Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva

Michael César Silva[1]
Vanessa Santiago Fernandes de Matos[2]

 

RESUMO: O presente estudo visa a analisar os contornos do princípio da boa-fé objetiva no Direito Privado contemporâneo, delineado no ordenamento jurídico brasileiro, através do Código de Defesa do Consumidor (1990) e do Código Civil (2002). O referido princípio passa a relativizar a autonomia privada nas relações jurídicas contratuais, para permitir aos contratantes exercer sua liberdade contratual de forma equilibrada e cooperativa.

Palavras-chave: contratos, boa-fé objetiva, justiça contratual, princípios.

Área de Interesse: Direito Civil; Direito Consumidor.

 

1- INTRODUÇÃO

O presente estudo propõe realizar uma reinterpretação do Direito Contratual à luz do princípio da boa-fé objetiva, tendo como pano de fundo, o fenômeno da constitucionalização do Direito Civil, o qual nos fornece mecanismos para releitura crítica e construtiva do modelo jurídico.

Pretende-se delinear os parâmetros norteadores impostos pela boa-fé objetiva ao Direito Contratual contemporâneo, por meio da análise de sua inserção no Código de Defesa do Consumidor e no Código Civil de 2002, através da técnica legislativa das cláusulas gerais, no intuito de garantir o adimplemento da relação contratual.

O princípio em comento possui indubitável relevo na interpretação das relações contratuais, donde se destaca a presença das funções da boa-fé-objetiva e a criação dos chamados deveres anexos de conduta, os quais norteiam o Direito Obrigacional, e, por conseguinte, o Direito Contratual.  

Nesse sentido, a boa-fé objetiva passa a relativizar a autonomia privada das partes permitindo aos contratantes exercer sua liberdade contratual, de forma equilibrada e cooperativa, e, sobretudo, primando-se pela imprescindível observância ao princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III, CR/88), valor fundamental a ser realizado pelo ordenamento jurídico.

 

2- A PERSPECTIVA CIVIL-CONSTITUCIONAL

O fenômeno da constitucionalização do Direito Civil ensejou profunda modificação nos métodos de interpretação do Direito Privado (TEPEDINO, 2003, p.115). Tal fato ocorreu devido à modificação do centro fundamental principiológico do Direito Civil, que passou a nortear-se por valores sociais e princípios consagrados na Constituição da República de 1988.

A esse novo sistema de normas e princípios, reguladores da vida privada, relativos à proteção da pessoa, nas suas mais diferentes dimensões fundamentais (desde os valores existenciais até os interesses patrimoniais), integrados pela Constituição, define-se como Direito Civil Constitucional (ou Direito Civil constitucionalizado). (FARIAS; ROSENVALD, 2007a, p.25, grifos no original). [3]

 

Paulo Luiz Netto Lôbo preleciona que a constitucionalização do Direito Civil “é o processo de elevação ao plano constitucional dos princípios fundamentais do direito civil, que passam a condicionar a observância pelos cidadãos, e a aplicação pelos tribunais, da legislação infraconstitucional.” (LÔBO 2003, p.199; LÔBO, 2005, p.3).

Esta mudança de paradigma deu-se em face da inserção de valores inerentes à pessoa humana, que passaram a orientar a interpretação dos institutos do Direito Civil, precipuamente, por meio da observância aos ditames do princípio da dignidade da pessoa humana, esculpido no artigo 1º, III da Constituição da República de 1988.

A expressão Direito Civil Constitucional quer apenas realçar a necessária releitura do Direito Civil, redefinindo as categorias jurídicas civilistas a partir dos fundamentos principiológicos constitucionais, da nova tábua axiológica fundada na dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), solidariedade social (art. 3º, III) e na igualdade substancial (arts. 3º e 5º). Ou seja, a Constituição promoveu uma alteração interna, modificando a estrutura, o conteúdo, das categorias jurídicas civis e não apenas impondo limites externos. (FARIAS; ROSENVALD, 2007a, p.27).

Destarte, a releitura do Código Civil à luz da Constituição da República de 1988, redefiniu o conteúdo de seus institutos, no sentido de funcionalizar as relações jurídicas privadas patrimoniais e adequá-las à nova ordem jurídica constitucional, fundada em valores extrapatrimoniais, visando à promoção do bem comum e o interesse coletivo.

Nessa esteira, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, expõem com brilhantismo que “O Estado Democrático de Direito centrado na especial dignidade humana proclama a despatrimonialização e a personalização do direito privado.” (FARIAS; ROSENVALD, 2007b, p.3). [4]

Assim, o caráter individualista, egoístico e patrimonialista, que permeou o Código de 1916, fora substituído pela inserção de valores e normas (princípios e regras) constitucionais, tendo por arcabouço a dignidade da pessoa humana, princípio fundamental da República.

Nesse contexto, Gustavo Tepedino preleciona ser “imprescindível e urgente uma releitura do Código Civil e das leis especiais à luz da Constituição.” (TEPEDINO, 2004, p.1).[5]

Paulo Luiz Netto Lôbo assevera ainda que “[…] os valores decorrentes da mudança da realidade social, convertidos em princípios e regras constitucionais, devem direcionar a realização do direito civil, em seus variados planos.” (LÔBO, 2003, p.216).

Esta modificação no critério hermenêutico que perpassa o Direito Civil, segundo preceitos constitucionais, consagrados na Constituição da República de 1988, importa em:

[…] estabelecer novos parâmetros para a definição de ordem pública, relendo o direito civil à luz da Constituição, de maneira a privilegiar, insista-se ainda uma vez, os valores não patrimoniais e, em particular, a dignidade da pessoa humana, o desenvolvimento de sua personalidade, os direitos sociais e a justiça distributiva, para cujo atendimento deve se voltar a iniciativa econômica privada e as situações jurídicas patrimoniais. (TEPEDINO, 2004, p.22).

 

Deste modo, o Direito Civil constitucionalizado busca compatibilizar, através da hermenêutica[6], os institutos de Direito Civil aos preceitos constitucionais, reinterpretando seu conteúdo normativo à luz dos referidos preceitos, os quais passam a nortear as relações jurídicas privadas, funcionalizando-as a valores extrapatrimoniais, tendo por fundamento a promoção da dignidade da pessoa humana.

Gustavo Tepedino sintetiza com precisão o referido contexto ao preconizar que:

[…] Socialização, despatrimonialização, repersonalização, constitucionalização do direito civil, em seus diversos matizes, tendem a significar que as relações patrimoniais deixam de ter justificativa e legitimidade em si mesmas, devendo ser funcionalizadas a interesses existenciais e sociais, previstos pela própria Constituição no ápice da hierarquia normativa, integrantes, portanto, da nova ordem pública, que tem na dignidade da pessoa humana o seu valor maior. (TEPEDINO, 2003, p.119, grifos no original). 

Portanto, o esforço hermenêutico no qual se funda a releitura principiológica do Direito Civil na contemporaneidade, notadamente, no Direito Contratual, pautado na prevalência dos princípios e regras consagrados na Constituição da República de 1988, impõe a despatrimonialização e personalização nas relações jurídicas privadas, e, por conseguinte, novos contornos à liberdade contratual, buscando consagrar a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III CR/88), a solidariedade social (artigo 3º, III CR/88) e a igualdade em sentido amplo (artigo 5º, caput, CR/88).      

 

3- O DIREITO CONTRATUAL [7]

O contrato, como fonte geradora de direitos e obrigações, afigura-se como principal instrumento de circulação de bens e serviços na sociedade, intimamente relacionado à economia, ou seja, ligado às operações econômicas existentes no meio social.   

Na contemporaneidade, com o afluxo dos preceitos de ordem social inerentes ao Estado Social e, posteriormente, ao Estado Democrático de Direito, passou a sofrer influências advindas do aspecto social, que relativizaram seus efeitos entre as partes e perante a sociedade.

O modelo jurídico surge como uma reivindicação da realidade social para regulamentar juridicamente as operações econômicas, ligadas à circulação das riquezas na sociedade, através da imposição de normas que, incipientemente, aglutinaram-se e originaram a formação do chamado Direito Contratual. (NOVAIS, 2001a, p.33-34).  

As origens do contrato remontam ao Direito Romano (FIUZA, 2006, p.390; FIUZA, 2007, p.255; NOVAIS, 2001a, p.35; PEREIRA, 2007, p.8), que, perpassando pelo Código Civil Napoleônico de 1804, preceptor da era das grandes codificações, irradiou-se para outros ordenamentos jurídicos, tendo como fundamento o individualismo, caráter eminentemente patrimonialista, e, sobretudo, a imposição da autonomia da vontade e do pacta sunt servanda.

No Brasil, tal influência fundada no contexto histórico do liberalismo e da codificação européia dos séculos XVIII e XIX, penetrou no Código Civil de 1916, e passou a reger as relações jurídicas contratuais, impondo “um modelo realmente absoluto de contrato, sempre fundado na manifestação dogmática da vontade dos contratantes.” (NALIN, 2006, p.79).

A partir do advento da Constituição da República de 1988 e, em seguida, do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), a teoria contratual ganha novo afluxo, especialmente, com a inserção dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da solidariedade e da igualdade preconizados no Estado Democrático de Direito, os quais introduzem uma reformulação na interpretação do Direito Contratual.

Com o Código Civil de 2002, a principiologia contratual contemporânea é consagrada definitivamente no Direito Privado, notadamente, no contratual, destacando-se entres seus princípios norteadores, a boa-fé objetiva, função social dos contratos, justiça contratual e autonomia privada, e tendo por fundamento as diretrizes da eticidade e socialidade, as quais afluem do princípio constitucional da solidariedade previsto no artigo 3º, I, da CR/88.

Deste modo, assevera-se que “o direito contratual se pauta, atualmente, em princípios modernos, criados para atender às mudanças de paradigmas dos contratos” (FIUZA, 2006, p.402), dentro de uma “concepção social do contrato” (MARQUES, 2006, p.210; MIRAGEM, 2007, p.177), denotando, assim, a necessidade de releitura do modelo jurídico (contrato) à luz dos referidos princípios e conforme os novos contornos do Direito Contratual.

 

4- O PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA

 

4.1- Escorço Histórico

A boa-fé possui suas raízes históricas no Direito Romano. Inicialmente, exsurge através da chamada fides, espécie de preceito ético pautado na confiança, ligada à idéia de garantia de cumprimento dos pactos celebrados, com base na própria fé, ao respeito das convenções pactuadas. Possuía, assim, a função de garantia de respeito à palavra dada nas relações negociais. (CORDEIRO, 2005, p.399-400; CORDEIRO, 2007, p.53-70 e 83; MARTINS-COSTA, 2000, p.113). 

Posteriormente, “com a substituição do fundamento de validade das relações contratuais da forma para o consentimento” (ROSENVALD, 2005, p.76), à fides se acrescenta o qualitativo bona, passando a fides bona, inicialmente ligada ao aspecto objetivo.

Em seguida, transmuta-se definitivamente em bona fides, pela qual se constringe a quem prometeu a manter a promessa realizada, não pelo contexto verbal da promessa, mas segundo seu espírito, passando assim a boa-fé a ser entendida como um estado psicológico (aspecto subjetivo). No contexto exposto, a boa-fé assume a acepção subjetiva, sendo considerada como intenção ou o estado de ignorância do próprio sujeito, sendo que aquele que estivesse de boa-fé beneficiar-se-ia de regras mais favoráveis. (CORDEIRO, 2005, p.401; MARTINS-COSTA, 2000, p.123; NEGREIROS, 1998, p.29). 

Nesse processo evolutivo, no interesse de tutelar os interesses envolvidos na relação negocial, a bona fides transmuta-se nos chamados bonae fidei iudicia, os quais consistiam em procedimentos técnicos e precisos perante o juiz, o qual sentenciava os casos com base na boa-fé, e conforme as circunstâncias concretas. (CORDEIRO, 2007, p.89-105; MARTINS-COSTA, 2000, p.117 e 120-122; LEWICKI, 2001, p.57-59).

Esses atribuíam “ao juiz uma grande margem de apreciação discricionária, isto é, o poder de estabelecer, a seu critério, tudo quanto o demandado devesse dar ou fazer com base no princípio da boa-fé.” (AMARAL, 1995, p.42).

Na evolução do instituto, a boa-fé torna-se integrante do pensamento da igreja, por meio do Direito Canônico, onde estava ligada à idéia de ausência de pecado, com fundamento nos valores cristãos. Nesse contexto, a boa-fé adquire dimensão ética e axiológica por traduzir-se na concretização da lei divina, mantendo seu aspecto subjetivo. (ROSENVALD, 2005, p.77; MARTINS-COSTA, 2000, p.124).

No Código Civil Francês de 1804 (Code Napoléon) a boa-fé assentou-se em duas acepções. A subjetiva ligada ao estado de ignorância do sujeito e a objetiva ligada ao reforço do vínculo contratual. Porém, essa não obteve o desenvolvimento satisfatório (conteúdo útil), dado à influência da Escola da Exegese e observância ao rigor do método da exegese. (CORDEIRO, 2005, p.402; CORDEIRO, 2007, p.247, 253 e 265). Assim, apenas a boa-fé de caráter subjetivo desenvolve-se em França.    

É no Direito Germânico que a boa-fé desenvolve os contornos do princípio, como se conhece na contemporaneidade. Inicialmente, constrói seu arcabouço jurídico a partir do § 242 do BGB (1900)[8], ainda dentro do sistema fechado da codificação alemã,  fundado, na acepção subjetiva (Guter Glauben). Esse tratava de mero reforço do §157,[9] que determinava a regra tradicional de interpretação dos negócios jurídicos segundo a boa-fé. (MOTA, 2001, p.190). Até então, não se pensava em atribuir ao juiz à função fundamental de criar o Direito, por meio da aplicação.

É cunhada a expressão Treu und Glauben (lealdade e crença/confiança à palavra dada) consagrada na doutrina germânica, indicativa da boa-fé obrigacional (MARTINS-COSTA, 2000, p.124; CORDEIRO, 2005, p.401-402), de acepção objetiva, a qual deve presidir às relações negociais, sendo corporificada numa regra de conduta a ser observada pelas partes no cumprimento das suas obrigações.

Porém, somente após a 1ª guerra mundial, a doutrina e jurisprudência alemã, devido aos conflitos surgidos a partir das transformações sociais e econômicas provocadas pela guerra, deram nova guinada ao princípio, em suas atuais feições, de acepção objetiva, no sentido de poder-se preencher e sistematizar o princípio pela atuação criativa dos tribunais. (ROSENVALD, 2005, p.77; NEGREIROS, 1998, p.48-49).

Na contemporaneidade, o princípio da boa-fé objetiva, devido a sua importância e aplicabilidade, é previsto como cláusula geral em diversos outros países. [10]

 

4.2- Lineamentos da boa-fé objetiva no ordenamento jurídico pátrio

O princípio da boa-fé objetiva apresenta-se, na contemporaneidade, como um dos mais importantes princípios do Direito Privado, especialmente, no Direito Contratual, sendo, atualmente, consagrado no ordenamento jurídico brasileiro através de sua positivação no Código de Defesa do Consumidor (Lei 8078/90) e no Código Civil de 2002 (Lei 10.406/02).

O princípio em comento gerou profundas transformações no Direito Contratual, causadas pela relativização da autonomia privada dos contratantes, a qual passa a ser mitigada pela observância a novos deveres (anexos) inseridos na relação jurídica, que dele afluem na forma de obrigação secundária, bem como pela prevalência de funções intrínsecas ao mesmo, que visam a nortear a conduta (comportamento) dos contratantes ao adimplemento contratual. (SILVA, 2009, p. 410-411).

A boa-fé objetiva foi inserida no Direito Brasileiro através do artigo 131, I do Código Comercial de 1850, onde já se previa a boa-fé, de cunho contratual no tocante ao aspecto interpretativo. Todavia, a mesma relegou-se a letra morta da lei, sem maiores repercussões.

No Código Civil de 1916, não havia previsão legal expressa sobre o princípio, pois, o diploma legal, bem como todo o ordenamento jurídico brasileiro, encontrava-se norteado pela boa-fé subjetiva, que denotava uma acepção psicológica, estado de ignorância do agente.

O princípio da boa-fé objetiva foi previsto de forma efetiva no ordenamento jurídico brasileiro por meio de sua inserção no Código de Defesa do Consumidor, no artigo 4º, III   (referencial interpretativo)[11] e no artigo 51, IV (cláusula geral)[12].

Salienta-se, ainda, que a boa-fé objetiva é, em verdade, um reflexo do princípio constitucional da solidariedade, consagrado no artigo 3º, I, da Constituição da República, que se irradia através do Direito Obrigacional para todo o ordenamento jurídico.

Posteriormente, o Código Civil de 2002, através da previsão legal dos artigos  113 (referencial interpretativo)[13], 187 (vedação ao abuso de direito)[14] e 422 (cláusula geral)[15], trouxe a lume novo regramento do modelo jurídico no Direito Brasileiro.

Esses novos contornos da boa-fé objetiva no Direito Privado são plenamente compatíveis com o regramento da boa-fé objetiva erigido no Código de Defesa do Consumidor, devido ao fato de ambos os diplomas legais possuírem afluxo da mesma matriz principiológica, qual seja, a Constituição da República de 1988, por meio do chamado diálogo de fontes[16], expressão consagrada na doutrina brasileira pela profª. Claudia Lima Marques. [17]

 

4.3- Acepções da boa-fé            

A boa-fé é delineada no ordenamento jurídico por meio de duas acepções, quais sejam: a boa-fé subjetiva (estado psicológico) e a boa-fé objetiva (princípio).

Inicialmente, a boa-fé foi esculpida sobre seu aspecto subjetivo. Contudo, posteriormente, sobre a influência da doutrina e jurisprudência, principalmente a germânica, passou a ser concebida em seu aspecto objetivo, sendo inserida nos ordenamentos jurídicos contemporâneos, através do sistema aberto das cláusulas gerais[18].

Fernando Noronha explicita a distinção necessária, que se deve haver entre as duas espécies da boa-fé, a subjetiva e a objetiva, in verbis:

[…] A primeira diz respeito a dados internos, fundamentalmente psicológicos, atinentes diretamente ao sujeito; a segunda a elementos externos, a normas de conduta que determinam como ele deve agir. Num caso está de boa-fé quem ignora a real situação jurídica; no outro, está de boa-fé quem tem motivos para confiar na contraparte. Uma é boa-fé estado, a outra boa-fé princípio. (NORONHA, 1994, p.132, grifos no original). [19]

 

A boa-fé subjetiva caracteriza-se pelo caráter subjetivo dado à boa-fé, o qual se verifica na consideração do fator psicológico, anímico, de ignorância do agente, na existência de uma determinada situação regular na relação jurídica.

Consiste a acepção supra numa “análise subjetiva do estado de consciência do agente por ocasião da avaliação de um dado comportamento.” (NEGREIROS, 2006, p.119-120; GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2006, p.65). Deste modo, a apuração da boa-fé subjetiva dá-se através da análise das reais intenções que o contratante possuía, para verificar se o mesmo agiu de boa-fé ou má-fé na relação contratual. [20]

Destarte, impõe-se ao intérprete a compreensão de que se deve “[…] considerar a intenção do sujeito da relação jurídica, o seu estado psicológico ou íntima convicção. Antitética à boa-fé subjetiva, está a má-fé, também vista, subjetivamente, como a intenção de lesar a outrem.” (MARTINS-COSTA, 2000, p.411; NORONHA, 1994, p.133).

Lado outro, a boa-fé objetiva, traduz-se numa regra de conduta (CORDEIRO, 2007, p.632), que qualifica uma norma de comportamento leal, ético, segundo o qual, o que importa, é a apuração do comportamento das partes conforme os padrões estabelecidos pela boa-fé. (NEGREIROS, 2006, p.142; MARTINS-COSTA, 2000, p.412).

A boa-fé objetiva funda-se na necessidade das partes atuarem reciprocamente com cooperação, lealdade, honestidade e confiança (FIUZA, 2006, p.410-411; HIRONAKA, 2003, p.112-113), no intuito de concretizar a diretriz da eticidade preconizada no Código Civil. 

É a chamada boa-fé princípio, a qual se impõe aos contratantes, visando a não frustrar a legítima expectativa da outra parte. É essencial entender que a boa-fé objetiva pressupõe sua análise externamente (e não internamente), para aferir-se a retidão da conduta, do comportamento, perpetrado pelas partes, diante das circunstâncias do caso concreto.

Portanto, a convicção do agente, seu estado psicológico, deixa de ser relevante na relação jurídica contratual, apenas sendo primordial, a avaliação da conformidade ou não do comportamento das partes com os padrões éticos e sociais vigentes na sociedade. Isto porque, o descumprimento da boa-fé objetiva não denota má-fé do agente, mas, tão somente, quebra ou simplesmente ausência da boa-fé. (FARIAS; ROSENVALD, 2007b, p.41).

A referida distinção é fundamental, pois, a boa-fé que se introjeta no Direito Contratual contemporâneo é a de égide objetiva, sendo o Direito Contratual, campo fecundo e primordial, no tocante à sua aplicação, denotando assim sua relevância diante dos novos contornos do contrato, na contemporaneidade.  

 

4.4- A boa-fé objetiva

A boa-fé objetiva é princípio de transformação do Direito Obrigacional, que na contemporaneidade, destaca-se como elemento norteador de todo o Direito Privado.

O princípio da boa-fé objetiva representa um “modelo de conduta social, arquétipo ou standard jurídico, segundo qual ‘cada pessoa deve ajustar a própria conduta a esse arquétipo, obrando como obraria um homem reto: com honestidade, lealdade, probidade’.” (MARTINS-COSTA, 2000, p.411). [21]                 

Trata-se de uma regra de conduta, de comportamento ético, social, imposta às partes, pautada nos ideais de honestidade, retidão e lealdade, no intuito de não frustrar a legítima confiança, expectativa da outra parte, tendo ainda, a finalidade de estabelecer o equilíbrio nas relações jurídicas. (ROSENVALD, 2005, p.80; FARIAS; ROSENVALD, 2007b, p.59).

É esse o sentido que permeia os artigos 113, 187 e 422 do Código Civil de 2002, e os artigos 4º, III e 51, IV do Código de Defesa do Consumidor, os quais orientam o referido princípio no ordenamento jurídico brasileiro na contemporaneidade. 

[…] a principiologia deve orientar-se pelo viés objetivo do conceito de boa-fé, pois visa garantir a estabilidade e a segurança dos negócios jurídicos, tutelando a justa expectativa do contraente que acredita e espera que a outra parte aja em conformidade com o avençado, cumprindo as obrigações assumidas. Trata-se de um parâmetro de caráter genérico, objetivo, em consonância com as tendências do direito contratual contemporâneo e que significa bem mais que simplesmente a alegação da ausência de má-fé, ou da ausência da intenção de prejudicar, mas que significa, antes, uma verdadeira ostentação de lealdade contratual, comportamento comum ao homem médio, o padrão jurídico standard. (HIRONAKA, 2003, p.112-113, grifos no original).

 

É imprescindível salientar que o princípio da boa-fé objetiva ensejou a modificação da concepção tradicional de contrato (relação jurídica estática), que passa a ser visto como relação jurídica complexa e dinâmica (COUTO E SILVA, 1976, p.10-11)[22], formado por um feixe de obrigações múltiplas e recíprocas, delineadas pela inserção dos deveres anexos, nas relações jurídicas obrigacionais.

[…] a boa-fé objetiva, passa a integrar o negócio jurídico por meio dos chamados deveres anexos de conduta (proteção, cooperação e informação, dentre outros), os quais visam a consagrar sua finalidade precípua, qual seja o adimplemento do contrato, devendo ser observados na fase pré-contratual, de execução do contrato e pós-contratual. (SILVA, 2009, p.412). [23]

 

Diante desse novo paradigma do Direito Obrigacional, o cenário do Direito Contratual também se altera, para coadunar-se a relevante função exercida pela boa-fé objetiva, principalmente, na criação de novos deveres a serem observados pelos contratantes, bem como, no controle da autonomia privada, na realização de interesses individuais. 

Destaca-se, ainda, no tocante ao estudo do princípio da boa-fé objetiva, seu aspecto tridimensional exteriorizado pelas funções interpretativa, integrativa e de controle, as quais norteiam sua aplicação nas relações obrigacionais e, por conseguinte, nas contratuais.

Nelson Rosenvald, em síntese acerca do princípio da boa-fé objetiva, explicita com clareza e precisão o contexto do modelo jurídico em análise, in verbis:

[…] a boa-fé objetiva é horizontal, concerne às relações internas dos contratantes. Atende ao princípio da eticidade, pois polariza e atrai a relação obrigacional ao adimplemento, deferindo aos parceiros a possibilidade de recuperar a liberdade que cederam ao início da relação obrigacional. Mediante a emanação de deveres laterais – anexos, instrumentais ou de conduta -, de cooperação, informação e proteção,            os parceiros estabelecem um cenário de colaboração desde a fase pré-negocial até a etapa pós-negocial, como implicitamente decorre da atenta leitura do art. 422 do Código Civil. Dentro de sua tridimensionalidade (funções interpretativa, integrativa e corretiva), a boa-fé ainda exerce uma função de controle, modelando a autonomia privada, evitando o exercício excessivo de direitos subjetivos e potestativos, pela via do abuso do direito [art. 187, CC]. (ROSENVALD, 2007, p.89).

 

Destarte, o referido princípio visa ao adimplemento contratual e a limitação do exercício dos direitos subjetivos (abuso de direito), e nesse contexto, a autonomia privada passa a ser relativizada (SCHIER, 2006, p.46), ou seja, modelada, integrada, valorizada, ou mesmo para alguns, mitigada pela inserção da boa-fé objetiva nas relações contratuais. 

A boa-fé objetiva impõe-se, assim, como elemento transformador de todo o Direito Obrigacional, irradiando-se para os demais ramos do Direito, e em especial, o Contratual (MARTINS-COSTA, 2002, p.611), donde se verifica sua importância nas relações jurídicas, evidenciando sua inegável força normativa no ordenamento jurídico contemporâneo.    

 

4.5- Funções da boa-fé objetiva

A boa-fé objetiva possui caráter tridimensional (MARTINS-COSTA, 2002, p.640; TEPEDINO; SCHREIBER, 2005, p.222-224; NORONHA, 1994, p.151), que se exterioriza através de três funções elencadas no Código Civil de 2002, quais sejam: a interpretativa (artigo 113), a de controle (artigo 187) e a integrativa (artigo 422). [24]  Destas, a função mais importante é a integrativa, pois, a boa-fé objetiva integra qualquer relação obrigacional, e, por conseguinte, contratual, por meio dos deveres anexos de conduta.

A função interpretativa da boa-fé objetiva indica a forma como o intérprete irá pautar-se para buscar o sentido adequado de examinar-se o conteúdo contratual fundado na observância da boa-fé nas relações jurídicas contratuais. A boa-fé objetiva apresenta-se assim como cânone interpretativo, como referencial hermenêutico, pautado no paradigma da eticidade, que na teoria dos negócios jurídicos, possui papel essencial, na contemporaneidade.  

[…] Destarte, a boa-fé servirá como parâmetro objetivo para orientar o julgador na eleição das condutas que guardem adequação com o acordado pelas partes, com correlação objetiva entre meios e fins. O juiz terá que se portar como um “homem de seu meio e tempo” para buscar o agir de uma pessoa de bem como forma de valoração das relações sociais. (FARIAS; ROSENVALD, 2008, p.20).    

 

Trata-se de uma norma de interpretação dos negócios jurídicos, a partir da qual se interpretará “as declarações de vontade conforme a confiança que hajam suscitado de acordo com a boa-fé” (OLIVEIRA, 2006, p.218), e demais circunstâncias apresentadas na relação jurídica contratual. Dessa forma, a função interpretativa referencia a boa-fé “como critério hermenêutico, exigindo que a interpretação das cláusulas contratuais privilegie sempre o sentido mais (sic) conforme à lealdade e à honestidade entre as partes.” (TEPEDINO; SCHREIBER, 2005, p.223).

Destaca-se, ainda, que, a previsão legal do artigo 113 é norma cogente, que não pode ser afastada pela vontade das partes, pois, é dever jurídico imposto aos contratantes, que deverão comporta-se, obrigatoriamente, nos negócios jurídicos segundo os ditames da boa-fé.

A função interpretativa impõe que o intérprete, ao analisar as relações jurídicas obrigacionais, não se aterá a uma interpretação literal do negócio jurídico, mas, precipuamente, deverá pautar-se por uma interpretação, fundada na observância do sentido pertinente às convenções sociais inerentes àquela dada comunidade política.

Nesse contexto, tem-se a prevalência da teoria da confiança, que se apresenta como um ecletismo da teoria da declaração (prevalência do texto em detrimento do aspecto psíquico) e da teoria da vontade (predominância da vontade interna das partes sobre a declaração), pela qual o intérprete buscará a vontade objetiva do contrato (vontade aparente do negócio jurídico), pautado nos ideais orientadores da boa-fé objetiva (ROSENVALD, 2005, p.89; FARIAS; ROSENVALD, 2007b, p.64). [25]

Assim, o intérprete analisará as circunstâncias do caso concreto e a finalidade econômico-social do contrato (NEGREIROS, 2006, p.136), as quais desencadearam a manifestação de vontade dos contratantes, para através de esforço hermenêutico, determinar a solução adequada ao caso, dentro, evidentemente, dos contornos estabelecidos pela boa-fé objetiva, visando a não frustrar a legítima expectativa da outra parte.        

A função de controle da boa-fé objetiva impõe limites ao exercício abusivo do direito subjetivo dos contratantes, para determinar até onde o mesmo é legítimo ou não, e, desta forma, obter o merecimento do ordenamento jurídico.

Nesse escopo, a referida função implica em limitação de direitos subjetivos das partes (MARTINS-COSTA, 2000, p.382-409; AGUIAR JÚNIOR, 1995, p.24), as quais devem, necessariamente, observar os preceitos estabelecidos pela boa-fé objetiva no entabulamento dos negócios jurídicos, no intuito de que o contrato possa cumprir sua função social.

A boa-fé objetiva caracteriza-se, assim, como “máxima de conduta ético-jurídica” (FARIAS; ROSENVALD, 2007b, p.65), que visa a coibir o abuso de direito subjetivo, qualificado pelo ordenamento jurídico como ato ilícito, conforme previsão legal do artigo 187 do Código Civil de 2002, de modo a garantir o adimplemento contratual.

Imprescindível salientar que “a boa-fé está diretamente relacionada à teoria do abuso de direito nesta sua função de limitar ou mesmo impedir o exercício de direitos que emergem da relação contratual.” (NEGREIROS, 2006, p.140). 

Destarte, busca-se evitar o abuso de direito, reduzindo a liberdade de atuação dos contratantes, pois, determinados comportamentos, ainda que lícitos, não observam a eticidade preconizada pelo princípio da boa-fé objetiva, e assim, negligenciam os ditames da lealdade, honestidade e confiança mútua, que devem nortear a conduta das partes nas relações jurídicas, ferindo a legítima expectativa da outra parte.

A função integrativa da boa-fé objetiva é fonte criadora de novos deveres especiais de conduta a serem observados pelas partes durante o vínculo obrigacional (NORONHA, 1994, p.157). São os chamados deveres anexos, instrumentais ou colaterais de conduta, que passam a ser observados em toda e qualquer relação jurídica obrigacional.

É através da função integrativa (ou criadora) que se irradiam os deveres anexos de conduta, impostos pela boa-fé objetiva, os quais afluem para todo o Direito Obrigacional, e, por conseguinte, para os demais ramos do Direito. O contrato passa a ser entendido como relação jurídica complexa e dinâmica (COUTO E SILVA, 1976, p.10-11; MARTINS-COSTA, 2000, p.382-409; MARQUES, 2006, p.217-218; NORONHA, 2007, p.75; FARIAS; ROSENVALD, 2007b, p.39-42), compreendido pela obrigação principal acrescida dos deveres anexos da boa-fé objetiva, os quais devem ser observados pelas partes, alterando-se, o vínculo obrigacional estático outrora existente, restrito ao campo da prestação.

Assim, o contrato não envolve, tão somente, a obrigação de prestar, mas, também, uma obrigação de conduta (MARQUES, 2006, p.218) dos contratantes visando a garantir o adimplemento da obrigação.

Trata-se da função mais importante do princípio da boa-fé objetiva, pois os referidos deveres que se originam deste passam, obrigatoriamente, a integrar qualquer relação obrigacional, como obrigação secundária, para que essa seja equilibrada, e permita não frustrar a confiança mútua e a legítima expectativa dos contratantes.

[…] a boa-fé também impõe certos deveres aos contratantes, chamados secundários, laterais ou acessórios, porque, estando em segundo plano com relação à obrigação principal (o cumprimento do objeto do contrato), surgem durante todo o processo de contratação (negociação, conclusão e execução), podendo até mesmo subsistir além desta, em momento pós-contratual […]. (BIERWAGEN, 2007, p. 83). [26] 

 

Portanto, o Direito Obrigacional, e em especial os contratos, irão nortear-se pela autonomia privada acrescida pelos deveres anexos de conduta da boa-fé objetiva, no intuito de garantir o efetivo adimplemento contratual.

 

4.6- Os deveres anexos de conduta

A partir do princípio da boa-fé objetiva exsurgem os chamados deveres anexos de conduta (laterais, instrumentais, colaterais, dentre outros), os quais se introjetam em toda relação jurídica obrigacional, no intuito de instrumentalizar o correto cumprimento da obrigação principal e a satisfação dos interesses envolvidos no contrato.

Estes deveres de conduta que acompanham as relações contratuais vão ser denominados de deveres anexos (Nebenpflichten), deveres que nasceram da observação da jurisprudência alemã ao visualizar que o contrato, por ser fonte imanente de conflitos de interesses, deveria ser guiado e, mais ainda, guiar a atuação dos contraentes conforme o princípio da boa-fé nas relações. (MARQUES, 2006, p.219, grifos no original).

 

Destarte, além do dever da prestação (obrigação principal) surgem, também, outros deveres de conduta durante a relação jurídica (obrigação secundária), os quais devem ser observados pelos contratantes, sob pena de quebra, de ofensa a boa-fé objetiva. (COUTO E SILVA, 1976, p.29-30; LÔBO, 2005, p.76; MARTINS-COSTA, 2002, p.634; MARQUES, 2006, p.220; NEGREIROS, 2006, p.150).

[…] o conteúdo do contrato amplia-se, por força da boa-fé, para além das obrigações estritamente contratuais. Ao lado das obrigações que não existiriam fora do contrato, a boa-fé passou a incluir no contexto contratual o dever geral de não causar dano, em todas as suas múltiplas especificações. Este campo de atuação dos deveres instrumentais. (NEGREIROS, 2006, p.155-156).        

 

Os deveres anexos podem ser compreendidos como deveres positivos e negativos, os quais através da sua inserção na relação jurídica, relativizam a autonomia privada, ao estabelecer deveres de comportamento, os quais nortearão a conduta dos contratantes, nas fases pré-contratual, contratual e pós-contratual. (MELLO, 2001, p.316).    

Devido à importância concretizada pelos deveres anexos de conduta nas relações jurídicas obrigacionais, a doutrina firmou entendimento no sentido de que, quando se descumpre os deveres anexos de conduta, surge a chamada violação positiva do contrato ou adimplemento ruim (CORDEIRO, 2007, p.594-602; NALIN, 2006, p.226; GARCIA, 2008, p.45 e 192; MARQUES, 2006, p.220; SILVA, 2002, p.82-105), pois a obrigação principal é cumprida, porém, tem-se o descumprimento dos deveres anexos (obrigação secundária). [27]

Portanto, não basta que as partes cumpram apenas a obrigação principal. Os contratantes devem cooperar entre si, agir com lealdade, para que o negócio jurídico obtenha êxito, ou seja, “colaborar durante a execução do contrato, conforme o paradigma da boa-fé objetiva” (MARQUES, 2006, p.233), através do respeito aos deveres anexos, visando ao correto adimplemento da obrigação.

Da consagração da boa-fé objetiva nas relações contratuais decorrem principalmente os deveres de informação, de colaboração e cuidado, somatória que realiza a insofismável verdade de que, em sede contratual, se lida com algo bem maior que o simples sinalagma: lida-se com pressupostos imprescindíveis e socialmente recomendáveis, como a fidelidade, a honestidade, a lealdade, o zelo e a colaboração. Enfim, está presente, também na ambiência contratual, o sentido ético, a tendência socializante e a garantia de dignidade que são, por assim dizer, as marcas ou marcos deste direito que, perpassando os séculos, se apresenta modificado aos primórdios do milênio novo. (HIRONAKA, 2003, p.113).

 

Desta forma, é imprescindível que as partes atuem nas relações jurídicas obrigacionais firmadas, com observância aos deveres anexos de conduta, os quais impõem para além da obrigação jurídica principal, deveres fiduciários (obrigação complexa), os quais objetivam resguardar a legítima expectativa e a confiança mútua existente entre as partes.  

Por fim, assevera-se que a boa-fé objetiva materializa-se através dos deveres anexos de proteção (ou cuidado), cooperação (ou lealdade) e de informação (ou esclarecimento)[28], dentre outros, pois, sua enumeração não pode ser considerada taxativa. [29]

 

4.7- O corolário da  boa-fé objetiva: transparência

O princípio da transparência (artigo 4º caput do Código de Defesa do Consumidor) é um dos princípios norteadores dos contratos de consumo. Preconiza a maneira como a informação deve ser prestada ao consumidor durante a contratação, a qual deve ser clara, ostensiva, precisa e correta, visando a sanar quaisquer dúvidas no ato da contratação e garantir o equilíbrio contratual entre os contratantes. 

É um dos instrumentos, ao lado do dever anexo de informação, aptos a proteger a liberdade de escolha do consumidor, com vistas à consagração da boa-fé objetiva e justiça contratual na relação jurídica contratual.

Alguns doutrinadores entendem que a transparência advém do princípio da boa-fé objetiva, ou mesmo que se trata de um reflexo ou sub-princípio (RIBEIRO, 2003. p.146; SCHIER, 2006, p.49; BENJAMIN; MARQUES; BESSA, 2007, p.57; THEODORO JÚNIOR, 2008, p.25-26;  NALIN, 2006, p.146 e 150; CAVALIERI FILHO, 2008, p.34-36), que em consonância com o dever de informação, possui o intuito de qualificar a informação prestada. Nesse sentido, a transparência é entendida como verdadeiro corolário da boa-fé objetiva, possuindo papel fundamental nas relações jurídicas contratuais (GARCIA, 2007, p.30).    

A transparência impõe a efetiva qualificação da informação sobre aspectos relevantes da avença, ligados, principalmente, a estipulação do conteúdo contratual, sob pena de haver violação do referido princípio, e em conseqüência, descumprimento da boa-fé objetiva.

Transparência significa informação clara e correta sobre o produto a ser vendido, sobre o contrato a ser firmado, significa lealdade e respeito nas relações entre fornecedor e consumidor, mesmo na fase pré-contratual, isto é, na fase negocial dos contratos de consumo.

[…] transparência é clareza, é informação sobre os temas relevantes da futura relação contratual. Eis por que institui o CDC um novo e amplo dever para o fornecedor, o dever de informar ao consumidor não só sobre as características do produto ou serviço, como também sobre o conteúdo do contrato.  (MARQUES, 2006, p.715). [30]

 

Isto porque, a transparência afeta a essência do contrato, pois a informação fornecida integra o conteúdo contratual, de modo a concretizar o reequilíbrio obrigacional do contrato, com vistas à consecução da igualdade material. Joaquim de Sousa Ribeiro assevera a importância da transparência como instrumento de tutela das relações contratuais, in verbis:

Exigir transparência nas relações de mercado e nos contratos que as canalizam é exigir que o conhecimento do objecto e das condições da oferta seja facilmente acessível aos interessados. Aos sujeitos que procuram bens ou serviços deve ser garantida a possibilidade de compreensão cabal das características da prestação a que ganharão direito, do montante exacto das contrapartidas a seu cargo e dos termos de execução do contrato, sem que para isso tenham que desenvolver especiais esforços ou recorrer a apoio técnico especializado.

[…] Nesta dimensão, a transparência tem fundamentalmente a ver com a quantidade e qualidade da informação que aquele contraente tem que fornecer a este […]. (RIBEIRO, 2003. p.136-137).

 

Entretanto, em inúmeros contratos de consumo, verificam-se cláusulas contratuais  que impedem a compreensão adequada do consumidor em relação aos termos do contrato, por não prestarem informações suficientes e adequadas, ou mesmo por não serem transparentes, trazendo inúmeros prejuízos ao mesmo. [31]

Nesse contexto, o sentido adequado à transparência seria de qualificar a autonomia privada, através da efetiva liberdade de decisão do contratante, garantida pelo fornecimento de informações adequadas e necessárias (transparentes) a realização da avença, as quais devem ser fornecidas desde o momento da formação do contrato.    

O princípio da transparência em consonância com o dever de informação, impõe ao fornecedor a obrigação de prover informação efetiva, descrição rigorosa e ostensiva do serviço prestado ao consumidor, sobretudo, naqueles casos em que, pela natureza da prestação ou pelo modo de contratar, encontra-se ínsita a presença do risco na relação contratual, ao qual é acrescida ainda a falta de informação ou mesmo o desconhecimento do contratante sobre aspectos relevantes acerca da contratação. (SILVA, 2009, p. 422). [32]

 

Assim, o princípio da transparência e o dever de informação, recaem sobre todas as cláusulas contratuais, as quais elencam direitos e deveres das partes, e permitem deste modo, o exercício da autonomia privada, conforme os preceitos erigidos pela boa-fé objetiva. 

Portanto, a boa-fé objetiva, como manifestação da tutela da confiança, é concretizada através da transparência nas relações negociais, vinculando a parte que possui vantagens informativas, através da imposição do dever jurídico de informação clara, precisa e ostensiva de todo o conteúdo contratual, sem subterfúgios ou possibilidades de interpretações dúbias, no intuito de impedir que se frustrem as expectativas legítimas da contraparte, evidentemente, vulnerável, no tocante às informações relativas ao teor das cláusulas contratuais da avença.                      

 

4.8- A boa-fé objetiva no Código de Defesa do Consumidor e no Código Civil de 2002  

Em face dos novos contornos alicerçados pela boa-fé objetiva no Direito Privado, após a entrada em vigor do Código Civil de 2002 (artigos 113, 187 e 422), faz-se necessário, empreender-se esforço hermenêutico, para determinar com precisão o conteúdo da referida cláusula geral nas relações jurídicas paritárias (abrangidas pelo Código Civil) e não-paritárias (abrangidas pelo Código de Defesa do Consumidor), no sentido de se garantir a aplicabilidade consentânea do princípio, conforme estatuído em seu conceito dogmático.

A boa-fé, antes do advento do Código de Defesa do Consumidor (1990), era utilizada no ordenamento jurídico brasileiro, apenas em sua acepção subjetivista, denotando o estado psicológico, a íntima convicção do agente, ou seja, a intenção do sujeito da relação jurídica. (TEPEDINO; SCHREIBER, 2005, p.217). Era a linha de intelecção do Código Civil de 1916. 

Contudo, com o processo de industrialização, a influência do liberalismo econômico, a massificação dos contratos e o surgimento dos contratos de adesão, e por conseqüência, pelo desequilíbrio contratual gerado nas contratações (FIUZA, 2006, p.406), o Estado vê-se forçado a intervir nas relações privadas para prover maior segurança aos contratantes e equilíbrio aos contratos, por meio de um efetivo papel intervencionista na consecução das finalidades sociais, no sentido de minimizar as desigualdades sociais e econômicas impostas pelo Estado Liberal. (LIMA, 2003, p.51).

Nesse contexto, exsurge o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), aplicável às relações jurídicas de consumo, no intuito coibir abusos, resguardar os consumidores (presumivelmente vulneráveis) e promover o reequilíbrio nas relações contratuais de consumo.    

Destarte, a moderna previsão legal da boa-fé objetiva, fundada no § 242 do BGB e no artigo 1.375 do Código Civil Italiano, é inaugurada no Direito Brasileiro, através do artigo          4º, III e 51, IV do Código de Defesa do Consumidor, como um dos princípios retores da Política Nacional das Relações de Consumo esculpida no artigo 4º CDC. (TEPEDINO; SCHREIBER, 2005, p.218-219).

A inserção da boa-fé objetiva nas relações de consumo trouxe novo impulso à jurisprudência pátria, que passou a utilizá-la como instrumento de proteção ao consumidor e de reequilíbrio das relações jurídicas não-paritárias.

Nessa esteira, a aplicação da boa-fé objetiva pelos tribunais pátrios passou a nortear-se por finalidade e funções que tecnicamente não lhe eram próprios, mas, sim, da legislação consumerista, afastando-se dos preceitos fundantes do conceito de boa-fé objetiva. (TEPEDINO; SCHREIBER, 2005, p.220; GAMA, 2008, p.102). Isto porque, em sua gênese no Direito Germânico, não se tratava de um preceito protetivo, “mas de uma sujeição de ambas as partes contratuais, e em igual medida, aos padrões objetivos de lealdade e colaboração para os fins contratuais.” (TEPEDINO; SCHREIBER, 2005, p.220).

Porém, com o advento do Código Civil de 2002, nova aplicabilidade da cláusula geral da boa-fé objetiva foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro, com o objetivo de regular as relações jurídicas paritárias, independentemente, da vulnerabilidade de uma das partes, pois, indubitavelmente, não havia desequilíbrio contratual a ser sanado.

Não há dúvida de que a noção de boa-fé objetiva, prevista pelo Código Civil, é a mesma que, em 1990, se pretendeu incorporar ao Código de Defesa do Consumidor – qual seja, a de uma cláusula geral de lealdade e colaboração para o alcance dos fins contratuais –, mas difere profundamente daquela versão protetiva da boa-fé que os tribunais brasileiros aplicaram e continuam aplicando às relações de consumo.  De fato, a noção de boa-fé não tem ontologicamente esse caráter protetivo. E em relações paritárias, como as que são tuteladas pelo Código Civil, não faz sentido atribuir uma função reequilibradora à boa-fé, pela simples razão de que, a princípio, não há, nestas relações, desequilíbrio a corrigir.

[…] não havendo, nestas relações, uma definição apriorística de que parte se deve proteger, torna-se necessário, para se chegar à solução adequada, preencher o conteúdo da boa-fé objetiva, não bastando mais a sua simples invocação vazia de qualquer consideração concreta. Ao contrário do que ocorre nas relações de consumo, nas relações paritárias a insistência nesta concepção excessivamente vaga e puramente ética da boa-fé objetiva traz o risco de sua absoluta falta de efetividade na solução dos conflitos de interesses. (TEPEDINO; SCHREIBER, 2005,  p.221-222).                       

 

Nesse sentido, a boa-fé objetiva preconizada no artigo 422 do Código Civil ganha contornos distintos da que, aprioristicamente, foi consagrada na jurisprudência brasileira anterior ao Código Civil de 2002, qual seja: proteção dos consumidores, devido à desigualdade das partes contratantes, visando ao reequilíbrio contratual.

Destarte, nas relações jurídicas paritárias reguladas pelo Código Civil, a boa-fé objetiva visa não a proteger uma das partes, mas, a exigir de ambas as partes, uma atuação honesta e leal, conforme os valores e preceitos consagrados pelo ordenamento civil-constitucional, impondo funções e deveres de conduta, decorrentes da própria natureza do vínculo assumido, que são condicionados e limitados pela função social e econômica do negócio jurídico celebrado. (TEPEDINO; SCHREIBER, 2005, p.225-226 e 228). 

Deste modo, há nítido campo de atuação distinto da boa-fé objetiva no Código de Defesa do Consumidor e no Código Civil de 2002, evidenciando-se que, o ordenamento jurídico objetiva com o princípio supra “assegurar que as partes colaborarão mutuamente para a consecução dos fins perseguidos com o contrato” (TEPEDINO; SCHREIBER, 2005, p.226), sendo necessário para tanto, que o intérprete, através da hermenêutica, preencha o conteúdo da referida cláusula geral, seja nas relações paritárias ou não-paritárias, no intuito de se determinar os contornos dogmáticos do princípio da boa-fé objetiva, notadamente, suas funções, deveres anexos e limites, viabilizando assim sua aplicação diante do caso concreto.

 

5- CONCLUSÃO

A releitura do Direito Contratual é imprescindível dentro do contexto contemporâneo das relações jurídicas contratuais, profundamente alteradas pela inserção de princípios constitucionais aos conflitos de Direito Privado, surgimento da nova teoria contratual e advento da legislação consumerista.  

Nesse contexto, o princípio da boa-fé objetiva apresenta-se como elemento essencial na reinterpretação do Direito Contratual, a partir da perspectiva civil-constitucional.

O fenômeno da constitucionalização do Direito Civil ensejou a funcionalização e a repersonalização das relações jurídicas patrimoniais, as quais passaram a adequar-se à nova ordem jurídica constitucional, fundada em valores extrapatrimoniais, destacando-se a dignidade da pessoa humana, visando à promoção do bem comum e o interesse coletivo.

Com o advento do Código de Defesa do Consumidor e do Código Civil de 2002, as relações contratuais tomam novo impulso, com a consolidação da principiologia contratual contemporânea no ordenamento jurídico brasileiro, com destaque para o princípio da boa-fé objetiva, que passa a relativizar a autonomia privada, apresentando novos contornos à liberdade contratual, no tocante ao estabelecimento do conteúdo do contrato. Inaugura-se, assim, um novo cenário hermenêutico a ser delineado, na aplicação do Direito Contratual.

A boa-fé objetiva destaca-se como mecanismo norteador da conduta dos contratantes, especialmente, no momento de celebração do contrato, tendo o dever de informação e o princípio da transparência, relevante aplicação no tocante à apresentação de todas as informações, efetivamente, necessárias para a conclusão da avença.  

Nessa esteira, as funções e os deveres anexos da boa-fé objetiva, delimitam os limites do conteúdo da referida cláusula geral, a qual deve repercutir de modo distinto nas relações jurídicas paritárias e não-paritárias, em razão de seu campo de aplicação ser diferente, tendo por fundamento os valores e princípios consagrados pelo ordenamento civil-constitucional e, sobretudo, direcionando-se pela necessária observância ao princípio da dignidade da pessoa humana, valor fundamental a ser realizado pelo ordenamento jurídico.

 

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[33]

 


[1]Doutorando em Direito Privado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas). Mestre em Direito Privado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas). Especialista em Direito de Empresa pelo Instituto de Educação Continuada (IEC) da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas). Professor de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. Membro da Associação Mineira de Direito & Economia (AMDE). Advogado. E-mail: michael@adv.oabmg.org.br

 [2] Especialista em Direito Privado pela Universidade Candido Mendes (UCAM). E-mail: vsantigo@gmail.com

 [3] Roberto Henrique Pôrto Nogueira explicita que “Direito Civil Constitucional, constitucionalização do Direito Civil, ou, ainda, civilização do Direito Constitucional, são todas terminologias que denotam o mesmo fenômeno: o de rompimento das fronteiras jurídicas clássicas entre o interesse público e o interesse privado.” (NOGUEIRA, 2009, p.12).

[4] Nessa linha de intelecção ver: TEPEDINO (2003, p.118-119); BIERWAGEN (2007, p.50-51); LÔBO (2005, p.3 e 7); LÔBO (2003, p.205-206); NALIN (2006, p.89); GAMA (2008, p.66 e 68). 

[5] Luiz Edson Fachin preconiza que o Código Civil “deve passar por uma imprescindível releitura principiológica, reconstitucionalizando o conjunto de regras que integre esse corpo de discurso normativo.” (FACHIN, 2004, p.18). Nesse sentido ver: NALIN (2006, p.40-41e 87); MATTIETTO (p.168-169); FIUZA (2003, p.31-33); HIRONAKA (2003, p.102-103); LÔBO (2003, p.197-199).

[6] Paulo Luiz Netto Lôbo explicita que “A constitucionalização do direito civil, entendida como inserção constitucional dos fundamentos de validade jurídica das relações civis, é mais do que um critério hermenêutico formal. Constitui a etapa mais importante do processo de transformação, ou de mudanças de paradigmas, por que passou o direito civil, no trânsito do Estado liberal para o Estado social.” (LÔBO, 2003, p.216).  

 [7] Enzo Roppo define o Direito Contratual como sendo “[…] conjunto – historicamente mutável – das regras e dos princípios, de vez em quando escolhidos para conformar, duma certa maneira, aquele instituto jurídico                        [o contrato], e, portanto, para dar um certo arranjo – funcionalizado a determinados interesses – ao complexo das operações económicas efectivamente levadas a cabo.” (ROPPO, 1988, p.11).

[8]  § 242 BGB: “O devedor está adstrito a realizar a prestação tal como o exija a boa-fé, com consideração pelos costumes do tráfego.” (CORDEIRO, 2007, p.325).  

[9] §157 BGB: “Os contratos interpretam-se como o exija a boa-fé, com consideração pelos costumes do tráfego.” (CORDEIRO, 2007, p.325).

[10] Para maiores informações acerca da boa-fé e sua evolução histórica remete-se ao estudo de: CORDEIRO (2007, p.53-403); CORDEIRO (2005, p.399-418); MARTINS-COSTA (2000, p.94-168); NEGREIROS (1998, p.25-82); NEGREIROS (2006, p.115-156); AMARAL (1995, p.33-46); ROSENVALD (2005, p.75-79); LEWICKI (2001, p.57-63); NOVAIS (2001a, p.74-80).

[11] Art.4º, III CDC – Harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (artigo 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores. 

[12] Art. 51, IV CDC: São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade.

[13] Artigo 113 CC/02: “Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.”

[14] Artigo 187 CC/02: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”

[15] Artigo 422 CC/02: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.”

[16] Trata-se da interligação sistemática existente entre o Código de Defesa do Consumidor e outros diplomas legais, especialmente, o Código Civil de 2002, que busca possibilitar maiores benefícios e mecanismos de defesa para o consumidor. Para maiores informações acerca do diálogo de fontes ver: MARQUES (2006, p.663-701); MARQUES; BENJAMIN; MIRAGEM (2006, p.26-58); MARQUES (2005, p.11-82); BENJAMIN; MARQUES; BESSA (2007, p.87-98); MIRAGEM (2007, p.179-180); TARTUCE (2007, p.85-89); BRAGA NETTO, 2008, p.40-41.

[17] Em relação ao diálogo de fontes, o Enunciado nº167 do CJF (Conselho da Justiça Federal), dispôs que “Com o advento do Código Civil de 2002, houve forte aproximação principiológica entre esse Código e o                                           Código de Defesa do Consumidor, no que respeita à regulação contratual, uma vez que ambos são incorporadores de uma nova teoria geral dos contratos.” (CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL, 2007).

[18] As cláusulas gerais apresentam-se como cláusulas de conteúdo vago, impreciso, propositalmente aberto, para que o magistrado, em seu trabalho de cognição relativo à aplicação das normas e princípios inerentes ao caso concreto submetido a sua apreciação, possa concretizar as referidas cláusulas. Estas possuem caráter genérico e abstrato, dirigidas precipuamente ao intérprete, que deverá, perante o caso concreto, preencher o conteúdo material da norma, através de interpretação construtiva, a fim de apresentar a solução mais adequada ao caso. Para maiores informações acerca das cláusulas gerais ver: MARTINS-COSTA (2000, p.303e341); THEODORO JÚNIOR (2004, p.123-125); JORGE JÚNIOR (2004, p.21-24); AMARAL (2006, p.72).

[19] Nessa mesma linha de intelecção ver: MARTINS-COSTA (2002, p.612); MARQUES (2006, p.216).

[20] Trata-se da chamada boa-fé crença, que se exterioriza através de um estado de ignorância, de crença errônea acerca de certas situações. (SCHIER, 2006, p.38; NORONHA, 2007, p.82).

[21] Nesse sentido ver: NORONHA (1994, p.152); NORONHA (2007, p.446-447); NOVAIS (2001b, p.22-23); NEGREIROS (2006, p.122-123); THEODORO JÚNIOR (2008, p.25-26).

[22] Trata-se do entendimento do prof. Clóvis do Couto e Silva acerca da compreensão (concepção) da obrigação como processo. Nesse sentido ver: MARQUES (2006, p.217-218); MARTINS-COSTA (2000, p.382-409); NORONHA (2007, p.75); FARIAS; ROSENVALD (2007b, p.39-42).

[23] Nesse sentido ver: MELLO (2001a, p.316); COUTO E SILVA (1976, p.131); NORONHA (2007, p.80).

[24] Destaca-se que “[…] as referidas funções objetivam permear a aplicação da boa-fé objetiva, por todo o Direito Obrigacional, na busca do adimplemento contratual, e da limitação do exercício do Direito Subjetivo, permitindo, assim, o equilíbrio contratual almejado pelo ordenamento jurídico.” (SILVA, 2009, p.414).

[25] Nesse mesmo sentido ver: FARIAS; ROSENVALD (2008, p.15-17); MARQUES (2006, p.212); AMARAL (2006, p.415); TARTUCE (2007, p.145); SETTE (2003, p.127-128); HIRONAKA; TARTUCE (2007, p.56).

[26] Nesse sentido ver: MARTINS-COSTA (2000, p.437-438); COUTO E SILVA (1976, p.113);

[27]Nesse sentido, Flávio Tartuce expõe que “[…] Segundo o Enunciado n. 24 do Conselho da Justiça Federal, da            I Jornada de Direito Civil, a quebra desses deveres anexos é modalidade de inadimplemento obrigacional, cuja responsabilidade independe de culpa. Para alguns autores, essa quebra da boa-fé objetiva conduziria a uma terceira modalidade de inadimplemento, ao lado da mora e do inadimplemento absoluto, denominada                     violação positiva do contrato.” (TARTUCE, 2007, p.200 e 213, grifos no original).

[28] O dever de informação (ou de informar) impõe aos contratantes, o dever precípuo de informação acerca de todas as circunstâncias relevantes sobre o contrato, para que as partes possam, livremente, exercitar sua autonomia privada. Tem-se como o mais importante dos deveres anexos da boa-fé objetiva, pois, a informação é fundamental para que os contratantes possam ser alertados sobre fatos, relacionados ao conteúdo contratual, que não poderiam perceber por sua própria diligencia ordinária. Destaca-se, ainda, que, o dever de informação é extremamente valorado na sociedade contemporânea, em decorrência da cláusula geral de boa-fé objetiva, sendo entendido como obrigação secundária ao contrato e importante mecanismo de reequilíbrio contratual nas relações de consumo. (ROSENVALD, 2005, p.109; MARQUES, 2006, p.772).

[29] Para maiores estudos acerca dos deveres anexos da boa-fé objetiva ver: CORDEIRO (2007, p.586-631);             MARTINS-COSTA (2000, p.437-454); FARIAS;ROSENVALD (2007b, p.43-46); NORONHA (2007,                 p.77-87); TEPEDINO; SCHREIBER (2005, p.222-224).

[30]  Nesse sentido ver: TOMASETTI JUNIOR (1992, p.53); FABIAN (2002, p.68-70); SCHIER (2006, p.50).

[31] Nesse sentido, Joaquim de Sousa Ribeiro explicita que “[…] o consumidor tem direito a decidir com pleno conhecimento de causa, devendo ser-lhe facultada a oportunidade de avaliar, com toda exactidão, aquilo que adquire e aquilo que paga. São contrárias à boa-fé e abusivas, por intransparentes, as indicações obscuras, através de fórmulas excessivamente complicadas, mas também as cláusulas enganadoras, restritivas ou modificativas, de forma dissimulada, do que resulta de outras disposições ou de comunicações publicitárias para as quais a sua atenção é solicitada.” (RIBEIRO, 2003, p.146).

[32] Paulo Nalin assevera que no tocante ao princípio da transparência “seu maior impacto na relação contratual está na necessidade de que uma informação contratual de qualidade seja oferecida ao contratante vulnerável, pois somente a partir dela é que também pode ser emitida uma vontade qualificada.” (NALIN, 2006, p.147).