Linique Logan de Souza [1]
Bárbara Maciel e Silva [1]
Laura Maria Rocha de Almeida [1]
Bruna Isa Resende Silva [1]
Alice Gontijo de Godoy [2]
RESUMO: A crescente expansão das cidades e a distância de ambientes naturais faz com que muitas pessoas tentem introduzir em seus espaços residenciais jardins interiores. Esse contexto coincide com um momento em que a preocupação da população com o controle das arboviroses, cada vez mais frequentes nas cidades, leva muitas vezes ao uso residencial indiscriminado de inseticidas piretróides. Entretanto, pouco se sabe a respeito dos efeitos dessas substâncias em organismos não-alvo, como as plantas. O objetivo desse trabalho foi testar a hipótese de que o contato de vegetais com piretróides pode acarretar em fitotoxidez. Para tal, foram avaliadas plantas de Impatiens walleriana, uma espécie comumente utilizada como ornamental, expostas a diferentes distâncias de aplicação de um inseticida piretróide em aerossol, comumente utilizado em residências. Observou-se de fato o desenvolvimento de efeitos fitotóxicos em folhas e flores, crescentes ao longo do tempo de exposição e mais pronunciados nas plantas em que se aplicou o piretróide a partir de uma menor distância. Recomenda-se, portanto, cautela no uso doméstico desses inseticidas e a proteção física dos organismos que não se deseja combater com a aplicação de piretróides.
PALAVRAS-CHAVE: Piretróides; fitotoxidez; inseticidas; plantas ornamentais.
ABSTRACT: The increasing expansion of cities and the distance from natural environments leads many people to introduce interior gardens into their residential spaces. This context coincides with a time when the population’s concern on the control of arboviruses, increasingly frequent in cities, often leads to the indiscriminate residential use of pyrethroid insecticides. However, little is known about the effects of these substances on non-target organisms such as plants. The aim of this work was to test the hypothesis that the contact of plants with pyrethroids can lead to phytotoxicity. For this purpose, plants of Impatiens walleriana, a species typically used as ornamental, were exposed to different distances of application of a pyrethroid insecticide in aerosol, commonly used in residences. It was observed the development of phytotoxic effects in leaves and flowers, increasing along the time of exposure and more pronounced in the plants in which the pyrethroid was applied from a shorter distance. Therefore, caution is recommended in the domestic use of these insecticides, along with the physical protection of the non-target organisms close to the application area of pyrethroids.
KEYWORDS: Pyrethroids; phytotoxicity; insecticides; ornamental plants.
Introdução
A crescente expansão das cidades e a distância de ambientes naturais faz com que muitas pessoas tentem inserir jardins interiores em seus espaços residenciais, que melhoram o aspecto visual e reduzem a aridez do ambiente urbano. O crescimento do mercado de paisagismo de interiores coincide, atualmente, com um incremento alarmante dos casos de arboviroses em nosso país. A preocupação da população com o controle dessas doenças leva, em muitos casos, ao uso constante e indiscriminado de inseticidas piretróides no interior de residências, muitas vezes nos mesmos ambientes onde cultivam suas plantas.
Piretróides são derivados sintéticos de piretrinas (Spencer et al., 2001) e, atualmente, são os inseticidas mais frequentemente adotados em práticas domissanitárias no combate a insetos vetores de doenças, por apresentarem baixa toxicidade aguda em mamíferos e baixo impacto ambiental. Além disso, não se acumulam nos tecidos adiposos e não são persistentes no ambiente, sendo efetivos contra um largo espectro de insetos e eficazes em baixas quantidades (Santos et al., 2007).
Embora menos tóxicos quando comparados a outros pesticidas, estudos recentes apontam para a existência de danos desencadeados pela exposição a piretróides, tanto à saúde humana (Han et al., 2016) como a outros organismos não-alvo que sejam expostos colateralmente (Hunt et al., 2016; Viran et al., 2003; casos revisados por Kiljanek et al. 2016). Entretanto, pouco se conhece a respeito de efeitos desses inseticidas em espécies vegetais presentes no interior de residências, sendo os estudos sobre plantas referentes, principalmente, à permanência de resíduos de praguicidas em culturas (Chen e Wang, 1998; Ripley el al., 2001).
Esse trabalho teve como objetivo avaliar possíveis efeitos fitotóxicos de inseticidas piretróides em uma espécie vegetal comumente utilizada em jardins residenciais, Impatiens walleriana Hook.f., da família botânica Balsaminaceae. Os resultados aqui obtidos podem ser extrapolados como ferramentas para o desenvolvimentos de práticas que permitam conciliar o combate aos transmissores de arboviroses à conservação de plantas em residências.
Metodologia
As análises foram realizadas por meio de um experimento em condições semi-controladas, em agosto e setembro de 2016, no Centro Universitário Newton Paiva, em Belo Horizonte, MG. Mudas de Impatiens walleriana, homogêneas em tamanho, idade, desenvolvimento e número de folhas, foram compradas em uma floricultura local e mantidas em vasos de 2L com substrato adubado, hidratado à capacidade de campo e com pH alcalino (pH = 8). Os vasos foram mantidos sob telas de poliolefina com atenuação de 50% da irradiância ambiente.
O experimento foi delineado a partir de três tratamentos com cinco repetições cada, sendo cada unidade experimental constituída por um vaso contendo um indivíduo de I. walleriana. O tratamento zero (T0) correspondeu ao controle experimental, em que as plantas foram borrifadas diretamente com água, por quatro segundos. Já as plantas do tratamento um (T¹) e tratamento dois (T²) foram borrifadas com jato direto de piretróide em aerossol, também durante quatro segundos. Para isso, utilizou-se inseticida com a seguinte composição química: praletrina 0,03%, cipermetrina 0,1%, imiprotrina 0,03%. A distância de aplicação do produto em T¹ correspondeu àquela indicada pelo fabricante do inseticida do spray à superfície a ser tratada, de 50 cm. Esta distância foi reduzida à metade (25 cm) em T².
As aplicações dos tratamentos foram feitas entre 09:00 e 11:00 horas, a cada dois dias, num total de 18 dias. Durante esse período, a temperatura ambiental média foi de 27,2 oC, com mínima de 13,5 oC e máxima de 29 oC. A ordem das aplicações foi aleatorizada, assim como as posições dos vasos sob a tela de poliolefina, evitando-se assim outras possíveis fontes de variação.
Para as análises qualitativas de danos, foi utilizada uma escala percentual de fitotoxidez, adaptada de Frans e Crowley (1986), com escala numérica variável de 0 a 5. A cada dois dias após o início das aplicações, foi atribuído a cada planta um valor na escala, tanto para os danos nas folhas como nas flores (Tabelas 1 e 2).
Os dados obtidos foram submetidos à análise de variância e comparação de médias por teste de Tukey a 5% (P ≤ 0,05), feitas através de um macro para o programa Microsoft Excel, disponibilizado pela Universidade Federal de São Carlos (disponível em: http://www.cca.ufscar.br/servicos/teste-de-tukey/).
Resultados
Ao longo do experimento, observou-se um aumento da fitotoxidez das plantas com o passar do tempo de exposição ao piretróide (Figuras 1 e 2). Tanto nas análises de folhas como nas de flores, observa-se, desde a segunda análise, maiores valores médios de fitotoxidez de T¹ e T² em relação àqueles observados para esses tratamentos na primeira análise.
Após a primeira aplicação, no segundo dia de análise, também já foi possível observar um aumento estatisticamente significativo no valor médio de fitotoxidez de T¹ e T² em relação ao T0 , tanto nas análises foliares como nas florais (Figuras 1 e 2). A partir do oitavo dia de aplicação, na análise 4, os valores médios de fitotoxidez observados em todos os tratamentos nas análises de folhas e flores foram estatisticamente diferentes entre si, sendo T² o grupo com o maior grau de injúria, seguido por T¹ e então por T0 (Figuras 1 e 2). Essa tendência foi mantida até o final do experimento.
Figura 1: Valor médio da fitotoxidez (VMF) foliar em plantas de Impatiens walleriana submetidas à diferentes tratamentos, sendo: T0: aspersão de água, equivalente ao controle; T¹: aspersão de piretróide a 50 cm de distância; T²: aspersão de piretróide a 25 cm de distância. As análises foram realizadas a cada dois dias. Letras maiúsculas para comparação das médias dos diferentes tratamentos em cada análise; minúsculas para comparação das médias de cada tratamento ao longo do tempo (Tukey 5%; n=5).
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Figura 2: Valor médio da fitotoxidez (VMF) floral em plantas de Impatiens walleriana submetidas à diferentes tratamentos, sendo: T0: aspersão de água, equivalente ao controle; T¹: aspersão de piretróide a 50 cm de distância; T²: aspersão de piretróide a 25 cm de distância. As análises foram realizadas a cada dois dias. Letras maiúsculas para comparação das médias dos diferentes tratamentos em cada análise; minúsculas para comparação das médias de cada tratamento ao longo do tempo (Tukey 5%; n=5).
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Discussão e conclusões
Os resultados obtidos permitem constatar a existência de efeito fitotóxico decorrente da aplicação de inseticidas piretróides, comumente utilizados em ambiente doméstico. O contato direto das plantas com o inseticida acarretou em danos foliares e florais, observados desde a primeira aplicação. Esses efeitos intensificaram-se com o passar do tempo de exposição ao piretróide, levando ao desenvolvimento de injúrias severas em toda a parte aérea das plantas. Observou-se, entretanto, que todos os indivíduos foram capazes de se reestabelecer após o cessar das aplicações de inseticida, emitindo novas folhas e flores (dados não publicados).
A fitotoxidez foi dependente da distância de aplicação, sendo mais severa em plantas que receberam o jato de inseticida em maior proximidade, e observada mesmo quando seguidas as recomendações de uso presentes na embalagem do produto.
Embora outros estudos não tenham constatado efeito fitotóxico decorrente da aplicação de piretróides em Citrus (Stansly et al., 2015) e brócolis (Brassica oleracea L. var. italica Plenck) (Palumbo, 2015), a comparação desses resultados com os aqui obtidos indica que a fitotoxidez pode estar associada à interação do pesticida com outros fatores como, por exemplo, forma e frequência de aplicação dos piretróides, além de fatores genéticos e sua interação com variáveis ambientais. Dessa forma, embora tenha-se constatado uma fitotoxidez inequívoca decorrente da aplicação de piretróides de uso doméstico em I. walleriana, diretamente relacionada à distância de aplicação, novos estudos fazem-se necessários para a melhor compreensão dos mecanismos fisiológicos e demais fatores responsáveis por tais resultados.
Além disso, os resultados aqui obtidos somam-se àqueles observados em outras pesquisas que constatam efeitos indesejados de piretróides em organismos não-alvo (Hunt et al., 2016; Viran et al., 2003). Recomenda-se, portanto, cautela no uso doméstico desses inseticidas e a proteção física dos organismos que não se deseja combater com a aplicação de piretróides.
REFERÊNCIAS
CHEN, Z.M.; WANG, Y.H. Chromatographic methods for the determination of pyrethrin and pyrethroid pesticide residues in crops, foods and environmental samples. Journal of Chromatography A, v. 754; p. 367- 395, 1996.
FRANS, R.; CROWLEY, H. Experimental design and techniques for measuring and analyzing plant responses to weed control practices. Em: Southern Weed Science Society. Research methods in weed science, Clemson, 3ed., p.29-45, 1986.
HAN, J. et al. Non-occupational exposure to pyrethroids and risk of coronary heart disease in the Chinese population. Environmental Science & Technology, Just Accepted Manuscript, 2016.
HUNT, L. et al. Species at Risk (SPEAR) index indicates effects of insecticides on stream invertebrate communities in soy production regions of the Argentine Pampas. Science of The Total Environment, In press, 2016.
KILJANEK, T. et al. Pesticide poisoning of honeybees: a review of symptoms, incident classification, and causes of poisoning. Journal of Apiculture Science, v. 60, n.02, 2016.
PALUMBO J.C. Bagrada hilaris Control with Conventional Insecticide Mixtures, 2014. Arthropod Management Tests, v. 40, 2015.
RIPLEY, B.D. et al. Pyrethroid insecticide residues on vegetable crops. Pest Management Science, v. 57; p. 683 – 687, 2001.
SANTOS, M.A.T., AREAS M.A., REYES, F.G.R. Piretróides – uma visão geral. Alimentos e Nutrição, v.18, n.03, p. 339‐349, 2007.
SPENCER, C.L. et al. Actions of pyrethroid insecticides on sodium currents, action potentials, and contractile rhythm in isolated mammalian ventricular myocytes and perfused hearts. Journal Pharmacology and Experimental Therapeutics, v. 298, n.03, p.1067-1082, 2001.
STANSLY, P.A. et al. Effect of Pyrethroid Insecticides on Citrus Rust Mite Control, Fall, 2013. Arthropod Management Tests, v. 40, 2015.
VIRAN, R. et al. Investigation of acute toxicity of deltamethrin on guppies (Poecilia reticulata). Ecotoxicology and Environmental Safety, v. 55, p. 82-85, 2003.
NOTAS DE FIM
[1] Discentes do curso de graduação em Ciências Biológicas do Centro Universitário Newton Paiva.
[2] Professora Titular do Centro Universitário Newton Paiva.