Amanda Damasceno Nascimento1
Camila Vilaça Gomes da Silva2
Caromi Oseas3
Cássio Augusto Couto Soares4
Deborah Carolina Celeste da S.Soares5
Fabiana Pacheco de Souza Silva6
Vânia Barbosa dos Santos7
Abraão Soares Dias dos Santos Gracco8
Glenda Rose Gonçalves Chaves9
Raquel Lima de Abreu Aoki10
William Ken Aoki11
Resumo: O presente artigo, por meio de uma análise hermenêutica, procura abarcar questões relativas à demarcação de terras indígenas, tendo como parâmetro o caso concreto da Raposa Serra do Sol, julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Busca, sobretudo, responder a questões acerca de direitos humanos sobre direitos indígenas. Como exemplo, tornaram-se pertinentes alguns questionamentos: a hermenêutica, nesse caso, vem ampliando os direitos humanos ou continua a reproduzir uma “lógica colonial”? Ademais, também se colocam em questão as técnicas argumentativas e os métodos que norteiam esse impasse interpretativo quanto a sua aplicabilidade.
Palavras Chave: Hermenêutica. Técnicas Argumentativas. Povos indígenas. Direitos Humanos. Métodos interpretativos.
Abstract: This article, through a hermeneutic analysis, seeks to embrace issues relating to demarcation of indigenous lands, having as parameter the case of Raposa Serra do Sol, judged by the STF. Especially seeks to answer questions about human rights in indigenous comunities. As an example, it is pertinent to some questions: hermeneutics, in this case, has been expanding human rights and continues to play a “colonial logic”? Moreover, it also calls into question the argumentative techniques and methods that guide this interpretive impasse regarding their applicability.
Key-words: Hermeneutics. Argumentative techniques. Indigenous peoples. Human Rights. Interpretive methods.
INTRODUÇÃO
O Poder Judiciário, no transcorrer dos anos, vem passando por diversos desafios nas questões judiciais extremamente relevantes no campo dos direitos fundamentais e dos direitos humanos no Brasil. Demarcação de terras indígenas é uma das milhares de exemplificações nesse hall tão desafiador.
A respeito da demarcação e homologação das terras indígenas no Brasil, esse processo inicia-se por meio de estudos realizados pela FUNAI (Fundação Nacional do Índio), a fim de identificar tal área. O Ministério da Justiça, por sua vez, supervisiona esse processo e decide em casos que há contestações administrativas na área demarcada.
Dessa forma, registra-se que a presença de povos não indígenas nessas áreas vem sendo um grande impedimento na proteção dessas terras. Casos em que povos indígenas tentam retomar suas terras tradicionais, sob o controle de ocupantes não indígenas, vêm ampliando um grande cenário desafiador para o poder judiciário.
Nesse sentido, vale lembrar que a Constituição, hoje vigente, reconhece a diversidade cultural e inclui dois artigos específicos referentes aos índios. Essa foi uma das primeiras constituições do mundo a reconhecer esses direitos, como o reconhecimento de suas organizações sociais, de seus costumes, línguas, crenças e até tradições.
Quanto aos índios, são assegurados direitos pela Constituição de 1988, assim como tratados da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT); Convenção da Sociobiodiversidade; Convenção dos Direitos Humanos; Declaração da Organização das Nações Unidas (ONU). Entretanto, nem sempre tais proteções jurídicas existem de forma plena no Brasil.
Igualmente, a hermenêutica jurídica se insere nessas questões, sendo isso de suma importância. Por meio dela, os intérpretes da lei utilizam-se de seus mecanismos, baseados em um caso concreto, na tentativa de alcançar uma solução que vise melhor atender os anseios sociais.
Destarte, nessa tão incessante busca de concretizar tais direitos, depara-se com uma característica bastante paradoxal: tendo como parâmetro uma constituição social, que apresenta um extenso leque de direitos, a constituição vigente é, também, pautada numa prática jurídica, que, insistentemente, nega a aplicação dos mesmos.
Registra-se que o STF, apesar de sua grande importância na resolução de temas relevantes para a sociedade, não adota sempre um viés tão democrático quanto a esses grupos identificados como minoritários.
Nesse contexto, a pesquisa procura identificar a postura com relação ao Supremo Tribunal Federal, na resolução de conflitos concernentes aos direitos dos povos indígenas, especificamente a demarcação de terra, no caso Raposa Serra do Sol.
ARGUMENTAÇÃO E HERMENÊUTICA
Indiscutivelmente, esses universos que afloram questões de cunho hermenêutico e de argumentação, são, desde outrora, objeto de estudo do homem.
Como assevera Lênio Streck, o homem passou a orientar-se no mundo e nele agir mediante a e pela linguagem:
No dizer de Quine, “o que há no mundo não depende, em geral, do nosso uso da linguagem, mas já depende deste uso o que podemos dizer que há”; Heidegger, para quem “a linguagem é a casa do ser”; Gadamer, para quem “ser que pode ser compreendido é a linguagem”. (..) (STRECK, Lênio Luiz, 2009, p.59).
Quanto a esses últimos, (Heidegger e Gadamer), no que diz respeito à linguagem e à hermenêutica de âmbito mais filosófico, tiveram tamanha importância. Para Gadamer, (discípulo de Heidegger), por exemplo, a tarefa de interpretar a lei passa a ser uma atribuição de sentido. Heidegger, por sua vez, inaugura a chamada Fenomenologia Hermenêutica, tendo em vista que as compreensões, assim como a linguagem, são os acessos ao mundo.
A linguagem e suas implicações, como se pode ver, estão presentes em tudo, até em contos literários. Alice no País das Maravilhas, clássica obra de Lewis Carrol, é um exemplo disso. Embora intitulada como infanto – juvenil, carrega uma carga deverasmente complexa, trazendo elementos importantes do campo jurídico, como a linguagem, a filosofia da linguagem e, quiçá, a hermenêutica.
Esta, por sua vez, alcançou notável proeminência no campo religioso, dando ensejo ao desenvolvimento no campo filológico, como menciona Lacombe. Na mitologia grega, por exemplo, há uma história relativa a um deus, denominado Hermes, que, por sua vez, possuía muita sapiência. Ainda no transcorrer das palavras de Lacombe:
Ao nascer desfez-se sozinho da bandagem que o envolvia e ganhou as estradas conforme Junito Brandão nos relata. Hermes logo furtou um rebanho de Apolo, prendendo no rabo das ovelhas um ramo que, arrastado ao chão, apagava seus rastros. Ao ser indagado por Zeus, seu pai, sobre o ocorrido, depois de alguma relutância concordou em dizer a verdade, mas não toda a verdade ou não a verdade por inteiro. E dessa forma, Hermes tornou-se o mensageiro predileto dos deuses: aquele que detém o conhecimento e que é capaz de decifrar corretamente as mensagens divinas. (LACOMBE CAMARGO, Margarida Maria, 2003, p.14).
Como ensina Margarida Maria Camargo Lacombe (2003, p.24) “Significa então trazer algo desconhecido e inteligível para a linguagem humana”.
A partir desse conto, é possível estabelecer com mais precisão uma relação intrínseca entre Hermes, argumentação e Hermenêutica, uma vez que esta, como se viu, nasceu na busca do conhecimento das questões que não se apresentavam claramente. Isto é, concernente a um processo de interpretação que implica a compreensão de tal fenômeno desejado.
Para o direito, no entanto, foi extremamente significativa a atividade dos glosadores da Universidade de Bolonha, nos séculos XI e XII. Com a descoberta, em 1080, das leis romanas compiladas por ordem do Imperador Justiniano, no século VI d.C., mais tarde chamadas de Corpus Iuris Civilis, iniciou-se todo um esforço acerca do seu entendimento e compreensão(…) O método de análise escolástico foi um fator importante pelo aparecimento da dogmática jurídica, tal como ocorrera com a religião(…) Mas é com o movimento da Ilustração e o pensamento científico moderno, que interpretação e hermenêutica deixam de significar a mesma coisa. A hermenêutica passa a se comportar como ciência se preocupando com as técnicas próprias do fazer interpretativo. (LACOMBE CAMARGO, Margarida Maria, 2003, p.26,27 e 28).
A partir disso, pode-se, também, entender que a hermenêutica jurídica toma seu berço desde a matriz gadameriana e de Heidegger, de uma forma mais ontológica como técnica jurídica voltada à elaboração de regras para compreensão do conteúdo e do significado das normas constitucionais. A hermenêutica passa, então, a assumir o caráter de interpretação de duas partes por meio da linguagem.
Heidegger e, mais precisamente, Gadamer abrem possibilidade pro círculo hermenêutico. A compreensão, segundo Gadamer, ocorre a partir dos pré-juízos e dessa forma, o intérprete examina as opiniões prévias através de sua legitimação. Confere a abertura à opinião do outro ou à do texto. O círculo hermenêutico, como ensina Gadamer, (1999, p.439), “Não é de natureza formal. Não é nem objetivo nem subjetivo, descreve, porém, a compreensão como a interpretação do movimento da tradição e do movimento do intérprete”. Em suma, essa correlação é compreendida por ele mesmo enquanto processo da tradição, que é determinada por ele próprio.
Dessa forma, interpretação para hermenêutica jurídica seria, consoante Lacombe, (2003, p.19) «uma ação mediadora que procura compreender aquilo que foi dito ou escrito por outrem”.
O processo hermenêutico, para tanto, é pautado, então, nessas regras e técnicas de argumentação. E o processo de compreensão se concretiza por meio da argumentação. Assim, a argumentação corrobora com a ideia de técnica, que visa fundamentar-se sobre a escolha do significado que pareça mais adequado às partes discursivas.
Destarte, pode-se acentuar que o Direito envolve uma prática de método hermenêutico da compreensão e técnica argumentativa.
O método seria a compreensão para o conhecimento, e a técnica, às regras que dirigem essa atividade.
Que campo melhor, se não o do Direito, para explorar essas diversas possibilidades interpretativas em busca da compreensão?
Assim, as temáticas que englobam hermenêutica e argumentação, no viés jurídico, são aplicadas pelo poder judiciário.
NEOLIBERALISMO EM UMA PERSPECTIVA HERMENÊUTICA E INDÍGENA
Há muitos discursos “emblemáticos” relativos às terras. Esse debate vem se tornando o ponto central dos direitos constitucionais dos índios, pois como menciona José Afonso da Silva, ela tem um valor de sobrevivência física e cultural.
Dessa maneira, a partir dos anos 80, com a adoção de políticas neoliberais, bem como com a globalização, o problema de terra começa a agravar-se. É interessante observar que os desafios atuais quanto às questões de terras e autodeterminação relativas aos povos indígenas, no Brasil, ainda estão permeados a valores históricos e culturais com raízes numa colonização que perdurou cerca de 320 anos. Com todas as criações do Estado, principalmente em políticas para reverter tal situação, ainda parece estar enraizado o desrespeito que envolve aspectos de direitos humanos desses povos.
Torna-se, também, importante, então, como expõe Lênio Streck, destacar o Estado e sua função, bem como seus discursos jurídicos.
No momento em que o mundo é “varrido” por uma onda neoliberal é impensável não colocar a questão do Estado e sua função, bem como do Direito, para serem rediscutidas, assim como as condições de possibilidades da realização de uma democracia e de direitos fundamentais em países há pouco saídos de regimes autoritários; logo, ausentes de uma segunda transição. É Justamente nessa esfera que as reflexões surgem buscando a construção de um discurso que abarque criticamente o papel do Direito, bem como de seus discursos jurídicos e é claro, a justificação do poder oficial por meio do discurso jurídico em face da problemática da relação Direito-Estado- Dogmática Jurídica. (STRECK, Lenio Luiz, 2009, p.21).
Ainda no transcorrer do raciocínio e nas palavras de Streck, cumpre observar que o poder judiciário atende a interesses marcados dos executivos fortes, no qual se nutrem de projetos desdobrados de uma clara transposição, hoje, de quadros privados para os do público, do individualismo possessivo.
Exemplificando também com a disputa de «Caio e Tício», o autor defende que, no Brasil, ainda predomina o modo de produção de direito instituído, ou seja, forjado para resolver disputas interindividuais. Motivo pelo qual, talvez, o Judiciário ainda encontre empecilhos para resolver grandes problemas coletivos que envolvem as questões relativas às terras. Sousa Filho frisa que os “povos indígenas”, no Estado contemporâneo, são enxergados como “individualidades”, isto é, seus direitos são concebidos como individuais, mesmo os direitos fundamentais coletivos.
Nesse sentido, esses povos, apesar dos esforços da FUNAI e de outras grandes fundações, ainda se encontram em posições baixas nos rankings tangentes ao desenvolvimento humano. Há, ainda, uma desarmonização do governo frente às políticas adotadas ao benefício dos povos indígenas. Construções de hidrelétricas, como a de Belo Monte, e extração de recursos naturais, ilustram, por exemplo, alguns dos problemas que afetam as populações indígenas e suas terras.
Como é sabido, essas comunidades tradicionais nasceram no seio de problemas concernentes ao meio ambiente. Segundo o Decreto n° 6.040, de 7 de fevereiro de 2007, que institui a política nacional de desenvolvimento sustentável dos povos e comunidades tradicionais:
São grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas geradas e transmitidos pela tradição.12
Conclui-se que suas terras são extrínsecas a elementos de sua própria subsistência. Representa, outrossim, a cultura desses povos. Compõe, por conseguinte, a identidade sociocultural das populações tradicionais através de seus respectivos valores.
Todavia, parece que esses valores, desde a colonização, afetados também pelas políticas neoliberais e pela globalização, ainda encontram dificuldades em se concretizarem em sua totalidade, não viabilizando também questões relativas aos direitos humanos.
UMA QUESTÃO DE DIREITOS HUMANOS?
Quando se fala em direitos humanos, como no capítulo anterior, pensa-se, de antemão, em questões que implicam os direitos de minorias. Na construção desses direitos implica, ainda hoje, a discussão sobre sua natureza. Seriam aqueles direitos inerentes a todos os homens? Seriam aqueles que foram positivados? São os direitos que foram construídos ou ainda os que são determinados por um sistema moral?
De forma análoga, ocorre com a dicotomia universalismo versus relativismo cultural. Por conta do alcance das normas desses direitos, esse dilema é retomado, principalmente, na medida em que o movimento internacional flexibiliza as noções de soberania nacional e jurisdição doméstica apontados por Flávia Piovesan:
Foi com o crescente positivismo internacional que os tratados se tornaram a maior fonte de obrigação no plano internacional, papel até então reservado ao costume internacional. Tal como no âmbito interno, em virtude do movimento do Pós – Positivismo, os princípios gerais do Direito passam a ganhar cada vez mais relevância como fonte do Direito Internacional na ordem contemporânea. (PIOVESAN, Flávia, 2009, p.43).
Institucionalizada em um regime político, a Constituição, hoje vigente, de 1988, foi a primeira a reger a prevalência dos direitos humanos. Não custa lembrar que, em constituições passadas, o paradigma era assentado, sobretudo, na soberania do País quanto a essas relações internacionais.
Contudo, a verdadeira consolidação do Direito Internacional dos Direitos Humanos surge em meados do século XX, em decorrência da segunda guerra mundial (…) A necessidade de uma ação internacional mais eficaz para a proteção dos direitos humanos impulsionou o processo de internacionalização desses direitos, culminando na criação da sistemática normativa de proteção internacional, que faz possível a responsabilidade do Estado no domínio internacional quando as instituições nacionais se mostram falhas ou omissas na tarefa de proteger os direitos humanos. (PIOVESAN, Flávia, 2009, p.119 e 121).
Em 1948, por exemplo, surge a tão famosa Declaração Universal dos Direitos Humanos, impulsionada por diversas outras também de enorme valia nesse âmbito. Mas é importante destacá-la, pois além da universalidade dos direitos humanos, essa Declaração trouxe, também, catálogos relacionados aos direitos civis, políticos, econômicos, sociais e até culturais.
Nasce, também, em 1969, a Convenção Americana de Direitos Humanos ou Pacto San José da Costa Rica, principal instrumento do sistema interamericano.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que compõe esse sistema, alcança todos os Estados-partes da Convenção Americana em relação aos direitos nela consagrados. É integrada por sete membros, eleitos a título pessoal pela assembleia geral por um período de quatro anos. Promover a observância e a proteção dos direitos humanos na América é sua principal função. 11
A corte, por sua vez, que também compõe esse sistema, é um órgão jurisdicional do sistema regional, composta por sete juízes nacionais membros da OEA, eleitos a título pessoal pelos Estados partes da convenção. Apresenta competência consultiva e contenciosa. A primeira é relativa à interpretação das disposições de tratados concernentes aos direitos humanos. A segunda refere-se à solução das controvérsias que se apresentam acerca da interpretação ou aplicação da própria convenção. 12
A Corte tem força jurídica vinculante e obrigatória, cabendo ao Estado seu imediato cumprimento. O Estado brasileiro reconheceu a competência dessa corte em 1998 por meio do Decreto Legislativo n° 89 desse mesmo ano.
Dentre outros instrumentos, um também que merece específica consideração, utilizado pelo sistema interamericano, é a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Nela consta uma resolução relativa aos povos indígenas e tribais. Foi estabelecido também pela Convenção 169, o direito de consulta prévia, que constitui inovação para a legislação brasileira. Vale lembrar que essa Convenção foi incorporada e ratificada ao ordenamento jurídico brasileiro por meio de Decretos legislativos e presidenciais.
Todavia, ainda hoje, apesar desses grandes marcos históricos, no que diz respeito à aplicação dos direitos humanos, ainda permanecem empecilhos para o mesmo.
Colocando em questão a importância do relacionamento das culturas, na qual se assume que elas são incompletas e uma depende da outra, Boaventura Santos condena a velha discussão do relativismo versus universalismo propondo uma hermenêutica diatópica e direitos humanos enquanto guião emancipatório. A primeira consiste fundamentalmente em topois, que são os lugares comuns retóricos mais abrangentes de determinada cultura. São premissas argumentativas, na qual se torna possível a troca das mesmas. 13
Segundo o autor, a crítica desses dilemas (universalismo, relativismo e historicismo), facilita uma relação de caráter impositivo no mundo moderno. Sua concepção pós-moderna critica uma concepção ocidental vinculada a um paradigma sociocultural a partir do século XVI, consolidando-se em meados do século XIX. Ao distinguir os pilares de tensão dialética, dessa modernidade, o da regulação social e o da emancipação social, sugere que ambos estão fincados em realidades europeias. Nessas tensões, constituem também o liberalismo e o marxismo.
Nas palavras de Santos (2004, p.15), “No entanto, ambos concebem o colonialismo no quadro historicista de um código temporal que coloca os povos coloniais na «sala de espera» da história que, a seu tempo, lhes trará os benefícios da civilização.”14
A partir então da “Sociologia das Ausências” e “Sociologia das Emergências”, tornar-se viável o questionamento acerca das terras indígenas e sua função no mundo globalizado. Destaca-se que, para o autor, globalização é tanto um processo de inclusão como de exclusão, podendo ser identificados quatro modos de produção de globalização: localismos globalizados, globalismos localizados, cosmopolitismos e herança comum na humanidade. Os primeiros, como formas hegemônicas e os últimos, como uma maneira contra-hegemônica.
Além disso, Santos, ainda, afirma que:
Entendo por pós-colonialismo um conjunto de correntes teóricas e analíticas, com forte implantação nos estudos culturais, mas hoje presentes em todas as ciências sociais, que têm em comum darem primazia teórica e políticas às relações desiguais entre o Norte e o Sul5 nas explicações ou na compreensão do mundo contemporâneo. Tais relações foram constituídas historicamente pelo colonialismo e o fim do colonialismo enquanto relação política não acarretou o fim do colonialismo enquanto relação social, enquanto mentalidade e forma de sociabilidade autoritária e discriminatória. (SANTOS, Boaventura Sousa, 2004, p.8).
As relações entre as concepções dominantes do pós-modernismo e do pós-colonialismo é complexa e se não internamente contraditória, pelo menos muito ambígua. Sem dúvida que a crítica do universalismo e do historicismo põe em causa o ocidente como centro do mundo e, nessa medida, abre possibilidades para a concepção de modernidades alternativas e, portanto, para firmação e reconhecimento da diferença, nomeadamente da diferença histórica. Por outro lado, a ideia da exaustão da modernidade ocidental facilita a revelação do caráter invasivo e destrutivo da sua imposição no mundo moderno, uma revelação cara ao pós-colonialismo. (SANTOS, Boaventura Sousa, 2004, p.11).
Seguindo, ainda, esse raciocínio, cumpre examinar um caso tão emblemático envolto de uma disputa de terras, na qual o enfoque em questão é se o Judiciário busca atender os índios ou, se nesse aspecto, ainda continua-se preso numa lógica “hegemônica”, como corrobora em umas das perspectivas de Boaventura Santos, como por exemplo, para atender as questões relativas à defesa e soberania nacional.
RAPOSA SERRA DO SOL: UMA DECISÃO APARENTEMENTE BENÉFICA AOS ÍNDIOS
Dentre as diversas questões que norteiam o caso da demarcação contínua da terra indígena Raposa Serra do Sol, cabe destacar especialmente algumas: quanto ao âmbito fático, faz-se necessário transcorrer alguns acontecimentos históricos. No contorno jurídico, analisar-se-ão alguns dos métodos e princípios utilizados pelo relator, bem como algumas das famosas dezenove condições incorporadas à decisão.
De maneira bastante pragmática, a terra indígena Raposa Serra do Sol, situada em Roraima, fazendo fronteira com Guiana e a Venezuela, foi um episódio de extensa polêmica nacional. Em 15 de abril de 2005, foi homologada a Portaria n° 534, do Ministério da Justiça, assinada pelo Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. O conflito marcou, sobretudo, o desentendimento das populações indígenas que ali residiam e, por intermédio da FUNAI, iniciou um relatório a fim de identificar tais terras para demarcação. Todavia, os produtores de arroz vindos do Sul, que ocupavam parte da área, alegaram possuir títulos que lhes garantissem a posse das terras. Manifestações, então, favoráveis e contrárias a essa demarcação se sucederam desde então.
É importante relembrar que tais direitos assegurados, muitas vezes, não possuem eficácia plena, o que leva o Direito, por meio da hermenêutica jurídica, a buscar, por meio de seus métodos diversificados, o caminho mais eficaz para a concretização dos mesmos.
Como registra Tércio Sampaio Ferraz Júnior, no âmbito jurídico, são dois os enfoques básicos para investigar o Direito enquanto objeto de estudo: o saber zetético e o saber dogmático. Enquanto esse visa fundamentar-se para perquirir, questionar, de forma infinita, este, por sua vez, parte de dogmas inquestionáveis, voltado para aplicação do conhecimento, por exemplo, na decisão jurídica de conflitos, como o caso da demarcação contínua da terra indígena Raposa Serra do Sol.
O saber dogmático, portanto estudado para fins deste trabalho, engloba três vertentes: o analítico, o hermenêutico e o da decisão. Com base nos métodos interpretativos dos votos, enfatiza-se, pois, o modelo denominado hermenêutico, também conhecido como Dogmática Hermenêutica.
Toma-se como ponto de partida o voto do relator, ministro Carlos Ayres Britto, favorável à demarcação de terra indígena, na petição 3388. Primeiramente, o ministro analisou os artigos 231 e 232 da Constituição Federal Brasileira de 1988, inerente aos índios.
Consoante o ministro, o termo «índios» foi recolhido pela Constituição de 1988 com o mesmo sentido que a palavra adquire em nossa linguagem coloquial. Assim, tem-se o princípio usual, no qual as palavras expressas na Constituição devem ser tomadas em seu sentido corrente. O termo seria, então, para diferenciar os aborígines entre numerosas etnias, e o termo «índio» significaria o indígena pertencente à América, que também pode ser chamado de nativo, autóctone. Essa nitidez rigorosa ao adotar tais termos, no plural e no singular, tem o intento de reunir os índios às demais etnias do Brasil, quando adotado no plural.
Nas palavras do relator:
Diga-se em continuidade que o substantivo plural “índios” foi recolhido pela Constituição com o mesmo sentido que a palavra tem em nossa linguagem coloquial. Logo, o termo traduz o coletivo de índio, assim entendido o “Indígena da América” (Enciclopédia e Dicionário Kogan e Houaiss da língua portuguesa, Edições Delta, 1994). Saltando à evidência que indígena da América não pode ser senão o “nativo”, o “aborígine”, o “autóctone”, na acepção de primitivo habitante desse ou daquele País americano. Isso por diferenciação com os principais contingentes humanos advindos de outros países ou continentes, ora para atuar como agentes colonizadores, ora para servir de mão-de-obra escrava, como, no caso do Brasil, os portugueses e os africanos, respectivamente. 6(BRITTO, Carlos Ayres, 2009, p.12).
De forma análoga, também se utilizou de termos como “terras” e “territórios”. O primeiro representa um aparato sociocultural, enquanto o segundo se remete a um cunho mais político. Considerando, pois, que as terras indígenas seriam as “terras” mencionadas e não os “territórios” referidos, não cabe permitir a livre circulação de pessoas não-índias nessas terras e, só por meio de supervisão da União, equipamentos públicos e obras de infraestrutura econômica e social poderão ser instaladas na mesma.
Um dos muitos métodos utilizados, destacado nesse caso, foi também o sistemático, aquele que procura relacionar a construção de sistemas organizados em vários dispositivos legais. Assim, a Constituição vigente foi correlacionada, utilizando da análise de outros mecanismos, como o Estatuto do Índio (Lei 6001/73).
Então, ao analisar, de antemão, o tão emblemático caso, perante alguns métodos analisados, a impressão que se tem é de que o judiciário beneficia os índios, haja vista a decisão final que corrobora para a continuidade dos indígenas naquelas terras. Igualmente, nessa mesma esfera, vem a questão dos direitos humanos: o STF dá voz às minorias. Entretanto, o que vemos aqui é que esse, bem como outros pontos, é bastante controverso.
O ministro Menezes Direito também fez menção a esses dispositivos e chamou atenção acerca de que o STF necessita impor, de maneira mais clara, que a Declaração Interamericana sobre os Direitos dos Povos Indígenas, que, continuamente, tem figurado sugestão para laudos de demarcação de terras indígenas, não pode recusar vigência às normas de hierarquia nacional, como a soberania e o princípio federativo.
Igualmente, ocorre no relatório do deputado Lindberg Farias “Outros ingredientes imprimem contornos ainda mais graves ao tema. Entre eles, deve-se destacar a questão da soberania e defesa nacional.” 17
A partir desse ponto, há uma possível ilustração de colisão: a soberania nacional e os direitos dos povos indígenas que ali residiam.
A respeito da Soberania Nacional, a Constituição entende que todos os cidadãos devem ser protegidos, permitindo o exército e o exercício policial patrulhar as áreas do Estado, a fim de garantir a salvaguarda da nação. Contudo, em áreas demarcadas, essas forças são reduzidas. Nessa mesma esfera, a Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas entende que o exército limita as atividades em áreas demarcadas e que deve evitar a prática de exercícios que constituam abusos aos direitos indígenas.
O que se sucedeu, contudo, foi que a presença dessas forças não foi impedida nessa região demarcada.
Registra-se, destarte, que a não utilização de documentos, pelos quais o país é signatário internacionalmente, justifica a colisão de interesses nacionais. Mas, considerando também a configuração da área geográfica, tendo fronteiras com outros países, como já era sabido, não faz sentido ratificar as convenções sem delas se utilizarem.
A Suprema Corte optou por essa demarcação, mas, na verdade, em prol da soberania nacional, atribuindo determinadas condições, que visam “diminuir” os direitos constitucionais dos índios. Esses povos estão, agora, num futuro incerto e inseguro.
O que se coloca em questão não é o certo ou o errado quanto às decisões dos ministros. Cabe estabelecer, aqui, que em termos de direitos indígenas, o Estado ainda tem dificuldade em viabilizar tais propostas. Torna-se evidente que o Judiciário está assentado em constantes paradoxos. Dessa forma, algumas condicionantes merecem destaque.
8- O usufruto dos índios na área afetada por unidades de conservação fica restrito ao ingresso, trânsito e permanência, bem como caça, pesca e extrativismo vegetal, tudo nos períodos, temporadas e condições estipuladas pela administração da unidade de conservação, que ficará sob a responsabilidade do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. 7
Tal condição não estabelece uma compatibilidade com o disposto no artigo 15.1 da Convenção 169 da OIT:“O direito dos povos interessados aos recursos naturais existentes em suas terras deverá gozar de salvaguardas especiais. Esses direitos incluem o direito desses povos de participar da utilização, administração e conservação desses recursos”. 18
“17- É vedada a ampliação da terra indígena já demarcada”. 19
Considerando que a realidade dessas comunidades não são estáticas, mas dinâmicas, elas são construídas e intensificadas com a interação de diversos grupos. A identidade étnica se transforma com o passar do tempo. Outrossim, impede a correção de possíveis vícios suscetíveis e prováveis na demarcação. Tem-se, nessa condição, portanto, afronta ao princípio de igualdade de uma minoria étnica vulnerável.
É a partir desses pontos que surge a pergunta: a hermenêutica, quanto aos índios, especialmente nesse caso, amplia os direitos humanos ou continua a reproduzir uma “lógica colonial?” uma lógica em que o grupo visto como minoritário é visto também ainda sob uma inferioridade, em que são reduzidos seus direitos constitucionais? Ou, nas palavras de Boaventura Santos, esse grupo não estaria ainda numa «sala de espera», esperando a civilização?
Evidentemente que a Constituição muito contribuiu para as populações indígenas, abrindo uma nova concepção. Ou mesmo esse julgamento, que levantou questões até então não definidas. A possibilidade de demarcação de terras contínuas, a possibilidade de terras indígenas em regiões de fronteiras são alguns dos exemplos, que representam uma elucidação sobre esse eixo temático. Mas as condicionantes, ou talvez restrições, evidenciam que, em contrapartida, há um retrocesso em termos de direitos humanos e a necessidade de efetivar as tão “sonhadas” propostas.
Essas condicionantes, chamadas de “Estatuto Jurídico das Terras Indígenas”, foram construídas através da técnica legislativa, que pode ser definida como um conjunto de procedimentos e normas redacionais, que configuram determinado texto, que visa, consequentemente, algo que terá repercussão no âmbito jurídico. Assumem diretrizes para a interpretação e concretização dos direitos territoriais indígenas no Brasil. Algumas consistem em dispositivos como a própria Constituição e o Estatuto do Índio enquanto outras foram criações sem constar em nenhum dispositivo legal.
Mediante isso, ter que submeter esse processo quanto à demarcação de terra sem parâmetros de organização social daquele grupo, é abrir portas para uma sociedade hegemônica, também presente nos diálogos de Boaventura Santos.
Nesse ponto é imprescindível retomar ao círculo hermenêutico de Gadamer, no qual os intérpretes examinam as opiniões quanto a sua legitimação. Essa abertura da opinião do outro ao texto, confere um círculo aberto de intérpretes, que nesse caso, abre portas também para a possibilidade dos índios no Brasil, considerados “incapazes”, serem, antes de tudo, titulares desses direitos e também intérpretes da Constituição.
A consulta prévia, imprescindível, como consta nos dispositivos da Convenção 169 da OIT, que não existiu na construção dessas condicionantes, é um elemento de suma importância de legitimação da atuação argumentativa dos indígenas. A questão da consulta prévia é ainda um dos temas que merece novos debates quanto aos direitos dos povos indígenas de serem consultados antes das autoridades públicas delegarem decisões que lhes afetem diretamente.
Os povos indígenas têm esse direito de consulta quanto às medidas que possam afetar suas atividades culturais e até sociais, bem como seus direitos territoriais. Esse impasse vai muito aquém dessas medidas, sendo uma questão fundamental, na qual os índios têm o direito de participar de seu futuro, exercendo o direito de autodeterminação.
A situação jurídica dos índios no Brasil é de incapacidade para seus atos da vida civil, exigindo determinados requisitos expostos no Estatuto do Índio. Assim, a FUNAI, a despeito de sua contribuição na proteção de direitos indígenas, como os relativos às terras, pode vir a prejudicar também alguns desses direitos, impedindo, por exemplo, a autodeterminação.
Tornou-se bastante corriqueiro atender os interesses governamentais em detrimento dos índios. Nesse sentido, um outro método concretista da Constituição aberta, de Peter Haberle, ganha importância. A interpretação da Constituição, consoante Haberle, é um processo aberto, que permite, por sua vez, um debate à renovação. Finca-se, portanto, uma ideologia democrática. Um espaço aberto, que determina novas alternativas como alguns de seus valores constitucionais. Entretanto, seus pressupostos básicos não se encontram ainda no Brasil e em países em desenvolvimento, por depender da existência de uma base social firme, instituições fortes, sólido consenso democrático, etc.
Torna-se claro, então, que este é mais um desafio: a possibilidade dos índios no Brasil serem intérpretes da Constituição e titulares desses direitos.
Não se pode deixar de acentuar, contudo, que a Corte Interamericana de Direitos Humanos – CIDH, em decisões afins, como o caso Saramaka versus Suriname, condenou este por desrespeitar alguns direitos indígenas, inclusive os relativos às terras ao construir uma usina hidrelétrica.
A hermenêutica “tópico problemática” utilizada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos ressalta a necessidade de uma interpretação pautada no reconhecimento aos povos tradicionais, indígenas e tribais, da concepção socioambiental dos seus direitos, permeando a relação intrínseca existente entre o meio ambiente, os direitos sociais e a perspectiva do desenvolvimento sustentável. No caso “Saramaka”, a CIDH ressaltou a propriedade comunal, de natureza coletiva, a necessidade do reconhecimento da personalidade jurídica e também do direito à autodeterminação dos povos indígenas.
Diferentemente da concepção limitada dada pelo STF na Petição 3388, onde os povos indígenas teriam apenas o direito ao usufruto exclusivo das terras, de propriedade da União, a CIDH reconhece a propriedade comunal, com características próprias a cosmovisão e a interligação religiosa daqueles povos ao seu território.
A Corte vem superando a concepção individualista, herdada da filosofia Kantiana, direcionada pela perspectiva individual do imperativo categórico e da universalização das concepções individuais, para uma interpretação pautada na alteridade e no reconhecimento da perspectiva pluralista do direito e também dos seus titulares.
Portanto, mostra-se de suma importância a proteção internacional dos direitos humanos. Suas sentenças vêm conseguindo enfrentar as novas realidades por seus meios de interpretações, como, por exemplo, com a polissemia dos termos jurídicos, que são empregados com um alcance não muito presente ainda no direito interno. Os instrumentos também excluem quaisquer interpretações rígidas ou estáticas, mas se adequam com as condições de vida que lhes são necessárias. Além, é claro, da utilização de outros tratados nessas interpretações.
Ao final, os direitos socioambientais das populações tradicionais no Brasil, em especial os povos indígenas e tribais, sob o espectro da concepção de desenvolvimento sustentável no Sistema Interamericano de Direitos Humanos trazem uma perspectiva aberta de hermenêutica, onde os tratados internacionais em matéria de direitos humanos reconhecem a autodeterminação desses povos, respeitando-se a relação diferenciada existente com o meio ambiente, com a relação social e com a sua própria e característica concepção de desenvolvimento. Essa percepção passa pelo reconhecimento da propriedade comunal, pelo respeito à relação existente, de natureza muitas vezes religiosa, dos povos tradicionais com seu território. O confronto hermenêutico entre o posicionamento do direito interno e do STF demonstram uma clara diferença e necessidade de avanço em relação ao que já foi definido no Direito Internacional.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados vêm, de antemão, concretizar a necessidade de aplicação dos conceitos da Dogmática Hermenêutica à luz das decisões judiciais dos direitos indígenas e de suas comunidades no que diz respeito ao caso concreto em questão.
A utilização de critérios hermenêuticos voltados para a decisão do caso concreto, concernentes à disputa entre índios e produtores rurais acerca da posse de terra, constamos a colisão de princípios, que deixaram à margem os direitos indígenas.
Critérios como a precisão de significados e a interpretação dos dispositivos legais merecem destaque nesse sentido, pois foram instrumentos fundamentais para o desdobramento das decisões dos Ministros do Supremo Tribunal Federal. Mas, muito além de métodos e princípios, utilizou-se também da técnica legislativa, inovando novas prerrogativas aos índios através das dezenove condicionantes.
Dessa forma, essas contribuições não afloram ou corroboram somente à área da hermenêutica jurídica, mas se faz igualmente presente, de maneira relevante, na discussão no âmbito do direito constitucional de como viabilizar os direitos de minorias perante inúmeras polêmicas concebidas tanto no plano jurídico quanto na esfera fática. E, agora, quanto ao direito internacional, em busca de viabilizar esses tão sonhados direitos humanos, que ainda parecem estar silenciados na sociedade brasileira, onde não existe apenas uma identidade, mas multi-identidades.
Nesse ponto, retomo a clássica obra de Lewis Carrol, que, nas lições de Alice, assim como no Direito, encontra-se num quadro paradoxal: no que diz respeito aos direitos indígenas, nesse caso ainda estamos presos a uma lógica que não caminha sempre em direção a horizontes que procuram viabilizar essas propostas.
Ao fazer um paralelo com as dezenove condicionantes, na qual se vê a diminuição de alguns direitos, percebe-se também uma lógica capitalista muito presente ainda no alcance das terras, que conduz a um choque desse sistema produtivo e das identidades desses grupos. Assim, acentua-se, novamente, a importância de uma hermenêutica que atue também em prol dessas minorias, pois apesar dos grandes esforços e avanços constitucionais, o STF, em suas decisões, não representa sempre a afirmação desses direitos, colocando, inclusive, muitas vezes, em cheque as conquistas desse grupo.
Em suma, é imprescindível destacar a importância de novos debates que versam acerca do capitalismo e sua produtividade em face da identidade do índio e suas relações com a terra, pois esse grupo luta desde o período colonial, marcando na história do Brasil uma identidade nacional importante, que merece ser, indubitavelmente, respeitada. Torna-se claro que esse ainda é um grande desafio nas decisões judiciais.
REFERÊNCIAS
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NOTAS
1a7-Discentes do curso de Direito, alunos de Inciação Científica do Centro Universitário Newton Paiva.
8-Colaborador da pesquisa, Docente da Escola Superior Dom Helder Câmara.
9-Colaboradora da pesquisa, ex-docente do Centro Universitário Newton Paiva.
10-Colaboradora da pesquisa, docente do Centro Universitário Newton Paiva.
11-Coordenador da pesquisa, docente do Centro Universitário Newton Paiva.
12-Disponível no site http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6040.htm
13-Disponível no site (http://www.oas.org/pt/sobre/comissao_direitos_humanos.asp) e em PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional. Brasil, 10°ed. Saraiva, 2009. p.251
14-Disponível em (http://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/v.Estatuto.Corte.htm) e ibidem p.258.
15-Disponível em http://www.scielo.br/pdf/ln/n39/a07n39.pdf (artigo em PDF de Boaventura Sousa Santos -p.111 e 115)
16-Disponível em http://www.ces.uc.pt/misc/Do_pos-moderno_ao_pos-colonial.pdf (p.15)
17-Para o autor, o sul, ao contrário do norte ,seria a contra hegemonia nesse processo de globalização.
18-Disponível em site do STF, página 12, http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=612760
19-Disponível em: http://www.camara.gov.br/sileg/integras/207709.pdf (p.10)
20-Disponível no Julgamento do STF: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=612760
21-Disponível na Convenção 169 da OIT: http://www.oitbrasil.org.br/sites/default/files/topic/gender/pub/convencao%20169%20portugues_web_292.pdf
22-Disponível do site do STF, no caso da Raposa Serra do Sol. http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=612760