Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva

 Guttenberg Quinoca da Silva[1]

 

RESUMO: Os avanços tecnológicos transformaram a sociedade, especialmente, no âmbito empresarial. Dessa forma, o presente estudo tem como objetivo verificar se o empregador, com base em seu poder diretivo, pode monitorar o correio eletrônico de seu empregado. 

 

PALAVRAS-CHAVE: Correio eletrônico; e-mail; fiscalização; poder de direção; direito a intimidade. 

 

Área de Interesse: Direito Empresarial e Direito do Trabalho. 

 

1 INTRODUÇÃO

O mundo em que vivemos está em constante transformação, sobretudo, em razão dos avanços tecnológicos na área da informática. Tais avanços facilitaram a vida do homem em suas relações sociais, comerciais e, especialmente, profissionais.

Acompanhando essa mudança de paradigma, as empresas têm buscado cada vez mais profissionais amplamente qualificados, com formação específica e alto grau de conhecimento. Aliado a isso, tornou-se necessária a introdução de instrumentos que possibilitassem a otimização do trabalho no âmbito empresarial, principalmente em relação aos meios de comunicação.

Nesse aspecto, o correio eletrônico (e-mail) é um dos meios de comunicação mais utilizados nas empresas, em razão de sua objetividade, haja vista que as mensagens podem ser enviadas para qualquer parte do mundo de maneira instantânea, facilitando o contato com clientes, fornecedores e com os demais funcionários.

Todavia, por diversas razões, a ciência jurídica não consegue acompanhar adequadamente a evolução social e, em relação às novas tecnologias não é diferente, já que diversas situações oriundas da área tecnológica carecem de regulamentação, como é o caso do monitoramento do correio eletrônico pelo empregador.

Assim, embora as novas tecnologias tenham melhorado o desempenho empresarial, também facilitaram a invasão de privacidade, na medida em que as empresas tendem a fiscalizar o uso do correio eletrônico de seus empregados e muitas vezes incorrem em excesso, o que torna necessária a intervenção jurídica para inibi-los.

Em razão disso, a discussão adiante tem por objeto verificar a possibilidade de o empregador, fundado no seu poder diretivo, monitorar o correio eletrônico de seus empregados. 

 

2 DIREITOS FUNDAMENTAIS

2.1 Conceituação

Os direitos fundamentais passaram por um grande processo de transformação, o que é denominado pela doutrina de gerações de direitos. Com isso, justificou-se a criação dos direitos fundamentais com a finalidade de limitar o poder estatal, já que o Estado também deve se submeter ao direito positivado e respeitar um núcleo fundamental de direitos conferidos a pessoa humana.

Não há consenso doutrinário no que diz respeito à definição dos direitos fundamentais, pois, de fato, não se trata de tarefa simples. No entanto, entende-se que os direitos fundamentais constituem o núcleo básico de direitos reconhecidos pelo ordenamento jurídico a todo cidadão. 

Para Uadi Lammêgos Bulos (2010, p. 512), os direitos fundamentais correspondem: 

[…] ao conjunto de normas, princípios, prerrogativas, deveres e institutos inerentes a soberania popular, que garantem a convivência pacífica, digna, livre e igualitária, independentemente de credo, raça, origem, cor, condição econômica ou status social. 

Não obstante as diversas orientações a respeito do assunto, todos os direitos fundamentais são legitimados pelo princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil, nos termos do artigo 1º, III da Constituição Federal de 1988.

Em razão disso, a pessoa não pode ser instrumentalizada e utilizada como meio, mas deve ser tratada como um fim em si mesma, pois segundo José Joaquim Gomes Canotilho “o Estado existe para o homem e não o homem para o Estado” (2009, p. 387-388, apud HAINZENREDER JUNIOR, 2009, p. 13).

Assim, a dignidade da pessoa humana deve informar a criação, a interpretação e a aplicação de toda ordem jurídica, situando o homem no centro da sociedade e não fora dela.

Na seara trabalhista não é diferente, tendo em vista que o “intérprete deve direcionar seu pensamento de forma a garantir o máximo de dignidade, valorização do trabalhador e sua proteção” (BARBOSA JUNIOR, p. 30), de modo que o núcleo de direitos assegurados pelo ordenamento jurídico seja efetivamente concretizado.

Portanto, atualmente, tem-se o objetivo de conferir máxima efetividade às normas constitucionais, especialmente àquelas relacionadas com os direitos fundamentais, de modo que na existência de um conflito, o intérprete e aplicador do direito atuem positivamente, de acordo com as peculiaridades do caso concreto, com a finalidade de concretizar os direitos fundamentais. 

 

2.2 Eficácia horizontal  

Dentro da perspectiva clássica dos direitos fundamentais, estes representavam verdadeiros limites a atuação do Poder Público nas relações privadas, o que é denominado pela doutrina de eficácia vertical dos direitos fundamentais. 

No entanto, criou-se a necessidade de tutelar as relações travadas entre os particulares sob a perspectiva dos direitos fundamentais, pois “não seria crível imaginar que, nas relações privadas, as partes possam atentar contra os direitos fundamentais” (ROSENVALD, 2012, p. 73).

Essa mudança de paradigma também se deve ao fato da constitucionalização do Direito Civil, no qual institutos, antes considerados estritamente privados, foram alçados a condição de normas constitucionais, a exemplo da família, conforme dispõe o artigo 226 da Constituição da República. Além disso, os institutos e normas privadas presentes em todo ordenamento devem ser analisadas sob a ótica do texto constitucional. 

O Supremo Tribunal Federal já se posicionou sobre o tema: 

As violações a direitos fundamentais não ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão e o Estado, mas igualmente nas relações travadas entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado. Assim, os direitos fundamentais assegurados pela Constituição vinculam diretamente não apenas os poderes públicos, estando direcionados também à proteção dos particulares em face dos poderes privados (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº. 201.819-RJ. Recorrente: União Brasileira de Compositores – UBC. Recorrido: Arthur Rodrigues Villarinho. Relatora Ministra Ellen Gracie. Brasília, 10 de outubro de 2005. Disponível em:<http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?id=388784.Acesso em 10 de abril de 2013). 

Dessa maneira, considerando que o Direito do Trabalho tutela essencialmente uma relação composta por particulares, revela-se necessária a aplicação dos direitos fundamentais a essa seara jurídica, embora atualmente seja defendida por muitos doutrinadores a unidade do direito, sendo a dicotomia entre Direito Público e Direito Privado utilizada para fins meramente didáticos (GAGLIANO, 2009, p. 28). 

Como bem assevera Maurício Godinho Delgado (2009, p. 70): 

[…] a categoria nuclear do Direito do Trabalho é essencialmente uma relação entre particulares (a relação empregatícia), esse ramo jurídico, por sua essência, situa-se no grupo dos ramos do Direito Privado – em que preponderam relações próprias a sociedade civil, pactuadas entre particulares. 

Dessa forma, levando-se em consideração que no âmbito trabalhista ocorrem infindáveis situações nas quais se reclama a aplicação dos direitos fundamentais, como nas revistas íntimas e no controle do correio eletrônico, aqueles devem ser efetivamente assegurados a todo trabalhador, especialmente como forma de tutelar a sua dignidade.

 

2.3 Direito a intimidade e a vida privada 

Com os avanços tecnológicos, a violação a intimidade e a vida privada tornaram-se corriqueiras, sobretudo, no que diz respeito ao ato de monitoramento de e-mail no âmbito de trabalho. Por essa razão, faz-se necessária a análise dos referidos institutos antes de se adentrar no estudo do poder de direção do empregador e no ato de fiscalização do e-mail propriamente dito.

A intimidade e a vida privada recebem proteção constitucional, conforme dispõe o artigo 5º, inciso X, da Constituição da República de 1988. Ademais, ambas constituem direito de personalidade, considerado como o “elemento estável e permanente do comportamento das pessoas” (BARBOSA JUNIOR, 2008, p. 59), ou seja, trata-se do conjunto de características pessoais inerentes a condição humana.

Segundo Uadi Lammêgos Bulos (op. cit. p. 549), o direito a intimidade “diz respeito às relações íntimas e pessoais do indivíduo, seus amigos, familiares, companheiros que participam de sua vida pessoal”. Do mesmo modo, leciona Alexandre de Moraes (2010, p. 53) que a “intimidade relaciona-se as relações subjetivas e de trato íntimo da pessoa, suas relações familiares e de amizade […]”.

Trata-se do que é denominado pela doutrina de o “direito de estar só” (GAGLIANO, 2009, p. 171), já que o direito a intimidade possui um núcleo de alcance menor que o direito a vida privada, de modo que aquela “perpassa e protege até essas relações mais íntimas ou pessoais” (FERNANDES, 2012, p. 411).

Embora se relacionem, o direito a vida privada é mais amplo, tendo em vista que o mesmo “teria por objeto os comportamentos e acontecimentos atinentes aos relacionamentos pessoais em geral, as relações comerciais e profissionais que o indivíduo não deseja que se espalhem ao conhecimento público” (MENDES, 2010, p. 469).

Todavia, ambos os direitos representam um “espaço jurídico-pessoal reservado a todo o ser humano como forma de promoção e realização de sua dignidade” (CHAVES, 2011, p. 51).

É, portanto, direito fundamental do trabalhador ter sua intimidade e vida privada preservadas no exercício de suas atividades laborativas, de modo que o empregador não pode ignorar a presença dos referidos institutos ao exercer o seu poder de comando, devendo proporcionar aos seus empregados um ambiente de trabalho sadio, especialmente como forma de enaltecer a dignidade da pessoa humana.

 

2.4 Proteção da correspondência 

A Constituição da República não assegura somente a proteção a intimidade e a vida privada, mas também ao sigilo de correspondência, conforme dispõe o artigo 5º, inciso XII, do texto constitucional: 

É inviolável o sigilo de correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal (BRASIL, 2013, p. 8). 

Embora o referido dispositivo legal não faça menção expressa ao correio eletrônico, a proteção deste se revela necessária, sobretudo, porque a finalidade da norma é a proteção do sigilo, pois “em que pese existam diferenças entre o correio postal e o correio eletrônico no que se refere ao seu modo de execução, não há, em tese, distinção em relação a aplicação da norma legal na proteção da intimidade” (HAINZENREDER JUNIOR, 2009, p. 97). 

Grasseli (2011, p. 27) afirma que: 

A utilização do correio eletrônico na atualidade tem se mostrado requisito essencial ao desenvolvimento profissional dos indivíduos, bem como ao avanço do comércio e das organizações empresariais, uma vez que a comunicação tradicional, via papel, vem sendo paulatinamente substituída por este meio. 

De fato, o correio eletrônico constitui evolução do correio postal, devendo receber a mesma proteção que é conferida a este: 

  […] até porque o uso da Internet no Brasil somente começou a ganhar espaço em 1995, ou seja, praticamente sete anos após a Carta Magna atual, razão pela qual salutar e inegável admitir que o correio eletrônico também goza da proteção constitucional da inviolabilidade das correspondências e comunicações (HAINZENREDER JUNIOR, 2009, p. 100). 

Há de se mencionar que tais sigilos não são absolutos, assim como nenhum dos direitos fundamentais, podendo ser ponderados no caso concreto, aliado ao fato de que em hipótese alguma um direito pode ser utilizado como justificativa para a prática de atos ilícitos. É, portanto, de extrema importância o respeito à proteção das correspondências eletrônicas no âmbito da relação de emprego. 

 

3 PODER DE DIREÇÃO 

3.1 Caracterização e prerrogativas 

Nos termos do artigo 2º da Consolidação das Leis do Trabalho cabe ao empregador assumir os riscos da atividade econômica e dirigir pessoalmente os serviços prestados por seus empregados.

Trata-se do princípio da alteridade, o qual prescreve que todos os riscos da atividade empresarial devem ser assumidos pelo empregador, na medida em que cabe a este dirigir o desenvolvimento de seu negócio e assumir o ônus e o bônus proveniente da exploração da atividade econômica.

Segundo Maurício Godinho Delgado (2009, p. 592) o poder diretivo: 

[…] seria o conjunto de prerrogativas tendencialmente concentradas no empregador dirigidas a organização da estrutura e espaço empresariais internos, inclusive o processo do trabalho adotado no estabelecimento da empresa, com a especificação e orientação cotidianas no que tange a prestação de serviços. 

O professor Hainzereder Júnior (2009, p. 65) leciona que o poder de direção:

Compreende não só o poder de organizar as atividades, mas também o de controlar e disciplinar o trabalho, de acordo com os fins do empreendimento, o que demonstra que o empregador possui diversas prerrogativas na condução do seu negócio, ou seja, que o poder diretivo se desmembra por diversas facetas. 

Leciona Amauri Mascaro Nascimento (2004, p. 621-622, apud HAINZENREDER JUNIOR, 2009, p. 66) que o poder diretivo manifesta-se através do poder de organização, poder de controle e do poder disciplinar. 

Esses poderes se fundamentam no contrato de trabalho, pois: 

[…] são consequência imediata da celebração do ajuste entre empregado e empregador, a qual coloca sob a responsabilidade deste último a organização e a disciplina do trabalho realizado na empresa, quer vista sob a forma de empresa capitalista, quer sob o prisma da empresa capitalista (BARROS, 2011, p. 460). 

Com a formação do contrato de trabalho, cabe ao empregador dirigir o seu negócio, orientando seus empregados quanto à suas respectivas tarefas e responsabilidades, de modo que eventuais prejuízos decorrentes do insucesso da atividade desenvolvida serão de responsabilidade do empregador.

Dessa maneira, é dever de o empregador organizar a sua empresa, definindo quais atividades serão desenvolvidas, o número de empregados a serem contratados, assim como a sua estrutura e capital social.  Além disso, o empregador possui o dever, e não apenas a prerrogativa, de orientar e fiscalizar a prestação dos serviços, sendo-lhe lícito aplicar sanções disciplinares aos seus empregados que cometerem faltas. 

 

3.2 Limites 

Embora o empregador possua o poder de direção de sua empresa, esta prerrogativa não deve ser exercida de modo absoluto “devendo estar de acordo com os preceitos constitucionais e infraconstitucionais que têm, por finalidade, proteger a pessoa do trabalhador de eventuais danos que possa sofrer no exercício de suas funções” (MANTOVANI JUNIOR, 2010, p. 80).

Na prática, porém, muitas vezes esses limites não são respeitados, de modo que o ato de fiscalização revela-se arbitrário e viola os direitos assegurados pelo ordenamento jurídico ao trabalhador, especialmente, no que se relaciona com as novas tecnologias.

Com os avanços tecnológicos, o empregador possui um grande aparato de instrumentos que possibilitam o exercício das prerrogativas inerentes ao poder diretivo, de modo que “as medidas adotadas devem se caracterizar por imprescindíveis e necessárias ao fim perseguido, e que ocasionem a menor repercussão possível sobre o direito do empregado” (GRASSELLI, 2011, p. 75).

Por isso, o poder diretivo deve ser exercido com cuidado, especialmente, no que diz respeito ao ato de fiscalização do correio eletrônico, cujos aspectos serão analisados adiante.

 

4 CONTROLE DO CORREIO ELETRÔNICO 

4.1 Conflito entre o direito a intimidade e o poder diretivo 

Diante dos avanços da tecnologia e da internet, as empresas passaram a se valer de tais ferramentas para otimizar o desempenho de suas atividades. Em razão disso, é crescente o número de demandas judiciais com fundamento no poder diretivo do empregador e no direito a intimidade do empregado.

Segundo João Oreste Dalazen (2005): 

A tecnologia da internet, sobretudo da correspondência eletrônica, tem suscitado um elenco infindável de instigantes questões jurídicas. Uma delas consiste em saber se o empregador tem o direito de rastrear ou monitorar o e-mail do empregado e, em última análise, se é lícita a prova assim obtida para apuração de justa causa em processo judicial.

Não se pode olvidar que nenhum dos direitos são absolutos. O empregador deve estabelecer as regras que irão disciplinar o uso do e-mail no ambiente da empresa e cientificar previamente o empregado de que aquele estará sendo monitorado. Da mesma maneira, o empregado deve seguir as orientações de seu empregador quanto à utilização do correio eletrônico, a fim de não cometer eventuais abusos no exercício de seu direito, a exemplo do envio de piadas e imagens obscenas.

Neste último caso, leciona Mantovani Junior (2010, p. 86) que: 

Ao constatar então que o empregado utilizava-se da Internet e e-mails para fins particulares, acesso a sites pornográficos, envio de mensagens ofensivas, humorísticas ou pornográficas a outro funcionários e até mesmo a terceiros, levou muitos empregadores a demitirem seus funcionários por justa causa, com fundamento no art. 482, alíneas b e e da CLT. 

A dignidade da pessoa humana e a razoabilidade devem ser levadas em consideração para solução do conflito, na medida em que o empregador não deve agir com excessivo rigor, a ponto tornar o ato de fiscalização em verdadeiro instrumento coercitivo, ofendendo a vida privada e intimidade de seu empregado.

Por outro lado, há de se mencionar que existem dois tipos de correio eletrônico: o e-mail pessoal e o e-mail profissional. O correio eletrônico pessoal é de propriedade do empregado e se destina a assuntos particulares, enquanto que o correio eletrônico profissional constitui ferramenta de trabalho disponibilizada pela empresa para tratar de assuntos relacionados a atividade laboral desenvolvida pelo empregado.

Esse foi um dos argumentos utilizados pelo Ministro João Oreste Dalazen do Tribunal Superior do Trabalho para considerar lícito o monitoramento do e-mail de um empregado do HSBC – Seguros, já que o correio eletrônico objeto de discussão era corporativo e o empregado foi cientificado de que aquele seria monitorado: 

[…] apenas o e-mail pessoal ou particular do empregado, socorrendo-se de provedor próprio, desfruta da proteção constitucional e legal da inviolabilidade. Solução diversa impõe-se em se tratando do chamado “e-mail” corporativo, instrumento de comunicação virtual mediante o qual louva-se de terminal de computador e de provedor da empresa, bem assim do próprio endereço eletrônico que lhe é disponibilizado igualmente pela empresa. Destina-se este a que nele trafeguem mensagens de cunho estritamente profissional (BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de Revista nº. 613/2000-013-10-00.7. Recorrente: HSBC Seguros Brasil S.A. Recorrido: Elielson Lourenço do Nascimento. Relator Ministro João Orestes Dalazen. Brasília, 18 de maio de 2005. Disponível em: < http://aplicacao5.tst.jus.br/consultaunificada2/inteiroTeor.do?action=printInteiroTeor&format=html&highlight=true&numeroFormatado=RR%20-%2061300-23.2000.5.10.0013&base=acordao&rowid=AAANGhAAFAAAgNcAAS&dataPublicacao=10/06/2005&query=HSBC%20CORREIO%20ELETRONICO>. Acesso em 15 de abril de 2013).

Portanto, somente o e-mail pessoal goza de proteção absoluta contra o ato de monitoramento no ambiente de trabalho, sendo lícito ao empregador fiscalizar o correio eletrônico corporativo de seus empregados, desde que estes sejam previamente informados sobre o monitoramento.

 

4.2 Condições fiscalizatórias 

O empregador deve estabelecer regras, bem como ministrar palestras e cursos quanto ao uso adequado do correio eletrônico no âmbito da empresa, a fim de que todos os empregados estejam cientes de que o uso do e-mail estará sendo fiscalizado.

Além disso, é de grande importância que o ato de fiscalização seja realizado de maneira moderada e se limite, conforme exposto, ao e-mail corporativo, ou seja, àquele fornecido pelo empregador para os fins da atividade empresarial. 

Segundo entendimento de Hainzenreder Júnior (2009, p. 166):

[…] a partir da utilização da proporcionalidade, será possível criar mecanismos que possibilitem concluir em quais circunstâncias dispostas no caso concreto o direito à privacidade do empregado possuíra peso menor ou maior que o poder diretivo do empregador. Para possibilitar e legitimar a prática da fiscalização patronal no uso dos meios informáticos tornar-se-á fundamental a adoção de algumas diretrizes práticas por parte da empresa.  

No mesmo sentido conclui Grasseli (2011, p. 85) que: 

Os meios informáticos são parte do patrimônio do empregador e, como tal, suscetíveis de tutela e monitoramento pelo empresário, desde que observados os requisitos pré-pactuados para tanto, assim como o inequívoco esclarecimento do empregado acerca da utilização das novas tecnologias, e os limites impostos pelos princípios protetivos constitucionalmente assegurados a todo ser humano.  

Em julgado paradigmático sobre o tema, o Ministro João Oreste Dalazen assim se manifestou: 

A aplicação do princípio da proporcionalidade tem o objetivo de impedir que através do dogma ao respeito de determinadas garantias, sejam violados outros direitos, senão maiores, de igual importância, ou que, precisam ser preservados. […] A proteção a individualidade, a liberdade, a personalidade ou a privacidade, apesar de ser essencial no respeito ao Estado de Direito, não pode ser absoluta, de forma a resultar no desrespeito a outras garantias de igual relevância (BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de Revista nº. 613/2000-013-10-00.7. Recorrente: HSBC Seguros Brasil S.A. Recorrido: Elielson Lourenço do Nascimento. Relator Ministro João Orestes Dalazen. Brasília, 18 de maio de 2005. Disponível em: < http://aplicacao5.tst.jus.br/consultaunificada2/inteiroTeor.do?action=printInteiroTeor&format=html&highlight=true&numeroFormatado=RR%20-%2061300-23.2000.5.10.0013&base=acordao&rowid=AAANGhAAFAAAgNcAAS&dataPublicacao=10/06/2005&query=HSBC%20CORREIO%20ELETRONICO>. Acesso em 15 de abril de 2013). 

Em decisão recente, datada de 04 de junho de 2008, o Ministro Relator Ives Gandra Martins Filho, do Tribunal Superior do Trabalho, se manifestou no sentido de que o monitoramento do correio eletrônico deve ser considerado como lícito, desde que se limite ao e-mail corporativo:                    

A concessão, por parte do empregador, de caixa de e-mail a seus empregados em suas dependências tem por finalidade potencializar a agilização e eficiência de suas funções para o alcance do objeto social da empresa, o qual justifica a sua própria existência e deve estar no centro do interesse de todos aqueles que dela fazem parte, inclusive por meio do contrato de trabalho.  Dessa forma, como instrumento de alcance desses objetivos, a caixa do e-mail corporativo não se equipara às hipóteses previstas nos incisos X e XII do art. 5º da CF, tratando-se, pois, de ferramenta de trabalho que deve ser utilizada com a mesma diligência emprestada a qualquer outra de natureza diversa. Deve o empregado zelar pela sua manutenção, utilizando-a de forma segura e adequada e respeitando os fins para que se destinam. Mesmo porque, como assinante do provedor de acesso à – Internet -, a empresa é responsável pela sua utilização com observância da lei. Assim, se o empregado eventualmente se utiliza da caixa de e-mail corporativo para assuntos particulares, deve fazê-lo consciente de que o seu acesso pelo empregador não representa violação de suas correspondências pessoais, tampouco violação de sua privacidade ou intimidade, porque se trata de equipamento e tecnologia fornecidos pelo empregador para utilização no trabalho e para alcance das finalidades da empresa. (BRASIL.Tribunal Superior do Trabalho. Agravo de Instrumento em Recurso de Revista nº. 1542/2005-055-02-40.4. Agravante: Gustavo Francisco Bastos. Agravada: MBM Recuperações de Ativos Financeiros S/C LTDA. Relator Ministro Ives Gandra Martins Filho. Brasília, 04 de junho de 2008. Disponível em: < http://aplicacao5.tst.jus.br/consultaunificada2/inteiroTeor.do?action=printInteiroTeor&format=html&highlight=true&numeroFormatado=AIRR%20-%2015424024.2005.5.02.0055&base=acordao&rowid=AAANGhAAFAAAbnrAAP&dataPublicacao=06/06/2008&query=MBM%20RECUPERACOES%20IVES%20GANDRA>. Acesso em 17 de abril de 2013). 

Importa ressaltar que, pode-se considerar como aceitável a proibição da utilização do e-mail pessoal no horário de trabalho, sendo, contudo, vedada a fiscalização de seu conteúdo em qualquer hipótese, sob pena de violar a intimidade do empregado.

Partindo-se da premissa de que “os direitos fundamentais não podem ser tomados como elementos absolutos na ordem jurídica, mas sempre compreendidos e analisados caso a caso e de modo relativo (ou limitado)” (FERNANDES, 2012, p. 336), deve-se recorrer a aplicação da razoabilidade e a dignidade da pessoa humana para solução do caso concreto. 

Portanto, a interpretação mais razoável para o problema em questão é no sentido de que pode ser considerada lícita a fiscalização do correio eletrônico, desde que observadas as citadas condições, a fim de que nem empregador nem empregado incorram em excesso no exercício de seus direitos. 

 

5 CONCLUSÃO 

Os avanços tecnológicos transformaram e continuarão modificando a sociedade constantemente. Em razão disso, é inegável que a norma jurídica não consegue acompanhar adequadamente essas mudanças, especialmente, no que diz respeito a área da informática.

A fiscalização do correio eletrônico é uma das matérias que carecem de regulamentação jurídica, o que enseja uma série de discussões sobre o tema.

Buscando-se evitar conflitos entre o direito a intimidade e o poder de direção, a fiscalização do correio eletrônico pode ser considerada legítima desde que observadas algumas condições, sob pena do ato de monitoramento tornar-se arbitrário e ensejar a reparação dos danos advindos de tal conduta. 

O empregador, quando da celebração do contrato de trabalho, deve orientar o seu empregado quanto às normas internas relacionadas com a utilização do e-mail, ressaltando que o mesmo será monitorado.

Ademais, o monitoramento deve se limitar ao e-mail corporativo, considerado como aquele destinado a tratar de assuntos relacionados à atividade desenvolvida pelo empregado, de modo que o conteúdo do e-mail pessoal não poderá ser fiscalizado, sendo, no entanto, razoável proibir o uso deste último no horário de trabalho ou autorizar a sua utilização no horário para descanso e refeição.

Assim, em decorrência do direito a livre iniciativa, é assegurado ao empregador o poder de direção de seu negócio, sem, porém, ser lícito ao mesmo exercê-lo de qualquer maneira.

Somente será lícito ao empregador fiscalizar o e-mail de seu empregado nas citadas condições, especialmente, porque o poder de direção não pode ser exercido de maneira arbitrária, devendo se pautar nos limites do ordenamento jurídico, assim como na razoabilidade, para que o ato de monitoramento não se transforme em uma verdadeira perseguição.

Deve-se respeitar as normas garantidoras dos direitos fundamentais na procura de uma solução adequada para o caso concreto. Logo, harmonizando os direitos conflitantes, não se deve eliminar totalmente um em detrimento do outro, resguardando, assim, ambos os direitos, a fim de que nenhum deles incorra em excesso, sobretudo, como forma de conceder máxima efetividade aos direitos fundamentais.

 

REFERÊNCIAS 

BARBOSA JUNIOR, Floriano. Direito a intimidade como direito fundamental e humano na relação de emprego. São Paulo: LTr, 2008.

BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 7ª ed. São Paulo: LTr, 2011.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 outubro de 1988. Vade Mecum Saraiva. 15 ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2013.

______. Decreto-Lei nº. 5.452, de 1º de maio de 1943: Consolidação das Leis do Trabalho. CLT Saraiva e Constituição Federal. 40 ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2013.

______. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº. 201.819-RJ. Recorrente: União Brasileira de Compositores – UBC. Recorrido: Arthur Rodrigues Villarinho. Relatora Ministra Ellen Gracie. Brasília, 10 de outubro de 2005. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?id=388784>.  Acesso em 10 de abril de 2013. 

______. Tribunal Superior do Trabalho. Agravo de Instrumento em Recurso de Revista nº. 1542/2005-055-02-40.4. Agravante: Gustavo Francisco Bastos. Agravada: MBM Recuperações de Ativos Financeiros S/C LTDA. Relator Ministro Ives Gandra Martins Filho. Brasília, 04 de junho de 2008. Disponível em: <http://aplicacao5.tst.jus.br/consultaunificada2/inteiroTeor.do?action=printInteiroTeor&format=html&highlight=true&numeroFormatado=AIRR%20-%20154240-24.2005.5.02.0055&base=acordao&rowid=AAANGhAAFAAAbnrAAP&dataPublicacao=06/06/2008&query=MBM%20RECUPERACOES%20IVES%20GANDRA>. Acesso em 17 de abril de 2013. 

______. Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de Revista nº 613/2000-013-10-00.7. Recorrente: HSBC Seguros Brasil S.A. Recorrido: Elielson Lourenço do Nascimento. Relator Ministro João Orestes Dalazen. Brasília, 18 de maio de 2005. Disponível em: <http://aplicacao5.tst.jus.br/consultaunificada2/inteiroTeor.do?action=printInteiroTeor&format=html&highlight=true&numeroFormatado=RR%20-%2061300-23.2000.5.10.0013&base=acordao&rowid=AAANGhAAFAAAgNcAAS&dataPublicacao=10/06/2005&query=HSBC%20CORREIO%20ELETRONICO>. Acesso em 15 de abril de 2013. 

BULOS, Uadi Lameêgo. Curso de Direito Constitucional. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. 

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 4ª ed. Coimbra: Almedina, 2000, apud HAINZENREDER JÚNIOR, Eugênio. Direito à privacidade e o poder diretivo do empregador: o uso do e-mail no trabalho. São Paulo: Atlas, 2009.

DALAZEN, João Oreste. E-mail: O empregador pode monitorar? Folha de São Paulo, São Paulo, 17 de junho de 2005. Opinião. Disponível em:< http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1706200510.htm/>. Acesso em 15 de abril de 2013.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 8ª ed. São Paulo: LTr, 2009.

FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 4ª ed. JusPodvm, 2012. 

GRASSELI, Oraci Maria. Internet, correio eletrônico e intimidade do trabalhador. São Paulo: LTr, 2011.

 HAINZENREDER JUNIOR, Eugênio. Direito à privacidade e o poder diretivo do empregador: o uso do e-mail no trabalho. São Paulo: Atlas, 2009. 

MANTOVANI JUNIOR, Laert. O direito constitucional a intimidade e a vida privada do empregado e o poder diretivo do empregador. São Paulo: LTr, 2010.

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2008. 

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 25ª ed. São Paulo: Atlas, 2010. 

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 19ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004, apud HAINZENREDER JÚNIOR, Eugênio. Direito à privacidade e o poder diretivo do empregador: o uso do e-mail no trabalho. São Paulo: Atlas, 2009. 

 


NOTA DE FIM

[1] Graduando em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva.