Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva

Glenda Rose Gonçalves Chaves[1]
Nicole Bianchi Barbosa
[2]

 

RESUMO: A imprensa durante muitos anos sofreu momentos de censura e repressão, e a conquista desta plena liberdade, foi um grande passo para a consolidação do direito fundamental de se expressar, informar e exercer esta profissão. Contudo, esta pode também ser uma atividade prejudicial se utilizada de forma abusiva e sensacionalista, uma vez que é capaz de atingir outros direitos garantidos constitucionalmente, como a honra, imagem e presunção de inocência. Dessa forma, o presente artigo busca analisar esse limite entre a liberdade de imprensa e os direitos de personalidade e direito à presunção de inocência, com vistas à construção de um Estado Democrático de Direito e garantir máxima efetividade à Constituição Federal de 1988.

 

PALAVRAS-CHAVE: Liberdade de imprensa; direitos de personalidade; princípio da presunção de inocência. 

 

ÁREA DE INTERESSE: Direito Constitucional

 

1 Introdução

Os meios de comunicação, desde os momentos iniciais da história, sofreram com a censura e repressão. A busca pela plena liberdade foi um grande passo para a consolidação do direito fundamental de se expressar, informar e exercer esta profissão.

Nesse sentido, a liberdade de expressão, especialmente a liberdade de imprensa, tem sido vista como um dos pilares de construção de Estados Democráticos. Diante disso, ao se falar em democracia, pretende-se que exista, na referida sociedade política, liberdade de imprensa.

De outro lado, esta pode também ser uma atividade prejudicial se utilizada de forma abusiva e sensacionalista, já que é capaz de atingir outros direitos garantidos constitucionalmente, como a honra, imagem e presunção de inocência.

Exercida desta maneira, a liberdade de imprensa poderá gerar irreparáveis prejuízos ao indivíduo, bem como o seu pré-julgamento, tornando-o à margem da sociedade, ainda que inexista sobre o mesmo uma sentença condenatória transitada em julgado.

Por tudo isso, a liberdade de imprensa, sua relação com os direitos de personalidade e com o princípio da presunção de inocência tornam-se de suma importância na contemporaneidade. Dessa forma, o presente artigo tem por objetivo realizar uma reflexão sobre esses temas que são correlacionados, de modo a repensá-los dentro da ótica brasileira.

 

2. Imprensa e Censura no Brasil

O exercício de imprensa no Brasil é marcado, em vários momentos da história, pela censura. O governo durante muito tempo manteve o domínio das informações, estipulando regras para a sua divulgação e regulando os meios de comunicação existentes.

A censura ocorria de forma mais ou menos rígida conforme a época das publicações e de acordo com a abrangência dada às normas constitucionais, referentes à proteção deste princípio.

Este meio de repressão deixou grandes marcas na história do país, por isso qualquer assunto relacionado deve ser tratado com precaução, para que não seja retomada a supressão de direitos já conquistados e garantidos constitucionalmente.

O direito fundamental à liberdade de expressão e informação garante a livre manifestação do pensamento, sendo “conditio sine qua non para a existência do regime democrático(DONNINI, 2002, p.31). Por isso, além das previsões constitucionais nos artigos 5º, IV, IX e XIV, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos também denominada Pacto de São José da Costa Rica, também prevê o direito ao livre pensamento e expressão.

Para a garantia da liberdade das comunicações, no período ditatorial, foi criada uma Lei que regulava as atividades da imprensa no país. No entanto, em 30 de abril de 2009, esta lei (Lei n. 5.250/67) a partir da decisão do Supremo Tribunal Federal, foi declarada como não recepcionada pela Constituição Federal de 1988, por ter sido considerada incompatível com os princípios elencados nesta última, por meio da ADPF 130.

Um dos motivos que levaram a apresentação desta ADPF foi o fato de que a Lei 5.250/67 foi criada no período da ditadura militar, o que implica na vigência de normas que, muitas vezes, vão contra os preceitos elencados na atual Constituição Federal, como a existência de censura a espetáculos públicos.

Ademais, a Constituição Federal já regulamenta toda esta matéria, inclusive autorizando a livre imprensa, sem quaisquer restrições, além de garantir o direito a indenização por danos morais e materiais, bem como o direito de resposta a quem se sentir prejudicado.

Por isso, é possível verificar, no julgamento da ADPF 130, que o Ministro Celso de Mello em seu voto afirma que nenhum direito é absoluto, e sendo assim a liberdade de expressão também não o é, e possui limitações, principalmente quando entra em confronto com outros direitos fundamentais garantidos na Constituição de 1988:

A mesma Constituição que garante a liberdade de expressão, frisou Celso de Mello, garante também outros direitos fundamentais, como os direitos à inviolabilidade, à privacidade, à honra e à dignidade humana. Para Celso de Mello, esses direitos são limitações constitucionais à liberdade de imprensa. E sempre que essas garantias, de mesma estatura, estiverem em conflito, o Poder Judiciário deverá definir qual dos direitos deverá prevalecer, em cada caso, com base no princípio da proporcionalidade.[3]

A liberdade de pensamento, conforme dispõe Cláudio Luiz Bueno de Godoy (2001, p.56) é o direito basilar, que origina a liberdade de expressão, seja ela artística, científica ou intelectual. Neste contexto, a Constituição Federal de 1988, tutela em seu artigo 5º, entre outros, o conjunto de direitos que derivam desta liberdade.

Ainda no referido diploma legal, o artigo 220 proíbe a criação de lei que implique em idéias controvertidas a respeito da liberdade de imprensa, e veda a censura, independente de sua natureza, assegurando tal liberdade.

Em verdade, a proteção a estas liberdades é expressamente garantida, mas possui condições necessárias ao seu exercício, tais como a vedação ao anonimato na manifestação de pensamento, prevista no inciso IV do artigo 5º.

Em outro aspecto, o sigilo da fonte é autorizado no artigo 5º, inciso XIV, podendo isto ocorrer somente nos casos em que o exercício profissional assim exigir. Neste mesmo dispositivo, há a garantia de acesso a informação.

Conforme afirma Cláudio Luiz Bueno de Godoy (2001) o direito de ser informado, está ligado à liberdade de informação. Por isso, esse último:

Antes de ser concebido como uma liberdade de manifestação e expressão do pensamento, modernamente vem sendo entendido como dotado de forte componente de interesses coletivos, a que corresponde, na realidade, um direito coletivo à informação. (GODOY, 2001, p.58)         

Por outro lado, em que pese a garantia à liberdade de se expressar, informar e ser informado, a dignidade da pessoa humana se reflete em outras proteções que também são essenciais para que o homem possa desenvolver sua personalidade no convívio social, tendo a segurança mínima de exercício de seus direitos individuais.

 

3. Ataque e violação aos direitos de personalidade

A partir da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, bem como da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1789 e 1949 respectivamente, houve maior destaque para a proteção dos direitos de personalidade.

No Brasil, a proteção aos direitos individuais é expressamente garantida no artigo 5º da Constituição, especificamente em seu inciso XLI, que dá uma proteção genérica, ao dispor que haverá punição a qualquer ato discriminatório que atente contra os direitos e liberdades fundamentais, sendo possível pleitear reparação moral e patrimonial como forma de indenização a ofensa cometida.

Conforme assinala Cláudio Luiz Bueno de Godoy:

a teoria dos direitos da personalidade, tanto quanto suas formas de tutela, evoluiu e foi progressivamente se sistematizando à exata medida que se desenvolveram as idéias e valorização do homem, de sua compreensão como centro e fundamento, mais do que destinatário, da ordenação social. (2001, p.23)

O Código Civil também estabelece proteções a estes direitos em seus artigos 11 a 21, entre elas, a de que são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo ser limitados ou ameaçados. (DONNINI, 2002, p.56.)

Garantidos os direitos da personalidade, toda pessoa submetida a qualquer tipo de acusação que implicasse em sanções penais deveria, antes de tudo, ter respeitados seus direitos como cidadão, levando-se em consideração o princípio da dignidade da pessoa humana.

 

4. Do princípio da presunção de inocência

O princípio da presunção de inocência foi inicialmente consagrado na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789[4], na qual em seu artigo 9º, é disposto que: “todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e, se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela lei.”

Este tornou-se um princípio constitucional brasileiro, previsto no artigo 5º, inciso LVII, onde há a garantia de que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.”

Assim, no devido cumprimento do processo penal, há que se observar, entre outros princípios, o da presunção de inocência, sendo que, se não há culpabilidade, ou indícios suficientes para comprovar a mesma, não há que se falar em sanções ao imputado, devendo o mesmo ser absolvido.

Por isso, não se pode ignorar a possibilidade de inocência do indivíduo, afastando o tratamento que lhe é devido como aquele que ainda não foi condenado, uma vez que, há inocência enquanto não houver culpabilidade.

O princípio da presunção de inocência, por Luigi Ferrajoli (apud LOPES JUNIOR, 2008, p.177), é uma:

decorrência do princípio da jurisdicionalidade (…) pois, se a jurisdição é a atividade necessária para obtenção da prova de que alguém cometeu um delito, até que essa prova não se produza, mediante um processo regular, nenhum delito pode considerar-se cometido e ninguém pode ser considerado culpado nem submetido a uma pena.  

Por isso, a garantia de manutenção da presunção de inocência até o trânsito em julgado da sentença deve permanecer independentemente do fato pelo qual o indivíduo está sendo acusado. Desta forma, há o desenvolvimento de um processo no qual cabe a acusação buscar fatos que comprovem a culpabilidade, caso contrário, esta não existirá.

Neste sentido, tem-se que a presunção de inocência é uma proteção a pessoa contra as penas arbitrárias do Estado, ou seja, além de uma garantia de liberdade, é também uma segurança jurídico-social. (LOPES JUNIOR, 2008, p.177).

Interessante, nesse aspecto, é a proteção ao referido princípio em face da liberdade de expressão. A liberdade de imprensa pode conduzir a violação do princípio da presunção de inocência, especialmente nos casos em que o indivíduo, investigado espera pela solução judicial do seu caso, encontra-se exposto de forma explícita na mídia.

Nesta situação, a intervenção da mídia gera, muitas vezes, uma falsa e imediata solução para o caso, o que pode vir a desrespeitar, não só a técnica jurídica, mas também os direitos garantidos àquele que está sofrendo a investigação ou a instrução processual penal. Neste aspecto, interessante a contribuição de Henri Leclerc e Jean-Marc Théolleyre ao afirmarem:

De fato as mídias entraram diretamente em concorrência com a justiça. Elas querem revelar a verdade para que a opinião pública julgue antes que a justiça seja capaz de levar sua decisão a público, com todas as precauções, as formas processuais e o ritual de julgamento. (2007, p. 54).   

A presunção de inocência, portanto, deverá fazer parte do processo judicial a qual um indivíduo se submete, havendo que se discutir os limites da liberdade de expressão e do exercício da imprensa nos casos de repercussão social, para que um pré-julgamento seja evitado, bem como as conseqüentes violações aos direitos de personalidade e presunção de inocência.

De acordo com o que estabelece Aury Lopes Jr. (2008), em uma perspectiva externa do processo, a forma de tratamento dada ao imputado, gera limites em relação à publicidade abusiva, tornando obrigatório que o indivíduo seja tratado como se inocente fosse. Neste sentido:

 (…) a presunção de inocência (e também as garantias constitucionais da imagem, dignidade e privacidade) deve ser utilizada como verdadeiros limites democráticos à abusiva exploração midiática em torno do fato criminoso e do próprio processo judicial. O bizarro espetáculo montado pelo julgamento midiático deve ser coibido pela eficácia da presunção de inocência. (LOPES JÚNIOR, 2008, p.180).

 A presunção de inocência é grandemente violada, em situações em que a imagem do indivíduo investigado é divulgada como a do indivíduo responsável pelo delito.

Também o direito de informar, bem como o de ser informado, em alguns aspectos é exercido de forma a interferir no regular exercício dos direitos à intimidade, à vida privada, à honra, bem como à presunção de inocência. Isto porque, no livre exercício destas liberdades, há inúmeras possibilidades em que estas se colocam em situações opostas e por isso, entram em conflito.

No entanto, vale destacar que esta interferência não poderá gerar a sobreposição de direitos, já que nenhum destes direitos é absoluto e todos se encontram em paridade constitucional.

 

5. Atividade de imprensa: formação de opinião e clamor público

A publicidade dos atos processuais é um princípio que se relaciona com a liberdade de imprensa, não havendo proibições quanto à divulgação de informações da Justiça pela mídia, exceto nos casos citados em lei.

Esta garantia constitucional está descrita no artigo 5º, inciso LV da Constituição Federal, no qual “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”.

Porém, atualmente, quando ocorrem casos de repercussão social, o que se verifica é a atuação da mídia que, muitas vezes, acaba por desrespeitar o princípio da presunção de inocência, ao realizar juízos de valor prévios, bem como ao explorar de maneira negativa a imagem do indiciado.

Isto é demonstrado à medida que, para cumprir a função social de informar a sociedade e em respeito ao interesse público, a divulgação de fatos acaba por provocar a formação de um pré-julgamento social, o que, de certa forma, contribui para a concretização de um juízo de culpabilidade antecipado.

Além disso, os direitos de personalidade, apesar de precisarem ser respeitados frente à imprensa, são, muitas vezes, desconsiderados quando o caso em questão envolve também a curiosidade do público.

Dessa forma, quando a imagem de um suspeito é veiculada em variados meios de comunicação, a imprensa atua com o objetivo de obter qualquer declaração deste indivíduo. Esta ação causa a idéia de que os jornalistas estão atuando de forma correta, em busca de informações sobre o delito cometido para que a sociedade esteja informada, não se considerando nestes casos que o direito à imagem e a presunção de inocência podem estar sendo violados.

 É possível verificar que muitas das informações veiculadas pela mídia, são relacionadas a situações em que há forte impacto social, o que muitas vezes gera comoção pública. Nesses casos, a exposição da imagem, bem como nome e intimidade dos sujeitos envolvidos em escândalos, fere os princípios inerentes ao homem, frente a liberdade de se expressar.

Se por um lado a imprensa é fundamental para a garantia do Estado Democrático de Direito, por outro, não se pode negar que há uma vertente da imprensa que não se preocupa em respeitar estes direitos fundamentais, divulgando de forma chocante e sensacionalista, fatos que em sua maioria, nem mesmo possuem uma investigação completa, de modo a prejudicar o agente denunciado ou investigado, o que ofenderia de maneira direta o princípio da presunção de inocência.

É inegável a função sócio-política e cultural dos meios de comunicação e a influência que os mesmos exercem na formação da opinião pública. Por isso, muitas vezes, a mídia divulga informações de forma a inibir a proteção dos direitos individuais, o que gera a noção de que o sujeito em foco não possui o direito de resguardar a sua honra, privacidade, imagem, dentre outros.

Sobre opinião pública, afirma Norberto Bobbio (1998, p. 842) que esta “é sempre discutível, muda com o tempo e permite discordância: na realidade, ela expressa mais juízos de valor do que juízos de fato, próprios da ciência e dos entendidos.” O autor afirma ainda que: “para que a opinião pública possa desempenhar sua função, é necessária a ‘publicidade’ das discussões parlamentares e dos atos do Governo, e a plena liberdade de imprensa”. (BOBBIO, 1998, p.844). (2008, p.180).

Ao se referir à plena liberdade de imprensa como meio essencial para o desenvolvimento da opinião pública, o referido autor confirma a importância deste direito, na formação de idéias da sociedade, bem como no seu posicionamento sobre determinado fato.

E como afirma Cláudio Luiz Bueno de Godoy:

(…) é preciso verificar se, no caso concreto, o sacrifício da honra, privacidade ou imagem de uma pessoa se impõe diante de determinada informação ou manifestação que, de alguma forma, se faça revestida de interesse social, coletivo, sem o que não se justifica a invasão da esfera íntima ou moral do indivíduo. (2001, p.75)

Dessa forma, há que se ponderar se a existência do conflito entre estes direitos fundamentais deve implicar em sobreposição dos mesmos. Para isso, deve-se levar em consideração que em muitos casos, o exagero na publicação de uma notícia, torna-se intencional e isto gera lucros às grandes empresas de comunicação, já que este sensacionalismo atrai o público e conseqüentemente aumenta a venda de jornais, bem como mantém em alta a audiência.

Nas reflexões de Henri Leclerc e Jean-Marc Théolleyre:

Entretanto, quão difícil é essa relação entre justiça e as mídias, essas duas instituições que velam às portas da democracia! Suas disputas incessantes fazem, por vezes, esquecer o essencial:  a justiça independente é necessária para que, perante todos os poderes e abusos, os direitos iguais, a liberdade e a dignidade de cada um sejam respeitados, e as mídias livres sejam indispensáveis ao cidadão para que possam exercer suas prerrogativas com todo conhecimento de causa. (2007, p.91).  

Portanto, há que se analisar com muito cuidado essa fronteira que divide a imprensa como sendo elemento fundamental para garantia do Estado Democrático de Direito, capaz de permitir informações amplas, realizar trabalho investigativo e informativo, com preciosidade e profissionalismo, daquela imprensa que objetiva, prioritariamente, a notícia de cunho sensacionalista. Afinal, tanto o desempenho da imprensa quanto da Justiça são fundamentais para consolidação da democracia.  

 

6. DO CONFLITO DE NORMAS

O conflito entre a liberdade de imprensa, os direitos de personalidade e o princípio da presunção de inocência, é verificado diariamente, quando a mídia expõe situações e pessoas envolvidas em fatos que despertam a curiosidade social, e quando estão relacionadas a crimes, condena antecipadamente o suspeito.

As ações da imprensa de exposição de imagem, nome, vida íntima e informações, acaba por suprimir as garantias individuais da pessoa, e, por outro lado, desperta curiosidade pública, uma vez que a sociedade, frente a uma situação de cometimento de crimes ou práticas não condizentes com os parâmetros sociais, cobra atitudes do Estado a partir dos fatos anunciados.

Ao divulgar informações com aspectos condenatórios de um determinado indivíduo para obter audiência e maior número de espectadores, a imprensa gera a reprovação da sociedade frente a este ato, o que ocasiona acusações precipitadas que podem gerar prejuízos irreparáveis a pessoa do acusado.

Assim, apesar do relevante papel da mídia, esta deve se preocupar em respeitar os limites estabelecidos pelos direitos de personalidade, para que não se promova um grande espetáculo de acusações realizado entre sociedade e imprensa, contra o suspeito.

O sucesso na divulgação de uma notícia não deve ser condicionado à violação de um direito fundamental, nem mesmo os direitos fundamentais serem ignorados para que se cumpra o direito/dever de informar.

Neste contexto:

o conflito ou a colisão de direitos fundamentais ocorre no momento em que duas pessoas, titulares de direitos diversos, enquadrados na categoria de fundamentais têm em confronto, conflito ou colisão o exercício destes direitos. (DONNINI, 2002, p.97)

Ocorre que, apesar de entrarem em conflito, por defenderem princípios diferentes, todos estes direitos são garantidos constitucionalmente, não havendo, portanto, hierarquia entre os mesmos. Sendo assim, nenhum destes direitos são absolutos, não havendo que se falar em sobreposição de um direito, uma vez que estão em paridade constitucional. (GODOY, 2001, p. 66).

Desta forma, afirma Kildare Gonçalves Carvalho: “Não existe direito absoluto, entendido como o direito sempre obrigatório, sejam quais forem as conseqüências. Assim, os direitos fundamentais não são absolutos nem ilimitados.”(2008, p.670).

Deve-se levar em consideração que, em muitos casos, o exagero na publicação de uma notícia, torna-se intencional e isto permite gerar lucros às grandes empresas de comunicação, já que este sensacionalismo atrai o público e, conseqüentemente, aumenta a venda de jornais, bem como mantém em alta a audiência.

Neste aspecto, é possível verificar vários casos tomados de forma sensacionalista pela imprensa, como o da Escola de Educação Infantil Base, ocorrido em 1994.

Observa-se que a mídia como representante e espelho de opiniões da sociedade, com a divulgação de matérias sensacionalistas, molda o pensamento social de forma que passam a existir pré-julgamentos e interpretações negativas a respeito da notícia, sem ao menos ser oferecida a possibilidade de defesa do indivíduo em foco. Isso acaba por resvalar no desrespeito ao princípio da ampla defesa, previsto no artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal de 1988.

Há que se ressaltar a necessidade da ponderação de valores, bem como da produção adequada de provas e o devido processo legal. Deve-se preservar, além disso, a dignidade da pessoa humana, consagrada no art.1°, inciso III, da Constituição Federal. Caso contrário, deverão os autores responder por eventuais prejuízos causados ao indivíduo, por notícias exageradas ou inverídicas que forem publicadas.

Com isto, é possível verificar que a Constituição de 1988 impõe limites ao exercício arbitrário da imprensa com o objetivo de preservar os demais direitos individuais. Ao mesmo tempo, ela protege as liberdades de imprensa, de expressão e de informação, com o fim de afastar qualquer tipo de censura e inibição desta atividade, conforme se verifica nos artigos 5º, incisos IV, IX, XIV, LX; e 220.

Neste contexto, é possível verificar a ponderação do legislador ao equilibrar estes direitos, sem que um se sobreponha ao outro. Sendo assim, ao mesmo tempo em que garante constitucionalmente estes direitos, impõe sanções quando a prática de um, violar o outro.

Em relação à imprensa, ainda que seu livre exercício represente a proteção contra a censura e contra a infundada limitação à liberdade de expressão, a arbitrariedade e o abuso cometidos na prática destes direitos, têm como conseqüência a aplicação de sanções constitucionais, já mencionadas, caso haja grave prejuízo ao indivíduo.

 

7. Da responsabilização por abusos cometidos

A necessidade de se responder pelos danos causados à pessoa, é também um meio de determinar que a mídia, ao veicular uma informação, verifique primeiramente sua veracidade, bem como a divulgue com a devida cautela para que não sejam invadidos, mas sim respeitados os direitos de personalidade do indivíduo e também a presunção de inocência deste.

Há, também, no inciso X, do artigo 5º, a inviolabilidade da honra, imagem, vida privada e intimidade, bem como o direito de se pleitear indenizações por danos morais, materiais e a imagem, caso estes sejam ofendidos. Também o artigo 5º, inciso V, assegura o direito de resposta, proporcional ao agravo, àquele que se sentir ofendido.

Assim, nos casos de evidente abuso da imprensa, havendo comprovada ofensa a um direito de personalidade, e tendo o ofendido a possibilidade de sofrer prejuízos com esta ação, este terá direito de pleitear indenizações para a reparação ao dano e constrangimento gerados

 

8. Considerações Finais

Em geral, frente ao conflito aparente entre normas constitucionais, como no caso dos direitos de personalidade, a presunção de inocência e a liberdade de imprensa, o que se busca é encontrar o equilíbrio entre estas normas, para que um direito não seja suprimido e gravemente violado em relação a outro.

Na ponderação e aplicação concomitante dos princípios constitucionais mencionados devem ser analisadas as peculiaridades do caso posto à apreciação judicial.

Com o objetivo de sanar o conflito entre estas normas, em que pese os casos nos quais há necessidade de um destes direitos ser afastado para que o outro seja plenamente exercido, é essencial que a informação jornalística seja repassada de forma responsável.

Para isso, há necessidade de que haja a busca sobre a verdade dos fatos, bem como imparcialidade em sua veiculação. Isto porque a publicação deve ocorrer em prol do interesse social e não com o objetivo de obter ampla divulgação do fato, por meio de publicações sensacionalistas, nem mesmo a fim de obter lucros e moldar a opinião da sociedade a respeito do fato e do agente envolvido, causando clamor público.

Há que se estabelecer o equilíbrio entre estes direitos e, em cada caso, a resolução do conflito existente entre eles deverá ser proporcional e razoável, levando-se em consideração os direitos de personalidade e presunção de inocência do indivíduo, bem como a liberdade de imprensa, para que nenhum destes sejam suprimidos, mas sim, possam ser plenamente exercidos, sem o cometimento de abusos que possam gerar ofensa.

Dessa forma, o papel da imprensa torna-se fundamental e o direito à liberdade de informação constitui passo importante para construção democrática. Especialmente no caso brasileiro, em que a censura esteve presente, isso se torna importante de se ver resguardado, para que a liberdade de manifestação do pensamento possa se exteriorizar de maneira livre e ampla. Contudo, o próprio texto constitucional traça balizas a garantir também à pessoa, direitos individuais importantes, tais como os direitos de privacidade e o princípio da presunção de inocência. Ainda mais no processo penal, em que, muitas vezes, a liberdade de locomoção está em jogo, e as emoções e fragilidades do ser humano se mostram à tona, o papel da mídia deve ser respaldado pela liberdade e também pela responsabilidade e um instrumento de preservação também dos direitos fundamentais.  

 

Referências

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[1] Professora de Direito Constitucional do Centro Universitário Newton Paiva. Mestre em Direito e Mestre em Letras. Advogada e licenciada em Letras. Coordenadora dos Cursos de Pós-Graduação em Direito Público da Puc Minas Virtual e professora de Direito Constitucional.

[2] Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva.

[3] Supremo Tribunal Federal – Disponível em:  http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=107402 Acesso em: 10/05/12

[4] Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão – Disponível em:  http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-anteriores-%C3%A0-cria%C3%A7%C3%A3o-da-Sociedade-das-Na%C3%A7%C3%B5es-at%C3%A9-1919/declaracao-de-direitos-do-homem-e-do-cidadao-1789.html Acesso em: 19/03/12.