Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva

Mariana Baudson Godoi de Queiroz[1] 

 

RESUMO: O instituto do punitive damages, de origem norte americana está sendo habitualmente empregado pelo Poder Judiciário brasileiro, tendo em vista a necessidade de expandir a função de reparação da responsabilidade civil para compreender também as funções de prevenção e punição. Contudo, deve ser realizado um estudo científico, jurídico, político e sociológico para não distorcer o caráter punitivo da indenização por danos morais e acarretar em erros jurídicos.

 

PALAVRAS-CHAVE: responsabilidade civil; dano moral; indenização punitiva.  

 

Área de Interesse: Direito Civil 

 

1 INTRODUÇÃO

A responsabilidade civil, apesar de ser um instituto sedimentado na doutrina e jurisprudência brasileira, está em constante evolução, e seu atual cenário passa por transformações, tendo em vista que seu modelo tradicional de reparação da compensação de danos não se mostra suficiente para solucionar a complexidade das relações sociais atuais.

Desta maneira, com a maior aplicabilidade das normas constitucionais e anseio por meios mais eficazes para prevenção do ato ilícito, analisa-se a aplicação de novas funções da responsabilidade civil, através das funções de punição e prevenção do ato ilícito, trazidas por meio do instituto do punitive damages de origem anglo saxônica.

 Neste sentido, este artigo tem o escopo de demonstrar a possível aplicação do instituto punitive damages, mais adequadamente interpretado como “indenização punitiva”, ao Direito brasileiro.

Primeiramente serão introduzidas noções gerais de responsabilidade civil e dano moral, conceituando e classificando os diferentes tipos de responsabilidade civil e apresentando seus elementos. Ademais, será diferenciada a responsabilidade civil patrimonial da responsabilidade civil extrapatrimonial, demonstrando a base constitucional da reparação por danos morais, bem como seus imbróglios.

Apresentados os parâmetros iniciais, passa-se a análise do instituto do punitive damages, estabelecendo sua definição, diferenciando o sistema do commom law que deu origem a tal instituto, do sistema do civil law, e, ainda, analisando o seu contexto histórico, bem como os casos concretos em que é aplicado nos países de origem.

Por fim, será analisado o caráter punitivo da indenização por danos morais no direito civil brasileiro, demonstrando o entendimento doutrinário e jurisprudencial, e, após, abordar a possibilidade de aplicação do punitive damages no direito brasileiro.

 

2 A RESPONSABILIDADE CIVIL E O DANO MORAL 

2.1 Conceito de responsabilidade civil 

Inicialmente, para melhor compreensão do tema abordado, deve-se tecer o conceito de responsabilidade civil, que está relacionado a um encargo, um dever de reparação de um prejuízo decorrente da violação de normas preexistentes.

Pressupõe uma conduta positiva ou negativa, decorrente de um ato ilícito, que viola dever jurídico legal ou contratual, surgindo, portanto, a obrigação de reparação do dano causado.

Contudo, a definição de responsabilidade civil, não constitui tarefa simples, vez que juristas e doutrinadores constroem sua própria definição e conceito para tal instituto.

Para Maria Helena Diniz (2009, p. 34), a responsabilidade civil é definida como: 

[…] a aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda ou, ainda, de simples imposição legal.  

Neste sentido, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2006, p. 09), lecionam que:  

A responsabilidade civil deriva da agressão a um interesse eminentemente particular, sujeitando, assim, o infrator, ao pagamento de uma compensação pecuniária à vítima, caso não possa repor in natura o estado anterior de coisas.  

 Segundo as palavras de Rui Stoco (2007, p. 114):

A noção da responsabilidade pode ser haurida da própria origem da palavra, que vem do latim respondere, responder a alguma coisa, ou seja, a necessidade que existe de responsabilizar alguém pelos seus atos danosos. Essa imposição estabelecida pelo meio social regrado, através dos integrantes da sociedade humana, de impor a todos o dever de responder por seus atos, traduz a própria noção de justiça existente no grupo social estratificado. Revela-se, pois, como algo inarredável da natureza humana. 

Diante destes conceitos, conclui-se que a responsabilidade civil é aquela que deriva de todo ato praticado por pessoa física ou jurídica, consequente de uma ilicitude, que infringe norma jurídica legal ou contratual, ficando o agente obrigado a reparar o dano, tendo em vista o direito da vítima de ser indenizada na intensidade do dano sofrido.

A doutrina majoritária fragmenta a responsabilidade civil em razão da culpa e pela natureza da norma jurídica violada, podendo ser classificada basicamente como: subjetiva e objetiva, e contratual e extracontratual.

A responsabilidade civil subjetiva é aquela em que será apurada a culpa do agente causador do dano, em virtude de um ato doloso ou culposo, decorrente de uma negligência ou imprudência, ficando obrigado à reparação, cabendo à vítima, provar a culpa do agente.

Sobre a responsabilidade subjetiva, Silvio Rodrigues (2002, p. 11) leciona que: 

Se diz ser subjetiva a responsabilidade quando se inspira na ideia de culpa e que de acordo com entendimento clássico a “concepção tradicional a responsabilidade do agente do dano só se configura se agiu culposamente ou dolosamente”. De modo que a prova da culpa do agente causador do dano é indispensável para que surja o dever de indenizar. “A responsabilidade, no caso, é subjetiva, pois depende do comportamento do sujeito.  

No ordenamento jurídico pátrio, a cláusula geral da responsabilidade civil subjetiva está prevista nos artigos 186 c/c 927 do Código Civil de 2002.

Contudo, a responsabilidade subjetiva é insuficiente para solucionar os danos suportados pela sociedade atual, marcada pela complexidade das relações comerciais e sociais, surgindo, assim, a responsabilidade civil objetiva.

Esta segunda modalidade, qualifica-se como aquela em que se dispensa a aferição de culpa do agente, sendo o dolo ou a culpa, insignificantes para a sua caracterização, observando somente o nexo de causalidade entre a conduta do agente e o dano, para que nasça a obrigação de indenizar.

O fundamento principal para a caracterização da responsabilidade civil objetiva surgiu da Teoria do Risco, pautada na ideia que a atividade desenvolvida pelo agente causador do dano, por sua natureza, gera um risco aos direitos de terceiros, legitimada pelo artigo 927 do Código Civil Brasileiro de 2002.

A responsabilidade objetiva veio ratificada em cláusulas específicas na legislação brasileira, que preveem a sua aplicação, como por exemplo, o abuso de direito (art. 187 CC/02), o exercício de atividade de risco ou perigosa (art. 927, parágrafo único, CC/02), os danos causados por produtos (art. 931 CC/02), a responsabilidade pelo fato de outrem (art. 932 e art. 933 do CC/02), a responsabilidade pelo fato da coisa ou do animal (art. 936, 937 e 939 do CC/02), a responsabilidade dos incapazes (art. 928 CC/02), dentre outras constantes em outras legislações.

A doutrina também classifica a responsabilidade civil em contratual e extracontratual que decorre da natureza jurídica do preceito violado pelo agente motivador do dano.

A responsabilidade civil contratual é aquela em que presume a existência de um contrato anteriormente ajustado, que vincula as partes, sendo que o dano, neste caso, decorre da violação de uma obrigação contratual contraída pelo agente, quando da assinatura do negócio jurídico.

Já na responsabilidade civil extracontratual, também chamada de aquiliana, a conduta do agente é oriunda de uma violação de um dever jurídico imposto pela lei.

A responsabilidade civil contratual está presente no Código Civil de 2002, nos artigos 389 a 395, sendo que a extracontratual ou aquiliana, encontra sua base legal nos artigos 186 a 188 e 927 e seguintes.

Assim, constata-se que a teoria adotada pelo Código Civil Brasileiro de 2002, é a teoria dualista ou clássica, que divide a responsabilidade civil em contratual e extracontratual (aquiliana), sendo que em ambas ocorrem à violação de dever jurídico antecedente, mas a distinção entre as classificações é concebida quando da origem do dever de indenizar, se deriva de um inadimplemento contratual ou de uma violação da ordem legal.

Existem alguns pressupostos que qualificam os elementos gerais da responsabilidade civil, que estão presentes no art. 186 do Código Civil Brasileiro: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”

Tais elementos podem ser denominados como: ato ilícito, nexo causal, dano e culpa, sendo as bases fundamentais para caracterização da responsabilidade civil.

O primeiro elemento que deve ser analisado, em apertada síntese, é o ato ilícito que deriva de uma conduta humana por meio de uma ação ou omissão voluntária, que está em desconformidade com as normas previstas.

Sobre este elemento preleciona Silvio de Salvo Venosa (2003, p. 22):

O ato de vontade, contudo, no campo da responsabilidade deve revestir-se de ilicitude. Melhor diremos que na ilicitude há, geralmente, uma cadeia de atos ilícitos, uma conduta culposa. Raramente, a ilicitude ocorrerá com um único ato. O ato ilícito traduz-se em um comportamento voluntário que transgride um dever.

A ação ou omissão do agente podem ser caracterizadas, respectivamente, como uma conduta ativa e como um comportamento negativo, ou seja, um agir ou não agir.

O elemento denominado como dano, é imprescindível para o instituto da responsabilidade civil, vez que “sem a ocorrência deste elemento não haveria o que indenizar, e, consequentemente, responsabilidade.” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2006, p. 35).

O dano é um prejuízo causado a outrem, podendo ser patrimonial (econômico) ou extrapatrimonial (moral), ocasionado pelo ato ilícito do agente.

Destarte, somente a conduta ilícita do agente e o dano propriamente dito não são suficientes para a caracterização da responsabilidade civil, tendo em vista a necessidade que este dano seja causado e motivado pelo ato ilícito praticado pelo agente, surgindo assim, o nexo causal. (CAVALIERI FILHO, 2007).

Tal elemento é averiguado mediante a verificação se há relação de causa e efeito entre o ato ilícito e o dano, podendo dizer que é o liame entre o comportamento do agente e o resultado provocado.

Por fim, o último pressuposto a ser analisado, a culpa, é elemento essencial da responsabilidade civil subjetiva, não sendo aferida na responsabilidade civil objetiva.

Nas palavras de Sílvio de Salvo Venosa, “culpa é a inobservância de um dever que o agente devia conhecer e observar.” (VENOSA, 2003, p. 23).

A doutrina majoritária versa que a culpa em sentido amplo abrange não somente a conduta voluntária ilícita do agente, como também se manifesta nos atos de negligência, imprudência e imperícia, sendo estes em sentido estrito.

A negligência pode ser denominada como o descuido ou a falta de atenção do dever de cuidado; a imprudência é a inadvertência, o ato que contraria a prudência violando as regras de cuidado. Já a imperícia trata-se da falta de habilidade e experiência para realização de determinado ato.

Logo, passado a análise do conceito de responsabilidade civil, suas classificações e espécies, conclui-se que tal conceito é amplo, mas que sua análise é fundamental para uma melhor compreensão do tema proposto. 

 

2.2 Responsabilidade civil por dano patrimonial e extrapatrimonial 

É pacífico na doutrina e jurisprudência, a distinção dos danos entre patrimoniais e extrapatrimoniais, sendo o primeiro o prejuízo econômico efetivamente sofrido, e o segundo, o abalo psíquico ou moral sofrido, ou seja, o dano que não possui efeito econômico.

Os danos patrimoniais e extrapatrimoniais, e o direito a sua reparação, encontram-se previstos em diversos ordenamentos jurídicos vigentes no Brasil, como na Constituição da República de 1988, o Código Civil de 2002, o Código de Defesa do Consumidor, e o Código Comercial, dentre outros dispositivos legais.

Aqueles danos que atingem diretamente o patrimônio econômico das pessoas físicas ou jurídicas são denominados danos patrimoniais, ou, materiais, configurados através de uma ação ou omissão, através do nexo de causalidade entre a conduta do agente e o prejuízo material suportado.

Existe, ainda, a possibilidade de configurar o dano material pelo valor econômico que se deixou de lucrar em razão do dano, denominados lucros cessantes, e, ainda, ao efetivo prejuízo sofrido, denominado pela doutrina de danos emergentes.

Para configuração do dano material, deve-se averiguar se a ação ou omissão praticada pelo agente foi ou não culposa, com a demonstração específica da extensão do dano material e do quantum indenizatório pretendido, para que se possa cumprir com a finalidade que se busca nas ações judiciais de reparação do dano, o restabelecimento da situação material (econômica), que se tinha antes da ocorrência do dano.

Neste sentido, ensina Sílvio de Salvo Venosa (2003, p. 198): 

Reparar o dano, qualquer que seja sua natureza, significa indenizar, tornar indene o prejuízo. Indene é o que se mostra íntegro, perfeito, incólume. O ideal de justiça é que a reparação de dano seja feita de molde que a situação anterior seja reconstituída: quem derrubou o muro do vizinho deve refazê-lo; quem abalroou veículo de outrem por culpa deve repará-lo; dono de gado que invadiu terreno vizinho, danificando pomar, deve replantá-lo e assim por diante.  

Os danos extrapatrimoniais, também chamados de danos morais, são aqueles que atentam contra a honra, dignidade, boa fama e à boa fé subjetiva de pessoas físicas ou jurídicas, causando sofrimentos e abalos morais, sem produzir qualquer prejuízo material.

Nas palavras de Yussef Said Cahali (1999, p. 20): 

Na realidade, multifacetário o ser anímico, tudo aquilo que molesta gravemente a alma humana, ferindo-lhe gravemente os valores fundamentais inerentes à sua personalidade ou reconhecidos pela sociedade em que está integrado, qualifica-se, em linha de princípio, como dano moral; não há como enumerá-los exaustivamente, evidenciando-se na dor, na angústia, no sofrimento, na tristeza pela ausência de um ente querido falecido; no desprestígio, na desconsideração social, no descrédito à reputação, na humilhação pública, no devassamento da privacidade; no desequilíbrio da normalidade psíquica, nos traumatismos emocionais, na depressão ou no desgaste psicológico, nas situações de constrangimento moral.  

Portanto, constata-se que o dano extrapatrimonial configura uma lesão sofrida pelo sujeito, no seu conjunto de bens ideais, ou seja, aqueles que não possuem valor econômico, resultando do nexo de causalidade entre o ato que gerou o dano e os efeitos lesivos ao patrimônio moral do ofendido.

Para a efetiva demonstração da ocorrência do dano, faz-se mister demonstrar as circunstâncias em que aconteceram as ofensas morais, contra a honra, reputação, boa fé ou dignidade do indivíduo ofendido, bem como o corolário para sua vida pessoal, comprovando o efeito do dano e os demais abalos criados por este.

A reparabilidade do dano moral foi positivada como direito constitucional pela Constituição da República de 1988, através do art. 5º, incisos V e X, certificando o direito de reparação dos danos morais que a vítima fortuitamente venha a sofrer.

Contudo, existem alegações desfavoráveis a reparabilidade do dano moral, que sustentam a dificuldade de valoração deste dano, porém, nas palavras de Ronaldo Alves de Andrade “tal argumento não traz em seu bojo qualquer rigorismo científico, até porque representa nítida afronta ao disposto no art. 159 do Código Civil.” (ANDRADE, 2000, p. 14).

Ocorre que a valoração do dano moral é consubstancialmente difícil, tendo em vista que a indenização não reconstituirá a situação anterior ao evento danoso, conforme acontece nos danos patrimoniais, em que ocorre a reparação integral do dano.

Porém, a busca da sua reparação através de condenação in pecúnia, apesar de não substituir a dor e o abalo sofrido, reduz o sofrimento e traz uma resposta a vítima de que o direito violado e o prejuízo sofrido, ainda que moral teve algum ressarcimento.

Alguns juristas e doutrinadores e algumas decisões judiciais, apontam parâmetros para a fixação do quantum indenizatório, entretanto, o critério para fixação da importância devida a título de indenização por danos morais é subjetivo, apesar de ser um tema de grande controvérsia.

Desta maneira, é considerável ressaltar que fixação de indenização por danos morais possui o caráter de recomposição do sofrimento e abalo sofrido, além de desestimular o agente a cometer reiteradamente a conduta danosa.

Neste sentido, surgiu a teoria do desestímulo que tem como fundamento principal, o fato de que cada ofensor deve ser condenado ao pagamento de indenização por danos morais para que não volte a praticar o ato ilícito ensejador do dano.

Tal teoria defende que a condenação deve observar a aptidão financeira do ofensor, bem como o princípio da razoabilidade no arbitramento do quantum sem que lhe afete excessivamente, mas que implique a imediata e eficaz correção da prática de atitudes condenáveis como a que ocasionou o dano.

Assim, preceitua Humberto Theodoro Júnior (2001): 

Os danos morais se traduzem em turbações de ânimo, em reações desagradáveis, desconfortáveis ou constrangedoras, ou outras desse nível, produzidas na esfera do lesado. (…) Assim, há dano moral quando a vítima suporta, por exemplo, a desonra e a dor provocadas por atitudes injuriosas de terceiro, configurando lesões na esfera interna e valorativa do ser com entidade individualizada.  

Diante do exposto, tem-se que o dano extrapatrimonial ou moral se baseia em ato danoso ao direito de outrem, que por consequência lesiona a esfera privada, no que concerne à honra, imagem, moral, boa fé e intimidade, não possuindo conteúdo pecuniário, redutíveis comercialmente a dinheiro. 

 

3 O INSTITUTO DO PUNITIVE DAMAGES 

3.1 Definição

O instituto do punitive damages, advém do sistema jurídico do commom law e pode ser entendido como o acréscimo monetário fixado na ação de indenização que visa à reparação do dano, destinado ao autor da demanda, com o objetivo de punir o agente causador do ato danoso e prevenir que danos futuros sejam cometidos, observando a capacidade econômica do agente.

Neste sentido, Salomão Resedá (2009, p. 225) conceitua brilhantemente o punitive damages: 

Um acréscimo econômico na condenação imposta ao sujeito ativo do ato ilícito, em razão da sua gravidade e reiteração que vai além do que se estipula como necessário para satisfazer o ofendido, no intuito de desestimulá-lo à prática de novos atos, além de mitigar a prática de comportamentos semelhantes por parte de potenciais ofensores, assegurando a paz social e conseqüente função social da responsabilidade civil.

O punitive damages possui diversas terminologias, podendo ser chamado também de exemplar damages, speculative damages, smart money, penal damages, vindictive damages, punitory damages, retributory damages, dentre outros (ANDRADE, 2009, p.186).

Tal instituto possui a função preventiva e punitiva, que são em síntese, o montante expressivamente superior ao dano sofrido oferecido à vítima de forma monetária, não tendo somente a função de compensação do dano, mas também o de prevenção de futuros ilícitos e de punir o agente causador do dano.

Contudo, existe uma grande diferença entre a função compensatória do dano e a função punitiva, sendo que a primeira tem como finalidade a compensação do dano, e a segunda pretende a prevenção contra o ato ilícito praticado, visando à punição da conduta do agente.

Por fim, preceitua Fábio Ulhoa Coelho (2005, p. 432) sobre o conceito dos punitives damages:

O objetivo originário do instituto é impor ao sujeito passivo a majoração do valor da indenização, com o sentido de sancionar condutas específicas reprováveis. Como o próprio nos indica, é uma pena civil, que reverte em favor da vítima dos danos. 

Desta maneira, conclui-se que o conceito do punitive damages traz uma amplificação ao conceito de responsabilidade civil, atribuindo a esta funções de prevenção e punição, através de um acréscimo monetário na indenização concedida a vítima do dano, em decorrência da gravidade do ato ilícito e da sua prática frequente.

 

3.2 Os sistemas do commom law e civil law 

Como dito no tópico anterior, o instituto do punitive damages tem sua origem no sistema jurídico do Common Law, que é proveniente do sistema anglo saxônico, tendo como base os julgamentos proferidos pelo Poder Judiciário, através da análise do caso concreto, consoante outras ações semelhantes, e não no texto legal.

Este sistema é originário da Inglaterra do século XII, que possuía os costumes do reino reconhecidos pelos juízes como fonte principal do direito. Atualmente o Common Law é o sistema jurídico seguido por diversos países como Estados Unidos, Inglaterra e Canadá.

Nos Estados Unidos, o preceito do stare decisis é suscetível a mudanças, não sendo os precedentes proferidos analisados como um axioma, vez que neste país o direito é fragmentado pelo Commom Law e o Statue Law, que são as leis codificadas. Contudo, existem situações em que os juízes são coibidos a seguirem os julgados pronunciados por tribunais superiores, devendo os tribunais inferiores respeitarem tais precedentes.

Já o sistema do Civil Law é formalmente adotado no sistema jurídico brasileiro, inferindo das bases teóricas e legais, que consolidam conceitos e princípios a serem aplicados, tendo como fonte predominante do Direito a Lei.

Desta feita, tem-se que o direito brasileiro que adota o civil law é dedutivo, tendo como fundamento as concepções teóricas que introduzem os princípios a serem empregados, composto por elemento variável. Já os sistemas que adotam o commom law, são pragmáticos, e utilizam de casos concretos para dirimir conflitos futuros.

Ressalta-se ainda, que o commom law é contrário ao civil law, por ter natureza jurisprudencial, e o direito brasileiro tem como fundamento leis que, imprescindivelmente, necessitam de processo legislativo anterior para serem válidas e adequadas.

Portanto, conclui-se que o sistema do Common Law pode ser visto como direito costumeiro, através de decisões judiciais que elaboram o direito, sendo que o Civil Law, tem como alicerce o direito já positivado nas legislações e códigos, mas não deixa de utilizar os entendimentos doutrinários e jurisprudenciais.

Tal diferenciação é essencial para a compreensão do tema proposto, tendo em vista a necessidade de distinção das consequências jurídicas que a aplicação do instituto do punitive damages acarreta nos países que adotam o commom law, e no direito brasileiro, que adota o civil law.

 

3.3 Contexto histórico 

O punitive damages é considerado um dos mais importantes institutos no sistema jurídico do commom law e teve sua origem nos países anglo-saxônicos, no século XII, através do Statue of Coucester, em 1278, na Inglaterra.

Explorando o cenário da época, Judith Martins-Costa e Mariana Souza Pargendler (2005, p. 18) observam que:  

No modelo então construído, o autor do dano era castigado pela imposição de reparação equivalente a um múltiplo do valor do dano sofrido pela vítima que tinha, ao seu dispor, a previsão de ação civil justamente com tal finalidade. […] Aí está a raiz de uma tradição que veio a ser especialmente desenvolvida no séc. XVIII, quando se criou a doutrina dos exemplary damages como um meio para justificar a atribuição de indenização quando não havia prejuízo tangível, ou seja, no caso de danos extrapatrimoniais. 

Judith Martins leciona em sua obra, que a tradição dos punitive damages “veio a ser desenvolvida no século XVIII, quando se criou a doutrina dos exemplary damages como um meio para justificar a atribuição de indenização quando não havia prejuízo tangível, ou seja, no caso de danos extrapatrimoniais”. (MARTINS COSTA, 2005, p. 15).

Já no século XIX o instituto do punitive damages foi substituído pelo actual damages, restando para o primeiro apenas as funções de punir e prevenir, passando a ser analisada a conduta do ofensor e não só o dano propriamente dito.

Este instituto possui mais de 200 anos de aplicação e aperfeiçoamento, utilizado em vários países, sendo os principais Inglaterra, Canadá e Estados Unidos.

O crescimento do punitive damages neste último país foi de tal importância, que é considerado o mais influente e típico deste local, sendo utilizado em mais de 50 estados, demonstrando a sua enorme aplicabilidade.

A aplicação do punitive damages nos países que o adotam, ainda é controvertida, não sendo pacífico o entendimento jurisprudencial para fixação da indenização, vez que os critérios para aplicação são limitados a cada país que o utiliza, criando conflitos a respeito de quando caberia à aplicação de tal instituto, quais os métodos deveriam ser aplicados para se chegar a um quantum indenizatório, a orientação dos jurados para sua fixação, e, ainda, o modo de revisão utilizado pelos tribunais superiores.

As críticas referentes a este instituto são inúmeras, e decorrem de alegações como a falta de equilíbrio das condenações das indenizações pelo júri, bem como a dúvida legal que sua prática demasiada reproduz, conforme traz o contexto de Ryan (2009).

Diante desta polêmica, torna-se imprescindível a discussão acerca da sua aplicação, sendo essencial analisar as circunstâncias e critérios que devem ser utilizados na aplicação do punitive damages, nos diversos países que adotam tal instituto, tendo em vista a consequência que pode causar no direito e na economia, por se tratarem de casos que envolvem direitos difusos.

 

3.4 A aplicação do punitive damages nos casos concretos no sistema commom law 

Como os punitive damages se originaram na Inglaterra, um país que adota o sistema da commom law, em que há uma maior delimitação para sua incidência, bem como maior rigidez a cerca dos critérios e limites para sua utilização no caso concreto, explica John Y. Gotanda (2003) em seu artigo: 

Após o acontecimento do primeiro caso envolvendo aplicação dos punitives damages – Wilkes VS Wood -, já anteriormente mencionado, houve uma crescente aplicação do instituto até os primórdios dos anos de 1964, que nesta época Câmara dos Lordes, no caso em que envolveu Rookes VS Barnard, limitou a três categorias a aplicação dos punitives damages, sendo elas: a) casos que envolvam condutas opressivas, arbitrárias ou inconstitucionais de membros do governo e da administração pública; b) fraudes que envolvam casos de supostos enriquecimento sem causa; c) as condutas em que a aplicação do instituto deverá ser previsto em lei.  

Ainda adotando o pensamento de John Y. Gotanda (2003), o direito inglês adota, além das três restrições citadas, mais seis delimitações para à aplicação do punitive damages.

A primeira dessas seis limitações é considerada o teste do “se, mas apenas se”, que se baseia na concessão da indenizatória, apenas quando esta for insuficiente para desaprovar o ofensor; a segunda traz a ideia de que quem demanda tal indenização deve ser o ofensor; a terceira diz respeito se o ofensor já foi punido pelo ato praticado; a quarta restringe o polo ativo da ação, podendo fazer-se inexequível a aplicação do instituto; na quinta restrição o autor aplica o instituto nos casos em que o agente causador do dano, teria agido de boa fé; já a sexta e última se dá nos casos em que a vítima contribuiu ou gerou o pressuposto dano, no qual seria utilizado o instituto do punitive damages.

No que tange a crítica feita em relação a revisão dos punitive damages, a Inglaterra consolidou no Ato de Serviços Legal e de Corte de 1990, uma superior competência à Corte de Apelação para reexaminar e modificar os importes concedidos pelo júri, devido aos crescentes casos que discutiam os valores excessivos e desproporcionais aplicados.

Como dito anteriormente, é nos Estados Unidos da América, que o instituto do punitive damages possui maior proporção e evolução na sua aplicação. Não obstante de terem sua origem limitada ao dano moral, o instituto do punitive damages atualmente neste país, também é utilizado nos danos materiais possuindo função de exemplaridade social.

Neste país, o instituto do punitive damages só pode ser deferido pelo Júri, e não é aplicado nos casos de responsabilidade contratual e responsabilidade objetiva, uma vez que só é concedido quando restar demonstrado o dolo do agente, e, excepcionalmente, quando os atos culposos são considerados reprováveis. Ainda assim, é utilizado nas mais diversas matérias, sendo aplicada nas questões relativas a emprego, família, propriedade, e até pelo direito internacional e marítimo.

Cássio Cunha de Almeida (2010) traz alguns casos que se demonstram imprescindíveis para demonstrar a matéria exposta: 

1 – Nosso primeiro caso emblemático de uma indenização punitiva ocorreu na década de 80, nos Estados Unidos da América, notável pela vultosa soma em dinheiro a título de indenização: 7,53 bilhões de dólares. Trata-se de um caso em que a Pennzoil negociava com os principais acionistas da Getty Oil sobre um Memorando de Entendimentos regulador de um conjunto de ações em que a Pennzoil e o Sarah C. Getty Trust passariam a ser os únicos acionistas da Getty Oil, em que a Pennzoill pagaria $110,00 (cento e dez dólares) por ação. Logo que soube a Texaco, principal concorrente da Penzoil, iniciou uma negociação com os acionistas da Getty Oil um plano de compra da Getty, acordando um valor de $128,00 (cento e vinte e oito dólares) por ação. Logo após a publicidade dos fatos, a Penzzoil entrou com uma ação em desfavor da Texaco, baseando-se na responsabilização pela indução à quebra de contrato (torto f induction into breach of contract). A ação foi provida e a Penzzoil ganhou uma indenização bilionária pelos danos sofridos com a interferência ilícita da Texaco em negociações alheias.

2 – Em 1981 ocorreu um acidente no qual um veículo de fabricação da montadora Ford explodiu, causando a morte dos três ocupantes da condução. Posteriormente, constatou-se que a explosão ocorreu devido à localização do tanque/reservatório do carburador, o qual se encontrava na parte traseira do automóvel. Comprovou-se, também, que a referida mudança na localização do tanque/reservatório do carburador permitia à empresa uma economia de $ 15,00 (quinze dólares) por veículo.

No caso sub judice o júri não poupou a empresa, considerando o comportamento descrito acima altamente reprovável, pois pela economia de meros $ 15,00 (quinze dólares) por veículo, o tanque foi colocado num lugar impróprio e arriscado em caso de uma colisão. Assim em caso de acidente, a Ford ganharia mais indenizando a vítima do que colocando o tanque no lugar correto, uma solução que leva em conta somente a relação custo/benefício. O júri aplicou uma alta soma em dinheiro a título de punitive damages.

3 – A empresa Browning-Ferris Industries of Vermont Inc. temendo a concorrência de outra sociedade, a Kelco, fez o possível para excluí-la do mercado de consumo. Diante de tal comportamento a Kelco ingressou em juízo. O Tribunal norte americano acatou o pedido de responsabilização civil pela conduta desleal da empresa concorrente, uma vez que corresponderia a um ilícito, posto que a Browning-Ferris atuara somente com o objetivo de tirar a competidora do mercado. No caso foi concedida uma indenização de $ 6.000.000,00 (seis milhões de dólares) a Kelco referentes aos punitive damages. 

O Código Civil da Califórnia traz em seu texto legal, as possibilidades de aplicação do punitive damages, “como a violação de uma obrigação extracontratual em que se demonstre, por prova clara que o réu foi responsável por opressão, fraude ou malícia”. (SCHREIBER, 2007, p. 204). Além do estado da Califórnia outros estados dos Estados Unidos passaram a adotar limitações em suas legislações à aplicação do instituto e, ainda, a própria Suprema Corte delimitou os casos em que devem ser utilizados a indenização punitiva.

Conforme o exposto, tem-se que apesar do instituto do punitive damages ser tradicionalmente aplicado nos países que adotam o commom law, sua aplicação ainda é controvertida por parte da doutrina e jurisprudência, que vem estabelecendo limites a sua aplicação, através dos casos concretos analisados, para tentar estabelecer um entendimento pacífico. 

 

4 O CARÁTER PUNITIVO DA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E O DIREITO CIVIL BRASILEIRO 

O punitive damages, ou indenização punitiva, como é chamado no Brasil, encontra sua base legal no direito brasileiro no artigo 1º, inciso III, da Constituição da República de 1988, que concretiza o princípio da dignidade da pessoa humana, bem como nos direitos personalíssimos, conforme preceitua André Gustavo Côrrea de Andrade (2009, p. 237): 

É no princípio da dignidade humana, estabelecido no art. 1º, inciso III, da Constituição Federal, que a indenização punitiva encontra sua base lógico-jurídica. A aplicação dessa forma especial de sanção constitui, também, consectário lógico do reconhecimento constitucional dos direitos da personalidade e do direito à indenização do dano moral, encartados no art. 5º, incisos V e X, da Constituição brasileira.  

Diferentemente dos Estados Unidos, no Brasil, a aplicação do punitive damages restringe-se à indenização por danos extrapatrimoniais, tendo em vista que o dano moral não pode ser medido pela sua efetiva extensão, e o artigo 944 do CC/02 versa que a indenização por danos patrimoniais mede-se pela extensão do dano.

A indenização extrapatrimonial possui caráter compensatório e punitivo, que não se confundem por serem distintos, vez que o primeiro tem como base o dano e o abalo moral sofrido pela vítima, e o segundo é aplicado como uma penalidade ao ofensor e para prevenir que este cometa novo ato ilícito, e servir de exemplo para outros casos semelhantes.

O instituto do punitive damages ganhou importância no Brasil, a partir do momento em que o caráter compensatório da indenização por danos morais se demonstrou insuficiente para a resolução dos conflitos existentes.

Tal fato ocorreu nos casos em que se tornaram recorrentes a insuficiência do quantum indenizatório arbitrado para prevenir o cometimento do ato ilícito, vez que, para o agente causador do dano, o pagamento da indenização se torna mais benéfico e acessível do que a prevenção do ilícito, ou quando este aufere benefício econômico pelo cometimento da conduta ilícita.

MARTINS-COSTA e PARGENDLER (2005) sustentam que a indenização punitiva toma lugar no cenário nacional, por ser um mecanismo capaz a reprimir danos causados por empresas que obtém lucro, comercializando um extenso número de objetos danosos, ainda com o valor da indenização paga às vítimas que demandam em juízo procurando serem ressarcidas pelos danos sofridos.

Desta maneira, o instituto do punitive damages no Brasil institui um meio de dar efetividade ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e as normas constitucionais que preveem a indenização por danos morais e aos direitos personalíssimos, consolidando as funções de punição e prevenção de danos contra esses direitos. 

 

4.1 O entendimento doutrinário e jurisprudencial 

A doutrina e jurisprudência se divergem no que tange a possibilidade de aplicação do punitive damages no direito brasileiro.

O fundamento da doutrina que é contra a aplicação de instituto no sistema jurídico brasileiro, se baseia no fato de que tal instituto não possui expressa previsão legal, ferindo o princípio da legalidade.

Neste sentido, Maria Celina Bodin de Moares (2003, p. 13) afirma que a indenização punitiva fere o princípio da legalidade, tendo em vista que nullum crimem, nulla poena sine lege, sendo que os critérios para fixação deste instituto devem ser firmados pelo legislador.

A autora defende ainda que para a concessão de tal indenização deve haver expressa previsão legal e em hipóteses excepcionais, como quando se tratar de conduta ilícita que insulta e fere a consciência coletiva, ou quando há pratica de um ato ilícito reiterado que causa um dano a um grande número de pessoas, devendo ser o valor da indenização revertido em favor de um número maior de indivíduos, e não em favor do autor da ação.

Outro argumento utilizado é do risco que as indenizações exorbitantes trazem para o ordenamento jurídico, gerando uma insegurança jurídica, conforme se posiciona Carlos Roberto Gonçalves (2003, p. 575): 

[…] é sabido que o quantum indenizatório não pode ir além da extensão do dano. Esse critério aplica-se também ao arbitramento do dano moral. Se este é moderado, a indenização não pode ser elevada apenas para punir o lesante. A crítica que se tem feito à aplicação, entre nós, das punitive damages do direito norteamericano é que elas podem conduzir ao arbitramento de indenizações milionárias […]. 

Os doutrinadores que são contra a utilização de tal instituto, versam ainda que o punitive damages daria margem ao enriquecimento sem causa do ofendido, vez que se a vítima já foi ressarcida com um determinado valor, o que receber a mais configurará um enriquecimento ilícito, o que não se coaduna com nosso ordenamento. (GONÇALVES, 2003, p. 575).

Já a doutrina favorável à aplicação do instituto do punitive damages no direito brasileiro argumenta que a indenização punitiva encontra respaldo no princípio da dignidade da pessoa humana, não havendo que se falar em indenização exorbitante, tendo em vista os princípios da razoabilidade e proporcionalidade utilizados na fixação das indenizações.

Neste sentido Salomão Resedá (2009, p. 282): 

Quando se fala em aplicação da Teoria do Desestímulo no Brasil, liminarmente deve-se afastar a ideia de indenização graduada a partir da decisão popular. Não cabe ao povo opinar no caso de responsabilidade civil, quanto mais quando se refere ao dano moral. A competência restrita ao magistrado, que reduz, em muito, as arbitrariedades cometidas, e fulmina, por completo, um dos argumentos de competência da doutrina americana. Portanto, a preocupação com a liberdade conferida ao magistrado na busca pelo valor a título de punitive damage sufraga em seus próprios fundamentos. Não há pessoa mais qualificada a determinar a aplicação do ideal de justiça do que o julgador. Ademais, diante do duplo grau de jurisdição é possível consertar qualquer decisão que seja considerada abusiva. 

Em combate ao argumento de que a indenização punitiva gera o enriquecimento sem causa da vítima, os doutrinadores favoráveis sustentam que a lesão sofrida pela vítima justifica a majoração da indenização, e, ainda, que a função de tal indenização é impossibilitar que o agente obtenha lucro em decorrência do ato ilícito.

Uma solução para tal crítica seria o posicionamento que defende a autora Maria Celina Bodin de Moares (2003, p. 15) de que a indenização punitiva se destine a determinados fundos como prevê o art. 13 da Lei 7.347/85, que dispõe sobre danos causados ao meio ambiente, consumidor e a bens específicos, in verbis: 

Art. 13. Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho federal ou por Conselhos estaduais de que participarão necessariamente o ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstrução dos bens lesados. 

As decisões pátrias tem habitualmente recepcionado o instituto do punitive damages, apesar de ainda existirem divergências entre os tribunais. Entretanto, na maioria das vezes em que o instituto é aplicado, os magistrados não observam os critérios e os fundamentos para sua aplicação, distorcendo, portanto, a indenização punitiva.

Sobre tal assunto, Maria Celina Bodin de Moraes (2003, p. 261) versa que: 

[…] de nada adianta clamar por moderação e equilíbrio na fixação do quantum indenizatório quando o sistema que se veio delineando aceita a coexistência de duas regras, antagônicas por princípio, no âmbito da reparação de danos morais: a punição, de um lado, e o arbítrio do juiz, de outro. Nesses casos, em geral a função punitiva “corre solta”, não tendo qualquer significação no que tange a um suposto caráter pedagógico ou preventivo.  

Tal fato decorre da aplicação da teoria mista do dano moral, que versa sobre a dupla função da indenização por danos morais, baseando na satisfação do ofendido e na punição do agente. (ANDRADE, 2009).

Apesar da dificuldade de aplicação do instituto, alguns julgados já vêm aplicando com maestria as funções punitiva e preventiva da responsabilidade civil, como por exemplo, o acórdão proferido na apelação cível nº 0336530-44.2008.8.19.0001 do TJ-RJ, em que o Desembargador Nagib Slaibi é relator, conforme se verifica da decisão a seguir:

 Direito Civil. Indenizatória. Segurado indenizado que passa a receber notificações de débitos de IPVA do veículo entregue à Seguradora. Sentença de procedência do pedido. Recurso a que se nega provimento.

Se a propriedade foi transferida com a sub-rogação do salvado pela seguradora em 2000, esta deve responder pelos encargos e despesas oriundos do bem desde aquele momento. A transferência posterior a terceiro não afasta a sua responsabilidade, pois o autor, que não celebrou qualquer negócio jurídico com o terceiro adquirente do automóvel, não pode ser penalizado por negligência da ré.

“No Brasil, a doutrina já vem reconhecendo que a indenização por dano moral, em muitos casos, deve assumir caráter punitivo. A indenização com função punitiva já é, de há muito, reconhecida no sistema do Common Law, que consagra a doutrina dos exemplary damages ou punitive damages, que constituem uma indenização outorgada em adição à indenização compensatória (actual damages ou compensatpory damages) quando o ofensor agiu com culpa consciente, malícia ou dolo (cf. Blacks Law Dictionary).” (André Gustavo C. de Andrade, in Dano Moral e Indenização Punitiva, editora Forense, 1ª edição, 2006.)

Desprovimento do recurso. 

Neste mesmo sentido foi a decisão do recurso especial nº 389.879 – MG: 

RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. DUPLICATA MERCANTIL. PROTESTO INDEVIDO. ENDOSSOMANDATO. RESPONSABILIDADE DO ENDOSSANTE. PRECEDENTE. ART. 1.313 DO CÓDIGO CIVIL. DIREITO DE REGRESSO. RESSALVA. VALOR DA INDENIZAÇÃO. APLICAÇÃO DO DIREITO À ESPÉCIE. RECURSO PROVIDO.

I – Na linha da orientação deste Tribunal, no endosso-mandato, por não haver transferência da propriedade do título, o mandante é responsável pelos atos praticados por sua ordem pelo banco endossatário.

II – Não há negar, ademais, a responsabilidade da endossante também por não ter sido eficiente em impedir que o banco encarregado da cobrança efetivasse o protesto da cártula, consoante os fatos registrados em sentença.

III – A indenização pelo protesto indevido de título cambiariforme deve representar punição a quem indevidamente promoveu o ato e eficácia ressarcitória à parte atingida.

IV – Fica ressalvado, no entanto, o direito de regresso do endossante contra o endossatário, nos termos do art. 1.313 do Código Civil.

V- O protesto indevido de duplicata enseja indenização por danos morais, sendo dispensável a prova do prejuízo.

(REsp 389.879 – MG. Rel. Min. Silvio de Figueiredo Teixeira. Quarta Tuma. Data do Julgamento 16/04/2002). 

Sendo assim, constata-se que a jurisprudência pátria adota certos parâmetros quando da aplicação do punitive damages, como o grau de culpa do agressor, a condição econômica do agente e o enriquecimento obtido com a prática do ato ilícito.

 

4.2 A possibilidade de aplicação do instituto do punitive damages no direito brasileiro 

Apesar da controvérsia da matéria, deve-se examinar a efetiva possibilidade da aplicação do instituto do punitive damages no direito brasileiro. Ambas as doutrinas e entendimentos expostos são pertinentes e apresentam considerações relevantes sobre o tema, porém devemos nos conter ao ordenamento jurídico brasileiro, que possui tradição de civil law, apesar todo o destaque que o sistema da common law apresenta.

No que pese as alegações dos juristas que vão contra a aplicação do instituto, verifica-se que a ausência de previsão legal do punitive damages, não pode ser um óbice para sua aplicação, por ser um instituto capaz de dar efetividade a norma constitucional e aos direitos personalíssimos, através da punição e da prevenção, evitando, assim, lesão ou ameaça de lesão a direitos.

Diante das considerações realizadas sobre o tema, é cediço ressaltar as hipóteses e critérios que devem ser utilizados para a aplicação do instituto do punitive damages.

Primeiramente, destaca-se que tal indenização deve ser utilizada somente em caráter excepcional, não podendo ser aplicada a todo e indeterminado ato ilícito ensejador de responsabilidade civil. De outro modo, o punitive damages deverá incidir exclusivamente nos casos em que a ação do agente for reprovável, com grau de culpa elevado, bem como quando houver reiteração do ato ilícito, e, ainda, observado a condição econômica do agente.

Não obstante as classificações dos graus de culpa do agente não terem efeito prático na responsabilidade civil, no instituto do punitive damages, tal classificação deve ser respeitada, tendo em vista que a indenização punitiva só deve ser aplicada, quando restar demonstrado à culpa grave, ou o dolo do agente, quando sua atuação se mostra reprovável diante da sociedade.

Neste sentido, faz-se mister ressaltar que o ato doloso é aquele em que o agente possui a consciência das consequências jurídicas lesivas que sua conduta irá gerar, atuando de maneira intencional, com o intuito de provocar o resultado danoso. A culpa grave consiste na falta de cautela do ato praticado, violando o dever de cautela que possui o homem médio.

Já a classificação do grau de culpa como leve e levíssima, consiste que na primeira o ato praticado pode ser evitado com a atenção habitual, e a segunda a inobservância do empenho máximo. Tais graus de culpa devem ser considerados somente naqueles casos em que há a reiterada conduta ilícita do agente, sendo este excessivamente reprovável, como no já citado casos, em que as empresas adotam o ato ilícito como uma conduta reiterada, por ser mais vantajosa economicamente do que a reparação do dano propriamente dito.

Nesse diapasão, tais condutas ilícitas requerem um comportamento mais rígido do Estado, por meio da aplicação do instituto do punitive damages, com o objetivo de punir o agente e mostrar para terceiros, que a prática reiterada de condutas idênticas, motivará a atuação repressiva do Poder Judiciário, efetivando as finalidades propostas pelo punitive damages, quais sejam, a prevenção e punição.

Assim, a indenização punitiva surge no ordenamento jurídico brasileiro como um mecanismo para impedir que as condutas praticadas gerem lucro com o ilícito, neste sentido: 

[…] Com efeito, esta espécie de indenização é aplicável em outras situações, nas quais não se configura essa situação fática. Não há dúvida, no entanto, de que, uma vez presente um ganho ilegítimo como consequência do ato ilícito, a indenização punitiva é cabível independentemente da gravidade da culpa do agente. […] Não é razoável que o agente possa manter essa vantagem ilicitamente obtida à custa da lesão a bem integrante da esfera não patrimonial de outrem. Aqui, embora ausente o requisito da culpa grave, a indenização punitiva deve ser aplicada para restabelecer o imperativo ético que permeia a ordem jurídica. […] (ANDRADE, 2009,p. 269). 

Em contrapartida, o instituto do punitive damages não se coaduna no contexto da responsabilidade civil objetiva, vez que nesta a constatação da culpa se mostra irrelevante. Deste modo, como a aferição da gravidade do ato se mostra indispensável para a aplicação do punitive damages, vislumbra-se que não pode ser utilizado nos casos de responsabilidade objetiva.

Entretanto, tal entendimento admite exceções, como nos casos em que mesmo diante de uma responsabilidade objetiva, será possível fixar a indenização punitiva, desde que reste demonstrada a reprovabilidade da conduta praticada.

Diante do exposto, conclui-se que o instituto do punitive damages não pode ser demasiadamente aplicado no ordenamento jurídico brasileiro, devendo incidir tão somente em situações excepcionais, quando observada à condição econômica do agente, restar caracterizada a gravidade e a reiterada conduta ilícita, que seja extremamente reprovável aos olhos do homem médio, provocando danos à sociedade como um todo e não somente a vítima. Tais parâmetros são imprescindíveis e devem orientar o Magistrado no momento de determinar a aplicação do instituto do punitive damages, para garantir a efetividade das suas funções, sem incorrer em erros jurídicos, servindo como um meio de controle social. 

 

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Constata-se o quanto são discutidos e nunca finalizados os debates que conduzem a matéria relativa ao instituto do punitive damages, tão controverso nos países anglo saxônicos de sistema commom law, em virtude da dificuldade de se chegar a um parâmetro para fixação do quantum indenizatório e dos critérios para aplicação do instituto. Nota-se que mais polêmico ainda, é o debate que ocorre quando culturas que utilizam sistema diverso, como o da civil law, importam o instituto para seu ordenamento jurídico.

 No ordenamento jurídico brasileiro, não seria diferente. A utilização do punitive damages não se reputa pacífica, divergindo a doutrina e jurisprudência sobre os critérios para sua aplicação. Restrita é a sua adoção no ordenamento pátrio, mas já vem sendo admitida por juristas e estudiosos do assunto, como o desembargador André Gustavo Corrêa Andrade, do TJRJ; o professor Antônio Junqueira de Azevedo, de São Paulo; e Nelson Rosenvald, Procurador de Justiça do Estado de Minas Gerais, entre outros.

Desta maneira os obstáculos impostos pelos aplicadores do direito para a inserção do punitive damages no direito brasileiro, podem e devem ser superados com a devida adaptação do instituto para o ordenamento jurídico brasileiro.

Em regra, este instituto introduzido pela common law e utilizado no Brasil, país de tradição jurídica romanista, deve ser aplicado nos casos especialíssimos em que restar configurada a gravidade da conduta do agente e sua reiteração, com o intuito de efetivar o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e os direitos personalíssimos, devendo observar a capacidade econômica do agente e revertendo o valor pago na indenização para instituições que atuem em prol da coletividade, visando alcançar os objetivos e vantagens sociais advindas do instituto do punitive damages.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

ALMEIDA, Cássio Cunha de. “Punitive Damages” – Indenização de Caráter Punitivo: Contornos e possibilidades no ordenamento pátrio. Disponível em <http://www.uj.com.br/publicacoes/doutrinas/7028/Punitive_Damages_-_Indenizacao_de_Carater_Punitivo_Contornos_e_Possibilidades_no_Ordenamento_Patrio>. Acesso em: 08 mai. de 2013.   

ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Dano moral e indenização punitiva. 2 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2009.

ANDRADE, Ronaldo Alves de. Dano Moral à pessoa e sua valoração. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000.

AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Por uma nova categoria de dano na responsabilidade civil: o dano social. In: O Código Civil e sua interdisciplinaridade. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. 

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial Nº 389.879 – MG, Quarta Turma, Relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 02/09/2009. Disponível em <https://ww2.stj.jus.br>. Acesso em: 11 mai. 2013.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Apelação Cível Nº 0336530-44.2008.8.19.0001, Sexta Câmara Cível, Relator Desembargador Nagib Slaibi Filho, DJ 28/10/2009. Disponível em <http://www.tjrj.jus.br/web/guest>. Acesso em 11 mai. 2013. 

CAHALI, Yussef Said. Dano Moral. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 7 ed. São Paulo: Atlas, 2007. 

CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA. Pró-reitoria de Graduação. Núcleo de Bibliotecas. Manual para elaboração e apresentação dos trabalhos acadêmicos: padrão Newton Paiva. Coordenadora: Elma Aparecida de Oliveira: Centro Universitário Newton Paiva. Belo Horizonte: 2011. Disponível em <http://www.newtonpaiva.br/NP_conteudo/file/Manual_aluno/Manual_Normalizacao_Newton_2011.pdf> Acesso em 25 abr. 2013.

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, v.2. 

DINIZ, Maria Helena. Código Civil anotado. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 23 ed. São Paulo: Saraiva, 2009, v.7.

FARIAS, Cristiano Chaves de ; ROSENVALD, Nelson. Direito das Obrigações. 4 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2009. 

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: parte geral. 4. ed.. São Paulo: Saraiva, 2006. v.3.  

GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2003. 

GOTANDA, John Y., “Punitive Damages”: A Comparative Analysis (August 2003). Columbia Journal of Transnational Law, v. 42, 2003. 

MARTINS-COSTA, Judith Hofmeister; PARGENDLER, Mariana Souza. Usos e abusos da função punitiva (punitive damages e o direito brasileiro). Revista do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, Brasília:, nº 28, p 15-32, jan./mar. 2005. 

MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional dos danos morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. 

RESEDÁ, Salomão. A Função Social do Dano Moral. Florianópolis: Conceito Editorial, 2009.

RYAN, Patrick S. Revisiting the United States Application of Punitive Damages: Separating Myth from Reality. ILSA Journal of International and Comparative Law, v. 10, n. 1, p 69. 2003. 

SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da Responsabilidade Civil: Da erosão dos filtros da reparação à diluição dos danos. 2. ed. São Paulo: Atlas S.A., 2009.

STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Dano moral. 4. ed. São Paulo: J. de Oliveira, 2001. x, 369p. 

VENOSA, Silvio de Sávio. Direito Civil: responsabilidade civil. 3ª Ed. São Paulo: Atlas, 2003.

 


NOTA DE FIM

[1] Graduanda do Curso de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.