Celia Cristina da Cruz Charchar [1]
Elaine Andrade Alves Pinto [2]
Gabriel Wnuk Ferreira [1]
Rafaela Pereira [1]
Geraldo César Juliani [2]
RESUMO: O desenvolvimento do laboratório FABLAB, e em especial da impressora 3D, aliado à crescente discussão de métodos alternativos para estudo da anatomia, buscando minimizar os impactos ambientais e ancorado nas práticas de bem-estar animal, fomentaram a construção de modelos anatômicos para as práticas de anatomia animal. Este trabalho objetivou vivenciar a construção de modelos anatômicos e verificar a aceitabilidade dos acadêmicos de medicina veterinária na utilização desses modelos nas aulas praticas de anatomia animal. Utilizou-se a impressora 3D-LAB – com PLA – 2,85 mm, do FABLAB – Newton Paiva – Campus Buritis. Os questionários foram aplicados aos alunos da disciplina de anatomia veterinária do curso de Medicina Veterinária da Newton Paiva. Apesar dos alunos abraçarem a ideia como inovadora, existe grande restrição à substituição das peças naturais por protótipos anatômicos. Conclui que permanece aberta a necessidade de fomentar discussões envolvendo questões éticas da utilização de animais nas práticas de ensino e a busca de alternativas para manter a qualidade do ensino.
PALAVRAS-CHAVE: modelos anatômicos, impressão 3D, Medicina Veterinária, bem-estar animal.
ABSTRACT: The development of the FABLAB laboratories and, in particular the 3D printer, together with the growing discussion of alternative methods for anatomy study, seeking to minimize environmental impacts and anchored in animal welfare practices, fostered the construction of anatomical models for animal anatomy practices. This work aimed to experience the construction of anatomical models and to verify the acceptability of veterinary medicine scholars concerning the use of these models during practical classes of animal anatomy. The 3D-LAB – with PLA – 2.85 mm printer from FABLAB – Newton Paiva – Buritis Campus was used. Questionnaires were applied to the students attending veterinary anatomy classes from Veterinary Medicine of Newton Paiva University Center. Although the students embrace the idea as innovative, there was still a great restriction in the replacement of the natural parts by anatomical prototypes. It was concluded that the need to raise discussions involving ethical issues regarding the use of animals in teaching practices and the search for alternatives to maintain the quality of teaching remains open.
KEYWORDS: anatomical models, 3D printing, veterinary medicine, animal welfare.
Introdução
Nos últimos anos, observamos uma crescente discussão sobre a utilização de cadáveres de animais nas aulas práticas de anatomia veterinária, quer pelos aspectos éticos e ambientais da utilização desses quer pelo desenvolvimento e adoção de novos modelos de práticas e peças anatômicas alternativas.
O uso de animais tanto para fins de educação, quanto em pesquisas é hoje uma questão bastante controversa e discutida, sendo cobrado pela sociedade o estabelecimento de diretrizes com padrões mínimos de cuidados com os animais, uma vez que, essa questão provoca desconforto e comoção na população.
O conceito dos ‘3Rs’, iniciado na década de 50 por dois pesquisadores ingleses, William Russel e Rex Burch, (FENWICK, N., et al., 2000) preconiza a ideia de substituir (Replace) animais sempre que possível; reduzir (Reduce) ao mínimo o número de animais em ensino, pesquisa e testes; e refinar (Refine) os métodos para minimizar quaisquer lesões aos animais, sendo hoje proposto como um conceito base para instituições de ensino e pesquisa, devendo ser considerado quando se deseja implantar algum tipo de centro de pesquisa ou laboratório de estudo nos quais estão presentes os animais.
Os Laboratórios de Fabricação – Fab Lab’s espalhados pelo mundo permitiram a criação de modelos anatômicos alternativos para estudos tornando possível a substituição de modelos naturais. Esses laboratórios são constituídos por um conjunto de máquinas profissionais viabilizando a construção de protótipos (EYCHENNE, F., et al., 2013).
Carregando a máxima “faça você mesmo”, o Fab Lab Newton Paiva proporcionou aos alunos de Iniciação Científica do curso de Medicina Veterinária a oportunidade de criarem protótipos anatômicos e parasitológicos que auxiliariam no ensino da medicina veterinária, tanto na instituição quanto fora dela.
O presente trabalho objetivou vivenciar os acadêmicos de medicina veterinária na utilização da impressora 3D na construção de modelos anatômicos, e, ainda, avaliar a aceitação de peças anatômicas no ensino da anatomia veterinária.
Material e métodos
As impressões, modelos anatômicos e parasitológicos foram elaborados no Fab Lab – Laboratório de Fabricação – do Centro Universitário Newton Paiva, Campus Buritis. Utilizou-se na impressão fios PLA – 2,85 mm adquiridos da Empresa 3D-LAB – MG.
Os fios foram armazenados longe da umidade direta, em ambiente climatizado e com pacotes de sílica dentro da embalagem, para que não houvesse perda da integridade do material, que se torna quebradiço quando exposto a essas condições. Após a impressão as peças anatômicas foram armazenadas em um saco plástico comum.
Num segundo momento, foram apresentados aos alunos de graduação em Medicina Veterinária, cursando a disciplina de Anatomia Veterinária, duas peças anatômicas, um atlas (primeira vértebra cervical) e um axis (segunda vértebra cervical), sendo peças ósseas de cão, e juntamente com estas, seus respectivos modelos impressos em 3D. As dimensões das peças anatômicas naturais e as oriundas de impressão 3D eram praticamente iguais.
Após esse contato, os alunos da disciplina de anatomia veterinária do curso de Medicina Veterinária foram submetidos a um questionário, (segue abaixo junto com as figuras) sendo o mesmo editado no modelo Google form. As análises estatísticas foram realizadas no Laboratório de Anatomia Veterinária do Centro Universitário Newton Paiva.
Resultados e discussão
Procedeu-se a pesquisa para análise estatística acerca da aceitabilidade do uso de modelos alternativos pelos alunos do curso de Medicina Veterinária e os resultados se apresentam a seguir:
Figura 1: Onde você tem costume de estudar anatomia?
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Conforme pode ser observado na figura 1. a respeito do local onde os alunos costumam estudar anatomia, a grande maioria dedica igual tempo de estudo, tanto em casa quanto no laboratório, sendo que 29,4% dos alunos estudam somente no laboratório, já que lá estão as peças anatômicas que auxiliam o aprendizado e estudo.
Figura 2.: Semelhança dos modelos anatômicos
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Na segunda pergunta, (figura 2) que se refere à verossimilhança dos modelos artificiais e naturais, a maioria das notas variou entre 3 e 5, sendo um resultado satisfatório e esperado: 30% dos alunos deram nota 5. Desse modo, percebe-se que os modelos anatômicos artificiais se assemelham bastante com os originais.
Figura 3.: Facilidade na identificação de acidentes anatômicos
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Na terceira questão, sobre a facilidade de identificar os acidentes anatômicos nas peças artificiais, a maioria das notas foram 3 e 4, sendo que 28% dos alunos escolheram a nota 4, o que confirma a equivalência com os modelos anatômicos reais. Foi comprovada a riqueza de detalhes contida nas peças, já que os resultados apresentados mostram que os alunos assemelham as características da mesma forma nos dois modelos.
Figura 4.: Relação comodidade e estudo
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Na pergunta quatro, em relação à comodidade para o momento de estudo dos alunos, a maioria (62,7%) dos entrevistados deu nota 5. Desse modo, conclui-se que os alunos preferem um local silencioso e cômodo para o estudo.
A quinta questão, que diz respeito à opinião dos alunos para substituir as peças anatômicas naturais pelas peças artificiais, 49% dos alunos deram nota 0 mostrando serem contra a substituição. E, em segundo, 19,6% dos alunos deram nota 3, o que podemos considerar uma nota mais neutra, mostrando uma possível dúvida quanto à substituição e utilização das peças artificiais. Quando se trata da substituição tanto parcial como total, os alunos se opõem veementemente, mas não se sentem prejudicados na mesma proporção.
Na sexta questão, com referência a se os alunos se sentiriam prejudicados com essa substituição, 34,7% dos alunos entrevistados deram nota 3. Dessa forma, novamente uma nota mais neutra que demonstra uma certa resistência dos alunos na aceitação das peças anatômicas artificiais.
Figura 6.: Grau de inovação do modelo da impressão 3D
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Quanto à inovação da utilização de modelos anatômicos artificiais, a maioria ficou entre as notas 3 a 5, sendo que 29,7% dos alunos escolheram a nota 5. Desse modo, há um grande reconhecimento da inovação do protótipo anatômico.
Figura 7.: Satisfação pela substituição das peças naturais por modelos anatômicos
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Na questão sobre a satisfação dos alunos a respeito da substituição dos modelos anatômicos, a maioria dos alunos ficou entre as notas 0 e 1, sendo que 34,12% escolheram a nota 0, corroborando com os dados apresentados na figura 5, e indicando uma grande insatisfação na substituição dos modelos anatômicos naturais pelos artificiais, apesar de reconhecerem como uma inovação.
Desse modo, é perceptível uma incoerência nas respostas dos entrevistados, já que a maioria considera os modelos anatômicos artificiais parecidos com os reais e analisa a facilidade de identificar os acidentes ósseos e os forames, e ainda prezam pela comodidade na hora de estudar anatomia, já que esses modelos seriam mais práticos e poderiam ser levados para casa pelos alunos. Porém, de acordo com as perguntas, a grande maioria é contra a substituição das peças, mesmo sendo a favor da tecnologia e do material utilizado.
O uso de animais no meio acadêmico levanta muitos questionamentos éticos, apesar de muitas vezes serem vistos apenas como um instrumento de pesquisa. Tem sido cada vez mais comum a utilização de animais para fins educacionais, para pesquisa e experimentação, e não apenas no curso de veterinária, mas em outros cursos como medicina para treinamento cirúrgico (MAGALHÃES, 2006). No entanto, com toda a tecnologia existente atualmente e a grande gama de materiais alternativos que podemos utilizar, a aplicação dos animais nesse meio tem sido discutida (MAGALHÃES, 2006), principalmente pelo aumento de animais domésticos nas casas, pelo crescimento de investimento na área pet e no aumento da preocupação das pessoas com o bem-estar animal e o meio ambiente em geral.
Conclusão
Considerando a relevância e a proposta inovadora do projeto, cabe salientar que o presente estudo só trabalhou com modelos anatômicos de peças ósseas e com um número reduzido de modelos anatômicos desenvolvidos e avaliados.
Ressaltamos a boa qualidade das peças anatômicas provenientes da impressão 3D, e a aceitabilidade por parte dos alunos de inovações, e considerando também a sustentabilidade ambiental e as práticas de bem-estar animal, a inclusão de modelos artificiais no curso de Medicina Veterinária se mostra como promissora, apesar da resistência pela substituição das peças naturais por modelos anatômicos.
Reiteramos aqui a necessidade de fomentar as discussões, dentro da disciplina de anatomia sobre os métodos e alternativas para desenvolvimento de aulas interessantes, inovadoras, desafiadoras, criativas e éticas.
Entendemos que a construção de modelos anatômicos, seguindo a metodologia proposta, é uma ferramenta valiosa que contribuirá bastante ao ensino-aprendizagem da Anatomia Animal e, possivelmente, reduziria a utilização de peças naturais nos laboratórios de Anatomia, o que é eticamente desejável e muito discutido pelos autores, mas jamais as substituiriam totalmente.
REFERÊNCIAS
BALCOMBE, J. The use of animals in higher education: Problems, alternatives, and recommendations. Washington, DC: Humane Society Press. 2000.
EYCHENNE, F., et al. Fab Lab: A vanguarda da Nova Revolução Industrial. São Paulo: Editorial Fab Lab Brasil, 2013.
FENWICK, N., et al. The welfare of animals used in science: How the ‘Three Rs’ ethic guides improvements. Canadian Veterinary Journal, 50, 523-530.
MAGALHÃES, M., et al. Alternativas ao uso de animais como recurso didático. Arq. Ciênc. Vet. Zool. Unipar, Umuarama, v. 9, n. 2, p. 147-154, 2006.
MARTINSSEN, S., et al. Towards a humane veterinary education. Journal of Veterinary Medical Education, 32, 454-460. 2005.
NOTAS
[1] Acadêmico de Medicina Veterinária do Centro Universitário Newton Paiva.
[2] Médico Veterinário, Professor de Anatomia Animal e orientador do Centro Universitário Newton Paiva.