Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva

Alcione Rodrigues [1]

 

RESUMO: Este trabalho tem como objetivo analisar, segundo a Constituição Federal e a Lei 11.107/05 se os Consórcios Públicos são adequados para a efetivação do Federalismo cooperativo.

 

PALAVRAS-CHAVE: Constituição Federal; Consórcios públicos; Estado Federal; Entes federados; Federalismo Cooperativo.

 

Área de Interesse: Direito Administrativo

 

1 INTRODUÇÃO 

O Estado é uma organização política, com personalidade jurídica própria, formado de povo, que é o elemento constitutivo, território, que é o elemento físico e poder, que concede a ele – Estado – soberania.

As formas adotadas de Estado são, em regra, a Federação ou o Estado Unitário, sendo que se diferem conforme a distribuição do poder. No Brasil, o constituinte optou pela Federação, ao criar entes e conceder a eles autonomia e competências próprias.

A maneira que o povo se relaciona com aqueles que exercem o poder em nome do Estado é denominada regime político, que, numa divisão mais simplória, se classifica em democrático ou não democrático. O regime adotado no Brasil é o democrático semidireto, no qual ora a vontade do povo é representada através dos membros que ele elege, ora o povo participa diretamente, como por exemplo, em ação popular.

No Brasil a autonomia é muito importante e por isso expressa no texto constitucional, dado o período centralizado e ditatorial que antecedeu a democratização do país. Contudo, essa autonomia tem que se pautar também pela descentralização. Significa dizer que de nada adianta um ente federado ser autônomo se, sozinho, ele não consegue fornecer serviços públicos capazes de atender à coletividade. Surge daí a importância de se instituir o federalismo cooperativo.

Um dos meios para a efetivação do Federalismo previsto pela Magna Carta de 1988, no artigo, 241, foi o instituto dos consórcios públicos, sendo posteriormente tratado na lei 11.107/2005, e regulamentado pelo Decreto 6017/07.

Os consórcios públicos são negócios jurídicos plurilateral de cooperação mútua, vez que poderá haver vários pactuantes na relação jurídica, com interessantes não antagônicos, mas afins. São regidos, em regra, pelo Direito público e compostos pelos entes federados, quais sejam, nos termos do artigo 18 da Constituição Federal a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal, sendo plenamente possível se consorciarem entre si ou com entidades privadas.  

É criada assim, uma pessoa jurídica para prestar atividades de relevância para o interesse coletivo com mais eficiência, vez que os serviços públicos tornam-se cada vez mais onerosos “graças ao progresso da tecnologia que amplia cada vez mais as necessidades e exigências das populações.”, (BORGES, 2008) o que acaba por fazer surgir a necessidade de se estabelecer uma gestão associada das atividades públicas.

Considerando que a Magna Carta adotou a Federação como forma do Estado brasileiro e que no artigo 3º preconiza pelo desenvolvimento nacional, erradicação da pobreza e redução das desigualdades sociais é importante encontrar meios que assegurem a autonomia dos entes federados sem deixa-los impedidos, por questões econômicas, por exemplo, de prestar os serviços públicos que visem garantir a igualdade social.

Dessa forma, a própria Constituição Federal, a fim de limitar a atuação dos entes, estabeleceu a cada um deles sua competência, porém, permitindo que eles se consorciem, por mera liberalidade, para prestar os serviços de natureza coletiva com maior eficiência, conforme redação do artigo 241, que prevê os consórcios públicos.

Cabe, no entanto o questionamento, que irá nortear a pesquisa do tema: É possível considerar os consórcios públicos como instrumento adequado para a concretização do Federalismo cooperativo?

O tema merece ser estudado devido a relevância social que agrega. Isso porque Brasil tem grande extensão territorial, o que faz com que existam municípios com infraestrutura precária, que não conseguem sozinhos fornecer serviços de qualidade à população. Daí surge a necessidade de se efetivar instrumentos que possam atender a coletividade e garantir o preceito constitucional da isonomia, reduzir as desigualdades sociais e gerar desenvolvimento para o país, sem retirar-lhes a autonomia ou descaracterizar a forma de Estado e o regime político adotado pelo constituinte.

O que se visa com o presente estudo é analisar se os Consórcios Públicos são adequados para a efetivação do Federalismo cooperativo.

Além disso, faz-se mister, analisar a forma de controle feita pelos Tribunais de Contas e verificar a idoneidade de tal instrumento, que deverá ser instituído apenas quando houver relevante interesse coletivo.

A hipótese que se levanta no estudo em questão é se os consórcios públicos são importantes para o fortalecimento do Estado Federado mais democrático que atenda de forma igualitária o maior número de pessoas possíveis, garantindo assim os objetivos constitucionais de redução da desigualdade e desenvolvimento nacional, desde que firmado quando haja interesse da coletividade e todos os entes federados participem de forma voluntária, sem deixar de observar os limites de suas autonomias e competências.

Para tanto, será utilizado o método dedutivo de René Descartes, o qual Izequias Estevan dos Santos, ensina que “tem suas proposições enfocadas na situação geral para explicar as particularidades e chegar à conclusão afirmativa.” (2010, p. 196)

A preferência por este método deu-se pelo fato de que será necessário analisar a situação geral, qual seja, a forma de Estado Federado e o regime político democrático para explicar uma situação específica; a eficácia dos consórcios públicos.

A técnica a ser utilizada para o desenvolvimento da pesquisa será de documentação indireta, através da busca bibliográfica, a fim de enriquecer o tema com fundamentos doutrinários, legais e jurisprudenciais.

A pesquisa será estruturada a partir do conceito de Federalismo, que Montesquieu, na clássica obra “O Espírito das Leis”, descreve como uma convenção dos Estados-membros de se tornarem cidadãos de um Estado maior que será formado. (1996).

O Federalismo é uma forma de governo que consiste na descentralização do poder político, sendo que cada ente é autônomo, ou seja, é competente para elaborar suas próprias leis, no seu âmbito territorial, mas não é soberano Isso porque a soberania compete apenas ao Estado brasileiro, que concede a eles status de igualdade perante os demais países, tendo, portanto, pleno poder para tomar decisões e firmar acordos internacionais.

Segundo os ensinamentos de Alexandre de Moraes, essa forma de governo está atrelada ao princípio da autonomia e da participação política, mas também da indissolubilidade do vínculo federativo, vez que a Constituição de 1988, preconiza no artigo 1º que a República Federativa do Brasil é formada pela União Indissolúvel dos Estados, Municípios e Distrito Federal. (2010, p. 273, 275)

Tendo por base o Estado Federal é necessário estabelecer mecanismos que possibilitem não só exercício da autonomia dos Estados-membros, mas a eficiência na prestação de serviços públicos, que muitas vezes, não é possível apenas um ente federado realizar. Daí a importância dos consórcios públicos que permitem aos entes federados cooperarem entre si, sem ferir a autonomia concedida a eles, resguardando e fazendo valer, dessa forma o Federalismo.

 

2 EXPRESSÕES BÁSICAS 

Primeiramente é de extrema importância pontuar conceitos basilares a fim de facilitar o entendimento do estudo em questão.

Para tanto, faz-se necessário definir os conceitos que nortearão todo o debate, quais sejam: Consórcios públicos, Gestão associada e Federalismo cooperativo. Isso porque a doutrina os trata de maneira diferente, apesar de estarem intimamente ligados.

Imprescindível também analisar os institutos existentes no ordenamento jurídico que se assemelham aos consórcios públicos com o afinco de clarear os pontos semelhantes e distintos para que não haja confusões no decorrer do estudo.

Desse modo, nota-se a necessidade de estudar essas definições básicas, pois é a suporte para a estrutura das ideias discutidas.

 

2.1. Federalismo Cooperativo, Consórcio Público e Gestão associada. 

O Legislador Constituinte, ao optar pelo Estado Federal, previsto no artigo 1º, caput, da Constituição da República, aderiu ao sistema de repartição de competências, uma vez que é intrínseco à forma de Estado adotada.

Como consequência dessa divisão de competência, os entes que compõe o Estado brasileiro, são dotados de autonomia para se organizarem, nos limites da Magna Carta, como leciona o professor Luciano Ferraz: 

“ … o atual desenho constitucional da Federação Brasileira é diferente, pois consagra Federalismo tripartite formado pela união indissolúvel de Estados, Distrito Federal e Municípios, reconhecendo-lhes, ao lado da União, autonomia político-administrativa (arts. 1º e 18)e outorgando-lhes, a cada um deles, competências legislativas e competências matérias próprias…” [2] 

Vale ressaltar, contudo, que o federalismo de que trata a atual Constituição Brasileira é cooperativo. Significa dizer que todos os entes tem objetivos comuns tratados no texto constitucional, quais sejam a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e promoção do bem estar de todos (art. 3º).

A priori, conforme ensina o I. Procurador-Geral do Tribunal de Contas do Estado do Pernambuco (TCE-PE), Dr. Dircel Rodolfo de Melo Júnior, a doutrina pátria mais respeitável considerava os consórcios públicos como espécies de acordo firmado entre entes do mesmo nível administrativo, visando o mesmo objetivo. Eram semelhantes aos convênios administrativos e, portanto não possuíam personalidade jurídica própria, o que dificultaria então, ser aplicada a coercitividade que o Direito impõe nos contratos em geral.

Verifica-se desse modo, que os consórcios públicos eram imprestáveis para a concretização de um Estado federal cooperativo, aderindo um regime jurídico ultrapassado, incompatível com o Estado Democrático de Direito que se institui.

Assim, foi editada a Lei nº 11.107/05, que se incumbiu de compatibilizar os consórcios públicos com o federalismo cooperativo.

Com efeito, a doutrina passou a descrevê-los, nas palavras de Luciano Ferraz como arranjos jurídicos “aptos a levar a cabo a gestão associada de serviços públicos e outras atividades de interesse comum de duas ou mais esferas da Federação.”

A gestão associada é a ação conjunta dos entes federado para o alcance de interesses comuns que, em regra, são as competências constitucionais comuns, previstas no artigo 23 da Cara Política.  

A gestão associativa dos serviços públicos – junto com a prestação direta, a prestação por meio de entidades da Administração indireta e a delegação de serviços (art. 175 CR) – representa uma das formas de prestação de serviços públicos, peculiar por consistir num modelo associativo ou compartilhado, com a peculiaridade de sempre ser realizado entre entidades federativas (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios).[3] 

Significa dizer que determinada prestação de serviço que seria inviável para uma pessoa jurídica de direito público, se torna mais palpável e eficiente com a parceria de outra pessoa da Administração Pública. (Di Pietro, 2010

Desse modo, tem-se que os consórcios públicos são arranjos que permitem que o entes federados, que devem cooperativamente alcançar os objetivos constitucionais os desenvolva de forma conjunta.

 

2.2 Institutos semelhantes aos consórcios públicos.

Existem, no nosso ordenamento jurídico, possíveis formas de entes federados ou de pessoas jurídicas, integrantes da Administração Pública Indireta ou exclusivamente privadas se consorciarem, diferentes dos consórcios públicos. Para estudarmos o tema, é de extrema importância conhece-los e identificar no que se diferem para que não haja dúvida no decorrer do trabalho.

Uma figura jurídica importante prevista na lei 6.404/76, que trata das Sociedades Anônimas – S.A – é a associação entre pessoas jurídicas para realizar um serviço certo e determinado, o que o artigo 278 denominou de “consórcios”. Entretanto, esses consórcios não tem personalidade jurídica própria, sendo que a responsabilidade civil recai sobre as pessoas jurídicas associadas.

Antes da criação da lei 11.107/05, esse instituto tinha aplicação analógica à Administração Pública, sem nenhuma finalidade lucrativa, apenas com o intuito de cooperatividade. Contudo, a falta de fiscalização na aplicação desse sistema na Administração Pública dá ensejo a gestão inadequada dos recursos, tornando-o ineficaz e insuficiente.

Outra figura que merece consideração quando o assunto é formas de gestão associada são os convênios administrativos, previstos em legislação esparsa, geralmente Decretos e Instruções Normativas[4]. Essa forma de consórcio também não tem personalidade jurídica própria.

Existem ainda as associações de Municípios, cujo critério pode ser geográfico ou político, conforme a compatibilidade das ações que se desejam desenvolver. Esse instrumento tem natureza exclusivamente privada e pode ter abrangência nacional, como no caso da Confederação Nacional de Municípios.

Por fim, não com menor importância por isso, vale mencionar as regiões metropolitanas, que tem sustento constitucional para suas criações, previstas no artigo 25, § 3º. Trata-se de agrupamento de municípios limítrofes com o intuito de executar serviços públicos de interesse comum.

Todavia, o que se tem nessa hipótese é um mero agrupamento de municípios em torno de um município-pólo, sem a criação de um novo ente dotado de personalidade jurídica, sendo cada um dos municípios partícipes autônomos. (SILVA, 2009.)

 

3 O FEDERALISMO TRATADO PELAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS.

O Estado Federal, ou seja, com o poder político descentralizado, e a República como forma de governo, surgem com a Constituição de 1981. Até então, vigente a Constituição do Império, de 1824, o Estado era Unitário. Significa dizer que o poder era centralizado somente na fonte produtora das normas. (GUERRA, GONÇALVES-CHAVES, 2007.)

No que a tange a estrutura do federalismo, pode-se dizer que o Brasil adotou o modelo norte-americano, no qual se concede soberania à União e autonomia aos Estados “na forma de um condomínio de poder, em que se reconheceram a integração de cada um e a unidade do conjunto, numa representação dual…”  (BARBOSA e PIRES, 2008.)

A Constituição de 1891 então extingue o Estado unitário e concedeu elevada autônima aos entes federados, em contraposição ao período de regime centralizado que antecedeu a criação dos Estados membros. 

Sobre o assunto, relevante é o ensinamento de Maria Coeli dos Santos e Maria Elisa Braz Barbosa:

A autonomia dos entes subnacionais no Brasil, em um primeiro momento, foi idealizada com base na lógica competitiva sugerida pelo liberalismo, a qual se frustrou em virtude das desigualdades dos entes federativos e da dependência financeira de muitos deles em relação à União. Disfunções dessa ordem ocorreram durante a República Velha, quando o poderio de São Paulo e de Minas Gerais levou à “quebra” das demais autonomias federativas que apenas se mantiveram reconhecidas nominalmente, eis que, na prática, revelaram-se neutralizadas pela prevalência daquelas potências.[5]:

A Constituição de 1934 surge no período em que o Estado está voltado para o “bem estar social”, completamente intervencionista, o que fez com que o federalismo cooperativo ganhasse mais corpo.

Criada pós Revolução de 30, a Carta Política deu início aos mecanismos de cooperação entre os entes federados e se incumbiu de abordar formas de integração entre eles, ainda que de forma singela, dada a inexperiência do país no assunto.[6]

Esse tal “federalismo cooperativo” que começava a se delinear com a Constituição de 1934, não se sustentou por muito tempo, tomando um novo rumo com a ascensão do Estado Novo, a Era Vargas e a criação da Nova Carta Política – a Constituição de 1937 – onde, indubitavelmente se pode afirmar que houve retrocesso na forma de governo. O país presenciou novamente o modelo centralizado; tudo passa a ser controlado pelo ente União.

Verifica-se, no entanto, que a presença do federalismo, em tese, não se dissipou; continuou existindo a divisão do país em Estados Membros, só que agora praticamente sem autonomia. No plano teórico, o Estado Federal não deixou de existir.

Entretanto, algo ainda não pensado para o federalismo cooperativo foi previsto na Carta Política originada pelo golpe de Estado. Nesse diapasão, ensina Maria Coeli dos Santos e Maria Elisa Braz Barbosa: 

“Vale ressaltar, todavia, que a Carta de 1937 estabeleceu o precedente normativo da possibilidade de Munícipios constituírem pessoa jurídica para a execução compartilhada de interesses comuns…”

“Uma falsa intencionalidade, uma vez que a própria autonomia municipal já então se fazia neutralizada pela hegemonia da União no âmbito do regime ditatorial.”[7]. 

A Constituição de 1946, elaborada com o perfil redemocratizador, trouxe novamente a ideia do federalismo cooperativo da Carta Política de 1891, porém, não havia previsão expressa para a criação de autarquias plurifederativas ou interfederativas. Contudo, nesse contexto, foi criado o Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE), tratado pela doutrina como autarquia interfederativa, uma vez que composto por mais de um ente da Federação. (SOUZA, 2010)

Essa “autarquia interfederativa” foi criada pelos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná e em muito se assemelhava ao atual instituto dos consórcios públicos. Todavia, por falta de previsão legal, o tema foi debatido no Supremo Tribunal Federal, que decidiu que não havia “possibilidade de autarquia interestadual mediante a convergência de diversas unidades federativas…”[8]

A forma de Estado federal e a forma democrática de governo, foram novamente interrompidas em 1964, porém, havia previsão no texto constitucional da Carta de 1967, de que os “entes federados”[9] poderiam “promover convênios para execução das suas leis, sendo mantida a essência do dispositivo na alteração promovida em 1969.” (SOUZA, 2010)

Em contraposição ao regime anterior, a próxima Constituição, sem hesitar, se incumbiria de reerguer a forma de Estado Federal e a forma de governo democrática, restaurando a figura do federalismo cooperativo. 

“É certo, também, que o final dos anos 70 foi marcado por fortes demandas oriundas dos entes subnacionais, no sentido da reconfiguração do pacto federativo e de maior descentralização. O movimento culminou com a edição da Constituição da República de 1988, a introduzir, sob forte influência democrática, relevantes mudanças na arquitetura federativa do Brasil…”[10] 

A Constituição da República Federativa do Brasil (1988) foi inovadora no que tange ao resgate do sistema federal, trazendo táticas descentralizadoras eficazes e muito à frente do que até então tinha se visto. Foi um verdadeiro avanço para o país.

A lógica do federalismo brasileiro rege-se, basicamente, pela divisão de competências feita pela Constituição Federal. Assim, existem competências privativas da União, que podem ser delegadas aos Estados (artigo 22); competências comuns de todos os entes federativos (artigo 23); competência concorrente para legislar, da União, Estados e Distrito Federal (artigo 24); competências exclusivas da União (artigo 21); competências dos Municípios, em observância ao ordenamento jurídico dos Estados-Membros (artigo 30) e competência remanescente dos Estados e do Distrito Federal (artigo 25, § 1º).

Bem ensina sobre o assunto Maria Coeli dos Santos e Jean Alessandro Serra Cyrino Nogueira: 

O modelo de distribuição de competências, sob a perspectiva reconstrutiva do federalismo, ao mesmo tempo em que embasa a cooperação dos entes federativos, define competências que especialmente arrimam a atuação competitiva no âmbito da Federação, haja vista, por exemplo, o arranjo de competências em seara tributária, e, ainda, em algumas matrizes, o apoio da centralização do poder no âmbito da União, em áreas relevantes, tendência, de resto, confortável na cultura interna, alimentada pela consciência da unidade nacional.[11] 

Entretanto a distribuição de competências não só cria um modelo competitivo, mas também cooperativo, conforme estabelece o artigo 23, parágrafo único da Constituição Federal, o qual vislumbra concretizar os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, previstos no artigo 3º.

Caminhando nesse sentido, a Emenda Constitucional nº 19 de 4.06.98, deu nova redação ao artigo 241. Agora, ao invés da Carta de 1946, que trouxe a ideia de federalismo cooperativo, mas não previu expressamente no texto a possibilidade de consórcio interfederativo, o texto político possibilita a gestão associada de serviços públicos por meio de lei dos consórcios públicos e convênios de cooperação.

Pode-se verificar então, que a descentralização no Brasil, é tratada de vários modos, conforme a situação política vivenciada no período pelo país. O intuito da descentralização na Carta Política de 1891 foi, a priori, instituir a forma federal de Estado, extinguindo o Estado Unitário estabelecido na Constituição de 1824. Não tão distante desse intuito, foi a força que o federalismo ganhou com a Constituição de 1934, com o intervencionismo do Estado, visando o “bem estar social”, após a Revolução de 1930.

Já a Constituição de 1988 ao prevê a descentralização vislumbrou o reordenamento político, após o regime centralizado, que tinha respaldo na Constituição de 1937. Ademais, instituiu novamente a forma federal de Estado e o Estado Democrático de Direito, previstos no artigo 1º, caput da Magna Carta. Não bastasse isso, a descentralização nessa nova ordem política deu força à cooperação entre os entes federados, conforme redação do artigo 241 da Constituição Federal.

 

3.1 A situação dos Municípios após o Estado Federal da Constituição de 1988. 

Na década de 80 houve movimentações visando dar maior autonomia aos Municípios. Nessa época foi criada, na cidade de São Paulo, a Confederação Nacional dos Municípios, que visava apresentar melhorias, no âmbito nacional para os Munícipios, como por exemplo, a proposta de reforma tributária, visando uma redistribuição mais igualitária dos recursos da União para Estados e Municípios. Como foi a época de criação da nova Carta Política, os municípios ganharam maior importância, sendo considerados entes federados, concomitante aos Estados, Distrito Federal e União, conforme preconizam os artigos 1º e 18 da Magna Carta.

Nisso também, a Carta de 1989 foi inovadora, vez outras importantes federações no mundo, como, por exemplo, Canadá, México e Austrália, não concedem autonomia aos Municípios.[12]

Entretanto, há de se observar que o Município dotado de autonomia em relação ao Estado-Membro a que está circunscrito, porém, não se pode afirmar que essa autonomia é absoluta, vez que a própria Constituição Federal, no artigo 29 prevê a necessidade do Município observar a Constituição Estadual para a elaboração de lei orgânica. Além disso, o artigo 96 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT – estabelece que que a fusão, criação e incorporação de novos Municípios, dependem da legislação do Estado a que estão circunscritos. Ademais, a Lei 11.107/05 determina que o consórcio entre Município e União dependerá da intervenção do Estado-Membro ao qual o Município está circunscrito.

Disto conclui-se que a autonomia dos municípios está adstrita ao princípio da subsidiariedade, sendo o Município, portanto, autônomo, sem deixar de ser dependente, ainda que de forma relativa, do Estado-Membro. Pensar de forma diversa seria romper com a teoria do federalismo, vez que os Municípios teriam o mesmo status que os Estados-Membros. (BARBOSA e PIRES. p 42).

 

3.2. O Federalismo Cooperativo Brasileiro 

Como já dito, os entes federados são autônomos para se organizarem, governarem, administrarem e legislarem, nos limites da Constituição da República. Desse modo, os Estados-membros, poderão editar suas próprias Constituições.

Isso porque o Poder Constituinte Derivado, que é o poder autônomo, “tem como características ser derivado, subordinado e condicionado” ao Poder Constituinte Originário, que é o poder soberano, logo, as Constituições Estaduais estão sujeitas a Constituição Federal, devendo, portanto, ser harmônicas a ela. (SILVA, 2009))

Desse modo, a Constituição Federal, por ser soberana, estabelece limites à Constituição Estadual, que é apenas autônoma. Esses limites são classificados pela doutrina como “princípios sensíveis”, ou seja, são de fácil percepção, dispostos no artigo 34, VII da Carta Maior, cuja consequência da inobservância é a intervenção federal. Há ainda princípios limitadores que se subdividem em mandatórios, que determinam quais normas devem estar presentes nas Constituições dos Estados-Membros (v.g. arts. 18, 27, 28, 37, 42) ou vedatórios, que proíbem que alguns atos decorram da Constituição Estadual (v.g. 19, 35, 36, 150, 152). (SILVA, 2009).

O Poder Constituinte Originário, concedeu status de ente federado também aos Municípios e nesse ponto a doutrina a divergente. Por um lado, conceitua-se os Municípios como “entidade político-administrativa de terceiro grau, integrante e necessária ao nosso sistema federativo”, sob a justificativa de que são eles os entes mais próximos do povo. Por outro lado, defende-se a ideia “não é porque uma entidade territorial tenha autonomia político-administrativa que ela necessariamente integre o conceito de entidade federativa”, vez que a Federação não é formada por uma união de Municípios e sim por uma união de Estados. (TAVARES, 2008)

Contudo o que se verifica foi que a Constituição Federal classificou os Municípios como entes federados, porém, limitou sua autonomia também aos Estados-Membros.

Fato inconteste é que os Municípios estão mais próximos do povo e, por tal motivo podem verificar as suas necessidades, de modo a ser essencial sua autonomia municipal para infirmar ações que promovam o bem estar social.

Todavia, é sabido que, muitas vezes os Munícipios, apesar de conhecerem melhor as necessidades da população, não conseguem, sozinhos, supri-las, pelo que faz-se mister o auxílio de outros entes federados.

Esse auxílio, entretanto, não lhes retira a autonomia, nem destoa do texto constitucional, uma vez que foi da vontade do Poder Constituinte Originário que o federalismo brasileiro fosse cooperativo.

A Constituição de 1988 reforça, sobretudo, soluções cooperativas, mediante relações diretas entre a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal, especialmente, conforme disposto em seu art. 23, parágrafo único.

Tal dispositivo enfatiza a cooperação federativa – tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar no contexto nacional –, a qual se volta para a efetivação dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, notadamente os previstos nos incisos II (garantir o desenvolvimento nacional) e III (erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir a desigualdades sociais e regionais) do art. 3º da Constituição da República.[13]

Desse modo, mostra-se totalmente pertinente parcerias “interfederativas” e a instrumentalização dos consórcios públicos para que se possa alcançar os objetivos do Estado Brasileiro.

 

4. OS CONSÓRCIOS PÚBLICOS 

A Constituição Federal de 1988 é analítica. Significa dizer que detalha os assuntos relevantes à formação e funcionamento do Estado. Entretanto, optou o legislador por não tratar do conceito de consórcio público no artigo 241, do mesmo modo, a lei 11.107/05 também não o define, ficando, então a cargo da doutrina. (BARBOSA e PIRES, 2008.)

Antes do advento da Lei 11.107/05 o entendimento pacífico caminhava no sentido  de que consórcio e convênio eram acordos de vontade e o que os diferia eram apenas os consorciados. Em outras palavras, quando a parceria ocorria entre entes do mesmo nível federativo (v.g. entre Estados-membros) seria tratado como consórcio; já se as partes envolvidas estivesse em níveis diferentes (v.g. Estados-membros e Municípios) seria dado tratamento de convênio.

Todavia, após a criação da lei que regulamenta os consórcios públicos, estes tornaram-se integrantes da Administração Pública Indireta dos entes consorciados, vez que é dotado de personalidade jurídica própria.

Segundo José dos Santos Carvalho Filho, os consórcios públicos se classificam quanto à natureza jurídica como negócio jurídico plurilaterial de direito público com o conteúdo de cooperação mútua entre os pactuantes e em sentido amplo pode ser considerado contrato multilateral. Sobre o assunto, explica ainda: 

Constitui negócio jurídico, porque as partes manifestam suas vontades com vistas a objetivos de natureza comum que pretendem alcançar. É plurilateral, porque semelhante instrumento admite a presença de vários pactuantes na relação jurídica, sem o regime de contraposição existente nos contratos; por isso alguns o denominam de ato complexo. É de direito público, tendo em vista que as normas regentes se dirigem especificamente para os entes públicos que integram esse tipo de ajuste. Retratam cooperação mútua, numa demonstração de que os interesses não são antagônicos, como nos contratos, e sim paralelos, refletindo interesses comuns.[14] 

Desse modo, tem-se que os consórcios públicos são negócios jurídicos plurilaterais de cooperação mútua, vez que poderá haver vários pactuantes na relação jurídica, com interesses não antagônicos, mas afins. São compostos por entes federados, União, Estados, Municípios e Distrito Federal, nos termos do artigo 18 da Magna Carta. Além de se consorciarem entre si, a lei 11.107/05 permite aos entes federados se consorciarem com entidades privadas.

Assim, quando formados apenas por entes federados, serão regidos pelas normas de Direito Público, sendo, portando considerados associação pública, nos termos do artigo 6º, I da referida lei. Nesse caso, o consórcio público “integra a administração indireta de todos os entes da Federação consorciados” (artigo 6º,  §1º). Portanto, terá imunidade tributária, impenhorabilidade dos bens, processo especial de execução, dilação do prazo em juízo.

Já se houver participação de entidade privada, serão os consórcios públicos regidos pelas normas de direito civil, todavia, conforme previsto do artigo 6º, §2º da Lei 11.107/05, deverá observar “as normas de direito público no que concerne à realização de licitação, celebração de contratos, prestação de contas e admissão de pessoal, que será regido pela Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT.”

Nesse contexto, face à Lei 11.107/05 a doutrina classifica os consórcios públicos como “associações formadas por pessoas jurídicas políticas (União, Estados, Distrito Federal ou Municípios), com personalidade de direito público ou de direito privado, criadas mediante autorização legislativa para a gestão associada de serviços públicos”

 

4.1 Lei 11.107 de 06.04.2005 – Regulamentação Dos Consórcios Públicos. 

Antes da vigência da Lei 11.107/05, era unânime pela respeitável doutrina de Direito Administrativo o entendimento que os consórcios públicos não eram dotados de personalidade jurídica, tornando-se, portanto, ineficazes, sem qualquer possibilidade aplicação coercitiva do Direito. 

É de notar que o conceito doutrinal então corrente e o regime jurídico dos consórcios públicos – o último sem uma disciplina legal apropriada para a espécie –, os tornaram inservíveis para dar contornos formais às iniciativas de cooperação e coordenação federativas, além do que já era perceptível um flagrante anacronismo na até então conhecida percepção dos consórcios públicos em relação aos influxos emergentes do alvorecer de um novo pensamento administrativo, restamos uma vez mais nos referindo à ideia-força de uma Administração Pública concertada, calcada em módulos contratuais ou convencionais e base do Federalismo de Cooperação ou de Equilíbrio (em contraposição ao Federalismo rígido). Em verdade, já se bispava o desabrochar da Administração Pública Consensual em detrimento do vetusto modelo de Administração Pública Imperativa, faltava apenas o estopim para que fossem abandonados o já ultrapassado conceito e o regime jurídico-formal dos consórcios públicos, bem definido por Marques Neto: “O doutrinador se nutre e contamina (no sentido positivo dos termos) da contribuição que ela segue sendo reproduzida, inalterada, até que uma nova realidade jurídica (como uma alteração legal ou constitucional) ou fática (uma manifestação concreta do poder político) suscitem a reflexão ou obriguem a revisão dos conceitos ou postulados doutrinários.”[15]

Assim, com o advento da lei que regulamenta os consórcios público, a realidade jurídica mudou. Isso porque conferiu-lhes personalidade jurídica, conforme determinam o §1º do artigo 1º c/c o artigo 6º, o que os torna mais eficaz a fiscalização e aplicação do Direito, uma vez que é possível responsabilizá-los.

Prescreve ainda o artigo 6º que os consórcios poderão ser direito público, caso que integrará a Administração Pública indireta, na forma de associação pública ou de direito privado, regido pelas normas cíveis que se aplicam as entidades privadas sem fins lucrativos.

Todavia, merece ressalva tal dispositivo ao passo que os consórcios públicos deverão integrar a Administração Pública Indireta de todos os entes consorciados, inclusive quando celebrado com entidades privadas.

Ora, se foi delegada a prestação de serviços de competência da Administração Pública Direta (União, Estado, Município, Distrito Federal), para uma entidade instituída exclusivamente para prestar serviço público, não há como deixar de fora o ente federado que na realidade é participante (ainda que com uma pessoa jurídica privada) , uma vez que o ente público será a parte mais importante, pois é requisito primordial para a instituição do consórcio público a sua participação, senão estaríamos tratando de outros institutos possíveis no âmbito administrativo. 

A própria Lei nº 11.107 derroga parcialmente o direito privado, na medida em que se aplica aos consórcios públicos, independentemente de sua personalidade pública ou privada. Especificamente, o direito privado é derrogado quando o artigo 6º, §2º, determina a sujeição dos consórcios com personalidade de direito privado às normas sobre licitação, celebração de contratos, prestação de contas e admissão de pessoal. Além disso o Decreto nº5.505, de 5-8-2005, exige que os consórcios públicos, relativamente aos recursos por elas administrados, oriundos de repasse da União, realizem licitação para as obras, compras, serviços e alienações (art. 1º). No caso de aquisição de bens e serviços comuns, o mesmo dispositivo impõe a modalidade pregão, preferencialmente na forma eletrônica.[16] 

Verifica-se desse modo, que na verdade, os consórcios públicos serão sempre regidos pelo direito público e, no que couber, quando houver participação de pessoa jurídica privada, será aplicado o direito civil.

Independente da sua natureza jurídica, os consórcios públicos gozam de alguns privilégios concedidos pela lei, como por exemplo o artigo 2º prevê a promoção de desapropriação e instituição de servidão, quando declarada utilidade ou necessidade pública ou interesse social; prevê ainda a possibilidade do consórcio ser contratado pela administração pública dos entes consorciados, dispensada a licitação; o artigo 24, parágrafo único alterou a lei de licitação no que diz respeito aos consórcios para estabelecer limites mais elevados para a escolha da modalidade de licitação; dispensa da licitação quando celebrado contrato de programa com ente federado ou entidade da Administração Pública Indireta; valores mais elevados para a dispensa da licitação em razão do valor. (DI PIETRO, 2010.)

Uma vez que os consórcios públicos fazem parte da Administração Pública Indireta, além do controle pelo Tribunal de Contas, se sujeitarão ao controle administrativo previsto no Decreto-lei 200/67. Desse modo, o consórcio público sofrerá controle de vários entes federados e, se algum ente participa de mais de um consórcio público, poderá fiscalizar todos eles.

No que diz respeito ao controle feito pelo Tribunal de Contas, a Lei dos consórcios públicos disciplinou o assunto no artigo 9º, parágrafo único, prevendo que “o consórcio público está sujeito à fiscalização contábil, operacional e patrimonial pelo Tribunal de Constas competente para apreciar as contas do Chefe do Poder Executivo representante legal do consórcio…”. Contudo, essa previsão não afasta a possibilidade de controle pelo Tribunal de Contas dos demais entes consorciados, vez que a Constituição Federal concede ao Legislativo o poder de fiscalizar os atos do Executivo, através do Tribunal de Contas. 

“… os Tribunais de Constas deverão zelar pelo fornecimento fidedigno das informações a serem contabilizadas nas contas de cada ente consorciado, de forma a serem verificados os limites e parâmetros previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) dentro dos níveis aceitáveis de confiabilidade. Por isso, há que se averiguar – e isto parece ser também incumbência do controle externo – se os consórcios públicos estão fornecendo, adequadamente, as informações relacionadas com todas as despesas realizadas com os recursos entregues pelos entes consorciados em virtude de contrato de rateio. Trata-se de uma obrigação legal, nos termos do §4º do artigo 8º do novo estatuto.” [17]

Nesse ponto, é importante ressaltar que a Lei veda a aplicação de despesas genéricas quando se trata de contrato de rateio, daí a necessidade de maior controle pelos Tribunais de Contas.

Insta salientar que visualizar esse controle quando se trata de consórcio público de direito público é bem mais nítido do que quando se trata de consórcio de direito privado. Entretanto – e não poderia ser diferente –  a Lei 11.107/05 prevê normas de direito público para os consórcios de direito privado, no que tange, dentre outras, a realização de licitação, logo, deve haver nessa hipótese também fiscalização pelo Tribunal de Contas e controle administrativo, vez que em ambos os casos, os consórcios públicos integram a Administração Pública Indireta.

Assim, é extremamente importante que os Tribunais de Contas tenham domínio e conhecimento acerca das exigências e formalidades da Lei que rege os consórcios públicos, emitindo, quando for caso, as notas de improbidade, podendo, inclusive rejeitar as contas e pleitear a cassação da candidatura do Chefe do Executivo, bem como aplicar pena de multa.

 

4.1.2 Criação, formalização e extinção dos consórcios públicos. 

Para a criação de um consórcio público, deve ser observado procedimento específico, cujas fases são: subscrição de protocolo de intenções (art. 3º); celebração de contrato (art. 3º); publicação do protocolo de intenção em imprensa oficial (art 4º, §5º); promulgação, da lei de cada ente consorciado, ratificando o protocolo de intenções (art. 5º).

O procedimento se inicia com a celebração do protocolo de intenções para que os entes consorciados manifestem a intenção de firmar um acordo de vontade. Vale dizer que nessa fase, não existem obrigações, apenas são elencados pontos que deverão ser observado caso haja a celebração do acordo.[18]

Como se trata da criação de uma nova pessoa jurídica que envolve a Administração Pública não poderá haver simples celebração de contrato, logo, o protocolo de intenções estará sujeito a apreciação pelo Poder Legislativo para a elaboração da lei que irá ratificá-lo, sendo que somente após a ratificação é que poderá ser celebrado o contrato que constitui o consórcio público.

A lei 11.107/05, prevê no seu artigo 4º, que o protocolo de intenções deverá conter, dentre outras, a denominação do consórcio público, a finalidade, entes participantes, sede, área de atuação, tempo de duração e a natureza pública ou privada.

Nesse contexto, são celebrados, inicialmente, o contrato de consórcio público, previsto no artigo 3º da Lei. Esse primeiro contrato depende da ratificação legislativa do protocolo de intenções e deverá disciplinar a relação das entidades federativas.

A Lei ainda prevê dois outros contratos a serem celebrados. O primeiro é o contrato de rateio, disciplinado no art. 8º, mediante o qual os entes consorciados empregarão recursos, previstos nas respectivas leis orçamentárias, ao consórcio público. São estabelecidas aqui as obrigações de cunho pecuniário.

O segundo contrato é de programa, que com fulcro no art. 13 da Lei, visa regulamentar as obrigações dos entes consorciados, que não sejam de natureza financeira. Esse contrato está previsto também no art. 4º, XI “d”, sendo que da leitura conjunta dos artigos, pode-se concluir que a gestão associada poderá ser feita através de consórcio público, criando uma nova pessoa jurídica ou por acordos de vontade.

Entretanto, insta salientar que o contrato de programa, poderá ser firmado no âmbito interno ou externo do consórcio público. Aqui nos interessa aquele firmado no próprio consórcio público, no qual um ente consorciado assume a obrigação de prestar serviços por órgãos da Administração Direta ou entidade diversa da Administração Indireta.

A personalidade jurídica do consórcio público surge a partir da data que a lei que o instituiu entrar em vigor. Já se regido pelo direito privado, a personalidade terá início “após a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro”, nos termos do artigo 45 do Código Civil.

A responsabilidade dos entes, á luz do art. 37, § 6º da Constituição Federal, é objetiva e quando da sua extinção, até que haja decisão em sentido contrário, os entes responderão de forma solidária.

O artigo 12 da Lei dos consórcios públicos determina, para sua alteração ou extinção, a aprovação pela assembleia geral, ratificado mediante lei de todos os entes consorciados.

 

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os consórcios públicos são importantes para a concretização do federalismo cooperativo e um Estado mais democrático, na medida em que através dele, não há retirada das autonomias dos entes federados, mas surge um meio de relacioná-las, sem lhes tolherem, haja vista que ser os consórcios públicos um negócio voluntário, pautado pelo princípio da eficiência, podendo fortalecer assim a forma de Estado que rege o Brasil.

Pode-se afirmar para que tenha êxito o federalismo instituído pela Constituição da República de 1988, é necessário aplicar mecanismos que incentivem a cooperação federativa, daí a importância de se conhecer bem o instituto dos consórcios públicos, a fim de aplica-lo no desenvolvimento do país.

A atual Constituição Federal ao adotar o Federalismo, trouxe expressamente a previsão dos Consórcios públicos, demonstrando a necessidade destes para a eficácia de tal forma de Estado.

Agora, com os moldes trazidos pela Lei 11.107/05, o novo contorno jurídico dos consórcios público certamente os tornou eficazes e supriu, em grande parte, a carência de ferramentas capazes de torna-los concretos e permitir que eles sanem os problemas que não se alojam apenas nos limites territoriais de um ente federal isolado, mas que prejudica o desenvolvimento do país, sendo, portanto, de responsabilidade dele como um todo, solucioná-lo a fim de alcançar os objetivos constitucionalmente previstos. 

 

REFERÊNCIAS 

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NOTAS DE FIM

[1] Concluinte do Curso de Bacharelado em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva.

[2]BARBOSA e PIRES. Consórcios Públicos: Instrumento do Federalismo Cooperativo: 2008.

[3] MELO JÚNIOR, Dirceu Rodolfo de. O novo regime dos consórcios públicos e o federalismo compartilhado: um desafio para o controle externo brasileiro, 2011.

[4] V.g O artigo 1º da Instrução Normativa nº1 de 97, da Secretaria do Tesouro Nacional – STN – assim define os convênios administrativos:

“instrumento qualquer que discipline a transferência de recursos públicos e tenha como partícipe órgão da administração pública federal direta, autárquica ou fundacional, empresa pública ou sociedade de economia mista que estejam gerindo recursos dos Orçamentos da União, visando a execução de programas de trabalho, projeto/atividade ou evento de interesse recíproco, em regime de mútua cooperação.

[5] BARBOSA e PIRES. Consórcios Públicos: Instrumento do Federalismo Cooperativo: 2008, p 33.

[6] V.g. O artigo 7º, II da Carta Política de 37 previa que a União passaria a ter que prestar auxílio aos Estados Membros em casos de calamidades.

[7] BARBOSA e PIRES. Consórcios Públicos: Instrumento do Federalismo Cooperativo: 2008,p. 34

[8] Informativo 247 do STF

[9]Cumpre salientar que toda vez que nasce um regime político novo, nasce uma nova Carta Política que dá embasamento para a subsistência do Estado, com o Golpe de 64, adveio a Constituição de 1967, que do mesmo modo que a Constituição de 1934 manteve no plano teórico o Estado Federal, porém, sobrepondo a União em detrimento dos Estados membros, daí a expressão “entes federados”. 

[10] BARBOSA e PIRES. Consórcios Públicos: Instrumento do Federalismo Cooperativo: 2008, p 35

[11] BARBOSA e PIRES. Consórcios Públicos: Instrumento do Federalismo Cooperativo: 2008, p. 42

[12] BARBOSA e PIRES. Consórcios Públicos: Instrumento do Federalismo Cooperativo: 2008, p 40

[13] BARBOSA e PIRES. Consórcios Públicos: Instrumento do Federalismo Cooperativo: 2008.

[14] FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo, 2012. p. 225.

[15] MELO JÚNIOR, Dirceu Rodolfo de. O novo regime dos consórcios públicos e o federalismo compartilhado: um desafio para o controle externo brasileiro, 2011. 

[16] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 23ª ed., 2010. 

[17]MELO JÚNIOR, Dirceu Rodolfo de. O novo regime dos consórcios públicos e o federalismo compartilhado: um desafio para o controle externo brasileiro,. 2011, p. 266.

[18] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, 2010.