Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva

Marco Afonso Batista da Silva Júnior [1]

 

RESUMO: Em sua essência, todo trabalho conta, historicamente, com uma contraprestação remuneratória variável de acordo com a atividade exercida. O sistema remuneratório no serviço público é um ponto confuso e nebuloso, permitindo que agentes públicos inescrupulosos ampliem infinitamente seus rendimentos às custas do erário, em detrimento do interesse público. Para por fim a tal abuso, a EC 19/98 inseriu o inciso XI ao art. 37, limitando a remuneração máxima percebida pelos agentes públicos ao subsídio dos Ministros do STF. Esta limitação, entretanto, cria distorções absurdas nas hipóteses de acumulação remunerada de cargos públicos, constitucionalmente permitidas pelo texto do art. 37, XVI CR/88, inserido pela mesma emenda constitucional. Na última década, o STF, o CNJ e até mesmo Deputados Federais enfrentaram parcialmente tal controvérsia procurando disciplinar a aplicação do teto constitucional, o qual era interpretado como geral e irrestrito por diversos julgadores. Considerando as decisões daqueles órgãos e fazendo uma análise sistemática da Constituição da República, concluímos que a fixação de um teto salarial único para os agentes públicos em geral não se afigura lícita nos casos de cumulação de cargos públicos remunerados com permissão constitucional.

 

PALAVRAS-CHAVE: teto remuneratório constitucional; cumulação de cargos; (in)constitucionalidade. 

 

Área de Interesse: Direito Administrativo e Direito Constitucional 

 

1 INTRODUÇÃO 

Desde os primórdios da humanidade, o labor sempre tem sido a atividade mais básica e essencial do ser humano, configurando-se como o principal meio de subsistência da espécie humana. Nas palavras de Marx (1984): 

O primeiro pressuposto de toda história humana é, naturalmente a existência de indivíduos humanos vivos. O primeiro ato histórico destes indivíduos, pelo qual se distinguem dos animais, não é o fato de pensar, mas o de produzir seus meios de vida. (MARX, 1984, p. 22). 

Assim, a história do trabalho se confunde com a história da própria humanidade de uma forma geral. Não obstante sua extensa trajetória e as inúmeras modificações sofridas ao longo de todo esse tempo, todas as suas etapas e modalidades do trabalho: 1)coletiva e solidária das sociedades tribais; 2)produção tributária da sociedade asiática; 3)trabalho escravo; 4)a servidão da sociedade feudal e 5)o trabalho assalariado da sociedade capitalista (adotando a classificação de Knapic, 2004) têm como consequência direta a conquista de meios para a satisfação das necessidades humanas: desde as mais básicas (como alimentação e habitação) às mais esdrúxulas. Neste ponto, é interessante observar que – afastando os juízos de valoração – até mesmo as atividades ilícitas se prestam essencialmente ao mesmo objetivo.

Temos assim, que o trabalho – independentemente de sua modalidade – conta, historicamente, em sua essência, com uma contraprestação remuneratória variável de acordo com a atividade efetivamente exercida em uma dada época.

Ignorando tal fato, a versão atual da Constituição da República Federativa do Brasil (CR/88), traz em seu Art. 37, XI a seguinte dicção: 

Art. 37, XI. A remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos. (Art. 37,XI da Constituição da República, 1988) [grifos nossos] 

Tal dispositivo legal traz uma limitação clara e expressa à remuneração percebida pelos detentores de cargos públicos vinculados à administração pública direta e indireta de todos os entes federativos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios). Limitação esta que causa distorções absurdas, podendo penalizar o servidor público que acumula dois cargos constitucionalmente permitidos pelo inciso XVI do mesmo artigo. A sua interpretação literal ensejaria a esdrúxula situação na qual o servidor pouco ou nada receberia pelo exercício do segundo cargo público. Essa situação absurda pode ser exemplificada com clareza tomando por base os Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) – cujos subsídios são adotados como teto remuneratório nacional – que poderiam acumular um cargo de professor em universidades públicas à sua função pública de Ministros do STF. Esta hipótese, totalmente legal e extremamente interessante – vez que estimularia a ampliação da qualidade do ensino público – configurar-se-ia como uma hipótese de trabalho absolutamente gratuito. O pagamento de quaisquer valores – por menores que sejam – pelo exercício da docência no setor público excederia o teto remuneratório previsto pelo Art. 37, XI, configurando-se como uma ilegalidade.

A situação fática e jurídica ora apresentada, certamente, nos desperta estranheza e indignação, suscitando diversos questionamentos acerca da legalidade da mesma, bem como de situações correlatas. Diante deste imbróglio, indaga-se se o exercício de cargos ou funções públicas, acumulados com a devida autorização constitucional, sem a justa remuneração pelos serviços prestados estaria em conformidade ao ordenamento jurídico pátrio, ou seja, a incidência do teto salarial nas hipóteses de cumulação remunerada constitucionalmente permitidas é plenamente constitucional? 

 

2 FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS 

A Constituição da República do Brasil assim dispõe em seu art. 1º: 

Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I – a soberania;

II – a cidadania

III – a dignidade da pessoa humana;

IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V – o pluralismo político.

(Art. 1º da Constituição da República, 1988) [grifos nossos] 

Mais que um princípio, a dignidade da pessoa humana, estampada logo no 1º artigo (inc. III) da Lei Maior, afigura-se como a essência, ou o núcleo basilar e informador de todo o nosso ordenamento jurídico, exercendo – nas palavras de SANTOS, E. R. (2003) – “um papel axiológico na orientação, interpretação e hermenêutica do sistema constitucional”.

Logo após a dignidade da pessoa humana, nosso Magno Texto Republicano (1988), fixa, em seu inciso IV (ainda do art. 1º), “os valores sociais do trabalho[…]” como outro importante fundamento da nossa república. De fato, ambos os fundamentos (Dignidade e Trabalho) estão intimamente relacionados. Milênios de atividades laborativa, em suas mais diversas modalidades e expressões, permitiram-nos consolidar o entendimento de que o trabalho é, sem sombra de dúvidas, um dos instrumentos mais relevantes para a afirmação e realização do ser humano.

Antes mesmo da promulgação da Constituição de 1988, o Brasil, como signatário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada em 10 de dezembro de 1948 pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas – ONU, já assumia uma postura extremamente ética e responsável, em defesa do trabalho digno e com uma remuneração justa e satisfatória, nos termos do art. XXIII da referida Declaração: 

Artigo XXIII

1.Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.

2. Todo ser humano, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho.

3. Todo ser humano que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social. (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1948) 

Contraditoriamente, ao inserir o inciso XI ao art. 37 da CR/88, a Emenda Constitucional nº 19 de 4 de junho de 1998 criou, para as hipóteses possíveis de cumulação de cargos públicos uma limitação salarial, ao determinar que a remuneração e o subsídio, decorrentes da cumulação dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros  de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderá exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do STF.

Conquanto imposta em face do interesse público, tal limitação salarial cria distorções absurdas nas hipóteses de acumulação remunerada de cargos públicos, constitucionalmente permitida pelo texto art. 37, XVI da CR/88. 

Art. 37, XVI. É vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI:

a)de dois cargos de professor;

b)de um cargo de professor com outro técnico ou científico;

c)de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas.

(Art. 37,XVI da Constituição da República, 1988) 

Conforme evidenciado pelo inciso acima, a título de exemplo, embora o exercício da docência seja passível de acumulação com cargos públicos, em observância estrita ao teto salarial fixado pelo inciso XI ainda do art. 37 (CR/88), tal prática – em determinadas situações – deveria ser exercida mediante ínfimo ou nenhum pagamento, conforme a remuneração do 1º cargo do servidor público se aproxime do teto salarial (o subsídio dos Ministros do Supremo Tribunal Federal).

Distorções como essas atentam claramente contra os princípios da Dignidade da pessoa humana e do Valor Social do Trabalho, na medida em que determinam que o servidor público exerça o seu trabalho com toda perfeição técnica exigida para o cargo cumulado sem, no entanto, oferecer-se uma contraprestação remuneratória adequada. A aberração torna-se ainda mais evidente quando constatamos que esta limitação é imposta apenas ao exercício de cargos públicos, estando o servidor plenamente livre para exercer a mesma docência aventada acima, porém, no setor privado, percebendo a integralidade da remuneração devida para a função.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2012) observa que mesmo o servidor que esteja em regime de acumulação (constitucionalmente permitida) se sujeita a um teto remuneratório único que incidirá sobre a soma da dupla retribuição pecuniária percebida em razão das atividades laborais (públicas) exercidas cumulativamente. Esta interpretação fundamenta-se não somente no art. 37, XI da CR/88, mas também na vedação expressa no final do inciso XVI do mesmo artigo, ao impor a observância obrigatória – em qualquer dos casos de cumulação remunerada permitida – o disposto no inciso XI. No mesmo sentido, o parágrafo 11 do artigo 40 da CR/88, reitera essa limitação aplicando-a, inclusive, aos proventos percebidos em razão de aposentadoria ainda que cumulados com outros proventos ou remunerações oriundas de cargos constitucionalmente acumuláveis. 

Art. 40, § 11. Aplica-se o limite fixado no art. 37, XI, à soma total dos proventos de inatividade, inclusive quando decorrentes da acumulação de cargos ou empregos públicos, bem como de outras atividades sujeitas a contribuição para o regime geral de previdência social, e ao montante resultante da adição de proventos de inatividade com remuneração de cargo acumulável na forma desta Constituição, cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração, e de cargo eletivo. (Art. 40, §11, da Constituição da República, 1988) 

Em 2003, com o advento da Emenda Constitucional nº 41, a redação do referido inciso foi alterada. Tal alteração, entretanto, não somente manteve a distorção causada pela EC 19/98, bem como agregou uma complexidade ainda maior, em virtude do estabelecimento de subtetos salariais nos âmbitos dos Estados, Distrito Federal e Municípios. 

 

3 ATOS DO PODER JUDICIÁRIO 

No ano de 2004, em sessão administrativa convocada pelo então Presidente – Ministro Maurício Corrêa, o Supremo Tribunal Federal enfrentou superficialmente a controvérsia estabelecida pela fixação do teto remuneratório constitucional durante o julgamento do Processo Administrativo nº 319269. Em seu voto – o qual fora acompanhado pela unanimidade dos demais Ministros presentes – Maurício Corrêa externou seu entendimento pela inconstitucionalidade da expressão “percebidos cumulativamente ou não” da nova redação dada ao art. 37, XI pela EC 41/03, no que tange à acumulação de cargos de Ministro do STF e do TSE, conforme se depreende do trecho abaixo: 

Entendo, em conseqüência, que no caso específico não há falar-se em somatório das remunerações para fins de teto. A Constituição Federal, desde sua redação primitiva, não apenas autorizou, mas determinou, que houvesse a acumulação dos cargos de Ministros do STF e do TSE. A letra “a” do inciso I do artigo 119 estabelece que comporão o Tribunal Superior Eleitoral três Ministros do Supremo Tribunal Federal. Trata-se, assim, de regra permissiva de acumulação e, mais do que isso, imperativo constitucional para que se opere o exercício concomitante dos cargos, daí resultando inviável que outra norma de igual hierarquia impeça, ainda que indiretamente, a incidência e aplicação da previsão constitucional.

É fato que a Emenda não está a vedar, de forma direta, a mencionada acumulação. Nos exatos termos em que colocada, porém, o exercício simultâneo de cargos ficará obstado de forma reflexa, a exigir, desde logo, interpretação conforme a Constituição, de modo a harmonizar, efetivamente, seus comandos. Não é possível aceitar que uma norma autorize e determine a acumulação e outra venha a proibi-la, total ou parcialmente. É inadmissível aqui conflito de normas constitucionais que ostentam igual hierarquia, e por isso mesmo reclama se faça uma ponderação simétrica de seus valores.

Invoco a práxis da interpretação harmônica e teleológica do texto constitucional para concluir que, na situação particular da acumulação dos cargos de Ministros do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral, autorizada e mesmo determinada pelo artigo 119 da Constituição, não se aplica a cumulação das remunerações para fixação do teto ou, em outras palavras, as remunerações respectivas, para fins da aplicação do inciso XI do artigo 37, que deverão, nesse caso específico, ser consideradas isoladamente. Somente estarão sujeitas à redução se, em uma ou outra situação, per se, ultrapassar o limite fixado pela EC 41/03.
É claro que tal raciocínio se aplica, por decorrência lógica, a todas as situações de composição da Justiça Eleitoral. (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2004)
 

Mitigando a distorção causada pela limitação estabelecida pela imposição do teto remuneratório, a Emenda Constitucional nº 47 de 5 de julho de 2005 (com efeito retroativo a 30/12/2003, data da entrada em vigor da EC nº 41/03) introduziu o parágrafo 11 ao artigo 37, excluindo as parcelas de caráter indenizatório da incidência do teto. 

Art. 37, § 11. Não serão computadas, para efeito dos limites remuneratórios de que trata o inciso XI do caput deste artigo, as parcelas de caráter indenizatório previstas em lei. (Art. 37, §11, da Constituição da República, 1988) 

A aludida exclusão fundamenta, por exemplo, não somente a garantia de pagamento das indenizações asseguradas ao servidor federal para fins de ajuda de custo, diárias e transporte (conforme art. 51 da Lei 8.112/1990), mas também o justo pagamento aos magistrados e procuradores eleitorais que acumulam funções nos Tribunais Eleitorais, fazendo jus às gratificações de presença nas sessões de julgamento da Justiça Eleitoral previstas na Lei 8.350/1991. Nesse sentido, o Ministro Gilmar Mendes, no Processo Administrativo 19.451/DF           do Tribunal Superior Eleitoral proferiu seu voto nos seguintes termos – sendo acompanhado pela unanimidade dos demais Ministros do Tribunal: 

Em face da entrada em vigor da Lei nº 11.143, de 26 de julho de 2005, e da Resolução nº 306, editada pelo STF em 27.7.2005, e dos comandos do § 11 do art. 37 da Constituição Federal, introduzidos pela Emenda Constitucional ns 47/2005, parece-me mantida apenas a gratificação de presença dos membros dos tribunais federais, por sessão a que compareçam, até o máximo de oito por mês, nos termos do art. 1 – da Lei nº 8.350/1991.

Por essas razões, meu voto é pelo esclarecimento à Secretaria desta Corte de que, no sistema normativo em vigor, somente há previsão legal para o pagamento da gratificação de presença por sessão de julgamento eleitoral. (TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, 2005) 

No ano seguinte – em 21 de março de 2006 – o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no exercício da sua competência como controlador da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário, zelando pela observância do art. 37 (CR/88) – conforme previsão expressa do art. 103-B, §4º, II da CR/88, procurou regulamentar a aplicação do teto remuneratório constitucional sobre a remuneração percebida pelos membros do Poder Judiciário, editando a Resolução nº 13/2006. O referido documento não somente ratificou a decisão do STF no Processo Administrativo nº 319269 (comentada anteriormente), bem como ampliou expressa e taxativamente (em seu art. 8º) a imunidade à incidência do remuneratório de verbas classificadas em quatro categorias distintas, a saber: I) de caráter indenizatório, previstas em lei (ajuda de custo com transporte, mudança, moradia, funeral, dentre outras); II) de caráter permanente (exercício do magistério e benefícios de planos de previdência); III) de caráter eventual ou temporário (benefícios de assistência médico-social e educacional, gratificação do exercício da função eleitoral e do magistério por hora-aula) e IV) abono de permanência.

Focando-se no objeto do presente estudo, destaque merece ser dado – à acertada permissão do CNJ para a extrapolação do teto constitucional aos magistrados que exerçam o magistério no âmbito do Poder Público, independentemente da modalidade de pagamento (proventos, vencimento-base ou horas-aula) realizada, conforme arts. 8º, II, “a” e III, “e”, reproduzidos abaixo: 

Art. 8º Ficam excluídas da incidência do teto remuneratório constitucional as seguintes verbas:

II – de caráter permanente:

a) remuneração ou provento decorrente do exercício do magistério, nos termos do art. 95, parágrafo único, inciso I, da Constituição Federal;

III – de caráter eventual ou temporário:

a)gratificação de magistério por hora-aula proferida no âmbito do Poder Público;

(CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2006) 

Embora dê um grande passo na regulamentação da aplicação do teto remuneratório constitucional, a Resolução 13/2006 do CNJ está longe de resolver em definitivo a polêmica em torno da incidência do teto salarial nas hipóteses de cumulação remunerada permitidas constitucionalmente. Primeiro por se tratar de uma resolução com jurisdição restrita aos Membros do Poder Judiciário. Segundo por abordar apenas o exercício cumulado de um cargo público com o magistério, nada versando sobre o exercício cumulado de cargos na área da saúde, permitido pelo art. 37, XVI, “c”. 

 

4 PROJETO DE LEI

No intuito de aperfeiçoar a norma contida no art. 37, XI, possibilitando o cumprimento com pleno rigor do limite remuneratório determinado pela Constituição, sem depender de interpretações variadas dos mais diversos órgãos do Poder Judiciário, a deputada federal Perpétua Almeida (PCdoB / AC) propôs, em 15 de março de 2011, o projeto de lei nº 714 que dispõe – nos termos da ementa do projeto – “sobre a aplicação, no âmbito da União, do teto de retribuição na administração pública fixado pelo art. 37, XI, da Constituição”. Inicialmente, o projeto qualifica taxativamente os agentes públicos que se submetem ao teto remuneratório. Na sequência, arrola as parcelas que, por sua natureza, não estão sujeitas a tal limite constitucional. Neste ponto, a deputada federal praticamente transcreve a Resolução nº 13/2006 do CNJ, ao fixar as ressalvas e verbas imunes ao teto. A parlamentar, entretanto, omitiu-se acerca da incidência do teto nas hipóteses de cumulação permitidas pelo art. 37, XVI. Nem mesmo o exercício do magistério foi abordado (como fora na Resolução 13/2006 do CNJ). Neste aspecto – da cumulação de cargos – a deputada limitou-se a estabelecer uma ordem de precedência para a dedução de eventuais excessos remuneratórios e imputar aos órgãos pagadores a responsabilidade pelo fiel cumprimento do teto. 

 

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 

“O sistema remuneratório no serviço público é um dos pontos mais confusos do regime estatutário”, conforme adverte Carvalho Filho (2012). A imoralidade administrativa, o grande choque de interesses, a simulação da natureza das parcelas estipendiais, o escamoteamento de vencimentos, tudo, enfim, acaba por gerar uma enorme confusão, suscitando uma infinidade de soluções distintas para casos iguais e uma única solução para hipóteses diferentes. Tal fato não pode, entretanto, ser solucionado pela imposição de uma norma única que ignora e fere diversos princípios constitucionais.

Diante de todo o exposto acima, verifica-se que a fixação de um teto salarial único para todos os detentores de cargos ou funções públicas da Administração Pública direta e indireta de todos os entes federativos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) previsto pelo art. 37,XI da CR/88, embora perfeitamente compreensível, aceitável e desejável – numa primeira análise – em prol do interesse público primário, não se afigura lícita nos casos de cumulação de cargos públicos remunerados com permissão constitucional. Inicialmente em razão da permissão expressa do art. 8º da Resolução 13/2006 do CNJ para a extrapolação do teto no exercício da magistratura e do magistério. Conforme observa Di Pietro (2012): 

[…]o princípio da razoabilidade e o princípio do ubi eadem est ratio eadem est jus dispositivo (onde existe a mesma razão deve reger a mesma disposição legal) exigem que a mesma interpretação seja adotada em relação aos servidores que acumulam cargos ou proventos com base no art 37, XVI da Constituição. (DI PIETRO, 2012) 

Ademais aplicação do teto salarial único, como se viu, afrontaria os princípios da dignidade da pessoa humana, da isonomia e da razoabilidade, além dos valores sociais do trabalho. Assim, o presente estudo conclui pela necessidade de flexibilização da aplicação do limite constitucional estabelecido pelo art. 37, XI da CR/88, permitindo-se a aplicação de teto diferenciado para os servidores públicos que acumulem cargos em perfeita consonância com a Constituição da República, rechaçando a possibilidade de o Poder Público poder exigir o exercício de cargos, funções e empregos sem a devida remuneração. 

 

REFERÊNCIAS 

BARRAL, Welber. Metodologia da pesquisa jurídica. 2. ed. Florianópolis: Fundação Boitex, 2003.

BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 714 de 15 de março de 2011. Dispõe sobre a aplicação, no âmbito da União, do teto de retribuição na administração pública fixado pelo art. 37, XI, da Constituição. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=EBA9CB08DD16F53134C1EA6DE983CF6C.node1?codteor=848882&filename=PL+714/2011>. Acesso em: 18 mai. 2013. 

BRASIL. Congresso Nacional. Lei nº 8.112 de11 de dezembro de 1990. Dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais. Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_-03/leis/l8112cons.htm>. Acesso em: 27 abr. 2013. 

BRASIL. Congresso Nacional. Lei nº 8.350 de 28 de dezembro de 1991. Dispõe sobre gratificações representações na Justiça Eleitoral. Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8350.htm>. Acesso em: 27 abr. 2013. 

BRASIL. Congresso Nacional. Lei nº 11.143 de 26 de julho de 2005. Dispõe sobre o subsídio de Ministro do Supremo Tribunal Federal, referido no art. 48, inciso XV, da Constituição Federal, e dá nova redação ao caput do art. 2º da Lei no 8.350, de 28 de dezembro de 1991. Disponível em: <http://www.planal-to.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11143.htm>. Acesso em: 27 abr. 2013. 

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BRASIL. Constituição (1988). Emenda Constitucional nº 47 de 5 de julho de 2005. Altera os arts. 37, 40, 195 e 201 da Constituição Federal, para dispor sobre a previdência social, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc47.htm>. Acesso em: 4 mai. 2013. 

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NOTA DE FIM

[1] Acadêmico do curso de Direito do Centro Universitário Newton Paiva – Belo Horizonte, MG.