Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva

Débora Caroline Pereira da Silva[1]
Daniela Lage Mejia Zapata[2]

 

RESUMO:  A cumulação dos adicionais de insalubridade e periculosidade é matéria amplamente discutida na doutrina e na jurisprudência, diante do que se encontra previsto no item 15.3 da Norma Regulamentadora n. 15 do Ministério do Trabalho e Emprego, que regulamenta o §2º do artigo 193 da Consolidação das Leis do Trabalho, dispondo sobre a impossibilidade de se cumular adicionais por trabalho exercido sob riscos. Contudo, não existe na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 qualquer restrição a que se opere a referida cumulação. Desse modo, deve-se aplicar o princípio da máxima efetividade constitucional, com o objetivo de que sejam interpretadas as normas de proteção aos direitos fundamentais considerando o real alcance e sentido delas. Assim, tem-se por escopo principal deste trabalho, demonstrar que a aplicação da Constituição de 1988 juntamente com a Convenção n. 155 da Organização Internacional do Trabalho, ratificada pelo Brasil e considerada Tratado Internacional de Direitos Humanos, constitui a norma mais favorável ao trabalhador exposto a riscos simultâneos durante o labor, paralisando, portanto, as normas ordinárias que dispuserem de maneira divergente sobre o mesmo tema, visto que os Tratados Internacionais de Direitos Humanos que forem ratificados pelo Brasil anteriormente à promulgação da Emenda Constitucional n. 45/2004, possuem status normativo supralegal.

 

PALAVRAS-CHAVE: Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Consolidação das Leis do Trabalho. Cumulação dos Adicionais de Insalubridade e Periculosidade. Tratados Internacionais de Direitos Humanos.

 

Área de Interesse: Direito do Trabalho.

 

1 INTRODUÇÃO

A regra tida como geral e aplicável em nosso sistema é que o trabalhador perceba adicionais cumulativos, quando for o caso, como forma de compensar, separadamente, cada condição adversa. Isto porque a instituição de adicionais pelo legislador tem como finalidade precípua desestimular o trabalho em situações que ocasionem danos à saúde e à vida do trabalhador.

Entretanto, não é o que ocorre em situações de exposição simultânea a agentes insalubres e periculosos, motivo pelo qual questionaremos sob a perspectiva lógica, biológica e jurídica, a presente vedação.

Passemos à análise.

 

2 DESENVOLVIMENTO

 

2.1 O art. 193, §2º da CLT: proibição?

Grande parte de nossos doutrinadores e operadores do Direito interpretam, ainda hoje, o art. 193, §2° da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) de maneira equivocada, da qual se dissente pelos motivos e argumentos que serão aduzidos a seguir.

Precipuamente, cabe analisar o referido dispositivo legal, que assim dispõe: “O empregado poderá optar pelo adicional de insalubridade que por ventura lhe seja devido”.

A corrente majoritária defende a tese que uma vez exposto o trabalhador, simultaneamente, a mais de um agente insalubre ou periculoso, ou a ambos, sua cumulação é vedada por força expressa do art. 193, §2° da CLT, não podendo, assim, coexistir insalubridade com periculosidade, pois tutelam os mesmos bens/valores. Portanto, havendo dupla incidência, caberá ao trabalhador escolher, na fase de execução, pelo adicional que lhe seja mais benéfico.

Nesse diapasão, argumentos defendidos pela maior corrente trazidos por Regina Célia Buck (2001, p. 114):

A lei é que impede a cumulação dos adicionais de insalubridade e periculosidade, por estrita observância da não-incidência de um adicional sobre outro, imputando ao trabalhador a opção, no caso de sua atividade achar-se caracterizada entre as duas hipóteses de proteção legal (art. 193, §2°). (TRT 3ª Região, RO n. 0060/98, Rel. Juiz Nereu Nunes Pereira, 7.8.1998).

Estando presentes as condições insalubres e condições perigosas no ambiente de trabalho obreiro, deve ser-lhe deferida a maior vantagem, evidenciando, em regra, que o adicional de periculosidade é financeiramente mais vantajoso e deve ser observado o princípio da regra mais benéfica. (TRT 3ª Região, RO n. 19980/99, Rel. Juiz Fernando Procópio de Lima Netto, 5.6.2000). 

Ora, não encontramos razão na interpretação alhures, pelos seguintes motivos:

a) O primeiro se refere ao próprio dispositivo da CLT, que não vedou a cumulação in casu, ou seja, não trouxe uma determinação de cunho expressamente proibitivo. Tal vedação foi feita pela norma do MTE que o regulamenta (NR-15, item 15.3).

Assim, salienta-se que:

Aqueles que lidam diariamente com o Direito têm a obrigação de aplicar a lei de acordo com o objetivo do legislador, e não apenas como mero instrumento para a solução de conflitos, […] utilizando todos os recursos disponíveis para interpretar e aplicar a lei de forma a alcançar o bem comum. Entretanto, se não há vedação explícita na legislação sobre a impossibilidade de cumulação dos adicionais de insalubridade e periculosidade, deve-se conceder o direito da cumulatividade desses adicionais, pois, estando o trabalhador exposto a diversos agentes, quer insalubres, quer perigosos, os riscos profissionais são aumentados como resultado da exposição simultânea a vários fatores nocivos no local de trabalho (BUCK, 2001, p. 125-126).

Desse modo, a CLT não é o instrumento que previu a vedação que se discute agora; mas a proibição foi feita pelo item 15.3 da Norma Regulamentadora n. 15 (NR-15) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) que, por este motivo, merece atenção maior, pois devido à sua estrutura e natureza jurídica, não lhe é permitido atuar fora dos limites impostos pela lei regulamentada. Senão vejamos a assertiva de Celso Antônio Bandeira de Mello (2010, p. 370) que demonstra serem os decretos, regulamentos, portarias e instruções atos administrativos submissos à lei:

Na pirâmide jurídica, […] o regulamento […] é ato do chefe do Poder Executivo, e os demais assistem a autoridades de escalão mais baixo e, de conseguinte, investidas de poderes menores. Tratando-se de atos subalternos e expedidos, portanto, por autoridades subalternas, por via deles o Executivo não pode exprimir poderes mais dilatados que os suscetíveis de expedição mediante regulamento. Assim, toda a dependência e subordinação do regulamento à lei, bem como os limites em que se há de conter, manifestam-se revigoradamente no caso de instruções, portarias, resoluções, regimentos ou normas quejandas. Desatendê-los implica inconstitucionalidade. […] Se o regulamento não pode criar direitos ou restrições à liberdade, propriedade e atividades dos indivíduos que já não estejam estabelecidos e restringidos na lei, menos ainda poderão fazê-lo instruções, portarias ou resoluções. Se o regulamento não pode ser instrumento para regular matéria que, por ser legislativa, é insuscetível de delegação, menos ainda poderão fazê-lo atos de estirpe inferior, quais instruções, portarias ou resoluções. Se o Chefe do Poder Executivo não pode assenhorar-se de funções legislativas nem recebê-las para isso por complacência irregular do Poder Legislativo, menos ainda poderão outros órgãos ou entidades da Administração direta ou indireta.

Com efeito, os decretos e normas regulamentadoras são atos estritamente vinculados, subalternos, dependentes da lei que se encontram a detalhar, não sendo possível a inovação legal por estes instrumentos, visto que cabe à lei, face ao princípio da legalidade expresso no art. 5º, inc. II da Constituição da República do Brasil de 1988 (CR/88), fazer qualquer imposição, criação, majoração ou redução de direitos e obrigações. Ou seja, “sem a lei, não haveria espaço jurídico para o regulamento” (MELLO, 2010, p. 350).

Diante desta afirmação, percebe-se que a portaria n. 3.214/1978 do MTE em seu item 15.3 limitou, sobremaneira, a abrangência da norma regulamentada ao vedar a cumulação dos adicionais por trabalho sob riscos, indo de contrapartida a todas as proteções constitucionais, infraconstitucionais e internacionais que visam garantir os direitos à vida, à saúde, à dignidade humana, ao meio ambiente equilibrado e ao trabalho, desconsiderando, assim, os danos causados ao obreiro em decorrência do labor realizado nas circunstâncias que se discute.

Logo, os contornos de sua atuação são enclausurados, devendo evadir-se de traços que levem à inovação legislativa. Isto é, atuam segundo o que dita a lei, nunca contra ela, sob pena de serem considerados atos ilegais e, por fim, inválidos e ineficazes.

Desse modo, percebe-se que o argumento de que a lei veda claramente a cumulação dos adicionais de insalubridade e periculosidade não assiste razão, visto que se a própria CR/88, instrumento de maior relevância em nosso Estado, não o fez, nem mesmo a lei atuou nesse sentido, não cabe a qualquer outro ato administrativo inferior o fazer, pois se assim for, haverá confronto ao disposto na Lei Maior, bem como aos objetivos e princípios constitucionais e trabalhistas que visam proteger os direitos fundamentais do homem trabalhador.

Portanto, cabe ao operador e ao intérprete do Direito analisar os institutos jurídicos de forma lógica, sistemática e teleológica, e não apenas de modo literal, extraindo da norma seu real sentido e objetivo social, com o escopo de que seja demonstrado seu verdadeiro alcance, na intenção de se adquirir a máxima efetividade das regras postas à disposição dos jurisdicionados para solução de conflitos.

Além do mais, registre-se nosso entendimento no sentido de que mesmo a corrente majoritária venha adotando a tese e entendendo conter no §2° do art. 193 da CLT vedação expressa à cumulação dos adicionais abordados neste texto, ainda assim o mencionado dispositivo padecerá de aplicabilidade, conforme defesas a seguir expostas.

b) O segundo motivo, diz respeito ao fato de a própria CR/88 garantir o direito à percepção de adicionais por trabalho insalubre, periculoso e penoso, subsidiariamente ao direito a um ambiente laboral saudável e seguro. Corrobora, nesse sentido, também a CLT, em seu capítulo V, que trata da segurança e medicina do trabalho, atribuindo o direito a esses adicionais ao trabalhador que se encontre nesta situação. Ou seja, o ordenamento jurídico como um todo se volta à proteção do trabalhador, motivo pelo qual a presente vedação se encontra em desarmonia e descompasso com o sistema, que visa, sempre, à tutela dos bens e direitos fundamentais, onde estão incluídos a vida, a saúde e o trabalho.

Nesse momento, nota-se que se a CR/88, instrumento de onde emanam direitos e garantias fundamentais, prevê que os riscos inerentes ao trabalho deverão ser reduzidos para que o ambiente de trabalho seja um local seguro e salubre, a fim de que o homem trabalhador tenha qualidade de vida no exercício de suas atividades, não há qualquer razão que justifique uma norma ordinária vedar a cumulação de adicionais, sendo que a própria Lei Magna faz a previsão do pagamento dessas parcelas salariais aos trabalhadores que estejam expostos a agentes agressivos durante seu labor de modo subsidiário, isto é, quando não forem reduzidos ou eliminados os riscos no ambiente de trabalho.

Logo, a CR/88 traz o patamar mínimo civilizatório, não podendo a legislação infraconstitucional dispor contrariamente ao ditado pela Lei Maior, reduzindo direitos constitucionalmente garantidos.  Além disso, o objetivo da CR/88 ao prever o direito à percepção de adicionais é de cunho social e não financeiro, pois seu intuito é o de desestimular o empregador a continuar exigindo trabalho em situações gravosas, compelindo-o a tomar providências no sentido de alcançar melhorias consideráveis no ambiente de trabalho, fazendo deste local um lugar ecologicamente equilibrado.

c) Por vez, o terceiro motivo, a fim de reforçar nossa corrente, e pelo seu caráter relevante, diz respeito ao fato de que com a ratificação da Convenção n. 155 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), estabelecendo que “deverão ser considerados os riscos para a saúde decorrentes da exposição simultânea a diversas substâncias ou agentes”, em plena vigência em nosso ordenamento, o §2° do art. 193 da CLT encontra-se por ela tacitamente revogado, devendo, portanto, ser admitida a cumulação em tese (BUCK, 2001).

Acerca deste ponto, tem-se que a CR/88, em seu art. 5°, §2° dispõe que os direitos e garantias expressos em seu texto, não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. Com isso, uma vez ratificado um tratado internacional pelo Brasil, ele passará a integrar o ordenamento jurídico pátrio, entrando em vigor e gerando aqui seus efeitos, posto compatível com a essência, os princípios e com os fins sociais para os quais se volta a CR/88.

Maiores análises acerca da Convenção n. 155 da OIT serão realizadas no tópico 2.2, adiante.

d) Por derradeiro, cumpre destacar como mais um dos motivos que justificam a cumulação dos adicionais de insalubridade e periculosidade, a possibilidade jurídica de serem cumulados outros adicionais legais, como é o caso dos adicionais de hora extra e noturno.

Primeiramente, necessário destacar que a regra é que o obreiro perceba adicionais cumulativos havendo trabalho em condições mútuas adversas, e o intuito, nesses casos, é justamente serem compensados os desgastes sofridos pelo trabalhador. Assim, serão percebidos adicionais distintos para cada situação igualmente distinta. Desta forma, incidirá adicional sobre adicional, considerando que o que já era tido como danoso, se torna ainda mais, caso haja labor em circunstâncias multiplicadamente gravosas (CRUZ; GONÇALVES, 2011).

Nestes termos, salutar enfatizar que as justificativas para o pagamento, pelo empregador, de adicionais ao trabalhador, é de cunho notório quanto a não semelhança entre elas, posto o motivo ensejador, por exemplo, do adicional noturno não ser o mesmo do adicional de horas extras, isto é, tutelam-se bens/interesses/valores/objetos diferenciados. Veja-se:

O adicional de horas extras tem por escopo tutelar a integridade física do trabalhador, ante as recorrentes consequências por trabalho além de sua jornada ordinária estipulada.

No que tange ao adicional noturno, o objeto protegido é a saúde e o convívio social e familiar a que o empregado, como todo ser humano, tem direito.

Isto posto, cumpre registrar, outrossim, que o adicional de insalubridade tem por objetivo compensar os danos causados à saúde do trabalhador, considerando sua exposição a agentes agressivos acima dos limites de tolerância no ambiente laboral.

Já no que diz respeito ao adicional de periculosidade, tutela o bem maior do ser humano, fonte de todos os outros direitos: a vida, pressuposto lógico de existência; e a integridade física do obreiro.

Explanadas as razões que ensejam a obrigação legal de o empregador arcar com o pagamento de adicionais a seus trabalhadores, deve-se observar agora, com mais acuidade, as permissões legais e jurisprudenciais de cumulação de adicionais diversos, uma vez que, a partir de análise em minúcias, perceberemos que a proibição do item 15.3 da NR-15 do MTE não faz qualquer sentido.

Elucida-se, inicialmente, que os adicionais de horas extras, noturno e de transferência são passíveis de serem cumulados. Desse modo, o trabalhador que labore por tempo além de sua jornada e adentre o período noturno, perceberá, cumulativamente, os adicionais respectivos, conforme inteligência da Orientação Jurisprudencial (OJ) n. 97 da Seção de Dissídios Individuais-1 (SDI-1) do Tribunal Superior do Trabalho (TST). É o que igualmente está previsto para sentido inverso, isto é, finalizada a jornada integral noturna, e prorrogado o trabalho, que sejam então remuneradas as horas excedentes acrescidas do adicional noturno, conforme dispõe a súmula n. 60, inc. II do TST.

Insta registrar, com isso, que a tese de que não seja possível coexistir insalubridade com periculosidade, e, por este motivo, indevida a cumulação dos adicionais pertinentes por tutelarem os mesmos bens e valores é incabível, considerando que, como demonstrado anteriormente, o objeto de tutela de um é distinto do outro.

A despeito, portanto, da divergência que grassa na doutrina e na jurisprudência acerca do tema, pendemos em prol da cumulatividade das referidas parcelas salariais, vez que se os valores protegidos são distintos, e as agressões também o são, não há razão lógica capaz de fundamentar a proibição discutida, pois a incidência de um, não exclui o outro.

Isto é, se é permitida a cumulação de adicional de insalubridade com adicional de hora extra, cujas causas ensejadoras deste direito são também diversas, que lógica existe na proibição de se cumular periculosidade e insalubridade? Ora, nenhuma! As lesões, ou melhor, os danos à saúde ocorrem, gradativa e lentamente, até culminarem, com o passar do tempo, em grande perda ao trabalhador.

Em vias oblíquoas, entende-se ser injusta tese que inadmite que adicionais de insalubridade e periculosidade não se possam cumular, isto porque a questão envolve três grandes direitos do ser humano, a saber, a vida, a saúde e a integridade física, sem os quais não se alcança a dignidade.

Deste modo, por motivos óbvios, considera-se que a imposição ao trabalhador em escolher qual direito tutelar, ou seja, ou a saúde ou a vida, ante o dever de optar por um ou outro adicional, fere os preceitos da dignidade humana, tida como cláusula pétrea em nosso ordenamento.

 

2.2 Convenção n. 155 da OIT x CLT: aplicação da norma mais favorável ao trabalhador

Ponto primordial é o estudo da Convenção n. 155 da OIT para este trabalho, visto que é esta norma a mais favorável ao obreiro, devendo, portanto, sobre as demais divergentes prevalecer.

A CR/88, em seu art. 5º, §§ 2º e 3º, consagrou explicitamente a possibilidade de ingresso em nosso ordenamento, por meio de tratados internacionais, de outros direitos, desde que condizentes com a essência dos princípios e normas previstos no texto constitucional vigente.

Diante disto, os tratados internacionais de direitos humanos aos quais o Brasil tenha aderido até a promulgação da Emenda Constitucional (EC) n. 45/2004, posicionam-se de maneira intermediária, isto é, entre a legislação interna infraconstitucional, e subordinada às normas expressas na Constituição, não se equiparando, portanto, às leis ordinárias, como ocorre com tratados internacionais que versam sobre matérias alheias à que se discute agora.

Assim, existindo, no caso concreto, conflito entre tratado internacional de direitos humanos, ratificado e promulgado segundo os requisitos legais exigidos, e legislação ordinária interna que verse sobre a mesma matéria, porém de maneira mais prejudicial ao homem, prevalecerá assim o primeiro, vez que possui conteúdo específico delimitado, ou seja, trata de direitos humanos, possui força de norma constitucional e constitui norma mais favorável (BULOS, 2010). Esta, por vez, “pode se identificar com o princípio da máxima efetividade dos direitos fundamentais, na medida em que se prevê que no caso de dúvidas deve preferir-se a interpretação que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais” (GALINDO, 2002, p. 317).

Ratificada e promulgada no Brasil por meio do decreto n. 1.254/1994, a Convenção n. 155 da OIT surge em nosso ordenamento como instituidora de normas e princípios abordando o tema saúde, segurança e higiene no meio ambiente de trabalho, trazendo, ademais, o conceito amplo e objetivo de saúde, adotado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), assim entendido como o bem-estar integral, incluindo não só a saúde física, como, também, a psíquica.

Saliente-se, desse modo, que a aplicabilidade da referida Convenção deve ser observada em face da natureza dos direitos que tutela, de cunho extremamente relevante, pois, sob esta visão, constitui-se em regra utilizada junto ao Direito Constitucional e ao Direito do Trabalho, posto encontrar-se em harmonia com os princípios e objetivos destes ramos jurídicos.

Nesse sentido é que suas regras e princípios, insertos no rol de normas garantidoras dos direitos humanos do trabalhador, são transparecidos, caracterizando norma impositiva de adoção de medidas e políticas que visem alcançar a saúde e qualidade de vida no ambiente de trabalho.

Logo, uma vez ratificada a Convenção, o Estado que a ela se obrigou, através de seu consentimento, deverá a seus princípios e regras se submeter, posto tratar-se de regra obrigatória, considerando a adoção das medidas necessárias para tornar efetivas as medidas insertas em seu texto, e cujo descumprimento acarretará a responsabilidade do Estado-parte.

Cabe, portanto, analisarmos o disposto no art. 11, alínea b da Convenção n. 155 da OIT, abaixo in literis:

A determinação das operações e processos que serão proibidos, limitados ou sujeitos à autorização ou ao controle da autoridade ou autoridades competentes, assim como a determinação das substâncias e agentes aos quais estará proibida a exposição no trabalho, ou bem limitada ou sujeita à autorização ou ao controle da autoridade ou autoridades competentes; deverão ser levados em consideração os riscos para a saúde decorrentes da exposição simultânea a diversas substâncias ou agentes. (grifos nossos) 

Claro é, dessa forma, ante a previsão do artigo alhures, que “os efeitos combinados dos agentes agressivos, foi expressamente adotada nesta Convenção. A presença de vários agentes agressivos, pelo efeito sinérgico, em vez de apenas somar, multiplica os malefícios” (OLIVEIRA, 2010, p. 81).

Nestes termos, nota-se que a exposição simultânea do trabalhador a mais de um agente danoso agride, sobremaneira, sua saúde, sua integridade física, devendo, portanto, serem consideradas tantas quantas forem as agressões, pois, ainda que cada agente agressivo, analisado de maneira isolada, esteja dentro dos limites de tolerância, a combinação de vários deles, ao mesmo tempo, leva a menores níveis os limites de tolerância (OLIVEIRA, 2010).

Com isto, a Convenção n. 155 da OIT, por tratar de direitos humanos fundamentais do trabalhador, constitui norma mais benéfica à parte hipossuficiente na relação de trabalho, devendo, assim, prevalecer em detrimento das regras infraconstitucionais que com ela divergir; no caso em comento, o item 15.3 da NR-15 do MTE, e, para a corrente majoritária, c/c o §2º do art. 193 da CLT, visto ser compatível com os preceitos, objetivos e valores expressos na Constituição de 1988, bem como possuir status normativo supralegal, integrando nosso sistema jurídico, devendo, assim, ser utilizada na defesa da vida, da saúde, da integridade física e da dignidade do trabalhador.

Insta salientar além do mais que quanto ao uso do aspecto cronológico como técnica de antinomia, considerando argumentos daqueles que ainda defendem existir proibição expressa no §2º do art. 193 da CLT, percebe-se que a Convenção n. 155 da OIT ratificada no ano de 1994 via decreto n. 1.254 é norma posterior à CLT (decreto n. 5.452/1942), bem como em relação à Lei n. 6.514/1977, responsável pela redação do art. 193 e seus respectivos parágrafos. Assim, prevalecerá a primeira em detrimento da norma consolidadora do trabalho (CORDEIRO, 2007).

 

2.3 Jurisprudências

O Supremo Tribunal Federal (STF), em suas decisões, se manifestou pela supremacia dos direitos humanos fundamentais, devendo o ordenamento jurídico se voltar à sua proteção. Desse modo, a CR/88 estabelece à legislação infraconstitucional, bem como aos tratados e convenções internacionais integrados ao nosso sistema jurídico, a obrigação de buscar meios para esses direitos serem efetivos e, para esse fim, necessário retirar desses instrumentos a sua máxima eficácia, visto que tratam-se de direitos essenciais à manutenção da vida humana.

Além disso, destaca o STF a importância dos tratados internacionais sobre direitos humanos, ao indicar que em se tratando dessa matéria, devem prevalecer sobre a legislação ordinária com eles divergente, possuindo status supralegal os ratificados antes da EC n. 45/2004, ficando acima da legislação interna e abaixo da CR/88. Posteriormente à promulgação dessa reforma, passarão a ter status normativo de emenda constitucional.

É o que se segue:

A alta relevância dessa matéria, que envolve discussão em torno do alcance e precedência dos direitos fundamentais da pessoa humana, impõe que se examine, de um lado, o processo de crescente internacionalização dos direitos humanos e, de outro, que se analisem as relações entre o direito nacional (direito positivo interno do Brasil) e o direito internacional dos direitos humanos, notadamente em face do preceito inscrito no § 3º do art. 5º da Constituição da República, introduzido pela EC nº 45/2004.

[…] Considerado esse quadro normativo em que preponderam declarações constitucionais e internacionais de direitos, que o Supremo Tribunal Federal se defronta com um grande desafio, consistente em extrair, dessas mesmas declarações internacionais e das proclamações constitucionais de direitos, a sua máxima eficácia, em ordem a tornar possível o acesso dos indivíduos e dos grupos sociais a sistemas institucionalizados de proteção aos direitos fundamentais da pessoa humana, sob pena de a liberdade, a tolerância e o respeito à alteridade humana tornarem-se palavras vãs.

[…] Se delineia, hoje, uma nova perspectiva no plano do direito internacional. É que, ao contrário dos padrões ortodoxos consagrados pelo direito internacional clássico, os tratados e convenções, presentemente, não mais consideram a pessoa humana como um sujeito estranho ao domínio de atuação dos Estados no plano externo. O eixo de atuação do direito internacional público contemporâneo passou a concentrar-se, também, na dimensão subjetiva da pessoa humana, cuja essencial dignidade veio a ser reconhecida, em sucessivas declarações e pactos internacionais, como valor fundante do ordenamento jurídico sobre o qual repousa o edifício institucional dos Estados nacionais.

[…] Os tratados e convenções internacionais desempenham papel de significativo relevo no plano da afirmação, da consolidação e da expansão dos direitos básicos da pessoa humana.

[…] Torna-se evidente, assim, que esse espaço de autonomia decisória, proporcionado, ainda que de maneira limitada, ao legislador comum, pela própria Constituição da República, poderá ser ocupado, de modo plenamente legítimo, pela normatividade emergente dos tratados internacionais em matéria de direitos humanos, ainda mais se se lhes conferir, como preconiza, em seu douto voto, o eminente Ministro GILMAR MENDES, caráter de “supralegalidade”, ou, então, com muito maior razão, se se lhes atribuir, como pretendem alguns autores, hierarquia constitucional.

[…] Posta a questão nesses termos, a controvérsia jurídica remeter-se-á ao exame do conflito entre as fontes internas e internacionais (ou, mais adequadamente, ao diálogo entre essas mesmas fontes), de modo a se permitir que, tratando-se de convenções internacionais de direitos humanos, estas guardem primazia hierárquica em face da legislação comum do Estado brasileiro, sempre que se registre situação de antinomia entre o direito interno nacional e as cláusulas decorrentes de referidos tratados internacionais.

[…] Isso significa, portanto, examinada a matéria sob a perspectiva da “supralegalidade”, tal como preconiza o eminente Ministro GILMAR MENDES, que, cuidando-se de tratados internacionais sobre direitos humanos, estes hão de ser considerados como estatutos situados em posição intermediária que permita qualificá-los como diplomas impregnados de estatura superior à das leis internas em geral, não obstante subordinados à autoridade da Constituição da República.

[…] Uma abordagem hermenêutica fundada em premissas axiológicas que dão significativo realce e expressão ao valor ético-jurídico – constitucionalmente consagrado (CF, art. 4º, II) – da “prevalência dos direitos humanos” permitirá, a esta Suprema Corte, rever a sua posição jurisprudencial quanto ao relevantíssimo papel, à influência e à eficácia (derrogatória e inibitória) das convenções internacionais sobre direitos humanos no plano doméstico e infraconstitucional do ordenamento positivo do Estado brasileiro. Com essa nova percepção do caráter subordinante dos tratados internacionais em matéria de direitos humanos, dar-se-á consequência e atribuir-se-á efetividade ao sistema de proteção dos direitos básicos da pessoa humana, reconhecendo-se, com essa evolução do pensamento jurisprudencial desta Suprema Corte, o indiscutível primado que devem ostentar, sobre o direito interno brasileiro, as convenções internacionais de direitos humanos, ajustando-se, desse modo, a visão deste Tribunal às concepções que hoje prevalecem, no cenário internacional – consideradas as realidades deste emergentes -, em torno da necessidade de amparo e defesa da integridade dos direitos da pessoa humana. Nesse contexto, e sob essa perspectiva hermenêutica, valorizar-se-á o sistema de proteção aos direitos humanos, mediante atribuição, a tais atos de direito internacional público, de caráter hierarquicamente superior ao da legislação comum, em ordem a outorgar-lhes, sempre que se cuide de tratados internacionais de direitos humanos, supremacia e precedência em face de nosso ordenamento doméstico, de natureza meramente legal. (STF, HC 87.585-8/TO, Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, j. 12.03.2008)

Nota-se, ante o julgado alhures, que os argumentos trazidos neste trabalho sobre a prevalência da Convenção n. 155 da OIT c/c com a CR/88, diante de seus aspectos de proteção à vida, à saúde e à dignidade do trabalhador em detrimento do item 15.3 da NR-15 do MTE c/c §2° do art. 193 da CLT, encontram respaldo e embasamento legal e jurisprudencial conforme entendimento da Corte Suprema brasileira, pois esta convenção internacional possui status normativo de regra supralegal, o que demonstra, assim, razão e viabilidade técnica-jurídica em nossa tese.

Nessa linha, salutar registrar mais uma vez que o ambiente de trabalho necessita, igualmente, ser um ambiente digno, com segurança e defesa das condições saudáveis para a prática das atividades ali exercidas, a fim de que seja obtida maior qualidade de vida. Assim, o ciclo se forma, onde a vida exige tutela à saúde, para que o trabalho possa ser buscado e, dessa maneira, a dignidade seja alcançada.

Logo, percebe-se que um direito não exclui outros também previstos nos instrumentos normativos, mas que deve existir a harmonia entre eles, não devendo o aplicador e o intérprete do Direito garantir um em detrimento do outro. Ou seja, eles coexistem e podem ser operacionalizados simultaneamente na busca da justiça social e da dignidade humana.

Nesse sentido, entende o STF que:

Direito ao meio ambiente: os direitos de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos, genericamente, e de modo difuso, a todos os integrantes dos agrupamentos sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem, por isso mesmo, ao lado dos denominados direitos de quarta geração (como o direito ao desenvolvimento e o direito à paz), um momento importante no processo de expansão e reconhecimento dos direitos humanos, qualificados estes, enquanto valores fundamentais indisponíveis, como prerrogativas impregnadas de uma natureza essencialmente inexaurível. Todos sabemos que os preceitos inscritos no art. 225 da Carta Política traduzem, na concreção de seu alcance, a consagração constitucional, em nosso sistema de direito positivo, de uma das mais expressivas prerrogativas asseguradas às formações sociais contemporâneas. Essa prerrogativa, que se qualifica por seu caráter de metaindividualidade, consiste no reconhecimento de que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Trata-se, consoante já o proclamou o Supremo Tribunal Federal (RTJ, 158:205-206, Rel. Min. Celso de Mello), de um típico direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que assiste, de modo subjetivamente indeterminado, a todo o gênero humano, circunstância essa que justifica a especial obrigação – que incumbe ao Estado e à própria coletividade – de defendê-lo e de preservá-lo em benefício das presentes e futuras gerações, evitando-se, desse modo, que irrompam, no seio da comunhão social, os graves conflitos intergeracionais marcados pelo desrespeito ao dever de solidariedade na proteção da integridade desse bem essencial de uso comum de todos quantos compõem o grupo social. (STF, ADIn 3.540-1-MC/DF, Rel. Min. Celso de Mello, decisão de 1.9.2005. In: BULOS, 2010, p. 516)

Ademais, o TST também tem demonstrado entendimento acerca das questões trazidas pela CR/88, pela legislação trabalhista infraconstitucional e pelos tratados internacionais que o Brasil ratificou e que versam sobre os direitos humanos do homem trabalhador.

Dora Maria da Costa (2012), dispõe acertadamente que:

A marca da indisponibilidade dos direitos fundamentais se mostra sob duplo aspecto: a) ativo, na medida em que essa categoria de direitos se mostra inalienável pelo seu titular; e b) passivo, já que não podem ser expropriados por outros sujeitos, começando pelo próprio Estado, que tem o dever de garanti-los, e, evidentemente, no campo da relação laboral pelo empregador que tem a obrigação constitucional, legal e até mesmo moral de respeitá-los (art. 1º, 3º, 5º, 6º, 170, 196, 220, e 225 da Constituição, 157 da CLT, Leis 9.029/95, 8.080/90 e Convenções 155 e 161 da OIT). Assim, pode-se afirmar que os direitos fundamentais, inclusive aqueles de natureza social, criam condições de fazer fluir a vida em segurança, não constituindo meros programas. Direitos como a vida, a saúde, a segurança e o trabalho, constituem verdadeiras exigências ético-jurídicas ante o Estado, e também ao particular, que estabelecem, em comum e sistematicamente concatenados com os grandes princípios constantes dos arts. 1º, 3º e 5º do Texto Maior, ordem e respeito ao valor maior da dignidade humana que, como já anotado, permeia todo ordenamento jurídico, aí incluído, obviamente, o ordenamento laboral. Desse modo, esses direitos são de natureza fundamental e pessoal, irrenunciáveis, indisponíveis e, por consequência, imprescritíveis mesmo quando sua afetação possa acontecer no seio de uma relação laboral ou do contrato de emprego. […] De fato, estando-se diante de direitos humanos fundamentais, sua violação implica agressão à personalidade, à dignidade do ser humano enquanto tal e não como cidadão que exerce certa função ou integra uma categoria profissional, nem tampouco porque mantém um vínculo de emprego. Não se trata, pois, de meros direitos trabalhistas como pretendem alguns, ou civis no sentido estrito como sustentam outros. Ao contrário, está-se diante de direitos fundamentais de índole constitucional, considerados como cláusulas pétreas. Por consequência, dotados de proteção até mesmo contra o querer democrático, ou seja, contra a vontade do legislador (art. 60, § 4º, inciso IV da CF/88). (TST, AIRR 36200-93.2008.5.24.0046, Rel. Min. Dora Maria da Costa, 8ª Turma, 17.8.2012).

Desse modo, claro e cristalino o posicionamento de realce da dignidade da pessoa humana também em questões de cunho social trabalhista, visto que o obreiro, como ser essencial às relações e atividades econômicas, necessita de considerável atenção no que tange à defesa de seus direitos, uma vez que a sua posição fática reflete circunstância de hipossuficiência, o que exige, por conseguinte, tutela do Estado em relação ao trabalhador no ambiente de trabalho, considerando ser o trabalhador a parte vulnerável na relação laboral.

E foi justamente com fulcro nos princípios de proteção ao trabalhador e da dignidade humana que diversos Tribunais Regionais do Trabalho (TRT) proferiram decisões permitindo a cumulação dos adicionais de insalubridade e periculosidade, pautados na defesa dos direitos humanos do trabalhador que devem ser protegidos inclusive no meio ambiente de trabalho, visto que a política de proteção à saúde e à vida do empregado é imposição constitucional, e que não pode ser relegada a segundo plano.

Senão vejamos:

ADICIONAIS DE INSALUBRIDADE E PERICULOSIDADE. POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO. Havendo prova técnica a demonstrar que em um determinado período do contrato o reclamante estivera exposto, simultaneamente, a dois agentes agressivos, um insalubre e outro perigoso, ele faz jus ao pagamento de ambos, haja vista que o disposto no art. 193, §2º da CLT não é compatível com os princípios constitucionais de proteção à vida e de segurança do trabalhador.

[…] A prova pericial constatou que, durante todo o período do contrato de trabalho, o reclamante esteve exposto, simultaneamente, a dois agentes agressivos, um insalubre e outro perigoso (f. 439). Em que pesem as alegações da recorrente, entendo, em coro com o MM. Juízo a quo, que a regra contida no parágrafo 2º do art. 193 da CLT não pode se sobrepor aos princípios constitucionais de proteção à vida e de segurança do trabalho. Assim, se o trabalhador presta serviços em condições insalubres (portanto, nocivas à saúde) e perigosas (que colocam em risco a sua própria sobrevivência), deve receber o adicional previsto para ambos os casos, eis que, no caso, o fundamento jurídico para o deferimento de cada parcela é distinto. (TRT 3ª Região – 1ª Turma, RO 2 00354-2006-002-03-00-4, Rel. Des. Marcus Moura Ferreira, DJ 27.10.2006).

POLÍTICA DE PROTEÇÃO À SAÚDE DO TRABALHADOR. CUMULAÇÃO DE ADICIONAIS. INTELIGÊNCIA DO COMANDO CONSTITUCIONAL: A CF/88 ampliou a tutela à saúde do trabalhador, impondo a necessidade de eliminação dos riscos inerentes à saúde. Na nova redação dada ao tema dos adicionais de periculosidade, insalubridade e penosidade, no inciso XXIII do artigo 7º da CF/88, existe previsão expressa para pagamento pelos respectivos adicionais, àquelas situações de fato cujas atividades sejam assim consideradas nocivas segundo a lei. Não há qualquer restrição no texto constitucional à cumulação dos adicionais. Se presentes uma ou mais das situações nocivas à saúde o adicional deve incidir sobre todas as hipóteses. Entretanto a Douta Maioria da Turma entende não ser possível esta cumulação. (TRT 3ª Região – 2ª Turma, RO 01959-2006-142-03-00-0, Rel. Des. Vicente de Paula M. Junior, DJ 7.6.2008).

As decisões alhures são dignas de aplausos, pois suscitam ponderações relevantes acerca da aplicabilidade da norma mais favorável ao trabalhador, a realçar, o art. 11, b, da Convenção n. 155 da OIT, em consonância a CR/88, diante da incompatibilidade do §2º do art. 193 da CLT com os princípios constitucionais e trabalhistas norteadores dos direitos à vida, à saúde e à dignidade do trabalhador.

Clarividente, analisando os julgados citados, que os magistrados têm interpretado os instrumentos jurídicos de maneira a se voltar à proteção do obreiro como parte hipossuficiente, garantindo a cumulação dos adicionais de insalubridade e periculosidade não como forma de remunerar o risco, o que fugiria ao escopo do instituto dos adicionais, mas como maneira de forçar o empregador a adotar medidas voltadas à proteção obreira no meio ambiente de trabalho.

Assim, a imposição judicial, partindo-se do pressuposto do disposto na CR/88 sobre saúde e medicina do trabalho, e das disposições da Convenção n. 155 da OIT, da obrigação de o empregador arcar com adicionais cumulativos quantos forem os agentes agressivos simultâneos, é meio capaz de desestimular a prestação de serviços em condições mais gravosas aos direitos fundamentais do trabalhador. Interpretação esta em total sintonia com os fins sociais aos quais as normas constitucionais e trabalhistas foram criadas, isto é, o de proteger o trabalhador e garantir a melhoria de suas condições de trabalho.

 

3 CONCLUSÃO

O presente trabalho teve como objetivo principal demonstrar a possibilidade de se cumular os adicionais de insalubridade e periculosidade, tomando-se como base as disposições principiológicas e normativas da CR/88 e do Direito do Trabalho.

Para esses fins, foi realizado o estudo acerca da interpretação do art. 193, §2º da CLT, em que se analisado com base em sua leitura superficial e literal, induz grande parte dos operadores do Direito a interpretação equivocada deste dispositivo legal, uma vez que junto a ele, aplica-se também a NR-15 do MTE, item 15.3, que veda, de forma cristalina, a cumulação de adicionais por trabalho onde haja incidência de mais de um agente nocivo.

No entanto, o supracitado artigo da CLT não proibiu, expressamente, a cumulação dos adicionais de insalubridade e de periculosidade, motivo pelo qual ousamos dissentir do entendimento majoritário, porquanto não coaduna com tudo o que foi argumentado até aqui, em especial com relação aos princípios constitucionais e trabalhistas que regem e tutelam o homem e o trabalho humano.

Nesse ínterim, ficou demonstrado que a defesa pela cumulatividade dos referidos adicionais não se baseia como forma de monetizar o risco, mas, ao contrário, como maneira de forçar o empregador a buscar medidas que visem à melhoria das condições no meio ambiente laboral, considerando que a Lei Magna garante o direito ao trabalho em ambiente ecologicamente equilibrado, salubre e sem riscos e, em decorrência disso, à redução dos riscos inerentes ao trabalho. E isso devido ao importante fato de o Direito do Trabalho possuir papel ímpar na realização dos direitos humanos sociais.

Cediço, assim, que a aplicação dos postulados da dignidade humana e da proteção ao tema proposto neste estudo é saída imperiosa e obrigatória a ser perseguida, vez que a discussão presente aborda a lesão, gradativa ou na iminência de acontecer – quando o risco for acentuado, aos direitos à vida e à saúde do trabalhador.

Tratando-se, nesses moldes, de aplicação da norma mais favorável ao trabalhador na busca de sua maior proteção, existindo várias normas dispondo sobre a mesma matéria, o caminho será adotar aquela que seja mais benéfica ao empregado, e se ainda assim houver dúvida razoável em qual norma adotar, que a interpretação judicial se volte, então, àquela que melhor atenda à condição do trabalhador. Isto é, prevalecerá, num sistema de hierarquia dinâmica, a norma mais favorável que versar sobre o caso concreto.

Nesta senda, ante as exposições trazidas ao longo do texto, percebe-se que a norma mais favorável, e, por este motivo, a que deverá prevalecer, é justamente a Convenção n. 155 da OIT, em seu art. 11, b, c/c a CR/88, art. 1°, III e IV; 5º caput e §§ 2° e 3°; 6º; 7º, XXII e XXIII; 196; 200, VIII e 225, posto serem instrumentos que trazem maiores e melhores benefícios ao trabalhador que se encontra em exposição simultânea a agentes agressivos diversos, especialmente o insalubre e periculoso.

Abordou-se a prevalência dos instrumentos supracitados, diante da existência do item 15.3 da NR-15 do MTE, que regulamenta o disposto no §2º do art. 193 da CLT, fazendo a previsão no sentido de se proibir a cumulação matéria deste estudo.

Ousa-se dissentir, como abordado oportunamente, do entendimento majoritário de que o art. 193, §2° da CLT veda a cumulação dos adicionais por labor sob riscos, uma vez que este dispositivo legal foi pela Convenção n. 155 da OIT revogado tacitamente, quando de sua integração ao nosso ordenamento jurídico. Ademais, não fez a CLT uma previsão de cunho expressamente proibitivo.

Registre-se, todavia, que sendo possível a aplicabilidade deste artigo, conforme defesa da grande corrente, e do item 15.3 da NR-15 do MTE que o regulamenta, haveria situação destoante dos fins sociais aos quais as regras de saúde, segurança, higiene e medicina no trabalho foram instituídas, qual seja o de proteger o trabalhador no ambiente em que labora, e, por conseguinte, assegurar-lhe melhores condições sociais no trabalho como forma de se efetivar a vida saudável e digna.

E partindo do pressuposto de interpretação normativa embasada não só na literalidade das leis, mas, principalmente, no contexto em que foram criadas e para quê foram criadas, sustentam-se os argumentos apresentados no desenvolver do presente estudo, de modo a extrair a máxima efetividade dos institutos analisados.

Foram demonstradas, assim, as razões principiológicas e legais que justificam nossa corrente, com respaldo constitucional pelos princípios da dignidade da pessoa humana e o do status normativo dos tratados internacionais sobre direitos humanos, que no Brasil será de norma supralegal (se ratificado antes da EC n. 45/2004), posicionando-se abaixo da CR/88 e acima da legislação ordinária interna que com eles divergir.

Concomitantemente, utiliza-se do princípio da proteção, que estrutura todo o Direito do Trabalho, capaz de colocar o trabalhador envolto a um manto de proteção estatal, pois sua situação fática o coloca em hipossuficiência perante seu empregador, por isso, essencial a atuação do Estado.

Por isso, fato é: os princípios são normas jurídicas. Existem e devem ser utilizados, pois sua missão é orientar a interpretação e a aplicação dos institutos jurídicos, ou seja, constitui diretriz do ordenamento, não podendo regras infraconstitucionais fazer previsões de modo a contrariá-los.

Logo, por todos os motivos trazidos neste estudo, é que se defende a incidência da CR/88 e da Convenção n. 155 da OIT em prejuízo do §2° do art. 193 da CLT c/c item 15.3 da NR-15 do MTE, nas situações em que o trabalhador esteja exposto, ao mesmo tempo, a agente insalubre e periculoso, causando múltiplos danos à sua saúde e riscos acentuados à sua vida, e isto porque os referidos instrumentos caracterizam norma mais favorável ao empregado, atribuindo ao seu contrato condição mais benéfica, e, o mais importante, tem cunho essencial na proteção dos direitos humanos. 

   

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NOTAS DE FIM


[1] Acadêmica do 10º período do curso de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. Autora do presente artigo. 

[2]Advogada. Mestre em Direito do Trabalho pela PUC/MG. Especialista em Direito Tributário pela PUC/MG. Especialista em Direito do Trabalho e Previdenciário pelo CAD/ Gama Filho/ RJ. Professora exclusiva da Rede Praetorium/Anhanguera de Ensino. Professora do Centro Universitário Newton Paiva. Orientadora do presente trabalho.