Direito Ambiental – princípios estes que ainda estão sendo desdobrados de forma escassa, porém constante. E a interpretação principiológica da Constituição de 1988 luta contra a separação entre meio ambiente natural e cultural como se fosse coisas apartadas. Imagina-se que a idéia é garantir maior proteção a ambos, mas no fim tornou ambas estanques como se nãos e relacionassem ou fossem interdependentes, gerando desacertos, como os percebidos no filme saneamento básico.

 

3.2.1 Incentivo Governamental 

O artigo 215 da Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, dispõe expressamente sobre a proteção e incentivo à cultura:

Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. [grifos lançados] (MEDAUAR, 2012, p.141)

Um dos instrumentos base previstos na Constituição para a preservação e proteção da cultura são os mecanismo de incentivo governamental.

Segundo Silva (2007), a cultura não é apenas um fator social, mas também pode ser expressada como um direito de todos os cidadãos. Esse direito implicaria tanto em manifestar sua própria cultura – entendida como conjunto de características e modos de vida de um determinado grupo – quanto em poder acessar e fruir os bens e produtos culturais disponibilizados no mercado. Importa observar que essa fruição não é passiva, pois o público também é colocado como parte integrante do processo de produção dos bens e produtos culturais na medida em que interferem e influenciam no que é produzido.

Importa também observar que os bens culturais, assim definidos pela própria Constituição de 1988, são tanto de caráter material quanto de caráter imaterial, de acordo com o disposto no artigo 216:

Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:[…] (MEDAUAR, 2012, p.141)

Ora, a definição do termo cultura, pelo nosso ordenamento jurídico, como não poderia deixar de ser diante de uma grande diversidade cultural vigente no país, é o mais amplo possível, comportando a agregação de valores e ampliação do seu significado, sem jamais se fechar às novidades e (re)interpretações que possam surgir.

O conteúdo do que deve ser preservado, contudo, passa pela participação dos cidadãos e produtores nos rumos da política pública de incentivo à cultura, sem que esta implique na interferência do Estado em questões de conteúdo do bem cultural produzido. Nesse sentido, Marilena Chauí (2006, p.138)diz:

Finalmente, o direito à participação nas decisões de política cultural é o direito dos cidadãos de intervir na definição de diretrizes culturais e dos orçamentos públicos, a fim de garantir tanto o acesso como a produção de cultura pelos cidadãos.

Trata-se, pois, de uma política cultural definida pela idéia de cidadania cultural, em que a cultura não se reduz ao supérfluo, ao entretenimento, aos padrões do mercado, à oficialidade doutrinária (que é ideológica), mas se realiza como direito de todos os cidadãos, direito a partir do qual a divisão social das classes ou a luta de classes possa manifestar-se e ser trabalhada porque, no exercício do direito à cultura, os cidadãos, como sujeitos sociais e políticos, se diferenciam, entram em conflito, comunicam e trocam suas experiências, recusam formas de cultura, criam outras e movem todo o processo cultural.

Como se pode perceber, o Estado tem o dever de fomentar/incentivar a cultura, sem interferir em seu conteúdo, deixando tal construção a cargo dos diversos grupos sociais num processo de afirmação e auto-afirmação de suas próprias identidades.

O incentivo e proteção à cultura são orientados pelo Estado a partir de mecanismos já existentes, como a catalogação e inventário para registro e tombamento de bens culturais, como também por meio de mecanismos de financiamento à produção cultural.

O fomento e incentivo à cultura pode se dar mediante verbas destinadas especificamente para tanto, acessíveis pelos produtores culturais por meio de editais lançados pelo próprio Estado. Ou ainda pode se dar por meio de renúncia fiscal, ao permitir que parte dos valores que seriam arrecadados pelo governo por meio do pagamento de tributos sejam direcionados pelos contribuintes para projetos culturais previamente aprovados para a captação de recursos, à escolha do contribuinte.

Regra geral, a renúncia fiscal se dá por meio de doação ou patrocínio.

Para melhor organização, integração e sedimentação dos mecanismos de incentivo à cultura, o parágrafo 3º do artigo 215, acrescentado pela Emenda Constitucional n. 48 de 10-08-2005, também traz a criação de um Plano Nacional de Cultura, com duração plurianual, que deve objetivar a integração entre os setores públicos e o desenvolvimento cultural do país. De fato, a Lei n. 12.343/10 instituiu o Plano Nacional de Cultura e cria o Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais.

As diretrizes do Plano Nacional de Cultura têm previsão de 10 anos e os seus resultados e alcance serão monitorados pelo Ministério da Cultura.

 

4 ATUAÇÃO GOVERNAMENTAL

4.1 Princípios da Administração Pública

4.1.1 Legalidade

Disposto no caput do artigo 37 da Constituição de 1988, o princípio da legalidade é um dos mais ressaltados pela doutrina acerca da Administração Pública. Comumente se afirma que o princípio da legalidade se aplica ao Poder Público de maneira inversa ao aplicado aos demais sujeitos da relação jurídica, isto porque a Administração deve respeitar concomitantemente outros princípios, como o da impessoalidade, moralidade e publicidade.

Assim, diz-se que, enquanto os sujeitos de direito em geral estão proibidos de fazer tudo o que a lei veda, a Administração somente pode agir se expressamente autorizada para tanto:

a posição do particular é distinta da posição do agente público. Ao primeiro é lícito fazer tudo aquilo que a lei não proíbe. O agente público deve praticar ato se determinado ou permitido por lei no sentido lato. Atos praticados sem a observância dessa regra são inválidos, não podendo, por conseguinte, produzir efeitos válidos. (FARIA, 2007, p. 45)

Diante desse princípio, portanto, deve a Administração fundamentar todos os seus atos no ordenamento jurídico vigente, não podendo utilizar como amparo jurídico para sua realização apenas o princípio de autonomia da vontade conjugado com o fato do ato não ser defeso em lei, como poderia alegar um sujeito de direito particular.

Tem-se, pois, que a atuação do poder público ao implantar políticas públicas devem seguir obrigatoriamente as diretrizes constitucionais e o determinado na legislação, inclusive quanto aos percentuais e setores aos quais devem ser destinados os recursos públicos.

 

4.1.2 Princípio da Eficiência

Incluído no texto constitucional, caput do artigo 37, por meio da Emenda Constitucional n. 19, de 1998, o princípio da eficiência passou a existir como um dos norteadores da atuação da Administração Pública.

O núcleo do princípio é a procura de produtividade e economicidade e, o que é mais importante, a exigência de reduzir os desperdícios de dinheiro público, o que impõe a execução dos serviços públicos com presteza, perfeição e rendimento funcional.

Incluído em mandamento constitucional, o princípio pelo menos provê para o futuro maior oportunidade para indivíduos exercerem sua real cidadania contra tantas falhas e omissões do Estado. Trata-se, na verdade, de dever constitucional da Administração que não poderá desrespeitá-lo, sob pena de serem responsabilizados os agentes que derem causa à violação.” (CARVALHO FILHO, 2009, p.28) (grifos no original)

O princípio da eficiência, portanto, prescreve que a Administração Pública deve destinar seus gastos para atender as necessidades sociais de forma menos onerosa e de modo a atingir os melhores resultados, por exemplo, na atuação de modo a prevenir o agravamento de uma necessidade.

No caso da obra em análise, é possível afirmar que a atuação eficiente da Administração Pública passaria pelo atendimento das necessidades de saneamento básico, de modo a prevenir doenças e outros problemas de saúde pública decorrentes da falta de saneamento. Nesse sentido, Cunha Junior  (2009, p.909) afirma:

A atividade administrativa deve ser desempenhada de forma rápida, para atingir seus propósitos com celeridade e dinâmica, de modo a afastar qualquer ideia de burocracia.

Deve ser, outrossim, perfeita, no sentido de satisfatória e completa. Uma Administração Pública morosa e deficiente se compromete perante o administrado com o dever de indenização pelos danos causados e decorrentes da falta de rapidez e perfeição.

Ademais, é preciso ser rentável, pois ela deve atuar da forma menos onerosa possível, porém com a máxima produtividade, para alcançar os resultados ótimos.

Como se percebe, o princípio da eficiência exige da Administração Pública uma capacidade gerencial para destinar as verbas ao cumprimento ou prestação dos serviços cujas necessidades são mais urgentes e que podem gerar uma economia de gastos futuros.

 

4.1.3 Supremacia do Interesse Público

O Princípio da supremacia do interesse público não está expresso no artigo 37 da Constituição, contudo, os autores de Direito Administrativo afirmam que ele pode ser inferido a partir de uma análise sistemática das normas constitucionais.

Tal princípio, em linhas gerais, implica que as necessidades ou interesses coletivos devem ser atendidos preferencialmente em relação aos interesses individuais, pois os primeiros refletiriam os valores, inclusive jurídicos, que permeiam a sociedade, o que lhes garante maior relevância.

Importa destacar que o atendimento prioritário ao interesse público, em detrimento do interesse particular/individual, não significa que ele seja absoluto. Ao se tratar de direitos e garantias individuais fundamentais em confronto com o interesse público, não pode este sobrepujar os primeiros de modo a anulá-los ou inviabilizar o seu exercício. Dessa forma, o interesse público deve prevalecer nas decisões e políticas públicas implementadas pela Administração, desde que os direitos e garantias individuais estejam também resguardados.

 

4.2 Planejamento e Orçamento – planos plurianuais

Plano Econômico é um instrumento de governo no qual se estabelecem as diretrizes para a regulação das atividades econômicas no país, sendo diretivo para o setor privado e obrigatório para o setor público. Assim dispõe o artigo 174 da Constituição:

Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. (MEDAUAR, 2012, p.125)

Ora, o Plano Econômico e Plano Nacional de Cultura são obrigatórios para o Estado por força de disposição constitucional e devem estar conectados com o orçamento governamental.

Uma vez previstas as regras orçamentárias e as diretrizes dos planos, o Estado está vinculado ao seu cumprimento, devendo destinar cada verba ao setor previamente determinado. Neste sentido, é nítida tal situação na obra analisada durante a cena em que uma funcionária pública diz que não possui verbas para a realização de obras de saneamento básico, a única verba disponível seria para a produção de algum bem cultural.

Observe-se que a Administração Pública está adstrita ao disposto nas leis e diretrizes orçamentárias, mesmo porque há a aplicação do princípio da legalidade. O orçamento público é elaborado com anterioridade e prevê o montante e os setores onde serão gastos os recursos disponíveis para a atuação governamental.

Neste contexto, os planos plurianuais, como o de Cultura, são um instrumento interessante para gerir as políticas públicas para um determinado setor, bem como para garantir a duração prolongada de determinadas políticas. Tais planos permitem uma discussão mais aprofundada sobre quais rumos tomar na política de um determinado setor, como implementar as ações e políticas públicas e ainda garantem que tais políticas não sejam modificadas substancialmente ou abandonadas pelos governos subsequentes, pois são instituídos por lei.

A pertinência e atualidade das políticas públicas previstas pelos planos plurianuais, por sua vez, são garantidas pela previsão de reforma e readequação dos objetivos dos planos periodicamente.

A distribuição da verba entre os setores, contudo, deve obedecer ao princípio da eficiência, que rege a Administração Pública. A aplicação deste princípio implica que a distribuição de verbas deve ser feita de modo a atender ao máximo de necessidades do povo. Também implica atender as necessidades da forma menos onerosa e mais satisfatória possível.

Partindo do pressuposto de que devem ser atendidos os princípios do Estado Democrático de Direito, pode-se afirmar, juntamente com Heller e Fehér (1991, p.72)[4]que “as necessidades daqueles que mais sofrem têm de ter prioridade de satisfação.”, ainda que todas devam ser reconhecidas e contempladas em alguma medida pela atuação do Estado.

Neste ponto, aplicando-se preponderantemente o princípio da eficiência, poderia se dizer que o atendimento das necessidades básicas de saneamento dos personagens do filme devem ser atendidas em primeiro lugar, preferencialmente ao atendimento da necessidade de fomento e incentivo a uma produção cultural.

A Administração Pública, porém, não pode se descuidar de outro princípio que lhe norteia os atos, o princípio da legalidade.

Para, então, solucionar o impasse que surge, pode-se partir da auto-afirmação da própria comunidade em eleger quais das suas necessidades são mais prementes e, portanto, deveriam ser atendidas prioritariamente.

Ao criar planos para organizar sua prestação de serviços à sociedade, o Estado deve se pautar nos princípios da administração pública, especialmente a legalidade, supremacia do interesse público e a eficácia. Segundo Francisco, Faria e Costa (2006, p1)

Administrar bens públicos requer uma gestão fiscal responsável, ou seja, prioridade no atendimento ao cidadão, qualidade na aplicação dos recursos públicos, transparência e democratização da gestão pública. Essas são premissas básicas para uma gestão integrada do planejamento e orçamento, visando à melhoria da prestação de serviços públicos para atender às demandas da sociedade, dentro de um enfoque de modernização.

O foco então é: em que gastar? “A ação planejadora do Estado vai além da simples produção econômica, alcançando também o que ele define como “Produção Social”, que tem um sentido mais amplo que produção econômica, envolvendo diversos aspectos da vida social da população” (SOUZA, 2012).

É a ”produção social a maior dificuldade do planejamento público, pois a resposta social é imprevisível, tornando impossível prever o retorno do planejamento. Segundo Souza (2012) “Modelos matemáticos podem ser úteis na simulação de diferentes cenários, mas nem sempre são eficazes, dada a complexidade decorrente das inúmeras reações possíveis, o que inviabiliza a construção de um modelo perfeito, que possa prever todas as variáveis envolvidas.”

Por não serem matemáticos, os problemas sociais e alguns problemas econômicos tem várias soluções possíveis e ao planejar, o ente deve escolher uma alternativa. E, é justamente nesse ponto que entram os aspectos políticos do planejamento. Mas deve se ter claro que a decisão governamental de como gastar envolve interesses da sociedade como um todo e não já como estabelecê-los apenas por critérios técnicos.

Segundo o próprio ministério do planejamento o ciclo é: 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Mas a discussão surge quando analisamos como o governo determina o problema ou demanda social. Este ponto é crucial para o surgimento dos planos e é básico para o estabelecimento de orçamentos anuais dos entes federados.

No Brasil, hoje, temos a criação de vários planos com um impacto substantivo nos orçamentos que em última instância não conseguem atender ao real interesse social. Acreditamos que o grande problema é o governo não propiciar efetivamente a participação social na determinação dos anseios da sociedade, deixando apenas ao cargo de técnicos, esta definição, no melhor dos cenários, pois quase sempre é uma questão de interesses políticos do próprio governo ou de sua base governista nos órgãos de representação que deveriam ser públicos (congresso, câmara de vereadores e afins).

A necessidade de se criar meios para que a sociedade participe diretamente destas definições urge e apenas assim conseguiremos evitar casos como no filme “saneamento básico”.

 

4.3 Vinculação dos atos administrativos e participação da população

Em razão da aplicação dos princípios constitucionais tem-se que, como já abordado, a Administração Pública tem seus atos vinculados. Os atos administrativos são vinculados não apenas à Constituição e à legislação infraconstitucional, como também são vinculados aos motivos e decisões da própria Administração.

Embora existam atos, da Administração Pública, considerados discricionários, estes são exceção dentro do ordenamento jurídico. Regra geral, todos os atos administrativos devem seguir estritamente o que está disposto na legislação e mesmo os atos discricionários não se eximem de motivação.

Como a Constituição estabelece que o Estado brasileiro é Democrático de Direito, estabelece também que a participação popular na política deve ser garantida e ampliada para os vários setores de tomada de decisão, não devendo ficar restrita ao ponto inicial de levantamento de problemas e demandas da sociedade como proposto pelo Ministério do Planejamento (figura acima). Isto para que as decisões e políticas públicas reflitam os reais interesses da sociedade a qual se destinam.

A participação política pode se dar de várias formas (PIZZORNO, 1975) e, a Administração deve implantar formas para que a sociedade efetivamente participe das decisões políticas. Uma vez implantada a participação popular, a Administração está vinculada às decisões oriundas dessa participação, não podendo deixar de cumpri-la.

Não se pode esquecer que, a Administração Pública deve levar em conta as necessidades da sociedade e atendê-las da melhor forma possível. Assim, por exemplo, se há a discussão pública e votação em orçamento participativo para a realização de uma ou outra obra, a Administração Pública está obrigada a realizar prioritariamente a obra eleita pela população como de maior interesse, pois se vincula às decisões tomadas, especialmente em âmbito de participação popular.

 

5 O FILME SANEAMENTO BASICO E MEIO AMBIENTE NAS POLITICAS GOVERNAMENTAIS

5.1 Resumo do filme

O longa-metragem Saneamento Básico – o filme é uma produção de Jorge Furtado, de 2007, que apresenta uma crítica social ao planejamento público e ao descaso com as necessidades sociais.

O filme se passa na fictícia comunidade de Linha Cristal, distrito do município de Antonio Pádua, na Serra Gaúcha. Lá, a comunidade se reúne para formular uma carta para reivindicar a construção de uma fossa para tratamento do esgoto que estava causando mau cheiro e até doenças na comunidade.

Uma comitiva formada por Marina, seu marido Joaquim e seu pai Otaviano, vai a prefeitura apresentar a tal carta, e ao conversar com a secretaria do prefeito, já descobrem que a prefeitura não tem os 8 mil necessários para a realização da obra. Mas a mesma informa que existe uma verba de 10 mil reais para produção de um vídeo de ficção financiado pelo Programa de incentivo as obras audiovisuais do Ministério da Cultura, e que seria um desperdício devolver o dinheiro ao governo federal.

Empolgada Marina aceita o desafio, imaginando produzir um filme de baixo custo que cumprisse os requisitos para obtenção da verba – ficção e de ser um curta metragem de 10 minutos – utilizando o restante da verba para construir a fossa.

Como nunca tivera contato com uma câmara de vídeo, feitura de roteiro ou mesmo o significado de ficção, Marina inicia uma jornada para se familiarizar com estes temas e conta com a ajuda da comunidade, da família e da secretária da prefeitura para realizar o intento. E surge assim o filme o monstro do fosso, exibido pela primeira vez na cidade de Antonio de Pádua, torna-se um sucesso, atraindo vários turistas, mas o ponto inicial que era a realização da obra de saneamento básico, que é a feitura da fossa, acaba sendo interrompida, mas a cidade atrai verbas e turistas que querem ver o local onde se passou a história.

 

5.2 A separação entre meio ambiente cultural e meio ambiente natural como problema para o atendimento das necessidades sociais 

A questão ambiental e sua proteção, seja natural ou cultural, vêm crescendo muito nos últimos anos, demonstrando a preocupação estatal em implementar os preceitos constitucionais. A separação, entretanto, entre meio ambiente natural e cultural, que se configura na organização dos órgãos estatais, onde meio ambiente natural é tratado por um ministério e meio ambiente cultural por outro, é um problema tão grande quanto a falta de comunicação entre ambos. Ora, como já dito diversas vezes é impossível levar a cabo a proteção de um sem realizar a proteção do outro, e logo o trabalho deve ser comum para evitar aberrações como a que é retratada no filme “Saneamento Básico”, onde uma verba que poderia ser destinada ao meio ambiente, poderia possibilitar o tratamento do esgoto a céu aberto no povoado Linha Cristal. Mas a verba era direcionada apenas a proteção do meio ambiente cultural, o que não possibilitou seu uso obrigando os habitantes a pensar em outras formas de realização do que necessitavam. Manipulando a destinação final das verbas para o que realmente necessitavam.

O cinema é uma forma de manifestação cultural que deve ser protegido como todo o meio ambiente, este seu patamar é inquestionável e sua preservação tem significativo papel para a sadia qualidade de vida. E hoje como difusor de cultura imaterial tem sido um dos mais ameaçados, pois esta cada vez mais influenciado pela cultura estrangeira como por exemplo a trilha sonora para o curta produzido no filme que é “It had to be you

Segundo REISEWTIZ (2004, p. 132) o patrimônio cinematográfico

é um bem da vida sobre qual incidem os direitos de preservação, tendo em vista sua importância para a garantia da sadia qualidade de vida humana, fazendo emergir o bem cultural. Este, por sua vez, é um recurso ambiental, com a roupagem dos interesses culturais, pois, como temos afirmado, sempre que nos deparamos com o direito a preservação de um bem que seja meio para garantia da qualidade de vida e/ou manutenção da vida em todas as suas formas, estamos diante de um recurso ambiental

Mas ao mesmo tempo o equilíbrio entre meio ambiente e desenvolvimento social numa região urbanizada exigira atenção a ações corretivas e mitigadoras de danos ambientais, visando realizar o bem estar da população. (HOGAN, 2006)

Na sociedade, como um todo, a captação e tratamento de água, assim como a coleta e tratamento (ou não) de esgotos implicam impactos ao meio ambiente, mas também aos orçamentos públicos e ao equacionamento das forças políticas de qualquer região (HOGAN, 2006). Mas o fator higiene na manutenção da saúde é direito fundamental. Água e esgoto então representam a qualidade ambiental que deve propiciar uma sadia qualidade de vida

Neste caso do filme surge inicialmente uma real contraposição entre meio ambiente natural e cultural, onde apenas um deveria ser protegido, o que é impossível na lógica ambiental. E que ao final demonstra esta não separação, pois o meio em que os cidadãos que aparecem no filme viviam acaba por influenciar na produção cultural, surgindo aí o monstro do fosso. Este sintetiza o meio ambiente em que os cidadãos de Linha Cristal vivem e sua relação com ele, desmascarando a falsa separação.

Outro ponto fragilizado das políticas públicas que aparece claramente no filme, é a falta da educação ambiental que pelo determinado na Constituição é ponto obrigatório como política pública do Estado, inclusive legalizado pela Lei de política nacional de educação ambiental, Lei 9.795/99. Apesar de querer a fossa, os cidadãos do vilarejo estão apenas preocupados com o mal cheiro que a poluição gera e não com a poluição em si, fato apresentado na fala inicial do filme  quando Seu Otaviano interrompe a fala de Marina:

MARINA: É…, melhor… Então foi por isso, Sr. Prefeito, que a comunidade de Linha Cristal, reunida nas dependências da Movelaria Marghera, resolveu tomar providências a respeito…

SR. OTAVIANO (INTERROMPENDO): … do cheiro de cocô. (risos)

Outro ponto que o filme critica claramente é a informação de massa veiculada pelos órgãos de comunicação que defendem o fim da poluição, a preservação do meio ambiente, mas não demonstram o porquê ou como isso deve ser realizado. Aparecendo como mais um modismo que a sociedade deve seguir por estar na moda. Isso pode ser percebido em dois momentos do filme, no próprio vídeo produzido ao final pelas personagens do filme e quando Silene critica seu namorado por sujar a cachoeira, mas não sabe lhe dizer o que fazer com a lata que ia jogar lá

SILENE: Jogar a lata na cachoeira?

FABRÍCIO: O que é que tem?

SILENE: O que é que tem? Imagino você, dono de uma pousada. Depois reclamam que aqui não tem turismo.

FABRÍCIO: Turismo? E quem vai vir fazer turismo aqui nessa cachoeira?

SILENE: Cheia de lata de cerveja, ninguém.

FABRÍCIO: Onde você queria que eu jogasse a lata?

SILENE: Ali. No mato. Parece idiota…

Assim, o filme traz uma discussão de fundo (ou seria de primeiro plano?) sobre o planejamento governamental e se seu cumprimento e principalmente se vem efetivando o princípio do interesse público primário que como conceitua Rodrigues (2002) pertence ao povo e que o estado encarrega de promover e efetivar.

 

5.3 A participação social na tomada de decisões nas políticas públicas – a busca da solução

Como se viu, o planejamento público é obrigatório para a Administração Pública e deve seguir todos os princípios que regem a sua atuação, especialmente os princípios da legalidade, eficiência e supremacia do interesse público.

Uma vez cumprida a exigência constitucional e estabelecidos os orçamentos e planos plurianuais de atuação e políticas públicas, a Administração está vinculada a estes instrumentos de governo e gestão, devendo segui-los e cumpri-los, de modo a efetivar seus objetivos.

Garantir que a população participe de forma autônoma nos processos de elaboração dos planos plurianuais e orçamentos, bem como nas tomadas de decisões quanto às políticas públicas a serem implementadas implica garantir a efetiva participação política dessa população.

Uma vez garantida a participação política, é de se considerar que as diretrizes para as políticas a serem implantadas em uma determinada comunidade devem ser estabelecidas pela própria comunidade.

Cada comunidade vive momentos de tensão e aproximação com outros grupos culturais em razão de semelhanças e diferenças culturais e valores sócio-historicamente construídos. Assim, cada sociedade forma sua identidade cultural, pautada por seus próprios valores, que se refletem em suas maneiras de agir. A identidade, como lembra Taylor (1994) também é moldada pelo (não)reconhecimento da sociedade por outros grupos, inclusive o Estado/Administração Pública.

Ressalte-se mais uma vez a necessidade de se garantir a participação da população nos processos de decisão política, pois, caso contrário, corre-se o risco de a Administração decidir com base em valores alienígenas e implementar políticas públicas que não reconheçam nem sejam efetivamente reconhecidas pela comunidade a qual se destina.

Se cada comunidade possui seus próprios valores e identidade cultural, as necessidades de cada comunidade são também diferentes e características, bem como a sua ordem de importância para satisfação.

Ora, dessa forma, o único sujeito apto a declarar qual a necessidade mais premente de uma comunidade, portanto a que deve ser atendida preferencialmente, é a própria comunidade, pois ela se forma e se constitui a partir de uma autodeterminação. E esta autodeterminação é garantia constitucionalmente estabelecida.

Assim, se não há a dicotomia entre cultura e meio ambiente, as necessidades de uma comunidade passam por estes dois aspectos, ora colocando um ora outro em maior destaque. Diante disso, é a comunidade que determina quais valores a serem implementados pela política pública e de que forma, de maneira a preservar sua cultura e sua forma de interação com o meio ambiente.

 

6 Conclusão

Retomando os problemas apresentados em “Saneamento Básico, o Filme”, é possível verificar a necessidade de implementação de políticas públicas pelo Estado brasileiro que protejam o meio ambiente de forma integral como reconhecido e apresentado no âmbito internacional e necessário a sua real aplicação.

A situação apresentada no filme demonstra a separação entre Estado e comunidade, que não pode ocorrer por ferir os princípios constitucionais e da Administração Pública.

O Estado deve buscar garantir a participação comunitária e a educação ambiental estabelecida pela Constituição da República para a real efetivação do Estado Democrático de Direito, existente no Brasil.

Assim, população e Estado devem trabalhar conjuntamente evitando as atuais disparidades entre interesse público e planejamento administrativo.

 

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[1] Mestre em Direito Constitucional pela UFMG. Mestre em Direito Ambiental pela Universidad Internacional de Andalucía. Doutoranda em Geografia pela UFMG em convênio da Université d’Avignon (França). Professora de Direito Ambiental, História do Direito e Metodologia do Curso de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.

[2] Mestre em Filosofia do Direito pela UFMG. Doutoranda em Direito pela UFMG. Professora da Faculdade Estácio de Sá de Belo Horizonte/MG.

[3] Trazendo a colação a teoria de Norberto Bobbio (1992) os interesses difusos ou direitos difusos são a 3ª geração de direitos, onde a participação democrática é essencial, pois o titular do direito não é identificável e a satisfação do direito só se realiza numa perspectiva comunitária. A primeira geração, segundo ele é a direitos individuais e a segunda de direitos coletivos. Apesar de neste trabalho acreditar-se que os direitos humanos não são passiveis de fragmentação, formando um todo onde os novos se acrescentam aos já estabelecidos, adaptando os as novas situações geradas na sociedade, como acredita Antonio augusto cançado trindade (1993) . A teoria da geração de direitos ainda é a forma mais didática de apresentar os direitos por expô-los à época histórica de seu surgimento.

[4] “the needs of those suffering most have to have a priority in satisfaction.” (grifos no original)