Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva

Carlos André Mariani Bittencourt
Procurador-Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais

 

A Proposta de Emenda à Constituição n.º 37/2011, que tramita na Câmara dos Deputados, de autoria do Deputado Federal Lourival Mendes (PT do B-MA), acrescenta o § 10º ao Art. 144 da Constituição Federal, com a seguinte redação: “Art. 144. (…) § 10. A apuração das infrações penais de que tratam os §§ 1º e 4º deste artigo, incumbem privativamente às polícias federal e civil dos Estados e do Distrito Federal, respectivamente.” (grifo nosso), criando monopólio das investigações criminais pelas polícias federal e civil.

A aprovação da emenda, a par de representar grave retrocesso no sistema judicial em nosso país, implica em inaceitável enfraquecimento do Estado Democrático de Direito, com sérias consequências à eficiência do Estado no combate à criminalidade.

Travado o debate público sobre a oportunidade e acerto da proposição, argumenta-se que a aprovação da PEC n. 37/2011 não implicará em restrição aos poderes do Ministério Público, órgão ao qual não teria sido atribuído, pelo legislador constituinte, a função investigatória. Argumenta-se, ainda, que o monopólio das investigações pela polícia federal e civil visa restabelecer a “imparcialidade” da investigação.

Nada mais inexato. Por primeiro, porque o legislador constituinte originário atribuiu implicitamente ao Ministério Público poder investigatório criminal, seja conferindo-lhe a titularidade exclusiva da ação penal[1], seja conferindo-lhe poder requisitório[2] ou ao atribuir-lhe o controle externo da atividade policial[3].

Por segundo, porque não é o Ministério Público órgão meramente acusador, mas sim defensor da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis[4], o que afasta o argumento de parcialidade em investigação por ele conduzida, já que não busca a Instituição outro resultado que não a defesa da sociedade.

Em outras palavras, embora o Ministério Público tenha o poder-dever de dar início à persecução penal para apuração de fato ilícito, somente lhe interessa a condenação obtida de forma justa, observado o devido processo legal e respeitadas as garantias individuais do acusado.

Some-se, ainda, a conveniência da investigação criminal pelo Ministério Público quando o mesmo fato produz reflexos em diversas áreas (seara administrativa, cível e penal). Em inquérito civil instaurado para apurar, por exemplo, ato de improbidade administrativa, as provas colhidas pelo Ministério Público, evidenciando ilícitos penais, seriam nulas apenas por não terem sido colhidas pela Autoridade Policial?

Cremos que o mais relevante questionamento a ser feito pela sociedade é se a concentração do poder investigatório criminal exclusivamente na polícia federal e civil trará maior efetividade ao sistema de segurança pública – dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, nos termos do art. 144 da CF – ou, ao revés, implicará no abrandamento do sistema de Justiça, gerando maior impunidade.    

A nosso ver, a única resposta possível é a de que a PEC 37/2011 não interessa à sociedade, por enfraquecer o Estado Democrático de Direito, conduzindo à maior ineficiência do Estado no combate à criminalidade.

Por tais motivos, o Ministério Público brasileiro está mobilizado contra a proposição em foco,  tendo levado, nos últimos meses, ao conhecimento da sociedade e da imprensa, a dura realidade de nosso país no que diz respeito aos elevados índices de criminalidade, violação de direitos humanos  e corrupção, e , infelizmente, ao baixo percentual de delitos efetivamente apurados segundo o atual modelo, já passível de diversas críticas.

Somos favoráveis à estruturação das polícias e à valorização das respectivas carreiras e apostamos nas parcerias com diversos organismos do Estado para enfrentamento das diversas formas de criminalidade. Da soma dos esforços, virão melhores resultados. Da  exclusividade, conforme redação da PEC, nada de positivo virá.

 

NOTAS DE FIM


[1] Art. 129, I, da CF. Nesse aspecto, releva salientar que, sendo o inquérito policial dispensável para a propositura da ação penal (art. 39, §5º, do CPP), nada impede que o titular da ação, ao receber notícia de crime, proceda às diligências que entender necessárias para formação de sua opinio delicti.

 

[2] Cf. Art. 129, VI, da CF. E, mais, se a normatização pátria confere ao Parquet o poder requisitório de diligências, nada impede que ele próprio as conduza, mormente quando aquelas requisitadas não foram satisfatoriamente cumpridas, inclusive pela Autoridade Policial. Seria benéfico à sociedade que, não cumprida a diligência requisitada, não restasse outra alternativa ao Ministério Público que não o arquivamento da investigação por falta de indícios suficientes à instauração de instância?

 

[3] Art. 129, VII e VIII, da CF. Nesse viés, a aprovação da PEC 37/2011 implicará em grave enfraquecimento do controle externo da atividade policial, impedindo que o Ministério Público proceda à investigação de policiais suspeitos da prática de crimes, quando o próprio STF reiteradamente tem reconhecido o poder investigatório do Ministério Público em tal hipótese, cf. RE 468.523, HC 93.930, HC n.º 97.969-RS, HC 84965/MG, HC n. 96638/BA.

 

[4] Art. 127 da CF.