Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva

Carlos Magalhães1

 

RESUMO: O presente artigo apresenta uma avaliação crítica das teorias sociológicas do crime que levam em consideração a noção positivista de criminalidade. Pretende-se mostrar que as teorias positivistas que diferenciam os criminosos dos não criminosos e identificam essa diferença com a explicação da motivação individual para a prática do crime, cometem um erro que dificulta a compreensão do fenômeno. A sociologia positivista do crime falha por não reconhecer a reação social como o processo que define algumas condutas como criminosas.

PALAVRAS-CHAVE: Crime, criminalidade sociologia, desvio, reação social.

ABSTRACT: This article presents a critical assessment of sociological theories of crime that take into account the positivist notion of criminality. The aim is to point out that the positivist theories that differentiate criminals and non-criminals and identify this difference with the explanation of individual motivation for the criminal behavior, make a mistake that complicates the understanding of the phenomenon. The positivist sociology of crime faults for not recognizing the social reaction as the process that defines some conducts as criminal.

KEYWORDS: Crime, criminality, sociology, deviation, social reaction.

ÁREAS DE INTERESSE: Criminologia; Sociologia Jurídica, Teoria Social.

 

1 – INTRODUÇÃO

Os estudos discutidos a seguir partem da suposição de que criminosos são essencialmente diferentes de não criminosos e que é possível encontrar nessa diferença a explicação da motivação para a conduta desviante ou criminosa. Os conceitos de cultura, estrutura social, socialização, internalização e sua influência na conduta são usados, ainda que de maneiras diferentes, para alcançar o mesmo resultado. Isto é, as especificações de como se constituem as diferenças entre os indivíduos conformistas e não conformistas e as explicações de como essas diferenças dão origem ao comportamento desviante ou criminoso. Nesses estudos, é inevitável o raciocínio que considera a existência de uma ordem normativa abstrata (seja ela universal ou subdividida) que é internalizada pelos membros da sociedade via socialização. Quando a ordem normativa é entendida como universal, haveria uma socialização contraditória, provocada pela anomia, que provocaria a resposta desviante. Nos casos em que a ordem normativa é entendida como fragmentada, haveria uma socialização positiva para objetivos e práticas desviantes ou criminosas. De uma forma ou de outra, a conduta desviante ou criminosa observável empiricamente seria consequência da motivação constituída pela internalização diferenciada de normas e valores.

Não nos aprofundaremos no mérito dessa questão, ou seja, não discutiremos em detalhes a existência ou não dessas diferenças, bem como não discutiremos até que ponto seria importante para o entendimento da conduta desviante ou criminosa a identificação de diferenças entre membros conformistas e não conformistas da sociedade. No entanto, acreditamos que o entendimento sociológico da ação social é mais preciso quando se evita a utilização de variáveis de ordem psicológica ou biológica, o que é inevitável quando está presente a preocupação com a identificação da criminalidade ou da periculosidade.

2 – ESTRUTURA SOCIAL, CULTURA E CRIME 

Iniciaremos com Robert K. Merton (1958) que, em sua “abordagem sistemática das origens sociais e culturais do desvio e do crime”, tem como preocupação principal a descoberta de como algumas estruturas sociais exercem uma pressão específica sobre certos membros da sociedade motivando-os a se engajarem em comportamentos não conformistas. A ideia é a de que uma vez descobertos os grupos particulares que sofrem a mencionada pressão, seria possível esperar níveis altos de comportamento desviante entre seus integrantes.

De acordo com a teoria mertoniana, há um desequilíbrio em algumas sociedades, como a norte-americana, caracterizado pelo fato de que se coloca uma ênfase muito grande na necessidade de alcance de certas metas culturais relacionadas com o sucesso pessoal (representado pela aquisição de bens e prestígio) e pouca ênfase na exigência de que sejam utilizados os meios considerados normativamente corretos ou legais para se conquistar o sucesso. Esse desequilíbrio produziria anomia, ou seja, uma situação em que a realização dos objetivos se justificaria mesmo nos casos de utilização de meios inadequados. Aqueles indivíduos que internalizaram os objetivos culturais, mas que não têm acesso aos meios considerados legítimos de alcançá-los (e que não internalizaram os controles normativos relacionados ao uso dos meios), podem ser empurrados para o uso de meios ilegítimos, como a fraude e o crime. Pode-se dizer que a desorganização resultante da existência de metas culturais universalmente válidas (e universalmente internalizadas), da escassez dos meios considerados legítimos de realização das metas e da fraqueza ou ausência de controles normativos sobre a utilização dos meios, exerce sobre alguns indivíduos, principalmente membros das classes mais baixas, uma pressão que os leva ao desvio e ao crime. Quanto à pressão sobre os indivíduos, vale destacar que a sua fonte é estrutural, pois as alternativas de conduta se constituem no nível da estrutura social, são características da posição estrutural e não de indivíduos (STINCHCOMBE, 1986: p.308).

Richard Cloward e Lloyd Ohlin (1970) apresentam uma interessante crítica às proposições de Merton. Segundo esses autores, Merton considera que os meios legítimos são escassos, mas os ilegítimos estariam à disposição de qualquer um que por eles optasse. No entanto, Cloward e Ohlin consideram que os meios ilegítimos também são escassos. Estariam à disposição do indivíduo apenas em situações específicas. Para Cloward e Ohlin a disponibilidade relativa de meios ilegítimos afeta a escolha do desvio ou do crime como modo de vida. O tipo de comportamento adotado por um indivíduo depende de qual tipo de atividade é suportado pelo segmento da estrutura social ao qual pertence.

É essencial que o indivíduo que se interessa pelos meios ilegítimos tenha acesso a uma subcultura onde se realizem a socialização, o aprendizado e a aquisição de técnicas e valores necessários para o desempenho do papel desviante. Este aprendizado acontece a partir do momento em que os criminosos mais experientes se associam aos jovens candidatos à atividade criminosa. Em uma subcultura, teríamos um sistema de socialização dos futuros criminosos aliado a um ambiente que possibilitaria o exercício efetivo do papel.

A subcultura delinquente seria responsável também pela reformulação das metas e objetivos culturais aos quais os indivíduos estariam expostos. Em cada subcultura as metas teriam uma forma específica e se diferenciariam das metas próprias da cultura dominante. Não existiriam, como queria Merton, metas universalmente válidas para a sociedade de um modo geral. É possível dizer que a motivação para a delinquência e o crime é diferente de uma subcultura para outra, dependendo do conteúdo de cada uma delas.

É comum às duas abordagens, e é isto que nos interessa nesta análise, a ideia de que a conduta criminosa é motivada por fatores sociais independentes da vontade individual. O indivíduo torna-se propenso ao crime, de acordo com Merton, porque a contradição, provocada por sua posição na estrutura social, entre a internalização de metas culturais relacionadas ao sucesso pessoal e a ausência dos meios legítimos de alcançá-las o conduzem para a adaptação desviante. Segundo Cloward e Ohlin, é necessário acrescentar apenas que o indivíduo, além de não ter acesso aos meios legítimos, deve se encontrar em uma subcultura que possibilite o aprendizado necessário para o acesso aos meios ilegítimos, e que nessas subculturas os objetivos podem ser alterados.

Uma abordagem que, apesar de se diferenciar significativamente das anteriores, compartilha com elas alguns aspectos importantes, é a que Walter B. Miller (1970) faz da cultura de classe baixa (lower class culture). O autor seleciona um tipo específico de delinquência (atos de violação da lei cometidos na rua por adolescentes de classes baixas) para mostrar que a motivação desses atos encontra-se em uma tentativa apresentada pelos jovens de aderir a formas de comportamento e atingir padrões de valor que são definidos pela própria comunidade da qual fazem parte. No caso da delinquência de gangues, o sistema cultural que exerce maior influência na modelagem do comportamento dos atores é o da própria comunidade de “classe baixa”. Postula-se a existência de um sistema de elementos culturais tradicionais, até certo ponto autônomo, diferente do sistema cultural próprio das classes afluentes. É importante ressaltar que é diferente, mas não é antagônico no sentido de se dirigir contra os valores da classe afluente. Miller parte dessas premissas para empreender um estudo empírico do que chama de “preocupações focais da cultura de classe baixa”. Essas “preocupações focais” representariam um modo de vida, um conjunto de valores e de padrões de comportamento específicos e distintos do que se poderia chamar de uma cultura dominante própria das classes afluentes. O mais importante, na verdade, não é o fato de serem distintas. Outros grupos podem ter valores parecidos. O que define a cultura de classe baixa é o peso específico de cada elemento e a intensidade com que cada um é observado. É a hierarquia específica de importância que vai determinar um modo de vida particular.

A motivação para o comportamento desviante se desenvolve na medida em que o pertencimento ao grupo é alcançado através da demonstração de conhecimento e da disposição para acatar e internalizar os padrões e valores que são mantidos pela comunidade. Assim, um indivíduo conquista o pertencimento agindo em conformidade com as “preocupações focais” de sua subcultura. A partir do momento em que se conforma às exigências do seu grupo, valores de outros grupos podem ser agredidos. É importante ressaltar, em fidelidade à teoria, que o indivíduo está todo o tempo se conformando aos valores na forma como eles são definidos pela classe baixa. A violação de valores de outros grupos é um preço que se paga pela inclusão na comunidade. Os crimes cometidos pelas pessoas de classe baixa passam a ter, então, outra explicação. Deixam de ser o resultado de uma estratégia inovadora utilizada para conquistar bens que são valorizados pela cultura dominante. De fato, para Miller, a prática de crimes pelos membros da classe baixa é motivada pela tentativa de atingir fins, estados e condições que são valorizados – e evitar os que são desvalorizados – pelo meio cultural mais próximo e significativo. Em ambientes onde os valores mantidos pelas diferentes classes sociais são divergentes, a conformidade dos membros da classe baixa com seus próprios valores pode parecer uma afronta direta aos padrões de classe média. No entanto, segundo Miller, a violação de valores da classe média não é a motivação principal dos atos, é apenas um subproduto de ações primariamente voltadas para o sistema de “preocupações focais” da própria classe baixa. Não por acaso, a teorização desenvolvida por Miller é conhecida como perspectiva do desvio cultural, pois o seu objeto não é o desvio individual, mas o desvio de toda uma subcultura em relação à cultura dominante.

Embora significativamente influenciados por alguns aspectos da sociologia durkheimiana, os autores discutidos anteriormente não atentaram para as implicações resultantes da tese da normalidade do crime. Buscaram compreender a constituição da motivação para o comportamento criminoso relacionando-a causalmente com aspectos estruturais e/ou culturais da sociedade abrangente ou de grupos circunscritos. Tais características, que seriam internalizadas via socialização por alguns indivíduos, explicariam a propensão para o crime, a criminalidade ou periculosidade. Mantiveram-se, assim, presos ao fundamento da criminologia positivista lombrosiana que buscava explicar o crime por meio da explicação da criminalidade. A opção pelas teorias da criminalidade faz com que esses autores desenvolvam abordagens corretivas, como diria Matza. Os criminosos são vistos como pessoas diferentes dos não criminosos. Com esse ponto de partida, perde-se a possibilidade de uma compreensão mais profunda da experiência criminal, perde-se a oportunidade da apreciação, tal como sugerida por Matza. As implicações desta opção serão discutidas ao final deste artigo.

3 – AUTOCONTROLE 

Uma abordagem interessante do problema do crime é aquela proposta por Gottfredson e Hirschi (1990). Identifica-se claramente o problema representado pelo pressuposto positivista de que é necessário explicar a constituição da motivação criminal ou criminalidade. Mas, em vez de rejeitar a ideia, os autores preferem reformulá-la.

Para Gottfredson e Hirschi, de acordo com as premissas da Escola Clássica (representada, principalmente por J. Bentham e C. Beccaria), criminosos são pessoas que estão procurando intencionalmente alcançar seus objetivos sem fazer muitos esforços. Esse fato, por si mesmo, não os diferencia dos não criminosos. O problema se torna mais complexo na medida em que qualquer sociedade controla de alguma maneira o comportamento de seus membros de acordo com os interesses da coletividade. Alguns tipos de conduta, que podem ser muito racionais do ponto de vista de um indivíduo, são prejudiciais para a sociedade. O uso da força e da fraude, além dos prejuízos óbvios para as vítimas individuais, compromete de várias maneiras a vida coletiva. Assim, algumas condutas tornam-se alvos de sanções aplicadas pela sociedade e pelo Estado.

Quando é aplicada a um comportamento que é racional do ponto de vista de um indivíduo, mas irracional do ponto de vista da coletividade, a sanção tem a finalidade de alterar o equilíbrio dos custos e benefícios de uma dada alternativa de ação, com o objetivo de desestimulá-la ou incentivá-la. Segundo Gottfredson e Hirschi (1990), autores ligados à Escola Clássica passam desse ponto para o estudo de políticas de controle do crime através da análise da manipulação dos custos e benefícios das alternativas de ação. Entretanto, para a sociologia, haveria um problema anterior, que deveria ser compreendido: por que indivíduos diferentes reagem de maneiras diferentes às sanções aplicadas a um comportamento? Neste ponto os autores lançam mão de uma suposição elementar da escola positivista: criminosos são, de alguma maneira, diferentes de não criminosos. No entanto, rejeitam a concepção convencional dos positivistas.

Antes, porém, de propor uma nova explicação para essa diferença, os autores perguntam quais as propriedades formais dos crimes, quais são as condições necessárias para sua ocorrência, o que acontece quando as pessoas tentam perseguir seu interesse através da força e da fraude, quais prazeres e gratificações são alcançados por meio dos crimes, qual é a conceituação apropriada do crime e, por fim, o que o crime nos diz sobre o criminoso. Estas perguntas seriam necessárias porque a descrição do que diferencia o criminoso só pode ser obtida, de acordo com Gottfredson e Hirschi (1990: p. 115), a partir da análise dos padrões recorrentes presentes nos crimes realmente acontecidos. Só assim seria possível construir uma teoria coerente com os dados empíricos conhecidos. Dados que desafiariam a imagem do criminoso construída a partir das teorias socioculturais da sociologia do crime positivista, isto é, um ser socialmente constituído que teria aprendido técnicas e habilidades e sido exposto, através da socialização, a valores e normas desviantes.

Segundo Gottfredson e Hirschi (1990), crimes são acontecimentos corriqueiros, mundanos, que envolvem pequena perda para a vítima e menor ganho para o agente. Esses eventos têm uma distribuição espacial e temporal bastante previsível, não exigem preparação especial, não deixam muitas consequências, e frequentemente não produzem os resultados pretendidos pelos autores. Através de dados oficiais e surveys de vitimização, os autores concluem que o crime mostra um padrão mais consistente com as atividades recreacionais dos jovens do que com as atividades vocacionais dos adultos. Mostram que não há inclinação para o dispêndio de esforço em relação à atividade criminosa, que vítimas são pessoas em situação vulnerável e que evitar a detenção faz parte do cálculo do agente.

Os autores procuram mostrar que habilidades especiais não são exigidas para a prática de um crime. Crimes como roubo, estupro e homicídio exigiriam apenas a aparência de força física superior ou a posse de algum instrumento de força (armas). Crimes contra propriedade podem exigir força física e destreza, mas, na maioria dos casos, nada mais que o que se exige para as atividades rotineiras da vida. A maioria dos crimes aconteceria em locais próximos à residência do agente – o arrombador geralmente anda pela cena do crime e percebe a oportunidade –, além disso, procura casas que estejam abertas e se concentra em bens portáteis independentemente do valor que tenham no mercado.

Finalmente, os autores analisam as condições necessárias para a ocorrência de um crime. Neste ponto pretendem fazer a articulação entre a definição de crime que buscam nos clássicos, os padrões empíricos da atividade criminosa e a noção de criminalidade, ou de propensão individual para a prática de crimes. De uma definição de crime, que foi esboçada acima, deduzem um perfil do criminoso. Para fazer a articulação, trabalham com a “abordagem das atividades rotineiras” (routine activity approach) de Cohen e Felson (1979). Nesta perspectiva, crimes requerem um ofensor motivado, ausência de vigilância eficiente e alvos disponíveis2. Gottfredson e Hirschi afirmam que tentar entender a motivação dos autores de crimes, antes de compreender os outros dois requisitos, é um dos grandes equívocos da criminologia moderna. A partir dos padrões que são identificados em relação a crimes concretos, deduzem uma imagem do tipo de motivação necessária.

Em vez de usar as explicações tradicionais apresentadas pelos autores positivistas, que criariam um criminoso fictício, um indivíduo completamente socializado no sentido de valores e normas desviantes, Gottfredson e Hirschi utilizam, como foi dito, a noção de autocontrole (self-control). Pessoas diferem quanto ao grau de autocontrole que apresentam. Essa diferença teria fundamentos sociais (tipo de educação recebido, por exemplo) e seria um fator interno. Enquanto as sanções exercem um controle externo. A diferença é que os positivistas acreditam que o crime é um comportamento causado por forças externas (biológicas ou sociais) responsáveis pelas diferenças entre criminosos e não criminosos. Para Gottfredson e Hirschi, no entanto, de acordo com a influência da Escola Clássica, o crime é um tipo de comportamento que surge naturalmente se não for adequadamente desestimulado. O autocontrole é algo que deve ser inculcado através da educação e do treinamento. É tarefa da sociedade, por meio da socialização, fazer com que os indivíduos se comportem de acordo com os interesses da coletividade.

Para os autores, o crime não pode surgir a partir de processos de socialização simplesmente porque criminosos são indivíduos antissociais desde a infância. Por esse motivo, não se submetem facilmente ao controle social, têm pouca disposição para o comportamento em grupo, são egoístas. Não se ligam fortemente a outras pessoas ou a projetos coletivos. O crime é, portanto, resultado de uma socialização imperfeita, que foi incapaz de incutir o autocontrole. Todo o comportamento futuro do indivíduo é influenciado por essa falha inicial. A explicação subcultural, ao desprezar os dados empíricos, tende a construir um criminoso especializado. A possibilidade do crime é dada pelo contexto específico da subcultura que permite o aprendizado de técnicas e habilidades específicas. Para Gottfredson e Hirschi, criminosos são versáteis e não se especializam porque são pessoas orientadas para o presente. Sempre procuram a opção mais fácil e imediatamente disponível. Não têm qualquer compromisso com cursos pré-definidos de ação. A especialização não acontece e nem é necessária porque o crime é um comportamento que não exige habilidades especiais. Não há necessidade de uma socialização para o crime, como indicariam os padrões recorrentes encontrados.

O fato é que a maioria das variáveis consideradas como causadoras de crimes pelas teorias positivistas passam a ser vistas como efeito de uma mesma causa: o baixo autocontrole. O desemprego, para Gottfredson e Hirschi, não se relaciona causalmente com o crime. Na verdade, criminosos têm dificuldade de conseguir empregos por causa do baixo autocontrole, não se interessam por atividades disciplinadas que exigem adiamento de satisfações. O mesmo é verdade para o papel do casamento, do namoro, ou da escola. A ausência de laços sociais não é responsável pelo crime. É o criminoso que tem dificuldade de manter esses laços. Da mesma forma, o fraco desempenho escolar não leva à opção pelos meios ilegítimos. É o criminoso que não se adapta à disciplina imposta pela escola. Criminosos têm dificuldades de manter laços estáveis com pessoas ou instituições. O baixo autocontrole aparece cedo, na infância, e a partir daí determina o sentido das ações individuais, é a variável causal que está por trás de uma variedade de comportamentos. Crime, delinquência, desvio, pecado, acidentes de trânsito, divórcio, instabilidade no emprego, tudo isso, seria resultado da ausência de autocontrole.

É inegável que as críticas apresentadas por Gottfredson e Hirschi são importantes e apontam para problemas reais da teoria positivista do crime. Essas teorias colocariam uma ênfase excessiva em categorias macrossociológicas e desprezariam a escolha individual como fator que pode levar ao crime. As críticas à socialização, entendida como um processo completo e sempre bem sucedido, a recolocação do problema da carreira criminosa e da especialização, a desmistificação do papel dos grupos, são pontos que merecem atenção. Por outro lado, é preciso notar a tendência que está presente no trabalho de Gottfredson e Hirschi de substituir todas as variáveis da criminologia positivista pela noção de autocontrole.

O criminoso seria um indivíduo mal socializado, que não internalizou, por meio da educação, elementos que proporcionariam o autocontrole. O crime não é produzido socialmente, como nas teorias sociológicas positivistas. O crime é um comportamento natural que deve ser evitado pela coletividade. Quando os meios de se evitar o crime não são adequadamente usados, há uma boa probabilidade de ocorrência do comportamento criminoso. A existência de valores, de normas próprias de grupos marginais, de processos positivos de aprendizado de habilidades necessárias para o crime é negada. Na verdade, o criminoso é um ser socialmente imperfeito. Não é capaz de processar todas as informações presentes no ambiente onde age. Não lida de maneira adequada com a existência de sanções referentes ao comportamento criminoso e, principalmente, com o fato de que todos os prêmios para comportamento conformista e disciplinado se encontram no futuro.

Um dos aspectos que podemos questionar em relação à abordagem de Gottfredson e Hirschi é a intenção de se construir um conceito de sociedade em que os padrões de comportamento não são diferentes de um grupo social para outro. É válido perguntar se o autocontrole é a mesma coisa para os diferentes estratos sociais. Se essa categoria realmente invalida a noção de grupos subculturais. Acreditamos que é mais apropriado um conceito de sociedade em que padrões de comportamento próprios de grupos dominantes são usados para descrever o comportamento dos grupos inferiores. É evidente a presença de uma distorção causada pela perspectiva corretiva, que no caso dos autores analisados é buscada conscientemente. O baixo autocontrole é entendido como um problema que deve ser eliminado. Partindo de uma definição antecipada sobre quem seriam os criminosos (pessoas dotadas de baixo autocontrole), os autores não conseguem fazer uma apreciação mais aprofundada das nuances da experiência criminal (Cf. MATZA, 1969).

O fato é que o autocontrole para um jovem que tem amplas oportunidades legítimas à sua disposição pode ser uma opção racional. Mas pode não ser racional para aquele jovem que não tem acesso às instituições próprias da classe média. Neste caso, uma perspectiva orientada para o presente pode ser mais viável, a concentração no curto prazo pode ser mais produtiva. O conflito com os padrões de classe média pode ser um subproduto de atividades que fazem sentido, que têm a sua razão, no contexto de ação no qual se inserem os membros das classes baixas.

Conforme discutimos em outro trabalho (MAGALHÃES, 2004), a objeção que se impõe é que, dentro de determinados contextos sociais específicos, a apresentação de um comportamento controlado (relativo à conformidade em relação às leis, por exemplo) pode ser estigmatizada ou, o que é mais importante, contraproducente. Aqui temos um problema empírico. Soluções teóricas são insuficientes. Gottfredson e Hirschi, a partir da concepção clássica sobre as motivações da ação e de dados referentes aos padrões recorrentes que se encontram nos crimes praticados, constroem uma caricatura do criminoso como se este fosse um indivíduo mal socializado, que não dispõe de autocontrole. Porém, ao rejeitarem o argumento subcultural, o fazem de forma meramente teórica, na medida em que procuram interpretar todos os dados sobre crimes a partir da definição que construíram. Assim, se o criminoso não apresenta autocontrole não pode ter sido socializado para o crime e nem para outro fim qualquer. A disposição para o comportamento criminoso não pode resultar de aprendizado social, de socialização ou valores do grupo porque o criminoso é, por definição, avesso a esses processos.

No entanto, a teoria do autocontrole não se firma como uma explicação alternativa consistente. O fato de que criminosos são em geral mal sucedidos, que os ganhos pecuniários são restritos e que o crime é na maioria das vezes uma resposta à oportunidade não necessariamente indica que o criminoso não dispõe de autocontrole. Pode significar, por exemplo, que está “making the best of a bad job” , como dizem Cohen e Machalek (1988, p.495). O fracasso e a precariedade das estratégias resultam da situação desfavorável na qual essas pessoas estariam enquadradas. Seria um resultado da carência generalizada de recursos.

Gottfredson e Hirschi se equivocam quando tentam reformular a noção positivista de criminalidade. Ao mesmo tempo em que recorrem aos clássicos, buscando uma definição geral da ação (racional) e, por consequência, da ação criminosa, os autores criam, através da noção de criminalidade (relacionada agora ao baixo autocontrole e, não mais, à influência positiva de forças sociais), um criminoso típico ao qual é negada de antemão a possibilidade de uma ação racional. De fato, o criminoso de Gottfredson e Hirschi é um indivíduo que, por ter sido mal socializado, é incapaz de avaliar todas as dimensões da sua ação em um ambiente. Sua orientação para o presente e sua incapacidade de adiar um ganho imediato em troca de outro futuro impede uma ação planejada ou coerente ao longo do tempo. Os positivistas podem ser criticados por concentrarem a sua análise em variáveis macrossociais em detrimento da dimensão individual. Gottfredson e Hirschi podem ser criticados pelo peso excessivo dado à noção de autocontrole. Mesmo considerando como válidas as críticas aos argumentos subculturais, ou seja, que o criminoso é alguém socializado positivamente para o crime, perde-se a possibilidade de uma análise neutra da ação desse criminoso, que em alguns contextos poderia até ser racional. Mesmo quando, em situações específicas, possa agir orientado para o presente e sem nenhuma perspectiva de futuro. Na verdade, não é adequado estabelecer a priori um critério de racionalidade, para posteriormente aplicá-lo à análise de condutas criminosas. A racionalidade se encontra no contexto da ação e não na definição do analista (cf. GARFINKEL, 1967).

4 – CORREÇÃO E APRECIAÇÃO

David Matza (1969: p. 17) abordou o problema que chamou de perspectiva corretiva. De acordo com o autor, quando o fenômeno do desvio (e do crime por extensão) é estudado a partir da perspectiva corretiva a possibilidade de deixá-lo escapar – reduzindo-o a algo que ele não é, retirando dele os seus detalhes e singularidades – é maior. A preocupação com as causas e com a etiologia do fenômeno, que faz parte da atitude corretiva, faz com que a atenção se desvie do fenômeno em si mesmo e se fixe no objetivo de eliminá-lo. Perdem-se assim os detalhes do objeto que se pretende estudar. Tudo o que é único, toda a diversidade do mundo real, deve ser afastada para que se possam estabelecer as devidas relações de causa e efeito entre variáveis homogêneas e reduzidas a aspectos supostamente essenciais.

Outra consequência importante, de acordo com Matza, relacionada à opção pela perspectiva corretiva, é a incapacidade demonstrada por alguns estudiosos de separar os padrões convencionais de moralidade da descrição real do fenômeno. O fenômeno é visto de fora e é descrito como algo moralmente reprovável ou inconveniente, que precisa ser eliminado. Questões importantes e complexas, como os motivos e significados que orientam a conduta desviante, são abordadas de uma forma superficial que se volta não para as possibilidades de descrição e compreensão aprofundada da conduta, mas para as possibilidades de predição, controle e eliminação. Os desviantes são vistos do ponto de vista dos membros da sociedade que não querem a continuação daquele tipo de comportamento. O aspecto moral da perspectiva corretiva pode atingir até mesmo os estudos que não têm como objetivo imediato a orientação de políticas públicas de controle do problema social representado pelo desvio e pelo crime.

A perspectiva corretiva se opõe ao que Matza chama de apreciação. A apreciação requer que o pesquisador se aproxime do fenômeno e procure compreendê-lo em seus detalhes e complexidades. De fato, os seres humanos participam de atividades significativas. Eles criam ativamente sua própria realidade e a do mundo ao redor. Os homens naturalmente3 transcendem a dimensão existencial em que concepções como causa, força e reatividade são facilmente aplicáveis. Conceber os seres humanos como objetos, aplicar métodos de investigação que desconsideram a dimensão significativa do comportamento seria equivocado. Os seres humanos têm de ser vistos como sujeitos, pois só assim será possível realizar uma descrição acurada da sua realidade empírica natural.

No caso da sociologia do crime, a perspectiva corretiva e a abordagem do fenômeno como problema social, explícita ou implicitamente adotada, pode, em alguns casos, provocar e agravar aquilo que os etnometodólogos chamam de confusão entre tópico e recurso.

A questão é complexa e envolve até mesmo a discussão sobre qual seria a realidade empírica disponível ao estudo sociológico. Simplificando, o fato é que a sociologia convencional, segundo a crítica etnometodológica, se contenta, em alguns casos, em usar os esquemas interpretativos leigos (ou de senso comum) em sua análise do mundo social. Dessa forma, aquilo que seria um tópico de estudo – os etnométodos usados pelos membros da sociedade para construir e compreender a realidade – é tomado como recurso analítico.

De fato, é possível notar que, com o passar do tempo, as concepções leigas e científicas relativas ao comportamento desviante e criminoso foram se influenciando mutuamente de modo que se faz necessária uma análise que verifique a “história social” de diferentes pressupostos e ideias presentes no estoque de teorias e explicações disponível na atualidade.

5 – O PROBLEMA DAS TEORIAS DA CRIMINALIDADE

A característica comum entre as teorias analisadas (sociocultural e autocontrole), que, acreditamos, representa uma séria dificuldade para o estudo do crime, é a concepção de que é preciso primeiro entender como se constitui a motivação do indivíduo para a prática dessa conduta – a criminalidade – para só então entender porque o crime acontece. Nas teorias socioculturais, a motivação pode se constituir por causa da pressão que a sociedade exerce sobre o indivíduo para que ele mantenha um padrão de consumo elevado sem que lhe seja dado o acesso aos meios legítimos necessários. Ou, também, porque o indivíduo inserido em uma subcultura aprende e internaliza valores e habilidades relacionados ao desvio, à delinquência e ao crime. Nas teorias do autocontrole, a motivação se dá quando o indivíduo, desamparado pelo baixo autocontrole, reconhece uma situação em que praticar o crime representa maiores ganhos e menores custos em comparação com a opção pelo não crime.

Acreditamos que, em ambos os casos, se seguirmos a trilha da tentativa de compreensão da constituição da motivação individual ou criminalidade, estaremos envolvidos em uma discussão infinitamente complexa sobre as inúmeras nuances que pode ter essa questão. Um ponto a ser questionado tem a ver com possibilidade de se afirmar que a existência de certa “motivação” conduziria sempre, e da mesma forma, a um comportamento correspondente ou se, por outro lado, poderiam ser identificadas linhas de conduta não especialmente motivadas. O baixo autocontrole, por exemplo, não pode ser apropriadamente entendido como uma espécie de “status principal” ou característica de personalidade (Cf. BECKER, 1977) que subordina todos os demais. O fato de que alguém tenha baixo autocontrole em relação a alguma situação não significa, necessariamente, que tenha baixo autocontrole em relação a todas as situações possíveis. Quem fuma, bebe e dirige em alta velocidade não é, necessariamente e por extensão, praticante de roubos. A compreensão superficial da realidade das atividades criminosas resulta da ausência da apreciação (Cf. MATZA, 1969).

A preocupação com a identificação do que diferencia os criminosos dos não criminosos, conduz ao que Misse (1999) aponta como sendo o grande problema da criminologia positivista. Para o autor, o grande problema dessa vertente “foi o de ter considerado a transgressão como atributo do indivíduo transgressor e não como um atributo acusatorial sobre um curso de ação que é socialmente considerado como problemático ou indesejável, e para o qual pode ou não haver demanda de incriminação”. De acordo com Misse, “ao desviar do curso de ação para o transgressor o núcleo da unidade de análise, a criminologia reproduz o processo social da sujeição criminal, que deveria ser o seu objeto” (1999: p. 64).

Uma experiência social ou uma trajetória de vida qualquer, na medida em que é tratada como uma transgressão de alguma norma, terá sido alvo de uma acusação social. Quando essa acusação é respaldada pela lei penal pode então ser “criminada”. Para que a “criminação” resulte em uma “incriminação” jurídica é preciso que se dê início a um processo oficial de incriminação. Considerando que o objeto do processo não é apenas a transgressão à lei, mas o próprio indivíduo transgressor, dá-se a “sujeição criminal”, ou seja, a “construção social do agente de práticas criminais como uma ‘sujeito criminoso’” (MISSE, 1999, 67). O que torna a noção de sujeição criminal mais importante e elucidativa é o fato de que ela pode ser – e na maioria das vezes é – ampliada “como uma potencialidade de todos os indivíduos que possuam atributos próximos ou afins ao tipo social acusado” (idem, 65).

Quando a criminologia positivista toma o crime tal como é definido legalmente e passa, então, a investigar as diferenças entre os que praticam e os que não praticam crimes, incorre em um sério equívoco. O fato é que o roubo, por exemplo, não é um ato dotado de um significado intrínseco. É, na verdade, uma definição legal que pode ser aplicada a uma experiência social ou a uma conduta que será equiparada à definição legal estabelecida. Mesmo quando o próprio agente vê a sua conduta como roubo ou como um “157” (artigo do código penal correspondente) isto acontece não porque este seja o significado intrínseco da conduta, mas porque o agente já se identificou com a tipificação legal recorrentemente aplicada. Quando a sociologia procura identificar as motivações que levam alguém à prática do roubo – ou seja, as causas do roubo –, o que acontece é uma equiparação ilegítima de uma ação social com uma definição legal abstrata que traz em si um conteúdo normativo específico. Assim, a sociologia positivista, ao procurar identificar as motivações que fazem com que alguém se torne criminoso, ou quais são as causas do crime, entende a sujeição criminal como se fosse um atributo inerente ao sujeito incriminado. Aquilo que é, na verdade, o resultado de um processo que começa com a acusação social e termina com a incriminação que incide sobre o sujeito, e que deveria ser objeto de estudo da sociologia, aparece como um ponto de partida não problematizado.

Curiosamente o primeiro a se aproximar da compreensão do problema foi Emile Durkheim (1990). Ao rejeitar a abordagem queteletiana do problema do crime – que seria mais demográfica do que sociológica – Durkheim estabelece as bases para um entendimento profundamente sociológico da questão (Cf. MAGALHÃES, 2004). Não há nenhum ato que seja intrinsecamente criminoso. O que faz de qualquer ato um crime é o modo como a sociedade (ou um de seus segmentos) o define. Embora não tenha levado às últimas consequências a sua intuição, efeito talvez de uma concepção holística da realidade social, podemos dizer que Durkheim é o precursor de todas as vertentes que se interessam pelo estudo da reação social ao crime e ao desvio.

6 – CONCLUSÃO

A compreensão das características individuais que fazem com que alguém pratique o crime ou o desvio deixa de ser o objetivo mais importante. A ênfase analítica se volta para a compreensão do processo social que resulta na definição de uma conduta como criminosa ou desviante. Durkheim não aceita de forma irrefletida a definição legal do que é ou não um crime. Ao contrário, transforma a definição legal em um problema sociológico a ser investigado. Esta seria a maior contribuição deixada pela controvérsia em torno do tema da normalidade do crime.

É característica comum a todas as teorias analisadas neste artigo o fato de que, independente da abordagem específica adotada, nenhuma delas alcança uma aproximação real e verossímil do objeto em questão, ou seja, dos indivíduos que se envolvem com atividades que podem ser alvo da acusação criminal. Por mais que as teorias da criminalidade tratem das motivações que os indivíduos teriam para a conduta acusável (advindas de fatores socioculturais ou baixo autocontrole), não conseguem abandonar a perspectiva teórica que, por mais complexa que seja, pouco diz sobre a realidade empírica experimentada pelos agentes. Como mostra Matza (1969), a perspectiva correcional impede a apreciação do objeto estudado. Em vez de considerar os seres humanos como participantes ativos de ações significativas, essas abordagens os reduzem à sua possível criminalidade e, com isso, perdem a oportunidade de ultrapassar uma abordagem que, por mais que faça sentido teoricamente, não apreende de forma adequada as diversidades e peculiaridades do mundo empírico em que as condutas de fato ocorrem. Quando se reduz uma pessoa a uma única variável (a criminalidade) dentro de um modelo teórico, não há como compreender a sua conduta de forma que não seja esquemática.

7 – REFERÊNCIAS

BECKER, H. S. Uma teoria da ação coletiva. Rio de Janeiro: Zahar, 1977.

CLARKE, R. V. “Situational crime prevention”. In: Tonry, M. & Farrington, D. P. Building a safer society. Chicago, University of Chicago Press, 1995.

CLARKE, R. V e FELSON, M. “Introduction: criminology, routine activity, and rational choice”. In: Clarke, R. V e Felson, M. Routine activity, and rational choice. New Brunswick: Transaction, 2004.

CLOWARD, R. e OHLIN, L. “Differencial opportunity structure”. In: Wolfgang, M. e Ferracuti, F. (orgs) The sociology of crime and delinquency. New York, John Wiley Sons, inc., 1970. (300-18)

COHEN, L. E. e FELSON, M. “Social Change and Crime Rate Trends: A Routine Activity approach”. In: American Sociological Review, vol. 44, 1979. (588-608)

COHEN, L. E. e MACHALEK, R. (1988) “A general theory of expropriative crime: an evolutionary ecological approach”. In: American Journal of Sociology, vol. 94, No 3. (465-501)

DURKHEIM, E. As regras do método sociológico. São Paulo, Cia Ed. Nacional, 1990.

GARFINKEL, Harold. Studies in Ethnomethodology. Englewood Cliffs: Prentice Hall, 1967.

GOTTFREDSON, M. R. e HIRSCHI, T. A general theory of crime. Stanford: Stanford University Press, 1990.

HIRSCHI, T. 2ª ed. Causes of delinquency. New Brunswick, London: Transaction Publishers, 2002.

MAGALHÃES, C. Crime, sociologia e políticas públicas. Belo Horizonte: Newton Paiva, 2004.

MATZA, D. Becoming a deviant. Englewood Cliffs: Prentice-Hall, 1969.

MERTON, R. K. “Social structure and anomie”. In: Merton, R. K. Social theory and social structure. Glencoe: Free Press, 1958.

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MISSE, M. Malandros, marginais e vagabundos. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro: IUPERJ, 1999.

STINCHCOMBE, A. “Merton’s theory of social structure”. In: Stratification and organization. Cambrige, Cambrige University Press, 1986.

NOTAS DE FIM

1   Professor do Centro Universitário Newton. Doutor em Sociologia pelo IFCS/UFRJ.

2   Considerando que Gottfredson e Hirschi (1990) relacionam a “abordagem das atividades rotineiras” ao conceito de autocontrole, é importante destacar que para Cohen e Felson (1979), Felson (1994) e Clarke (1995) – autores que criaram e desenvolveram a vertente citada – o baixo autocontrole não é uma causa suficiente da conduta criminosa. Na verdade, a teoria das oportunidades e a perspectiva da prevenção situacional do crime – que deram seqüência à “abordagem das atividades rotineiras” – condizem mais com a “teoria do controle social” originalmente formulada por Hirschi (2002) – a primeira edição é de 1969. É curiosa a situação de um pesquisador que, ao apresentar, em épocas diferentes, duas teorias distintas, se vê diante da avaliação de que a primeira é melhor do que a segunda. Tanto é assim, que Hirschi (2002) procurou justificar a divergência entre as teorias do social control e do self-control no prefácio à reedição de Causes of Delinquency. A rejeição da noção de que a internalização psicológica de normas é responsável pelo comportamento e a tese de alternativa que as normas influenciam o comportamento na medida em que são compartilhadas por um grupo de indivíduos, gerando, assim, expectativas de comportamento recíprocas, tal como é apresentada em Causes of Delinquency , é muito mais interessante do que a teoria do autocontrole. Nesta última é possível identificar a retomada de uma concepção de socialização e internalização já consistentemente criticada pela literatura sociológica. Partindo da idéia de que as expectativas recíprocas (não necessariamente internalizadas) orientam a conduta, Hirschi (2002) afirma que, mais apropriado do que perguntar por que certos indivíduos praticam crimes, é perguntar por que muitos não praticam. Aqueles que não praticam crimes estariam atados a uma rede de expectativas recíprocas que os impede de agir contrariamente a certos princípios morais. Aqueles que vivem em um contexto social normativamente desorganizado ou ambíguo podem perder o sentido de compartilhamento de normas e, assim, tornarem-se vulneráveis à opção pelo crime.

3   A noção de naturalismo, da forma como Matza a concebe, diz respeito a um compromisso com a descrição acurada da natureza empírica inerente aos fenômenos em estudo. No caso dos estudos sobre a realidade humana, a adoção da perspectiva naturalista conduz a uma atitude que encara os seres humanos como produtores dos significados relativos às atividades das quais participam. Dessa forma, os seres humanos devem ser compreendidos como sujeitos capazes de definir ou reconhecer o sentido das ações e interações de que fazem parte e não como objetos cujo comportamento é determinado por forças externas.