Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva

Sérgio Henrique Fortes de Castro[1] 

 

RESUMO: O presente artigo busca explanar os efeitos da PEC 209/2012 no ordenamento jurídico brasileiro que almeja um processo seguro, justo, célere e sempre amparado pela Constituição da República.

 

PALAVRAS-CHAVE: PEC 209/2012, efetividade e celeridade, função do Superior Tribunal de Justiça, repercussão geral.

 

Área de Intreresse: Direito Processual

 

1 INTRODUÇÃO 

Um dos grandes desafios atuais do Poder Judiciário brasileiro é, indubitavelmente, aperfeiçoar o seu trabalho com o escopo de dar maior celeridade ao processo e, consequentemente, dar maior eficiência aos provimentos jurisdicionais dele emanados.

Este desafio vem obtendo atenção especial do legislador pátrio, especialmente devido ao exorbitante número de ações que tramitam perante o Poder Judiciário brasileiro, que engessa o sistema e, por consequência, tolhe do jurisdicionado a obtenção de uma razoável duração do processo, conforme garantido no art. 5º, inciso LXXVIII (SARAIVA, 2013, p. 11) da Constituição Federal de 1988. 

Por isso, é constante, por parte dos nossos legisladores, a busca de novas técnicas que são elaboradas e introduzidas em nosso ordenamento jurídico com o escopo de garantir aos jurisdicionados um processo que seja justo e, principalmente, célere.

Dentre as inúmeras alterações já realizadas, destaca-se, por ser objeto de estudo neste trabalho científico, o instituto da repercussão geral, hoje vigente como requisito de admissibilidade para o Recurso Extraordinário (art. 102, §3º, da Constituição Federal) e que se pretende, através da PEC n. 209/2012, estender a aplicação do instituto para o Recurso Especial.

Sabe-se que o próprio Superior Tribunal de Justiça foi criado, com o advento da Constituição Federal de 1988, visando desafogar o Supremo Tribunal Federal, que já estava extremamente sobrecarregado pelo sistema de competências originária e recursal atribuídas pela Constituição ab-rogada (MOREIRA, 2011, p. 291-297).

Com base nessas premissas, passaremos ao estudo da PEC 209/2012, procurando refletir sobre a extensão do instituto processual da repercussão geral ao Recurso Especial e as consequências daí advindas, especialmente no que tange às garantias fundamentais previstas na Constituição Federal de 1988. 

 

2 TEMPO E PROCESSO: a eterna luta entre efetividade e celeridade 

A Constituição Federal prevê, dentre outras garantias fundamentais, o devido processo legal, a razoável duração do processo e a celeridade processual. Dessa maneira, cumpre à legislação processual atender, da maneira mais eficiente possível, ao pleito daquele que exerceu o seu direito de obter uma prestação jurisdicional, bem como daquele que resistiu à pretensão apresentando defesa. (TUCCI, 2000, p. 235).

O art. 8º, inciso I, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que introduziu as garantias processuais ao sistema brasileiro, preconiza:

“Toda pessoa tem direito de ser ouvida com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, instituído por lei anterior, na defesa de qualquer acusação penal contra ele formulada, ou para a determinação de seus direitos e obrigações de ordem civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza” […]

Após a assinatura e ratificação do tratado internacional (Pacto de San José da Costa Rica) pelo Brasil, adveio a Emenda Constitucional n. 45/2004, denominada Reforma do Judiciário, que, além de outras substanciais alterações, acrescentou ao art. 5º, da Constituição Federal, o inciso LXXVIII, que dispõe: “LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação” (SARAIVA, 2013, p. 11).

Assim, com a vigência da Emenda Constitucional n. 45/2004, o ordenamento jurídico brasileiro passou a ter o dever de criar mecanismos com o escopo de garantir a razoável duração do processo aos jurisdicionados.

É importante ressalvar que alguns estudiosos entendem que a razão da morosidade do Poder Judiciário brasileiro se dá em razão do formalismo excessivo presente no Código de Processo Civil, e não o excesso de recursos (TAKOI, 2007, p. 57).

Neste ponto, é de bom alvitre citar trecho do voto do Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, em que ele foi vencido parcialmente, proferido por ocasião do julgamento dos Embargos de Divergência no REsp n. 449.486-PR, em que o referido Ministro faz uma interessante reflexão sobre o excesso de formalismo no Poder Judiciário brasileiro:

Sr. Presidente, tenho medo de tirania, e tenho impressão de que a pior das tiranias, é a tirania do juiz. Os magistrados brasileiros começam a sofrer de algo que eu chamaria de “síndrome do açougueiro”.

Veja-se porque: o criador vê em uma rês a manifestação de vida e força. Já o açougueiro enxerga naquela rês a morte e os pedaços que renderá para seu açougue.

O excesso de trabalho e o cientificismo processual fazem o juiz examinar processo em busca de uma falha que justifique o não conhecimento. O juiz brasileiro, hoje, alegra-se quando consegue não conhecer do recurso. Faz assim, não por maldade, mas por excesso de trabalho (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Embargos de Divergência no Recurso Especial n. 449.486-PR. Embargante: Instituto Nacional do Seguro Social – INSS. Embargado: João Vicente Alves. Relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito. Brasília, 02 de junho de 2004. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=454826&sReg=200300500293&sData=20040906&formato=PDF> Acesso em 10 de junho de 2013).

Tais posicionamentos advêm, certamente, da dificuldade encontrada não só pela doutrina brasileira, mas, também pela jurisprudência, no que tange à compatibilização de uma razoável duração do processo com as garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa. (THEODORO JUNIOR; NUNES; BAHIA, 2009, p. 09-46).

Entretanto, reformas processuais como a trazida pela Emenda Constitucional n. 45/2004, tem sido uma tendência não só no Direito brasileiro, como também em vários outros países do mundo, justificado pelo fato de que a razoável duração do processo está inserida dentro dos direitos do homem acobertados pela maioria dos povos civilizados, contemporaneamente (THEODORO JUNIOR; NUNES; BAHIA, 2009, p. 09-46).

A partir dessa reflexão acerca do que deve prevalecer – se um processo célere ou se um processo que respeite inequivocamente o contraditório e a ampla defesa – nasce uma eterna luta entre a efetividade e a celeridade processual, ainda sem um denominador comum.

Mas, se o Pacto de San José da Costa Rica foi assinado e ratificado pela República Federativa do Brasil, o nosso ordenamento jurídico absorveu, como garantia constitucional, a razoável duração do processo, o que possibilitou a criação de mecanismos processuais semelhantes ao da Repercussão Geral e outros “filtros” de recursos.

Não é por motivo diferente que, atualmente, através da promulgação da Emenda Constitucional n. 45/2004, o inciso LXXVIII foi introduzido ao art. 5º, da Constituição Federal de 1988, inserindo a razoável duração do processo como um Direito fundamental do jurisdicionado.

Mas, a necessidade de se adequar o Direito fundamental a uma razoável duração do processo com outras garantias constitucionais advém do próprio texto constitucional, especificamente no art. 5º, §2º, que dispõe:

§2º – Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte (SARAIVA, 2013, p. 11).

A briga eterna entre efetividade e celeridade existe para que o Direito não se volte contra sua própria natureza e se faça engessar por medidas meramente temporárias e que não proporcionarão o resultado prático desejado (ARRUDA, 2006, p. 375).

 

3 REPERCUSSÃO GERAL: conceito, aplicação e abrangência 

Conforme já dito, a Emenda Constitucional n. 45/04 introduziu no ordenamento jurídico pátrio a garantia constitucional do jurisdicionado em obter uma prestação jurisdicional em tempo razoável e, também, instituiu o regime da repercussão geral como um dos requisitos para o cabimento de Recurso Extraordinário.

A Emenda Constitucional n. 45/04 acrescentou ao art. 102, da Constituição Federal, o §3º, que dispõe:

§ 3º No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros (SARAIVA, 2013, p. 42).

 

O Supremo Tribunal Federal descreve o instituto da repercussão geral: 

A Repercussão Geral é um instrumento processual inserido na Constituição Federal de 1988, por meio da Emenda Constitucional 45, conhecida como a “Reforma do Judiciário”. O objetivo desta ferramenta é possibilitar que o Supremo Tribunal Federal selecione os Recursos Extraordinários que irá analisar, de acordo com critérios de relevância jurídica, política, social ou econômica. O uso desse filtro recursal resulta numa diminuição do número de processos encaminhados à Suprema Corte. Uma vez constatada a existência de repercussão geral, o STF analisa o mérito da questão e a decisão proveniente dessa análise será aplicada posteriormente pelas instâncias inferiores, em casos idênticos. A preliminar de Repercussão Geral é analisada pelo Plenário do STF, através de um sistema informatizado, com votação eletrônica, ou seja, sem necessidade de reunião física dos membros do Tribunal. Para recusar a análise de um RE são necessários pelo menos 8 votos, caso contrário, o tema deverá ser julgado pela Corte. Após o relator do recurso lançar no sistema sua manifestação sobre a relevância do tema, os demais ministros têm 20 dias para votar. As abstenções nessa votação são consideradas como favoráveis à ocorrência de repercussão geral na matéria (BRASIL Supremo Tribunal Federal. Glossário Jurídico. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/glossario/verVerbete.asp?letra=R&id=451>. Acesso em 10 de junho de 2013). 

HUMBERTO THEODORO JÚNIOR ensina sobre a conceituação legal de decisão que oferece repercussão geral: 

Para justificar o recurso extraordinário, não basta ter havido discussão constitucional no julgado recorrido. O STF não conhecerá do recurso “quando a questão constitucional nele versada não oferecer repercussão geral” (art. 543-A, caput).

Por repercussão geral, a lei entende aquela que se origina de questões que “ultrapassam os interesses subjetivos da causa”, por envolver controvérsias que vão além do direito individual ou pessoal das partes. É preciso que, objetivamente, as questões repercutam fora do processo e se mostrem “relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico” (art. 543-A, §1º). (JUNIOR, 2010. p. 651)

FREDIE DIDIER JÚNIOR e LEONARDO JOSÉ CARNEIRO DA CUNHA (2009, p. 331) também ensinam sobre o instituto da repercussão geral: 

A EC n. 45/2004 acrescentou o §3º ao art. 102 da CF/88, inovando em matéria de cabimento do recurso extraordinário. Prescreve o dispositivo o ônus do recorrente de demonstrar a “repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso”, a fim de que o “tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços dos seus membros”. Embora seja da competência das turmas do STF o julgamento do recurso extraordinário, a análise dessa questão preliminar deve ser feita pelo Pleno, a quem devem ser remetidos os autos.  

Nessa nova sistemática processual, portanto, é ônus do recorrente, além de fundamentar o seu recurso extraordinário em uma das hipóteses de cabimento previstas no art. 105, inciso III, da Constituição Federal de 1988, demonstrar que a matéria que ele pretende levar à apreciação do Supremo Tribunal Federal possui repercussão geral.

E para cumprimento deste requisito de cabimento do recurso extraordinário, nos termos do art. 543-A, §2º, do Código de Processo Civil, cabe ao recorrente, em preliminar, elaborar tópico específico em seu recurso extraordinário demonstrando que a questão que ele pretende levar à apreciação do Supremo Tribunal Federal detém relevância do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico (DIDIER JR, 2009. p. 332).

A Constituição estabeleceu, ainda, que a repercussão geral somente será reconhecida por meio do voto da maioria absoluta dos membros do Supremo Tribunal Federal, os quais deverão analisar a relevância do caso concreto apresentado, sob o ponto de vista econômico, político, social ou jurídico (NUNES, et al, 2011. p. 347)

O quórum qualificado de maioria absoluta tem justificativa nas consequências advindas da decisão que julgar uma causa em que se tenha reconhecido a repercussão geral da matéria constitucional (DANTAS, 2010. p. 211).

DIERLE NUNES, ALEXANDRE BAHIA, BERNARDO RIBEIRO CAMARA e CARLOS HENRIQUE SOARES (2011, p. 348) comentam, em termos gerais, as consequências do julgamento de uma questão constitucional em que se reconheceu a repercussão geral: 

Dessa forma, tribunais e turmas de recursos de juizados especiais têm parâmetros para não enviar RE e agravos sobre matérias que já tiveram a questão “definida”. Se não há repercussão, os casos são arquivados. Havendo repercussão e julgado o mérito de um tema com repercussão geral, aqueles juízos aplicarão esse entendimento aos recursos sobrestados. 

Nota-se, portanto, que introdução do regime da repercussão geral no ordenamento jurídico brasileiro teve por escopo atingir as causas repetitivas e que transcendem os interesses subjetivos das partes litigantes, conforme bem ponderado por HUMBERTO THEODORO JUNIOR (2010, p.653): 

Como se vê, a repercussão geral, disciplinada pela Lei nº 11.418/2006, editada com o fito de reduzir o excessivo e intolerável volume de recursos a cargo do STF, não teve como objeto principal e imediato os extraordinários manejados de maneira isolada por um ou outro litigante. O que se ataca, de maneira frontal, são as causas seriadas ou a constante repetição das mesmas questões em sucessivos processos, que levam à Suprema Corte milhares de recursos substancialmente iguais, o que é muito frequente, v.g., em temas de direito público, como os pertinentes aos sistemas tributário e previdenciário, e ao funcionalismo público. A exigência de repercussão geral em processos isolados, e não repetidos em causas similares, na verdade, não reduz o número de processos no STF, porque, de uma forma ou de outra, teria aquela Corte de enfrentar todos os recursos para decidir sobre a ausência do novo requisito de conhecimento do extraordinário. 

E nesse contexto, a Lei n. 11.418/2006, introduziu ao Código de Processo Civil os artigos 543-A e 543-B. O primeiro regulamenta a demonstração de repercussão geral no recurso extraordinário, enquanto o segundo trata dos casos em que houver multiplicidade de recursos com idêntico fundamento.

No caso do art. 543-B, do Código de Processo Civil, a análise da repercussão geral será processada conforme o disposto no regimento interno do Supremo Tribunal Federal, observado as regras gerais dispostas no referido dispositivo legal.

É na hipótese do art. 543-B que HUMBERTO THEODORO JÚNIOR (2010, p. 653) vislumbra o melhor resultado prático para o escopo da criação do instituto da repercussão geral: 

O grande feito redutor dar-se-á pelos mecanismos de represamento dos recursos iguais nas instâncias de origem, os quais, à luz do julgado paradigma do STF, se extinguirão sem subir à sua apreciação (art. 543-B, §2º); e ainda pela extensão do julgado negativo do STF de um recurso a todos os demais em tramitação sobre a mesma orientação (art. 543-A, §5º). 

Todo esse esforço legislativo tem por escopo consolidar a finalidade “eminentemente política” do Recurso Extraordinário, sendo que tal finalidade não o exclui do rol de institutos processuais que visam impugnar as decisões judiciárias, com o escopo de reformá-las (THEODORO JÚNIOR, 2010, p. 656). 

 

4 A FUNÇÃO DO STJ E A IMPORTÂNCIA DO RECURSO ESPECIAL COMO INSTRUMENTO DE UNIFORMIZAÇÃO DA INTERPRETAÇÃO DO DIREITO FEDERAL 

O Superior Tribunal de Justiça tem como função primordial a uniformização da interpretação da legislação infraconstitucional, e o recurso especial, por consequência, não tem por escopo principal a correção de injustiças da decisão recorrida. (DIDIER JÚNIOR, p. 316).

MISAEL MONTENEGRO FILHO (2009, p. 170) ensina sobre as particularidades que diferenciam os recursos extremos dos outros recursos previstos em nosso ordenamento jurídico: 

Como premissa necessária à compreensão das espécies em exame, devemos fixar a ratio da existência dos recursos especial e extraordinário, que se afastam em termos de requisitos e de finalidades, de todos os demais recursos previstos de forma taxativa na Lei Processual Civil.

O tema sobre o qual nos debruçamos neste instante passa pela análise da constatação de que o STF e o STJ não se apresentam como terceira instância, aberta após o esgotamento da denominada instância ordinária (1º e 2º Graus de Jurisdição). A finalidade dos dois tribunais não é a de rever errores in judicando dos magistrados do 1º Grau de Jurisdição e dos tribunais, ou seja, não se prestam à análise dos elementos de fato dos processos judiciais que lhes são confiados. 

Nesse ínterim, a competência atribuída pela Constituição Federal de 1988 ao Superior Tribunal de Justiça tem por objetivo a proteção do direito objetivo, no caso do recurso especial, da uniformização da interpretação da legislação infraconstitucional, evitando que a variedade de interpretação possa desvirtuar o seu sentido (FILHO, 2009, p. 171).

Essa diferenciação de tratamento dado aos recursos extremos possui fincas no fato de que a Constituição Federal de 1988, ainda que de forma implícita (FILHO, 2009, p. 19), garante aos cidadãos apenas o Direito ao duplo grau de jurisdição.

Assim, o recurso especial é um importante instrumento processual para a efetivação da função primordial do Superior Tribunal de Justiça, que é a uniformização da interpretação da legislação infraconstitucional.

Se a proposta de emenda a constituição supramencionada for aprovada irá obstar que Superior Tribunal de Justiça atue como mera duplicação da segunda instância, porque o seu papel, conforme foi demonstrado, será, exclusivamente, o de analisar causas de relevância federal (SOARES, 2005). 

 

5 A PEC N. 209/2012 

A partir do modelo adotado para o recurso extraordinário, começou a tramitar no Congresso Nacional a Proposta de Emenda à Constituição n. 209/2012, que visa estender a aplicação da sistemática da repercussão geral, também, ao recurso especial, dirigido ao Superior Tribunal de Justiça.

Na justificação da PEC n. 209/2012, a deputada que elaborou o projeto citou números obtidos pelo Supremo Tribunal Federal depois da regulamentação do instituto da repercussão geral, demonstrando a efetividade do instituto para a diminuição do número de recursos que chegam ao Supremo: 

No entanto, ao exercício dessa competência, soerguem-se problemas de congestionamento similares aos que suscitaram estabelecer, no âmbito dos recursos extraordinários (competência do Supremo Tribunal Federal), a introdução do requisito da repercussão geral à sua admissibilidade. Conforme se pôde depreender numericamente no caso da Excelsa Corte, quanto à distribuição processual, de 159.522 (cento e cinquenta e nove mil, quinhentos e vinte e dois) processos em 2007 (ano em que a Lei 11.418, de 19 de dezembro de 2006, entrou em vigor, regulamentando infraconstitucionalmente o § 3º do art. 102, da Constituição Federal), reduziu-se para 38.109 (trinta e oito mil, cento e nove) processos em 2011. (Disponível em <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=3AFECB25E4E7B0372C6A3F4EF1A36A85.node1?codteor=1020915&filename=Tramitacao-PEC+209/2012> Acesso em 10/06/2013) 

Sendo assim, a PEC n. 209/2012 tem o escopo de aproximar o jurisdicionado das inovações introduzidas pelas recentes reformas que tiveram por fito dar efetividade ao Direito fundamental do cidadão a uma duração razoável do processo, conforme também exposto na justificação da PEC: 

Resta por necessária a adoção do mesmo requisito no tocante ao recurso especial, recurso esse de competência do STJ. A atribuição de requisito de admissibilidade ao recurso especial suscitará a apreciação de relevância da questão federal a ser decidida, ou seja, devendo-se demonstrar a repercussão geral, considerar-se-á a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa. Atualmente, vige um modelo de livre acesso, desde que atendidos os requisitos já explicitados como constantes do inciso III, do art. 105, da Constituição Federal. De tal sorte, acotovelam-se no STJ diversas questões de índole corriqueira, como multas por infração de trânsito, cortes no fornecimento de energia elétrica, de água, de telefone. Ademais, questões, inclusive já deveras e repetidamente enfrentadas pelo STJ, como correção monetária de contas do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) que, nos primeiros 16 (dezesseis) anos de funcionamento do STJ, respondeu por cerca de 21,06% do total de processos distribuídos, um quantitativo de vultosos 330.083 (trezentos e trinta mil e oitenta e três) processos. 

Portanto, é de bom alvitre estender ao recurso especial a sistemática da repercussão geral, uma vez que permitirá o bom funcionamento do Superior Tribunal de Justiça na sua função primordial de uniformização da interpretação da legislação infraconstitucional e, via de consequência, permitirá uma resposta jurisdicional mais célere e efetiva.

 

6 O CIVIL LAW E O COMMON LAW NO DIREITO BRASILEIRO: overruling e o distinguishing 

Para a efetivação desta sistemática no recurso especial, é necessário a utilização de alguns mecanismos originários do civil law e do common law, com o escopo de não engessar o sistema de interpretação da norma infraconstitucional e, assim, permitir que o Direito evolua de acordo com os anseios sociais.

Nessa busca de um sistema que permita a coexistência de um filtro recursal e de um sistema de revisão pontual desses entendimentos firmados, é que o Direito brasileiro sofre, cada vez mais, influências do common law em suas decisões.

Sobre essa influência, manifestou-se o Ministro LUIZ FUX, por ocasião do julgamento do Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n. 795.809 / RS: 

O Sistema processual adotado pelo código de processo civil, conferindo força à jurisprudência do E. STF no sentido de submeter as corte inferiores ao seu entendimento nos casos de repercussão geral, aproxima-se do regime vigorante na common law, que, em essência, prestigia a isonomia e a segurança jurídica, clausulas pétreas inafastáveis de todo e qualquer julgamento. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n. 795.809 / RS. Agravante: União. Agravado: Carlos Pereira Goulart. Relator Min. LUIZ FUX. Brasília, 18 de dezembro 2012. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=3418651> Acesso em 09/06/2013.

E a partir dessa influencia do common law no nosso ordenamento jurídico (que segue majoritariamente os princípios do civil law) poderão surgir vários mecanismos efetivos advindos dessa união dos dois sistemas fazendo com que a análise de um dispositivo de lei e a utilização dos costumes construídos pela jurisprudência, sejam utilizados concomitantemente no momento da solução definitiva de um litígio pelo Poder Judiciário (THEODORO JUNIOR; NUNES; BAHIA, 2010, p. 9-52)

Essa evolução do Direito brasileiro tem por princípio a utilização da hermenêutica jurídica[2] para solução efetiva dos litígios, que permite ao operador do direito que, utilizando-se concomitantemente dos dispositivos legais (civil law) e dos costumes (common law), possa buscar a melhor solução para o litígio.

Com isso, deixa-se de lado a ideia de que o magistrado sempre será a “boca da lei”[3], e passa-se a um sistema que pondera tanto a vontade do legislador, quanto as reiteradas decisões dos Tribunais sobre a questão.

No caso da utilização da repercussão geral no recurso especial, se aprovada a PEC n. 209/2012, a utilização desse sistema misto (common law e civil law), contribuiria para que as decisões proferidas nesta sistemática tivessem maior celeridade e um alcance efetivo na sociedade com um todo.

A ideia de decidir os litígios inspirando em decisões sumuladas em jurisprudências pátrias pode gerar certa insegurança jurídica. Esta ideia, todavia, pode ser afastada pela existência de duas técnicas para o impedimento da consolidação (engessamento) das decisões que são o overruling e o distinguishing (THEODORO JUNIOR; NUNES; BAHIA, 2010, p. 9-52).

Sobre o tema, doutrinam DIERLE NUNES e HUMBERTO THEODORO JUNIOR que o overruling refere-se a possibilidade dos demandantes postularem perante a Corte que emitiu o precedente (ou esta fazê-lo de ofício) a releitura do antigo precedente mostrando as alterações nas hipóteses fáticas/jurídicas que lhes deram origem (2010, p. 42).

Já o distinguishing é uma forma de se fugir ao rigor dos precedentes; pode-se mostrar que o caso possui particularidades que o diferenciam, ou seja, para além das similaridades, advoga-se para que o Tribunal julgue o caso em razão de novas questões jurídicas (ou de particularidades fáticas) não pensadas ou discutidas nos precedentes (2010, p. 42)

 

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como é sabido, o Superior Tribunal de Justiça encontra-se diante de muitos Recursos Especiais para serem apreciados. Semelhante situação vivenciou o Supremo Tribunal Federal, quando precisava analisar os Recursos Extraordinários.

Assim, houve a possibilidade de implementar a repercussão geral como requisito de admissibilidade dos recursos que eram destinados ao Supremo Tribunal Federal.

Diga-se de passagem, a necessidade de demonstrar a repercussão geral como requisito para a admissibilidade dos Recursos Extraordinários provou grande redução no número de recursos destinados ao colendo Supremo Tribunal Federal (BRASIL, Câmara dos Deputados, Disponível em http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1036629&filename=PRL+1+CCJC+%3D%3E+PEC+209/2012. Acessado em 02 de junho de 2013).

A proposta de emenda à Constituição (PEC 209/2012) tem como objetivo acrescentar o §1º no artigo 105 da CR/88, para que exija no Recurso Especial a demonstração de relevância, social econômica, jurídica ou política (aplicação do instituto da repercussão geral).

O presente filtro processual é observado com bons olhos por muitos operadores do direito; pois possibilitará que o Estado por meio do judiciário exerça o seu poder de jurisdição de maneira mais efetiva e célere.

Ademais, a proposta de emenda à constituição em análise demonstra uma relação harmônica com a Constituição da República de 1988, pois, preconiza em seu teor a razoável duração do processo.

Além disso, à presente PEC nos revela um amparo de muita valia para o judiciário brasileiro; pois, possibilitará ao Superior Tribunal de Justiça o descongestionamento processual.

Aliado ao descongestionamento processual teremos como resultado o afastamento da insegurança injurídica em todo o ordenamento jurídico; pois caberão as turmas do colendo Superior Tribunal de Justiça analisar cada caso com maior preciosismo, projetando assim jurisprudências cristalinas e que por ventura poderão se transformar em súmulas que servirão de parâmetro para todo o judiciário brasileiro.

Assim, os juízes de primeiro e segundo grau serão amparados com melhores jurisprudências, possibilitando assim julgamentos com mais qualidade, com menos índices de erros.

Com isso, resta demonstrado os benefícios inerente da PEC 209/2012, a qual presenteará todo o ordenamento jurídico, que poderá proferir sentenças com maior celeridade e eficiência.

 

REFERÊNCIAS 

ARRUDA, Samuel Miranda. O Direito Fundamental à Razoável Duração do Processo. Brasília: Brasília Jurídica, 2006.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Embargos de Divergência no Recurso Especial n. 449.486-PR. Embargante: Instituto Nacional do Seguro Social – INSS. Embargado: João Vicente Alves. Relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito. Brasília, 02 de junho de 2004. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=454826&sReg=200300500293&sData=20040906&formato=PDF>. Acesso em 10 de junho de 2013. 

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Glossário Jurídico. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/glossario/verVerbete.asp?letra=R&id=451>. Acesso em 10 de junho de 2013.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n. 795.809 / RS. Agravante: União. Agravado: Carlos Pereira Goulart. Relator Min. LUIZ FUX. Brasília, 18 de dezembro 2012. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=3418651> Acesso em 09/06/2013. 

Dantas, Bruno. Repercussão Geral. 2ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. 

DIDIER JUNIOR., Fredie Didier e CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil. 8 ª Ed. Salvador: Juspodivm, 2010. 

DIDIER JUNIOR., Fredie Didier e CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil. 10 ª Ed. Salvador: Juspodivm, 2012. 

FILHO, Misael Monteiro. Curso de Direito Processual Civil. 5ª Ed. São Paulo: Atlas, 2009.

FREITAS, Rose. Proposta de emenda à Constituição 209/2012. Câmara dos Deputados, Brasília, 23 agosto 2012. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=553947>. Acesso em 5 de novembro de 2012.

MANCUSO, Rodolfo Camargo de. Recurso Extraordinário e Recurso Especial. 10ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. 

MARCONI, Marina de Andrade, LAKATOS, Eva Maria. Metodologia Científica. São Paulo: Atlas, 2010. 

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de Conhecimento. 10 Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. 

MOREIRA, Fernando Mil Homens; NOVAIS, Fabrício Murad. Reflexões sobre o cabimento do recurso extraordinário e do papel do recurso especial na ordem constitucional brasileira: premissas para uma discussão séria. Revista de Processo. Ano 36. n. 198. Fev-2011. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. 

MEDINA, José Miguel Garcia. O Prequestionamento nos Recursos Extraordinário e Especial. 4 ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

MOREIRA, Fernando Mil Homens; NOVAIS, Fabrício Murad. Reflexões sobre o cabimento do recurso extraordinário e do papel do recurso especial na ordem constitucional brasileira: premissas para uma discussão séria. Revista de Processo. Ano 36. n. 198. Fev-2011. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. 

NERY JÙNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil Comentado. 11ª Ed. São Paulo: Revista do Tribunais, 2010. 

NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre; CAMARA, Bernardo Ribeiro; SOARES, Carlos Henrique. Curso de Direito Processual Civil Fundamentação e Aplicação. 1ª Ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011. 

SARAIVA. Vademecum Saraiva. 15ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2013. 

Soares, Ribamar. Recurso Especial – Repercussão Geral. Biblioteca Digital Câmara, Brasília, dezembro. 2005. Disponível em: <http://bd.camara.leg.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/1449/recurso_especial_soares.pdf?sequence=1>. Acesso em 11 de maio de 2013. 

THEODORO JÚNIOR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre. Litigiosidade em massa e repercussão geral no recurso extraordinário. Revista de Processo. Ano 34. n. 177. Novembro de 2009. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. 

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 51ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010.

THEODORO JÚNIOR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre. Revista de Processo. N. 189. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. 

TAKOI, Sérgio Massaru. O Princípio Constitucional da Duração Razoável do Processo (art. 5º LXXVIII da CF/88) e sua aplicação no Direito Processual Civil. São Paulo: FACULDADE AUTÔNOMA DE DIREITO – FADISP, 2007. Disponível em http://www.fadisp.edu.br/download/sergio_takoi.pdf. Acesso em 10 de junho de 2013. 

TUCCI, José Rogério Cruz e. Garantias Constitucionais do Processo Civil. 1ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. 

TAKOI, Sérgio Massaru. O Princípio Constitucional da Duração Razoável do Processo (art. 5º LXXVIII da CF/88) e sua aplicação no Direito Processual Civil. São Paulo: FACULDADE AUTÔNOMA DE DIREITO – FADISP, 2007. Disponível em http://www.fadisp.edu.br/download/sergio_takoi.pdf. Acesso em 10 de junho de 2013.

 


NOTAS DE FIM

[1] Graduando em direito pelo Centro Universitário Newton Paiva

[2] Entende-se como hermenêutica jurídica toda análise realizada em determinado caso concreto. Porém, trata-se de uma análise que se utiliza de um fenômeno jurídico, pelo qual, o operador do direito busca interpretar os dispositivos legais com a exclusão do pré-conceito já elaborado, construindo assim a resposta correta à luz do caso concreto bem como sob a égide de uma comunidade de princípios. (DWORKIN, império do direito).

[3]  Expressão utilizada após a Revolução Francesa, que preconizava que os juízes deveriam aplicar, de forma mecânica, as leis elaboradas pelo poder legislativo. ( MARQUES, Luiz Guilherme. Boca da Lei. Revista Jus Vigilantibus, 15 de fevereiro de 2007. Disponível em: <http://jusvi.com/artigos/23218.> Acesso em 10 de junho de 2013.