Jamylla Rodrigues do Carmo Freitas[1]
Joseane Alves Valois[1]
Júnia Noronha Carvalhais Amorim[1]
Karine Ribeiro Siqueira Chaves[1]
Lucinete Duarte dos Santos[1]
Santuza Maria Souza de Mendonça[2]
Diele Carine Barreto Arantes[3]
RESUMO: É essencial que pacientes entubados, internados nas Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) recebam cuidados de higiene bucal. Este procedimento deve promover a limpeza eficaz das estruturas bucais e do tubo orotraqueal, zelando pela saúde dos pacientes. A pneumonia associada à ventilação mecânica (PAVM) é uma das principais causas de morte e permanência no leito, com aumento de custos de internação. Evidências científicas correlacionam essa alta incidência à má condição de higiene bucal, tornando premente a necessidade de padronização de cuidados bucais na rotina dos hospitais. Este trabalho se propõe a avaliar o conhecimento da equipe de enfermagem do Hospital Santa Casa de Belo Horizonte acerca da importância da higiene bucal, elaborar e implementar um protocolo de cuidados bucais para pacientes entubados e internados na UTI adulto do referido hospital. Para a avaliação do conhecimento da equipe de enfermagem aplicou-se um questionário com abordagem qualitativa e quantitativa. Foram analisados 50 profissionais de enfermagem, dentre eles 48 técnicos e 2 enfermeiros. Para implementação da higiene bucal nas UTIs, elaborou-se um protocolo de cuidados bucais, baseado em evidências científicas, e realizaram-se treinamentos teóricos e práticos para a capacitação da equipe de enfermagem. As respostas ao questionário mostraram divergências em relação aos materiais e produtos utilizados para higienização bucal, a frequência da higiene e as doenças sistêmicas provocadas pela falta de higiene bucal. Os resultados do questionário sugerem que não existia uma rotina de cuidados bucais no Hospital Santa Casa de Belo Horizonte. Participaram da implementação do protocolo de higiene bucal 50 pacientes entubados e sob VM. Durante a implementação do protocolo de higiene bucal, diversas dificuldades foram encontradas e relatadas em um diário de campo. As principais dificuldades encontradas foram ausência dos familiares ou indecisão na participação na pesquisa, adesão da equipe técnica quanto à realização do protocolo de higiene bucal, contraindicação da higiene bucal pela condição sistêmica do paciente, óbito do paciente e traqueostomia. Conclui-se com esse trabalho que se faz necessária a ampliação do conhecimento sobre higiene bucal pela equipe de enfermagem. Além disso, o trabalho demonstra que são grandes os desafios para implementação de um protocolo de higiene bucal na UTI hospitalar.
Palavras-chave: Pneumonia Nosocomial. Entubação Orotraqueal. Higiene Oral. Unidades de Terapia Intensiva.
ABSTRACT: Intubated patients in Intensive Care Units (ICUs) must receive oral care in order to clean oral structures and orotracheal tube. This procedure is essential to oversee patients’ health. Ventilator-associated pneumonia (VAP) is common, costly, and associated with increased morbidity and mortality. Scientific findings relate the high incidence of VAP to non-efficient oral hygiene, bringing the need to standardize oral care into hospital’s routine. This study is aimed in assessing the knowledge of Santa Casa de Belo Horizonte Hospital nursing professionals about the importance f oral hygiene, and also, to develop and implement a protocol for oral care to intubated patients from Santa Casa’s adult ICU. The data was assessed using a survey with both quantitative and qualitative approach. Fifty nursing professionals – 48 technicians and 2 RNs – were analyzed. In order to implement oral hygiene procedures in ICUs, an oral care protocol based in scientific evidences was developed. In addition to that, nursing professionals participated in theoretical and practical training sessions. The answers diverged in many aspects, especially regarding materials and products used for oral hygiene, the frequency of the procedures, and systemic conditions caused by lack of oral hygiene. The results suggest that, in Santa Casa Hospital of Belo Horizonte, a routine of oral care was lacking. Fifty intubated, mechanically ventilated patients were part of the protocol implementation. Many difficulties were faced during this part of the study; they were registered in a field diary. Among these problems were: the absence of relatives or indecision concerning participation, nursing team’s commitment, contraindications given the systemic condition of the patient, patient’s death or tracheostomy. In conclusion, there is a need to improve the oral health care knowledge of ICUs nursing professionals. In addition, there are many challenges to be faced in order to implement an oral hygiene protocol in adult ICUs.
Key words: Nosocomial Pneumonia. Orotracheal Intubation. Oral Hygiene. Intensive Care Units.
INTRODUÇÃO
É essencial que pacientes internados nas Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) recebam cuidados de higiene bucal. Este procedimento deve promover a limpeza eficaz dos dentes, gengiva, bochechas e língua, com material adequado, zelando pela saúde dos pacientes e prevenindo o desenvolvimento de infecções (SCHELESENER, ROSA e RAUPP, 2012).
A higiene bucal é uma das condições básicas para a saúde e bem estar do paciente, pois muitas doenças que acometem dentes e gengiva podem propiciar o surgimento de infecções bacterianas, principalmente bucais, digestivas e respiratórias (SCHELESENER, ROSA e RAUPP, 2012).
As infecções respiratórias são as mais comuns, principalmente, a pneumonia nosocomial. Esse tipo de pneumonia se desenvolve após 48 horas de internação hospitalar sem estar presente ou incubada no momento da admissão (LODE et al., 2000; OLIVEIRA et al., 2007; PINHEIRO et al., 2007; SCANNAPIECO, 2006).
Trata-se da segunda infecção hospitalar mais comum e a causa mais prevalente de morte entre as infecções adquiridas em ambiente hospitalar (RICHARDS et al., 1999; WEBER et al., 2007). A pneumonia nosocomial tem sido classificada em pneumonia adquirida em hospital (PAH) e pneumonia associada à ventilação mecânica (PAVM). A PAH não está relacionada à entubação orotraqueal, enquanto a PAVM surge entre 48 e 72 horas após a entubação orotraqueal e ventilação mecânica invasiva (SCHELESENER, ROSA e RAUPP, 2012).
Nas UTIs, a PAVM é a infecção hospitalar que acomete mais comumente os pacientes (LODE et al., 2000; MORAIS et al., 2006). Sua incidência pode variar de 6 a 52%, dependendo da população estudada, do tipo de UTI e do critério diagnóstico utilizado. As taxas de mortalidade por PAVM podem variar de 24 a 76% (CAVALCANTI, VALENCIA e TORRES, 2005; CUTLER e DAVIS, 2005). Além disso, tem sido demonstrado que a infecção hospitalar prolonga a duração da ventilação mecânica (VM), os dias de internação e leva a um consumo abusivo de antimicrobianos, aumentando consideravelmente os custos do tratamento (TEIXEIRA et al., 2004). Esses medicamentos podem selecionar grupos de microrganismos, tornando-os resistentes. A implementação de um protocolo de cuidados bucais na UTI, que seja simples e com baixo custo, pode levar a uma diminuição significativa na incidência PAVM (SONA et al., 2009).
Evidências associam a colonização microbiana da orofaringe e da placa dental à PAVM (MORAIS et al., 2006; MUNRO e GRAP, 2004; OLIVEIRA et al., 2007; PINHEIRO et al., 2007; SCANNAPIECO, 2006; CAVALCANTI, VALENCIA e TORRES, 2005). Em pacientes internados em UTI, a higiene bucal é normalmente precária. Esses indivíduos não se beneficiam da limpeza natural da boca que é promovida pela mastigação dos alimentos e a movimentação da língua e das bochechas durante a fala. Há também redução do fluxo salivar pelo uso de medicamentos, o que contribui para o aumento do biofilme e da sua complexidade (PACE et al., 2008). Com a utilização da VM, o paciente está sujeito ao risco de microaspiração de patógenos. Além das estruturas bucais, o tubo orotraqueal é uma superfície inerte, na qual as bactérias podem aderir e colonizar, formando biofilme que, posteriormente, poderá ser aspirado. Em adultos saudáveis, o microrganismo que predomina na cavidade bucal é Streptococcus viridans. Nos pacientes em estado de saúde crítico, a flora bucal altera-se e passa a ser composta também por microrganismos gram-negativos, mais agressivos (MUNRO e GRAP, 2004; RAGHAVENDRAN, MYLOTTE e SCANNAPIECO e RETHMAN, 2003).
Em UTIs, a deficiência na higiene bucal deve-se, possivelmente, ao desconhecimento de técnicas adequadas pela equipe de enfermagem e pela ausência do relacionamento interprofissional odontologia e enfermagem (PETTIT et al., 2012; YING-SIOU et al., 2011). De acordo com a lei nº 7.498, de 25 de junho de 1986, o cuidado cotidiano de higiene e conforto, incluindo a higiene bucal, é uma atribuição da equipe de enfermagem com capacidade técnica, sob orientação e supervisão do enfermeiro (BRASIL, 1986). É de fundamental importância a elaboração e implementação de protocolos de higiene bucal e a realização de treinamentos com as equipes de enfermagem orientadas por cirurgiões-dentistas para a execução correta desses protocolos.
Este trabalho se propõe a elaborar e implementar um protocolo de cuidados bucais para pacientes entubados sob VM internados na UTI adulto do hospital Santa Casa de Belo Horizonte.
METODOLOGIA
1. Local da Pesquisa:
A pesquisa foi realizada no Hospital Santa Casa de Belo Horizonte, Minas Gerais.
2. Sujeitos da pesquisa:
Equipe de enfermagem e pacientes internados na UTI do 5º e 10º andares do Hospital Santa Casa.
Critérios de inclusão:
Pacientes maiores de 18 anos, entubados e sob ventilação mecânica na UTI adulto do Hospital Santa Casa de Belo Horizonte no 5º e 10º andares.
Pacientes cuja família aceite participar da pesquisa e assine o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE).
Equipe de enfermagem: técnicos e enfermeiros contratados pelo hospital que aceitaram participar da pesquisa.
Critérios de exclusão:
Pacientes que não estejam em tratamento no Hospital Santa Casa de Belo Horizonte;
Pacientes que não estejam entubados e sob ventilação mecânica, mesmo que estejam em tratamento na UTI adulto do Hospital Santa Casa;
Pacientes cujas famílias recusam participar da pesquisa;
Pacientes menores de 18 anos de idade;
Pacientes que possuem alguma restrição médica;
Pacientes que estão com diagnóstico de pneumonia;
Equipe de enfermagem: técnicos e enfermeiros contratados pelo hospital que não aceitaram participar da pesquisa.
3. Questionário
Trata-se de uma pesquisa de campo descritiva e exploratória, com abordagem qualitativa que utilizou um questionário semiestruturado (adaptado de MANGIALARDO, 2007) para identificação do grau de conhecimento da equipe de enfermagem sobre higiene bucal. O questionário, previamente validado, foi composto por 17 perguntas (15 objetivas e 2 dissertativas).
4. Protocolo
Elaborou-se um protocolo de higienização bucal de acordo com a realidade da UTI adulto da Santa Casa. Esse protocolo foi aprovado pela equipe multidisciplinar e, a partir dele, criou-se um fluxograma (Figura 1) que foi afixado à prancheta dos técnicos. Além disso, cartazes explicativos foram colocados em pontos estratégicos do setor.
5. Treinamento
O protocolo foi apresentado à equipe por meio de um vídeo explicativo mostrando todos os passos do procedimento. O treinamento in locu foi realizado pela equipe de pesquisadores, previamente calibrada, composta por profissionais e estudantes de Odontologia e de Enfermagem.
6. Implementação do protocolo
Após o consentimento da família, o leito dos pacientes participantes da pesquisa foi identificado com um sinalizador. Esses pacientes deveriam ser submetidos, de 12 em 12 horas, à higiene bucal pela equipe de enfermagem seguindo o protocolo. A equipe de pesquisadores monitorou a execução da higiene bucal, verificando o registro nos prontuários diariamente. Os dados foram anotados em um diário de campo, ao qual todos os pesquisadores tinham acesso.
A sequência de procedimentos descrita acima encontra-se ilustrada na figura 2.
7. Análise de dados
Análise do questionário
Foi realizada uma análise descritiva por meio da distribuição de proporções.
Os dados foram armazenados e analisados no programa Excel.
Implementação do protocolo de higiene bucal
Diário de campo
Durante a implementação do protocolo de cuidados bucais, realizaram-se anotações em um diário de campo, em que as atividades desenvolvidas e os problemas encontrados foram descritos diariamente.
As dificuldades foram identificadas e agrupadas em: dificuldades relacionadas ao paciente, aos familiares, à equipe de enfermagem, às condições estruturais da UTI e à falta de materiais.
Considerações éticas
O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética do Centro Universitário Newton Paiva e do Hospital Santa Casa sob o número do CAAE 0034.0.273.003-11.
A inclusão dos pacientes na pesquisa deu-se por meio da assinatura do TCLE por um membro da família ou responsável, que foi abordado apenas após o consentimento do psicólogo.
RESULTADOS
1. Conhecimento da equipe de enfermagem sobre a higiene bucal
Responderam o questionário 51 profissionais de enfermagem, dentre eles 49 técnicos e 2 enfermeiros.
Quando questionados se os pacientes internados na instituição recebiam higiene bucal, 43 (84,3%) responderam que sim. Sobre a existência de uma rotina definida para higienização, 45 (88,2%) responderam que existia. Perguntou-se sobre os materiais utilizados para avaliação da cavidade bucal, 8 (15,7%) profissionais responderam abaixador de língua e 7 (13,7%) antisséptico bucal. Com relação aos produtos utilizados para realização da higiene bucal e a frequência com que deve ser feita, 40 (78,4%) indicaram gluconato de clorexidina como substância de escolha e a frequência diária. Contudo, nove produtos diferentes foram citados como utilizados para higiene bucal, entre eles: gluconato de clorexidina, creme dental, solução aquosa, enxaguante bucal, gaze, limpador de língua, clorexidina, antisséptico e Cepacol®.
A maioria (82,3%) afirmou que se sente capacitada para a realização da higiene. Contudo, 30 (58,2%) profissionais não receberam nenhum tipo de treinamento para a execução do cuidado. Questionados sobre as doenças que a falta de higienização pode causar, 36 (70,6%) entrevistados responderam pneumonia nosocomial e 28 (54,9%) relacionaram com as doenças coronarianas.
Todos os profissionais consideraram de extrema importância a implementação de um protocolo de cuidados bucais para pacientes internados em UTI.
2. Perfil dos pacientes que participaram da implementação do protocolo de higiene bucal
Participaram desta pesquisa 50 pacientes entubados sob ventilação mecânica, 33 homens e 17 mulheres. A média de idade dos pacientes participantes foi de 55 anos e o tempo médio de participação do paciente no estudo foi de aproximadamente 5 dias. Do total de pacientes pesquisados, 26 (52%) apresentaram como motivo de admissão a suspeita e/ou diagnóstico de sepse, com focos já estabelecidos ou a esclarecer.
3. Dificuldades durante a implementação do protocolo
Durante oito meses, o protocolo de higiene bucal foi aplicado e monitorado nos pacientes da UTI que estavam entubados sob ventilação mecânica. Nesse período, 180 registros de dificuldades foram encontrados no diário de campo, sendo 82 (45,5%) relacionados aos familiares, 56 (31,1%) à equipe multiprofissional, 41 (22,7%) ao paciente, 2 (1,1%) às condições estruturais da UTI e à falta de materiais (gráfico 1).
Dos 82 registros relacionados aos familiares, em 6 (7,3%) houve recusa em participar, em 20 (24,4%) os familiares não apresentavam condições emocionais para serem abordados e em 56 (68,3%) situações, os familiares estavam ausentes ou indecisos.
Dentre as 56 dificuldades relacionadas à equipe multiprofissional, 38 (67,9 %) relacionaram-se a não execução do protocolo de higiene bucal, 11 (19,6%) ao não preenchimento do prontuário e 7 (12,5%) à ausência de técnicos treinados no setor.
Quanto aos 41 registros relacionados aos pacientes, 14 (34,2%) indicaram a traqueostomia, 14 (34,2%) óbito, 11 (26,8%) extubação, 1 (2,4%) diagnóstico de pneumonia nosocomial e 1 (2,4%) morte encefálica.
Em relação à infraestrutura para aplicação do protocolo, mencionou-se uma vez que a condição estrutural da UTI poderia afetar a execução do protocolo e, em outro momento, foi relatada à falta de escovas no setor.
DISCUSSÃO
Este trabalho fornece informações relacionadas ao conhecimento da equipe de enfermagem do Hospital Santa Casa de Belo Horizonte sobre cuidados bucais e dificuldades encontradas durante a implementação do protocolo. Discute-se também a importância da higiene bucal na qualidade de vida dos pacientes e na prevenção de doenças infecciosas, como a pneumonia nosocomial.
Respostas divergentes foram encontradas durante a análise do questionário. Verificou-se que alguns profissionais de enfermagem não compreendiam a diferença existente entre avaliação e higienização da cavidade bucal. Foram diversas as respostas sobre a frequência e os produtos utilizados para a higienização, evidenciando a ausência de uma rotina de cuidados bucais na UTI. Resultados semelhantes foram encontrados por Westphal e Leitão (2008). No questionário aplicado por esses autores, quando perguntaram à equipe de enfermagem e médicos sobre os colutórios usados para higiene bucal, 57,6% dos funcionários das instituições públicas e 43,8% da rede privada não responderam. Os principais colutórios mencionados foram clorexidina, bicarbonato de sódio e Cepacol®.
Os resultados dos questionários nortearam a elaboração do protocolo de higiene bucal adequado às características do hospital, bem como o treinamento da equipe. De acordo com Schelesener, Rosa e Raupp (2012), este é o caminho ideal para se inserir a rotina da higienização bucal nas UTIs, uma vez que o dentista geralmente não se encontra inserido nesses serviços. É consenso entre os estudos a importância da adesão e colaboração da equipe de enfermagem para o sucesso das manobras preventivas (SOLE et al., 2003; YING-SIOU, 2011).
Em relação à higienização bucal, foi realizada uma revisão de literatura para verificar qual o melhor método a ser implantado. Existem duas maneiras de remover o biofilme dental em pacientes com déficit do autocuidado, são elas: ações mecânicas e/ou farmacológicas (LODE et al., 2000; RELLO et al., 2007). As ações mecânicas contemplam a escovação dentária e limpeza dos tecidos moles adjacentes (LODE et al., 2000; WESTPHAL e LEITÃO, 2008). A ação farmacológica consiste na descontaminação por meio do uso tópico de antissépticos. A necessidade de utilização de um desses meios tornou-se evidente quando estudos comprovaram que, após 48 horas de internação hospitalar, todos os pacientes apresentaram a orofaringe colonizada por microorganismos gram-negativos (KOLLEF, 1993; MUNRO e GRAP, 2004; PINHEIRO et al., 2007). A limpeza promovida pela ação mecânica e química já demonstrou eficácia no estudo de Paju e Scannapieco (2007) em que uma diminuição de até 40% de casos de pneumonia foi encontrada ao melhorar a higiene bucal dos pacientes através desses recursos. Portanto, nesse estudo, optou-se pela associação de ambas as ações para melhor eficácia na remoção do biofilme (RELLO et al., 2007).
O fármaco de escolha para a realização da higiene bucal em pacientes críticos vem sendo a clorexidina (BERALDO e ANDRADE, 2008). Em um estudo realizado com 353 pacientes submetidos à cirurgia cardíaca, observou-se até 65% de decréscimo nas infecções nosocomiais em pacientes que utilizaram a clorexidina quando comparados com o grupo placebo. No Hospital Episcopal Luke em Houston, TX, EUA, a clorexidina obteve melhores resultados na redução das pneumonias nosocomiais em comparação a outro enxaguatório bucal fenólico (DERISO, 1996; HOUSTON et al., 2002).
Os desafios enfrentados nesse estudo foram vários, uma vez que a maioria dos hospitais não possui dentistas na equipe multiprofissional (PETTIT et al., 2012) e a higienização bucal, principalmente com o uso de escova dental, não faz parte da rotina hospitalar (RELLO et al., 2007; SILVA et al., 2012). Encontrar todo o material necessário, como a escova com adaptador para sucção; capacitar e motivar a equipe a realizar o procedimento registrando a sua execução; adequar o ambiente para a realização das manobras necessárias e armazenar o material adequadamente foram algumas das dificuldades superadas.
Outro trabalho também relatou desafios similares, como o de Grap, Munro e Ashtiani (2003) que analisaram o impacto dos cuidados bucais na prevenção da PAVM. Nesse estudo, utilizou-se escovação com swabs e escovas dentárias nos pacientes recebendo VM. Observou-se que a adesão e o relato documentado do cuidado da equipe de enfermagem foi menor que o necessário.
O presente estudo utilizou-se de limpeza promovida pela ação mecânica através de uma escova com sucção (Power Clean®) e química com uso de gel de digluconato de clorexidina 0,12%, sendo a higienização finalizada pela lubrificação dos lábios com AGE (ácidos graxos essenciais – óleo de girassol). O procedimento deveria ocorrer de 12 em 12 horas somente em pacientes que se encontravam entubados e sob ventilação mecânica. O mesmo foi descrito por Pettit et al. (2012), que preconizaram limpeza bucal diária com escova ou swab em pacientes entubados. Para os autores, solução salina ou clorexidina devem ser utilizadas como agentes de limpeza, seguida por remoção com sucção e lubrificação dos lábios (PETTIT et al., 2012).
Para adesão ao protocolo, torna-se necessária a motivação do técnico de enfermagem e a supervisão constante pelo enfermeiro (SCHELESENER, ROSA e RAUPP, 2012). Em vários momentos, identificou-se a não execução do protocolo. Como forma de motivação, os integrantes da pesquisa realizaram novos treinamentos e, sempre que possível, discutiam com a coordenadora do setor de enfermagem a melhor forma para melhorar a adesão dos técnicos ao protocolo.
Outro grande dificultador, vivenciado na pesquisa, relacionou-se com a aceitação do familiar em assinar o TCLE, permitindo assim a participação do paciente. As condições emocionais desses familiares, constantemente influenciadas pelo quadro de saúde do paciente, foram levadas em consideração pela equipe de pesquisa e pelos psicólogos do referido hospital. Ausência dos familiares no momento da visita, indecisão, falta de compreensão dos motivos da pesquisa e condição emocional fragilizada foram os principais motivos para não abordagem do familiar ou para que o mesmo recusasse participar da pesquisa.
CONCLUSÃO
Conclui-se, com este estudo, que o conhecimento e o preparo da equipe de enfermagem para execução da higiene bucal de pacientes entubados ainda é precário.
Dentre as dificuldades experimentadas para a implementação do protocolo de higiene bucal neste hospital, destaca-se a necessidade de maior adesão da equipe de enfermagem ao procedimento.
Esse estudo possibilitou, pela primeira vez, implementar um protocolo de higiene bucal na Santa Casa de Belo Horizonte, criando a perspectiva de novos estudos que possam comprovar a eficácia desse protocolo por meio da redução dos níveis de pneumonia nosocomial nos pacientes entubados sob ventilação mecânica.
REFERÊNCIAS
BERALDO, Carolina Contador; ANDRADE, Denise. Higiene bucal com clorexidina na prevenção de pneumonia associada à ventilação mecânica. São Paulo. Jornal Brasileiro de Pneumologia; v. 34, n. 9, p. 707-714, setembro, 2008.
Brasil. Lei nº 7498 de 25 de junho de 1986. Dispõe sobre a regulamentação do exercício da Enfermagem. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, 25 de junho de 1986.
CAVALCANTI, Manuela; VALENCIA, Maurício; TORRES, Antôni. Respiratory nosocomial infections in the medical intensive care unit. Barcelona. Clínical Institute de Pneumologia and Cirurgia Toracica, Hospital Clínical de Barcelona, v. 7, n. 2, p. 292-301, 2005.
CUTLER, Constance J; DAVIS, Nancy. Improving oral care in patients receiving mechanical ventilation. American Journal Critical Care, Clinical Excellence Department, Advocate Health Care, Oak Brook, IL, USA, v. 14, n. 5, p. 389-394, September, 2005.
DeRISO II, Anthony J.; LADOWSKI, Joseph S.; DILLON, Todd A.; JUSTICE Jonh W.; PETERSON Alan C. Chlorhexidine gluconate 0.12% oral rinse reduces the incidence of total nosocomial respiratory infection and nonprophylactic systemic antibiotic use in patients undergoing heart surgery. Chest, v. 109, n. 6, p. 1556-1561. June, 1996.
GRAP, Mare Joe; MUNRO, Cindi L; ASHTIANI, Behzad. Oral care interventions in critical care: frequency and documentation. American Journal Critical Care, Chicago, v. 12, n. 2, p. 113-118, March, 2003.
HOUSTON, Susan; HOUGLAND, Paul; ANDERSON, Jacqueline; LAROCCO, Mark; KENNEDY, Virginia; GENTRY, Layne. Effectiveness of 0.12% chlorhexidine gluconate oral rinse in reducing prevalence of nosocomial pneumonia in patients undergoing heart surgery. American Journal Critical Care, v. 11, n. 6, p. 567-570, November, 2002.
KOLLEF, Marin. Ventilator-associated pneumonia. The Journal of the American Medical Association, v. 270, n.16, p. 1965-1970, 1993.
LODE, Hartmut; RAFFENBERG, Manfred; ERBES, Reiner; GEERSDES, Hilte; MAUCH, Harald. Nosocomial pneumonia epidemiology, pathogenesis, diagnosis, treatament and prevention. Current Opinion in Infectious Diseases; v. 13, n. 4, p. 377-384, August 2000;
MANGIALARDO, Elen de Saboya. Avaliação do controle de infecção oral nos pacientes internados em hospitais situados na cidade do Rio de Janeiro: uma abordagem direcionada aos médicos intensivistas e cardiologistas [dissertação]. Rio de Janeiro: Faculdade de Odontologia, Universidade Veiga de Almeida; 2007.
MORAIS, Teresa Márcia Nascimento; SILVA, Antonio da; AVI, Ana Luiza Ribeiro de Oliveira; SOUZA, Patrícia Helena Rodrigues de; KNOBEL, Elias; CAMARGO, Luiz Fernando Aranha. A importância da atuação odontológica em pacientes internados em Unidade de Terapia Intensiva. Revista Brasileira de Terapia Intensiva, v. 18, n. 4, p. 412-417, outubro-dezembro, 2006.
MUNRO, Cindy ; GRAP, Mary Jo. Oral health and care in the intensive care unit: state of the Science. American Journal Critical Care, v.13, n.1, p. 25-34, January, 2004.
OLIVEIRA, Luiz Cláudio Borges; CARNEIRO, Pedro Paulo; FISCHER, Ricardo Guimarães; TINOCO, Eduardo Muniz. A presença de patógenos respiratórios no biofilme bucal de pacientes com pneumonia nosocomial. Revista Brasileira de Terapia Intensiva, v. 19, n. 4, p. 428-433, outubro-dezembro, 2007.
PACE, Mariângela Aparecida; WATANABE, Evandro; FACETTO, Marcela Padilha; ANDRADE, Denise. Staphylococcus spp. na saliva de pacientes com intubação orotraqueal. Revista Panamericana de Infectologia, Ribeirão Preto – São Paulo, v.10, n. 2, p. 8-12, maio, 2008.
PAJU, Susanna; SCANNAPIECO, Frank. Oral biofilms, periodontitis, and pulmonary infections. Oral Diseases, v.13, n.6, p.508-512, November, 2007.
PETTIT, Stacy L., McCANN, Ann L., SCHNEIDERMAN, Emet D., FARREN, Elizabeth A., CAMPBELL, Patricia R. Dimensions of oral care management in Texas hospitals. The Journal of Dental Hygiene, v.86, n.2, p.91-104, Spring, 2012.
PINHEIRO, Paula Goes; SALANI, Rosa; AGUIAR, Andréa Sílvia Walter; PEREIRA, Sérgio Luís Silva. Perfil periodontal de indivíduos adultos traqueostomizados com pneumonia nosocomial. Revista de Periodontia, v.17, n. 3, p. 67-72, setembro, 2007.
RAGHAVENDRAN, Krishnan; MYLOTTE, Joseph; SCANNAPIECO, Frank. Nursing home-associated pneumonia, hospital-acquired pneumonia and ventilator-associated pneumonia: the contribution of dental biofilms and periodontal inflammation. Periodontology 2000, v. 44, n.1, p. 164–177, June 2007.
RELLO, Jorge; KOULENTI, Despoina; BLOT, Stijn; SIERRA, Rafael; DIAZ, Emili, WAELE, Jan J. de; MACOR, Antonio; AGBAHT, Kemal; RODRIGUEZ, Alejandro. Oral care practices in intensive care units: a survey of 59 European ICUs. Intensive Care Medicine, v. 33, n. 6, p.1066-1070, 2007.
RICHARDS, Michael; EDWARDS, Jonathan; CULVER, David; GAYNES, Robert. Nosocomial infections in medical intensive care units in the United States: National Nosocomial Infections Surveillance System. Critical Care Medicine; v. 27, n. 5, p. 887-892, May, 1999.
SCANNAPIECO, Frank ; Pneumonia in nonambulatory patients. The role oral bacterium and oral hygiene. American Journal Dentist Association, v.33, n.4, p. 339–347, October/December, 2006.
SCANNAPIECO, Frank; RETHMAN, Michael P. The relationship between periodontal diseases and respiratory diseases. Dentist Today, v. 22, n.8; p. 79-83, August, 2003.
SCHLESENER, Vânia Rosimeri F; ROSA, Uyara Dalla; RAUPP, Suziane Maria M. O cuidado com a saúde bucal de pacientes em UTI. Cinergis v.13, n.1, p.73-77, Jan/Mar, 2012.
SILVA, Athaluama Pires; GOYATÁ, Frederico Reis; RICHA, Adriane; QUEIROZ, Ana Paula Grimião. Protocolo bucal para prevenção de pneumonia em UTI – estudo piloto do HUSF de vassouras, RJ. Jornal Brasileiro de Periodontologia, v. 22,n.2, p. 57-62. Junho, 2012
SOLE, Mary Lou; BYERS, Jacqueline F.; LUDY, Jeffery E; YING ZHANG; BANTA, Christine M; BRUMMEL, Kathy. A multisite survey of suctioning techniques and airway management practices. University of Central Florida, Orlando, USA. American Journal Critical Care, v. 12, p. 220-232. May, 2003.
SONA, Carrie S; ZACK, Jeanne E. ; SCHALLOM, Marily E; MCSWEENEY, Maryellen; MCMULLEN, Kathellen; THOMAS, James; COOPERSMITH, Craig M. ; BOYLE, Walter A.; BUCHMAN, Timothy G.; MAZUSKI, John E.; SCHUERER, Douglas J. E. The impact of a simple, low-cost oral care protocol on ventilator-associated pneumonia rates in a surgical intensive care unit. Journal Intensive Care Medicine. v. 24, n. 1, p. 54-62, January, 2009.
TEIXEIRA, Paulo José Zimermann; HERTZ, Felipe Teixeira; CRUZ, Dennis Baroni; CARAVER, Fernada; HALLAI, Ronaldo Campos; MOREIRA, José Silva. Pneumonia associada à ventilação mecânica: impacto da multirresistência bacteriana na morbidade e mortalidade. Jornal Brasileiro de Pneumologia, v. 30, n.6, p. 540-548. novembro-dezembro, 2004.
WESTPHAL, Miriam Raquel Ardigó; LEITÃO, Natasha Silva. Avaliação dos protocolos de higiene bucal nas Unidades de Terapia Intensiva de hospitais públicos e privados. Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas; v 7, n. 1-2. janeiro – dezembro, 2008.
WEBER, David J; RUTALA, Willian A.; BENNETT, Emily; SAMSA, Gregory P.; BROWN, Vickie; NIEDERMAN, Michael S. Microbiology of ventilator associated pneumonia compared with that of hospital-acquired pneumonia. Infection Control Hospital Epidemiology, v. 28, n.7, p. 825-83, July – 2007.
YING-SIOU, Lin; CHANG, Jung-Chen; CHANG, Tsyr-Huei; LOU, Meei-Frang. Critical care nurse´s knowledge, attitudes and practices of oral care for patients with oral endotracheal intubation: a questionnaire survey. Journal of Clinical Nursing, v 20, n 21-22, p 3204-3214. November, 2011.
NOTAS
[1] Discentes do curso de odontologia, alunos bolsistas do XIII programa de Iniciação Científica do Centro Universitário Newton Paiva.
[2] Colaboradora da pesquisa, docente do Centro Universitário Newton Paiva.
[3] Coordenadora da pesquisa, docente do Centro Universitário Newton Paiva.