Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva

VIRGÍNIA GOULART DE CASTRO[1]

 

RESUMO: Este trabalho, que dispõe sobre a possibilidade de prisão por crédito trabalhista, tem como precípuo objetivo discutir sobre tema controvertido e amplamente debatido na esfera acadêmica, a fim de que se alcance a efetividade do Direito do Trabalho, que somente se alcançará caso seja reconhecida a possibilidade de prisão civil no âmbito justrabalhista quando não adimplidas as obrigações alimentares, compreendendo também o salário.  

 

PALAVRAS-CHAVE: Prisão por crédito trabalhista. Salário. Efetividade do direito do trabalho. Prisão civil. Inadimplemento de obrigações alimentares. 

 

ÁREAS DE INTERESSE: Direito do Trabalho e Direito Penal

 

I. INTRODUÇÃO

O estudo proposto é arquitetado sob o alicerce da teoria que possibilita a prisão por créditos trabalhistas.

Isso se dá, posto que nas últimas décadas os procedimentos na Justiça do Trabalho não se mostram totalmente eficazes, tampouco atendem aos anseios daqueles tidos como a parte hipossuficientes do pacto laboral – o trabalhador, posto que a cada dia o número de demandas trabalhistas aumentam e o Judiciário tem cada vez menos estrutura, tanto física como de pessoal, para processar referidas lides.

Assim, não são raros os casos em que o trabalhador é dispensado, sem, contudo, receber nenhuma parcela devida, o que acaba repercutindo não só na vida deste, mas também na pacificação social, acarretando o chamado “efeito cascata”, visto que o trabalhador se vê desamparado financeiramente e acaba, por conseguinte, inadimplindo as suas próprias obrigações.

Dessa forma, diante da dificuldade em ver os direitos trabalhistas serem atendidos, juristas e doutrinadores tentam motivar a prática da decretação da prisão civil por créditos trabalhistas inadimplidos, dando ensejo a inúmeros debates teóricos.

Isso ocorre pelo fato de ter o salário natureza alimentar, posto ser esse o responsável por atender as necessidades daquele que presta o serviço bem como o de sua família, o que garante, por conseguinte, a observância do princípio da dignidade da pessoa humana, motivo esse que justifica a proteção especial do salário contra qualquer abuso, retenção ou redução.

Com o advento da Emenda Constitucional nº 45/2004, a Justiça do Trabalho passou a ter competência penal para processar e julgar ações decorrentes da relação de trabalho em todas as suas vertentes, posto ser o ramo mais preparado para defesa do trabalhador, instituindo assim, uma unidade de jurisdição, concentrando toda a matéria na Justiça do Trabalho.

Assim, feita uma rápida leitura do artigo 5º, inciso LXVII da Constituição Federal de 1988, à primeira vista, tem-se que somente será possível a prisão civil por dívidas no caso do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia – posto que com a edição da Emenda Constitucional nº 45/2004 excluiu-se a possibilidade da prisão do depositário infiel.

Contudo, se lermos o artigo 100, § 1º do texto constitucional (modificado pela EC/62 de 2009) observar-se-á que, assim como o crédito resultante da obrigação alimentícia, o salário também possui caráter de natureza alimentar, o que, por conseguinte, autoriza a prisão civil daquele que inadimpli-lo.

Nota-se então, que a Constituição Republicana não restringiu a possibilidade de prisão civil por dívidas apenas à pensão alimentícia.

Ademais, se o objetivo do legislador era dar à lei constitucional interpretação restritiva, poderia limitar ainda mais o conceito do que viria a ser considerado débitos de natureza alimentícia, em seu artigo 100, § 1º, no entanto, optou por não fazer, não tendo assim o que se falar em interpretação restritiva do artigo 5º, inciso LXVII da Constituição Federal de 1988, sendo plena a possibilidade de decretação da prisão civil por crédito trabalhista inadimplido.

Para o escopo deste artigo utilizar-se-á o método dedutivo. Segundo Izequias Estevam dos Santos, (2010, p. 99) método “define-se como: seguir um caminho ou a ordem a que se sujeita qualquer tipo de atividade, com vista a chegar a um fim determinado” Pelo método dedutivo, parte-se “do geral para o particular, do complexo para o simples” (SANTOS, 2010, p. 107), o estudioso é obrigado a

[…] ter idéia sobre alguns princípios e conceitos como juízo proposição, silogismos. Estes são os pressupostos básicos para a construção do pensamento. Pela dedução chega-se à conclusão de qualquer raciocínio que corresponde às premissas (SANTOS, 2010, p. 102).

Por meio deste método de pesquisa, serão estudadas as premissas que se ligam às possibilidades de prisão por crédito trabalhista, utilizando, para tanto, a doutrina, jurisprudência e legislação. Examinar-se-á os princípios gerais do Direito e os princípios aplicados ao Direito do Trabalho, o Pacto de San José da Costa Rica e Emenda Constitucional nº 45/2004, bem como o caráter alimentar dos créditos trabalhistas, a eficácia da prisão civil por dívida e a eficácia das normas trabalhistas, com o escopo de obter uma conclusão igualmente verossímil ao caso concreto da possibilidade ou não de prisão por crédito trabalhista.

O problema proposto, por fim, é fundamentado sobre a perspectiva da possibilidade de aplicação por analogia entre a prisão civil por inadimplemento da obrigação de pensão alimentícia e o inadimplemento dos créditos trabalhistas, sendo que a aplicação de tal instituto só desafogaria o judiciário, permitindo, além de um julgamento mais célere, a efetividade das normas trabalhistas.

 

2 PRINCÍPIOS DO DIREITO DO TRABALHO

 

2.1 Conceito

Os princípios são os alicerces do direito, são pilares que dão sentido lógico e racional para que se compreenda melhor determinado instituto.

Para Bandeira de Mello (2000, p.747-48) tem-se como princípio o

[…] mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.

De acordo com Maurício Godinho Delgado (2010, p. 171) os princípios são “proposições fundamentais que se formam na consciência das pessoas e grupos sociais, a partir de certa realidade, e que, após formadas, direcionam-se à compreensão, reprodução ou recriação desta realidade”.

Tem-se, portanto, a relevante importância dos princípios para interpretação e correta aplicação das normas jurídicas do nosso ordenamento. Para Toledo Filho e Souto Maior, em artigo “Da prisão civil por dívida trabalhista de natureza alimentar” publicado em 01 de outubro de 2003, no site Jus Navigandi (2003) os princípios são

[…] regras de segundo grau por que auxiliam na interpretação e aplicação das demais regras; dirigem-se, primordialmente, aos intérpretes e aplicadores do direito, quando não aos próprios legisladores; servem para justificar as exceções às regras de primeiro grau; para restringir o alcance destas; para justificar a atitude do juiz; e apresentam certa neutralidade.

Dessa forma, segundo Antônio Fabrício de Matos Gonçalves, em seu artigo “A lógica protetiva do Direito do Trabalho: uma breve análise da função dos princípios especiais juslaboralistas” (2003) nos ensina que

[…] não há que se olvidar da importância de princípios em qualquer ramo do Direito. Mas no Direito do Trabalho eles têm importância estrutural, basilar e o desrespeito ou inobservância desses princípios pode desintegrar o Direito Laboral. O Direito do Trabalho, sem a observação de seus princípios, pode ser tudo, até Direito Civil, mas Direito do Trabalho, jamais.

Ademais, a própria CLT em seu artigo 8º destaca a função integrativa dos princípios, segundo o qual dispõe que, na falta de disposições legais ou contratuais, aplicar-se-á, conforme o caso, os princípios e normas gerais do direito, principalmente do direito do trabalho, de modo a suprir as lacunas existentes bem como orientar quanto à aplicação e interpretação das mesmas. Não se olvide, alguns princípios encontram-se de forma implícita na lei, outros são meramente doutrinários.

 

2.2 Princípios gerais do Direito aplicáveis no âmbito trabalhista

Os princípios gerais do direito encontram-se esparsos por todo o ordenamento jurídico, não posicionados dentro de um determinado ramo específico. Em alguns casos, sequer constam de lei alguma, contudo, encontram-se arraigados na história e no costume jurídico.  

Assim, os princípios gerais do direito aplicáveis ao Direito do Trabalho são, dentre outros, o princípio da dignidade da pessoa humana, o princípio da valorização do trabalho, o princípio da não-discriminação, da equidade,  da razoabilidade e proporcionalidade, o princípio da boa-fé, dentre outros.

 

2.2.1 Pacto de San José da Costa Rica

Ressalta-se que, além dos princípios acima mencionados, há que se destacar a Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969 (Pacto de San José da Costa Rica), aprovada no Brasil pelo Decreto Legislativo 27, de 25.09.1992 e promulgada pelo Decreto 678 de 06.11.1992.

O Pacto de San José da Costa Rica dispõe em seu artigo 7º que

Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar, e da edição da Súmula Vinculante nº 25: É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito.

Tem-se que o entendimento do Supremo Tribunal Federal é no sentido de não haver mais possibilidade da prisão do depositário infiel, revogando-se assim, o artigo 5º, LXVII in fine da CR/88, bem como a Súmula 619 do STF, que prevê a possibilidade da decretação da prisão do depositário no próprio processo em que se constitui o encargo, independentemente da propositura de ação de depósito.

Destarte, o fundamento para a impossibilidade da prisão do depositário infiel é no sentido de que a norma internacional tem status meramente supralegal, posicionando-se entre as normas infraconstitucionais e a Constituição Federal de 1988.

Contudo, não há que se falar na impossibilidade do instituto da prisão por dívida em relação à obrigação alimentícia, por não ter o Supremo Tribunal Federal – STF- se manifestado sobre ele, bem como a expressa autorização contida na Constituição Republicana.

Assim, tem-se que o artigo 5º, LXVII do texto Constitucional prevê a possibilidade de prisão por dívida daquele que descumprir a obrigação fundada em créditos alimentares.

Dispõe ainda o artigo 100 do mesmo texto, que débitos de natureza alimentícia são constituídos, entre outros, dos decorrentes de salários, devendo ser pagos com preferência sobre os demais débitos.

Nesse sentido, um importante precedente do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, é o Habeas Corpus proferido nos autos nº 01079-2009-000-03-00-6, publicado em 18/09/2009, onde nos ensina o Relator Manuel Cândido Rodrigues que

É cediço que a jurisprudência da Suprema Corte passou a entender pela insubsistência da previsão, no ordenamento jurídico brasileiro, da prisão civil por dívida do depositário infiel, qualquer que seja a natureza do depósito, admitindo-a, apenas, no caso do devedor voluntário e inescusável de obrigação alimentícia.

Percebe-se que o texto constitucional trata do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de “obrigação alimentícia”, não dispondo exclusivamente de “pensão” alimentícia.

Nesse sentido, pode-se observar a decisão do Habeas Corpus do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (HC nº 01079-2009-000-03-00-6) que

[…] o texto da Constituição Federal fala em “responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia” (artigo 5º, inciso LXVII), não se limitando a excepcionar a possibilidade de prisão civil para o devedor de pensão alimentícia. (grifo nosso)

Assim, tem-se que, se a intenção do legislador fosse restringir as possibilidades de prisão civil, necessidade não haveria em ter editado o artigo 100, § 1º da CR/88, que veio com o objetivo de complementar o artigo 5º, inciso LXVII e definir “débitos de natureza alimentícia”.

Como bem indica Manoel Carlos Toledo Filho e Jorge Luiz Souto Maior (2003)

Não se está preconizando que qualquer devedor de dívida trabalhista seja preso, pois a este ponto não vai o texto constitucional. Basta lê-lo com atenção. O que se está dizendo é que a norma constitucional não se limita a pensão alimentícia, conferindo, pois, um tal poder ao juiz do trabalho, que, por certo deverá usá-lo da forma mais ponderada possível e para os casos em que se demonstre nítida a postura irresponsável e abusiva do devedor (contumaz, voluntário, insensível e convicto) (grifo nosso)

Assim, como ensina Manuel Cândido Rodrigues (HC nº 01079-2009-000-03-00-6), ao buscar pela satisfação dos créditos trabalhistas, propugna-se pela medida coercitiva e que, uma vez cumprida, deverá ser imediatamente suspensa, de forma a garantir a dignidade não só do trabalhador, ao sofrer retenção de proventos, como do empregador, que ao quitar a dívida, deverá ser imediatamente posto em liberdade.

Segundo Cleber Lúcio de Almeida (2009, p. 24) “O art. 7º da Emenda Constitucional nº 45/2004 deixa claro que a alteração da competência da Justiça do Trabalho tem por objetivo a facilitação do acesso à justiça e a maior celeridade no julgamento das demandas”.

Dessa forma, a Convenção Americana de Direitos Humanos visa, dentre outros objetivos, a interpretação e correta aplicação do artigo 5º, inciso LXVII da CR/88 ante a ausência de restrições e a possibilidade de interpretação extensiva da expressão “obrigação alimentícia”, incluindo aqui, o instituto do salário.

 

2.3 Princípios Específicos do Direito Individual do Trabalho

 

2.3.1 Princípio da Proteção

O princípio da proteção, segundo nos ensina Maurício Godinho Delgado (2010, p. 183) justifica a própria existência do Direito do Trabalho. Segundo a doutrina especializada, tal princípio constitui a viga mestra do ramo jus trabalhista.

Ainda nesse sentido, Godinho explica que (2010, p. 183) o princípio tuitivo

[…] estrutura em seu interior, com suas regras, institutos, princípios e presunções próprias, uma teia de proteção à parte hipossuficiente na relação empregatícia – o obreiro – visando retificar (ou atenuar), no plano jurídico, o desequilíbrio inerente ao plano fático do contrato de trabalho.

Assim, segundo Nei Frederico Cano Martins (revista nº7, p. 847) apud Jorge Neto e Pessoa Cavalcante (2006, p. 92) o princípio da proteção se justifica pela desigualdade que estão as partes na relação empregatícia, sendo que de um lado, tem-se o trabalhador subordinado e do outro, o empregador que, via regra, detém o poder econômico.

Destarte, o escopo do princípio tuitivo é exatamente atenuar as desigualdades entre empregado e empregador, que se encontram em patamar hierárquico diferente.

Para Godinho (2010, p.183), o referido princípio se manifesta em quase todos os outros princípios do ramo trabalhista, mas Américo Plá Rodriguez analisa o princípio da proteção em três vertentes: norma mais favorável, condição mais benéfica e indubio pro operário.

 

2.3.2 Princípio da Norma Mais Favorável

O princípio da norma mais favorável assume dimensão tríplice, atuando em três momentos distintos, quais sejam: na elaboração da norma, devendo-se criar sempre uma norma mais favorável do que a vigente; em relação à interpretação, onde, havendo apenas uma norma com mais de uma interpretação, aplicar-se-á a que melhor atender os interesses do empregado; e em relação à hierarquização das normas, sendo que tal instituto inexiste aqui, devendo-se aplicar a norma mais benéfica para o empregado.

Assim, tem-que o presente princípio atua como instrumento de hierarquização, elaboração, interpretação e informação do Direito do Trabalho.

 

2.3.3 Princípio da Condição Mais Benéfica

Segundo Jorge Neto e Pessoa Cavalcante (2006, p. 94), a condição mais benéfica “inserida no universo da contratação não pode ser substituída por outra menos vantajosa, na mesma relação de emprego”, encontrando assim, pontos de semelhanças com o princípio da inalterabilidade contratual lesiva, onde as cláusulas não podem ser alteradas, salvo se mais benéficas, com fulcro no artigo 468, CLT.

Portanto, tal princípio importa na garantia de preservação do direito adquirido, que permanecerá enquanto durar o contrato; assegura também a observância da norma oriunda de Acordo Coletivo ou Contrato Coletivo de Trabalho, que persistirá durante toda sua vigência – com prazo máximo de 2 anos – e não enquanto durar o contrato de trabalho, bem como a observância dos adicionais, perdurando enquanto durar a condição que fez surgir o direito, por se tratar aqui, de salário condição.

Dessa forma, observa-se que o princípio da condição mais benéfica vem para assegurar e prestigiar as cláusulas do contrato de trabalho, sejam elas tácitas ou expressas.

 

2.3.4 Princípio do Indubio Pro Operario

Segundo lições de Godinho (2010, p. 196), o princípio do indubio pro operario trata-se de transposição adaptada ao ramo justrabalhista ao princípio jurídico penal indubio pro reo”. Assim, tem-se que na dúvida, ou seja, quando uma única norma comportar mais de uma interpretação, deverá prevalecer a mais favorável ao empregado, por ser a parte hipossuficiente do pacto laboral, contudo, baseando-se em outras fontes e não apenas pelo seu livre convencimento.

Entretanto, tal princípio provoca grandes discussões quando comparado a tal instituto, posto que ao Direito do Trabalho se aplica o critério do ônus da prova (artigo 333 do CPC e 818 da CLT).

 

3. SALÁRIO

 

3.1 Conceito

Salário é, segundo Maurício Godinho Delgado (2010, p.643) o conjunto de parcelas contraprestativas pegas pelo empregador ao empregado em função do contrato de trabalho”.

Assim, observa-se que o salário é pago pelo empregador ao empregado em função da contraprestação exercida por esse através de um contrato de trabalho – e não necessariamente em função do labor exercido, haja vista que nos períodos de interrupção, por exemplo, este continuará sendo pago.

Por meio das lições de Godinho (2010, p. 673-75), o salário poderá ser percebido por unidade de obra, levando-se em consideração a produção alcançada pelo empregado; unidade de tempo, tendo como parâmetro a duração do serviço, independentemente do volume de produção; e de tarefa, levando-se em consideração o critério da unidade de obra juntamente com o critério da unidade de tempo.  

Nesse sentido, nos ensina Amauri Mascaro Nascimento (1996, p. 479) que o salário consiste na “totalidade das percepções econômicas dos trabalhadores, qualquer que seja a forma ou o meio de pagamento, quer retribuam o trabalho efetivo, os períodos de interrupção do contrato e os descansos computáveis na jornada de trabalho”.

Segundo Maurício Godinho Delgado (2010, p. 643) o salário compreende não só uma única verba, mas sim um conjunto de parcelas, capaz de satisfazer as necessidades mais básicas do trabalhador, conforme artigo 76, CLT.

Os créditos trabalhistas, segundo ensinamentos de Manuel Cândido Rodrigues (HC nº 01079-2009-000-03-00-6) devem ser entendidos como

[…] a parcela que lhe cabe, como fruto de uma prestação de trabalho, cujo valor social é reconhecido, constitucionalmente, como um dos fundamentos da própria República Federativa do Brasil (art. 1º, inciso IV) – e que por meio do qual se manifesta a própria dignidade humana.  

Dispõe ainda o inciso IV do art. 7º da CR/88 que o salário é aquele

[…] capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim.

Depreende-se, pois, que é assegurado a todo trabalhador a percepção de tais parcelas em contrapartida ao labor exercido, direito esse, constitucionalmente assegurado.

 

3.2 Salário x Remuneração

Como já dito anteriormente, salário é o conjunto de parcelas contraprestativas, pagas diretamente em dinheiro ou utilidades, ao empregado pelo empregador em decorrência da relação de emprego, segundo artigo 475 da CLT.

Contudo, apesar da palavra salário ser constantemente utilizada para indicar a contraprestação fixa principal paga ao empregado pelo empregador (salário base), ela abrange também outras parcelas de caráter contraprestativo, como os adicionais, as comissões, as gratificações, dentre outros.  

Segundo Godinho (2010, p. 644), o conceito de salário e remuneração são tidos como se fossem expressões equivalentes, sinônimas”, o que não se verifica.

Assim, importante ressaltar aqui a diferença entre salário e remuneração, sendo que esta é o resultado da soma do complexo salarial (SB + OVS) e das gorjetas (que são pagas, como se sabe, por terceiros, alheios à relação jurídica).

Para Jorge Neto e Pessoa Cavalcante (2006, p. 514) o ponto de destaque para a diferenciação entre salário e remuneração é a vinculação ou não da parcela auferida pelo empregado em função da disponibilização da sua força de trabalho”.

Assim, tem-se que: salário-base é aquele devido e pago diretamente ao empregado pelo empregador; complexo salarial é o somatório do salário básico e as demais verbas salariais; gorjeta é o valor pago de forma voluntária ou não por  terceiros alheios ao pacto laboral e remuneração é o resultado da soma do complexo salarial e das gorjetas.

Diz-se o artigo 457 da CLT que compreende-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber”.

 

3.3 Natureza alimentar do salário

Segundo ensinamentos de Orlando Gomes (2002, p. 427) alimentos são prestações para satisfação das necessidades vitais de quem não pode provê-las por si”, seja por motivos de enfermidade, incapacidade ou idade, abrangendo não apenas o necessário à vida, mas também “a alimentação, a cura, o vestuário e a habitaçãoe “outras necessidades, compreendidas as intelectuais e morais, variando conforme a posição social da pessoa necessitada”.

Já em relação ao Direito do Trabalho, de acordo com as lições de Antônio Álvares da Silva (2006, p. 48) “trabalho não é apenas o meio de subsistência do trabalhador, mas o sustento da vida social e o suporte de toda a produção de bens e serviços necessários à sua existência”.  

Pelo exposto, de acordo com Godinho (2010, p. 191), tem-se que o salário possui natureza alimentar, uma vez que atende as necessidades básicas do trabalhador bem como de sua família, devendo, portanto, ser protegido contra qualquer abuso, retenção ou redução e mais:

A noção de natureza alimentar […] parte do pressuposto – socialmente correto, em regra – de que a pessoa física que vive fundamentalmente de seu trabalho empregatício proverá suas necessidades básicas de indivíduo e de membro de uma comunidade familiar (alimentação, moradia, educação, saúde, transporte, etc) com o ganho advindo desse trabalho: seu salário. […] De fato, o presente princípio laborativo especial ata-se até mesmo a um princípio jurídico geral de grande relevo, com sede na Carta Magna: o princípio da dignidade da pessoa humana. […] é o salário, sem dúvida, a mais relevante contrapartida econômica pelo trabalho empregatício.

Segundo lições de Cleber Lúcio de Almeida (2009, p. 42), é com a remuneração da energia do trabalho prestado pelo trabalhador que este alcança formas para seu próprio sustento e de sua família e é exatamente por isso que tais verbas tem natureza predominantemente alimentar, passando inclusive na frente dos demais créditos sem a observância da ordem cronológica dos precatórios.  

Nesse revés, no julgamento do HC nº 01079-2009-000-03-00-6, o Relator Manuel Cândido Rodrigues defende a teoria de que os créditos trabalhistas merecem atenção e maior atuação do Judiciário, visto que têm natureza alimentar e, por conseguinte, garantem à subsistência do trabalhador, podendo, inclusive, agir-se com força coercitiva, já que a própria Constituição Federal autoriza tal possibilidade.

Ainda de acordo com Manuel Cândido Rodrigues (HC nº 01079-2009-000-03-00-6) a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso LXVII trata do “responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia”, não dispondo exclusivamente de pensão alimentícia, o que nos leva a entender que poderá se incluir, nessa hipótese, os créditos trabalhistas, haja vista que estes também possuem natureza alimentar.

Dessa forma, depreende-se que o salário tem, como um de seus objetivos precípuos, garantir a dignidade da pessoa humana, haja vista possibilitar que, não apenas o trabalhador, mas como todos aqueles que dependem deste, possam, através do salário, custear suas necessidades básicas e por consequência, garantir o mínimo de dignidade perante a sociedade.

 

3.4 Proteção ao salário

Em razão da grande importância que nos revela o salário, o Direito do Trabalho apresenta uma proteção especial ao mesmo, abrangendo as inúmeras parcelas trabalhistas que compõe a remuneração do trabalhador.

Segundo lições de Jorge Neto e Pessoa Cavalcante (2006, p. 549) “a proteção ao salário é fato decorrente do princípio tutelar, o que é inerente ao Direito do Trabalho”.

A Convenção nº 95 da Organização Internacional do Trabalho – OIT-, aprovada pelo Decreto Legislativo nº 24, de 29/05/1956 e promulgado pelo Decreto nº 41.721, de 1957 estabelece certas regras para a proteção ao salário, dentre elas de que este seja pago diretamente ao empregado, em intervalos regulares e em dias úteis; estabelece ainda a vedação do truck system, bem como dos descontos, salvo quando previstos, dentre outros.

Ainda nesse sentido, é a redação do artigo 7º, X da CR/88, constituindo crime a retenção dolosa do salário.  

Ademais, o ordenamento jurídico estabelece inúmeras proteções em relação ao instituto do salário, como os princípios da irredutibilidade, impenhorabilidade e intangibilidade.

Nesse revés, segundo o artigo 7º, inciso VI da CR/88, o salário não poderá ser reduzido, salvo quando feito por negociação coletiva junto ao sindicato da categoria, em momentos excepcionais, devendo-se observar que o artigo 503, da CLT (redução unilateral) e a Lei 4.923/65 (redução por sentença judicial) não foram recepcionados pela legislação constitucional.

Tem-se ainda que o artigo 462 da CLT protege o salário do empregado contra os descontos do empregador, sendo esses possíveis apenas quando se tratar de adiantamentos (artigo 457, CLT); quando previsto em negociação coletiva ou previsão legal (é o que ocorre no caso dos descontos relativos ao INSS, contribuições sindicais, vale-transporte no valor de 6%, etc.).

Haverá também a possibilidade de descontos no salário do empregado quando este causar algum prejuízo ao seu empregador por dolo ou, se tratando de culpa, desde que previsto no contrato de trabalho e, de acordo com a súmula 342 do Tribunal Superior do Trabalho – TST-, será permitido o desconto salarial quando o empregado autorizar expressamente que este ocorra (é o caso, por exemplo, dos planos de saúde e odontológicos).

Por fim, em razão da já mencionada importância do salário, por consistir em crédito de natureza alimentar, dispõe o artigo 649, IV do CPC a impossibilidade de penhora do mesmo, ressalvado o caso de pensão alimentícia.

Assim sendo, é absolutamente vedado a compensação relativa à dívidas não trabalhistas que o empregado possa, eventualmente, ter com seu empregador. Contudo, conforme dispõe o artigo 477, §5º da CLT, na rescisão, as dívidas trabalhistas poderão ser objeto de compensação, observado o limite de uma remuneração mensal.

 

3.5 Reflexos sociais

Atualmente, não são raros os casos em que o empregado tem seu pacto laboral rescindido, sem, contudo, receber nenhuma parcela devida.

Entretanto, segundo Rodrigo Vieira, em seu artigo “Possibilidade ou não da prisão por dívida trabalhista” publicado em 25 de novembro de 2008, tal situação acaba repercutindo não só na vida pessoal do trabalhador, mas também no âmbito social, isto por que, o trabalhador se vê desamparado financeiramente e acaba, por conseguinte, não cumprindo com as suas próprias obrigações, acarretando o chamado “efeito cascata”.

Isso se dá, posto que, mediante a inadimplência do empregador ao não pagar as devidas verbas rescisórias, “obriga”, de certa forma o trabalhador a também não arcar com suas dívidas.

Tal fato pode ser observado claramente nos casos de pagamento de pensão alimentícia, onde o alimentante se vê sem ocupação profissional e, por conseguinte, acaba inadimplindo os alimentos devidos ao alimentado, ou, em outros casos, se furta da obrigação de pagar seus credores e estes, sem créditos suficientes, também não arcam com suas obrigações perante seus fornecedores.

O empregado, na maioria dos casos, é desamparado ou não encontra guarida na legislação pátria para ver seus créditos satisfeitos, tendo que esperar longo prazo, em condições em que deveria receber de imediato, haja vista estar fora do mercado de trabalho, ocasionando efeitos catastróficos perante a sociedade.

Neste revés, Eduardo Milléo Baracat (1998, p.737) apud Toledo Filho e Souto Maior (2003) nos ensina que

O não pagamento de salário acarreta problemas imediatos também na esfera socioeconômica.

O sistema econômico brasileiro está sedimentado sobre o crédito. Isto é, somente tem acesso aos bens de consumo básicos, quem possui crédito junto aos agentes do mercado. O trabalhador que possui emprego adquire o status social de trabalhador, e, desse modo, tem acesso ao crédito, podendo adquirir bens de consumo para pagamento a prazo.

A ausência de pagamento de salários acarreta o inadimplemento pelo trabalhador das prestações contraídas no comércio, gerando efeitos em cadeia múltiplos que se sucedem de forma danosa também à economia, colocando em risco todo o sistema socioeconômico.

Com efeito, um dos efeitos do não recebimento do salário, é o de que o trabalhador torna-se inadimplente, pois não tem os meios para cumprir suas obrigações, e, por via de consequência, perde o crédito junto à praça, deixando de ter acesso a bens de consumo, muitas vezes básicos, ficando à margem do processo social. O trabalhador marginalizado passa a buscar a satisfação de suas necessidades básicas através de procedimentos ilícitos, como, por exemplo, o furto, o que gera, inevitavelmente, violência.

Inegável, por outro lado, que o trabalhador que não recebe salário, tem sua condição psíquica afetada, perdendo sua aptidão produtiva normal, o que causa redução, ao menos qualitativa, no processo produtivo e prejuízo à empresa.

As relações sociais do trabalhador nesta situação também se degradam, mormente em relação à família e aos colegas de trabalho, acarretando, não raro, efeitos sociais nefastos. Percebe-se, sem sombra de dúvidas, desta breve análise, que o salário encontra- se dentre aqueles bens jurídicos que se violado acarreta profundo estremecimento na paz social.

Em outras palavras, tem-se que o não pagamento das parcelas devidas ao empregador, acarreta danos não só a este e a sua família, mas como para toda a sociedade, pois influencia diretamente na esfera socioeconômica do país.

Tal fenômeno se dá pelo fato de que, sem crédito e renda para adquirir e custear suas necessidades básicas, o trabalhador irá buscá-las de outras maneiras, sendo que, na maioria das vezes, se utilizam de recursos ilícitos.

Francisco Rossal de Araújo tem o mesmo pensar no que diz respeito aos efeitos maléficos do não recebimento das verbas rescisórias. É o que ensina em seu artigo “A Boa-fé no término do contrato de emprego: o pagamento das verbas rescisórias – resilitórias”, publicado na Revista Justiça do Trabalho (nº 185, p. 91), onde 

[…] é possível perceber que em função das características da distribuição de renda na sociedade brasileira e em função da média salarial, o trabalhador brasileiro, em regra, tem na despedida uma séria ameaça ao bem-estar pessoal e ao de sua família. […] por essas razões, quando se ressalta a importância das verbas resilitórias, se chama a atenção não só para o caráter alimentar decorrente de uma situação anterior (o contrato de emprego), mas também uma situação posterior de desemprego, agravada por uma crise de proporções mundiais.

Ademais, como se não bastasse a resilição contratual e o não recebimento das verbas rescisórias, o empregado se vê às margens da sociedade, sendo mal visto por não possuir nenhuma colocação profissional, o que acaba, por conseguinte, afetando sua condição psíquica, prejudicando-lhe novamente, porquanto, mais difícil será que este consiga recolocação no mercado se não tem qualificação profissional.

Assim, ao não pagar ao empregado o que lhe é devido, o empregador prejudica não só àquele, mas toda a sociedade, uma vez que a inadimplência de um cidadão pode afetar a todos, trazendo consequências ainda mais sérias, como a desestruturação da pacificação social.

Dessa forma, segundo lições de Manuel Cândido Rodrigues (2009) no julgamento do HC nº 01079-2009-000-03-00-6, por causar sérios prejuízos pessoais ao trabalhador, bem como grandes impactos na sociedade, espera-se que o empregador cumpra a sua parte no acordo e pague o que é devido “à alguém que lhe prestou serviços, que cumpriu inteiramente sua parte na avença, mesmo sendo o polo hipossuficiente da relação”.

 

4 PRISÃO POR DÍVIDA TRABALHISTA

 

4.1 A competência penal no âmbito trabalhista

No que diz respeito à competência penal do Direito Trabalho, o entendimento tradicional da doutrina, é que não há que se falar em tal competência no ramo justrabalhista.

Rodrigo Gonçalves Meneses (2010) em seu artigo “A competência criminal da Justiça do Trabalho” faz algumas citações acerca do tema controvertido, vejamos:

A jurisdição penal é exercida pelos juízes estaduais comuns, pela Justiça Militar estadual, pela Justiça Militar federal, pela Justiça Federal e pela Justiça Eleitoral; em suma, apenas a Justiça do Trabalho é completamente desprovida de competência penal. (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2004, p. 143, sem grifos no original).

De acordo com alguns entendimentos, a partir da Emenda Constitucional nº 45/2004, a Justiça do Trabalho passou a exercer uma função que antes não lhe cabia, a competência penal.

Para esses juristas e doutrinadores, tal inovação pode ser averiguada a partir de uma rápida leitura do artigo 114, inciso I da Constituição da República de 1988, sendo a Justiça do Trabalho competente para processar e julgar ações decorrentes da relação de trabalho.

Segundo lições de Rodrigo Meneses (2010), tem-se que, com advento da emenda constitucional nº45/2004, caberia à Justiça do Trabalho e somente a ela, analisar ações decorrentes da relação de trabalho em todas as suas vertentes, sejam elas patrimoniais, penais ou administrativas, sem ter que identificar a existência da relação de emprego, anteriormente exigida, uma vez que é o ramo mais preparado com a matéria para defesa do trabalhador.

Ainda nesse sentido, afirma Rodrigo Gonçalves Meneses (2010) que

[…] as lides que lhe serão atribuídas não necessitam mais ser exclusivamente vinculadas aos sujeitos da relação de emprego, o que amplia sua competência para outras ações, inclusive as ações penais que decorram da relação de trabalho, por inexistir qualquer vedação neste sentido.

De acordo com Souto Maior (2005, p.187) apud Rodrigo Meneses (2010) estará inserido na nova competência penal não só as ações em sentido estrito, mas englobará todas as ações, tanto civis quanto penais, “desde que presente a nova “roupagem” do conflito entre capital e trabalho”.

Marcelo José Ferlin D`Ambroso (2006, p. 194) apud Rodrigo Gonçalves Meneses (2010) entende que com o advento da referida emenda, teve-se, de forma definitiva, o nascimento de uma Justiça verdadeiramente social.

Conforme explanação de Marcelo D`Ambroso (2006, p.195) apud Rodrigo Gonçalves Meneses (2010), um forte argumento para rebater a questão discutida é que, com o exercício da jurisdição criminal trabalhista será viável, a curto prazo, senão debelar, pelo menos diminuir sensivelmente as práticas de trabalho e salário sem registro, truck-system, cooperativismo irregular, dentre outras, o que acarretará diminuição de ações trabalhistas”.

Ademais, segundo Nicolò Trocker (1996, p. 842) apud José Roberto Freire Pimenta (2000, p.), “uma justiça morosa é um grande mal social, provoca danos econômicos (imobilizando bens e capitais), favorece a especulação e a insolvência, acentua a discriminação entre os que têm a possibilidade de esperar e aqueles que, esperando, tudo tem a perder”.

Dessa forma, verifica-se que, segundo doutrinadores e juristas que defendem tal institucionalização, o objetivo do legislador, foi instituir a unidade de jurisdição, concentrando toda a matéria, inclusive os ilícitos trabalhistas, em um único órgão jurisdicional, sendo essa, segundo Rodrigo Meneses (2010) “a atual tendência verificada no direito processual moderno: unificar os ramos de processo visando à satisfação substancial tutelado e a uma efetiva proteção jurisdicional”.

Segundo Antônio Alvares da Silva (2006, p. 37) apud Rodrigo Meneses (2010) “o reconhecimento da unidade de jurisdição penal trabalhista […] nada mais é do que um princípio de economia processual, que centraliza em um só ramo jurídico as consequências de um ilícito que tenha várias repercussões”.

Contudo, tem-se que inexiste a referida competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar ações penais, isto por que em 08/03/2006 o Procurador-Geral da República Antônio Fernando de Souza ajuizou ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN nº 3684) com pedido de concessão de medida cautelar em face do artigo 114 e seus incisos I, IV e IX da Constituição Republicana, redação essa dada pela referida emenda à Constituição de 1988.

A referida ADIN teve como fundamento os artigos 102, I, “a” e 103, VI da CR/88 e a Lei 9.868/99, que dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o STF.

Em 01/02/2007 a ADIN foi julgada, sendo o Ministro Cezar Peluso o relator, que deu provimento liminar, com a seguinte decisão:

COMPETÊNCIA CRIMINAL. Justiça do Trabalho. Ações penais. Processo e julgamento. Jurisdição penal genérica. Inexistência. Interpretação conforme dada ao artigo 114, incs, I, IV e IX da Constituição da República, acrescidos pela Emenda Constitucional nº 45, não atribui à Justiça do Trabalho competência para processar e julgar ações penais.

Assim, em decisão unânime, o Relator Peluso entendeu que a competência da Justiça do Trabalho se restringe somente às ações que não possuem a referida natureza penal. Caso houvesse, ocorreria violação do chamado princípio do juiz natural, cabendo à Justiça comum, e somente ela, julgar e processar matéria criminal.

Os demais Ministros do Pretório Excelso seguiram o voto do Relator no sentido de conceder a liminar pleiteada, atribuindo-lhe efeitos ex tunc, declarando, portanto, que a Justiça Trabalhista não tem competência para julgar e processar ações de natureza penal.

Ademais, ainda que se entendesse pela referida competência, a prisão civil não tem caráter de pena, mas tão somente meio de coerção para compelir o agente que se colocou na posição de inadimplente, podendo o Órgão Trabalhista, dessa forma, utilizar-se da coerção para ver os créditos trabalhistas satisfeitos, não dependendo de maneira alguma da institucionalização da competência penal no âmbito trabalhista.  

 

4.2 Possibilidade de prisão no âmbito trabalhista

Primeiramente, deve-se ater ao fato de que a expressão “prisão civil” é mais ampla do que o termo “prisão por dívidas”, consideradas gênero e espécie, respectivamente, sendo que a Constituição da República trás um rol taxativo das possibilidades de prisão civil por dívida.

Segundo Luciano Marinho de B. E. Souza Filho, em seu artigo “Breves considerações acerca da prisão civil por inadimplemento de pensão alimentícia”, publicado em 04 de janeiro de 2004, nos ensina que

Historicamente, a ‘prisão por dívidas’ percorreu o que denominamos estágios evolutivos: primeiro a escravidão – tornava-se o devedor escravo do credor até que, com seu trabalho, solvesse o débito. Depois, tomou o caráter de prisão (pena, punição) em virtude do não cumprimento obrigacional. E, por fim, a prisão como meio vexatório de coerção, constrição (ameaça) compelindo-o a não sonegar economias em prol de seus dependentes ou credores (parentes e filhos).

Assim, de acordo com o artigo 591 do Código de Processo Civil, tem-se que as normas vigentes, responsabilizam o patrimônio do devedor por suas eventuais dívidas, ou seja, o objeto de sanção não é a pessoa do devedor, mas sim os seus bens.

Contudo, como toda regra, há que se ter uma exceção, e nesse caso, é a possibilidade de prisão do devedor de obrigação alimentícia.

Assim sendo, como bem preconiza o inciso LXVII do artigo 5º da CR/88, só haverá prisão por dívidas nos casos do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e do depositário infiel.

Todavia, vale ressaltar novamente que o Pacto de San José da Costa Rica, aprovado no Brasil em 1992, dispõe em seu artigo 7º a vedação da prisão civil do depositário infiel, prevendo apenas a possibilidade da prisão no caso de dívida de obrigação alimentícia.

Assim, por se tratar de norma supralegal, tem-se que hoje, não será mais possível a decretação da prisão do depositário infiel, prevalecendo apenas a hipótese da prisão por inadimplemento de obrigação alimentar, como já explanado anteriormente.

Segundo lições de Araken de Assis (1995, p. 97-98 e 101-109) apud José Roberto Freire Pimenta (2000), “o princípio da patrimonialidade […] vem gradativamente perdendo seu caráter absoluto para, cada vez mais, ser admitido o emprego da coerção pessoal”.

Tem-se, dessa forma que, o artigo 5º, LXVII do texto Constitucional prevê a possibilidade de prisão por dívida daquele que descumprir a obrigação fundada em créditos alimentares. Dispõe ainda o artigo 100 do mesmo texto, que débitos de natureza alimentícia são constituídos, dentre outros, dos decorrentes de salários, devendo ser pagos com preferência sobre os demais débitos. Vejamos:

Artigo 100: […]

1º: Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou por invalidez, fundadas em responsabilidade civil, em virtude de sentença judicial transitada em julgado, e serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, exceto sobre aqueles referidos no § 2º deste artigo. (grifo nosso)

Destarte, nota-se que a Constituição Federal não restringiu a possibilidade de prisão civil por dívidas apenas à pensão alimentícia. Se quisesse de fato restringir o alcance de tal instituto, razão não teria em editar o seu artigo 100, §1º da CR/88, que veio para complementar o artigo 5º, inciso LXVII da Carta Constitucional.

Assim, quando da edição da EC/62 de 2009, que modificou a redação do artigo 100 e §§ da CR/88, se de fato o objetivo do legislador era dar à lei interpretação restritiva, poderia limitar ainda mais o que deveria ser considerado débitos de natureza alimentar.

Como não o fez, não há que se falar em discussões acerca da existência ou não da natureza alimentícia do salário ou da limitação de seu conceito.

Esse é também o entendimento dado na decisão do Habeas Corpus nº 01079-2009-000-03-00-6, do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região:

[…] o texto da Constituição Federal fala em “responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia” (artigo 5º, inciso LXVII), não se limitando a excepcionar a possibilidade de prisão civil para o devedor de pensão alimentícia. (grifo nosso)

Segundo Toledo Filho e Souto Maior (2003)

Pode-se pensar que o artigo da Constituição diz respeito somente a dívidas decorrentes de pensão alimentícia, mas nada autoriza essa interpretação restritiva, ainda mais verificando-se que o valor social do trabalho e a proteção da dignidade humana foram erigidos a princípios fundamentais da República.

Nesse revés, é o entendimento do Relator Manuel Cândido Rodrigues, que negou a concessão de ordem de habeas corpus a devedor voluntário e inescusável de obrigação alimentícia na Justiça do Trabalho da 3ª Região, nos autos do processo nº 01079-2009-000-03-00-6, publicado em 18/09/2009.

Vale lembrar que, se permanece inconteste a possibilidade de prisão civil do devedor de pensão alimentícia, com muito mais razão esta se faz imperiosa, no caso de créditos trabalhistas. […] raciocínio inverso, que impedisse a incidência da constrição de liberdade, em caso do devedor voluntário e inescusável de créditos trabalhistas, levaria à inviabilidade de sua execução.

Assim, tem-se que o caminho que se mostra mais eficaz para resguardar os direitos e garantias do empregado, parte hipossuficiente da relação laboral, é a aplicação da prisão civil por inadimplemento de obrigação alimentícia, que nesse caso, se daria através da aplicação por analogia do artigo 733, § 1º do Código de Processo Civil, que preconiza a possibilidade de prisão do devedor pelo prazo de um a três meses, caso esse não pague tampouco justifique a impossibilidade de efetuar o pagamento.

Nesse sentido, Toledo Filho e Souto Maior (2003) entendem que

Existem, não se duvida, problemas de índole estrutural […] E, talvez mesmo o principal deles seja o instituto da prisão civil por dívidas de cunho alimentar, que, conquanto detenha expressa previsão constitucional, é por completo desconhecida no âmbito da Justiça Laboral. Mas, a dívida trabalhista, na sua essência, principalmente, os salários e as verbas rescisórias, é de índole alimentar. Repare-se, a propósito, que o legislador deu tratamento praticamente isonômico à pensão de alimentos e à dívida trabalhista.

Assim, ainda de acordo com as lições de Toledo Filho e Souto Maior (2003), verifica-se a similitude entre o tratamento dado à pensão de alimentos e à dívida trabalhista, que pode ser facilmente observado através do rito dado pela Lei 5.478/68 (Ação de Alimentos) e a própria CLT, dentre os quais, o fato de ambos os procedimentos admitirem ser o pedido externado verbalmente; com redução a termo; citação postal; notificação da audiência já no ato de entrega da petição; a presença das partes em audiência, independentemente do comparecimento de seus respectivos representantes, dentre outros. 

Contudo, como bem nos ensina Toledo Filho e Souto Maior (2003)

Não se está preconizando que qualquer devedor de dívida trabalhista seja preso, pois a este ponto não vai o texto constitucional. Basta lê-lo com atenção. O que se está dizendo é que a norma constitucional não se limita a pensão alimentícia, conferindo, pois, um tal poder ao juiz do trabalho, que, por certo deverá usá-lo da forma mais ponderada possível e para os casos em que se demonstre nítida a postura irresponsável e abusiva do devedor (contumaz, voluntário, insensível e convicto). (grifo nosso)

Ademais, a prisão civil não é pena, mas sim um meio de coerção como forma de compelir o agente que se colocou na posição de não pagador.

Conforme dizeres de Souto Maior e Toledo Filho (2003), esse também é o entendimento de Ronaldo Lopes Leal (2003), em entrevista publicada em 18 de maio de 2003, que entendeu ser plenamente possível a decretação de prisão por dívida trabalhista, “além de condenar aquilo que, a seu ver, seria um espantoso conservadorismo dos juízes do trabalho, que estão sendo processualista ao estremo e esquecendo-se de que são destinatários de normas constitucionais”.

Antônio Álvares da Silva (2006, p.20) apud Rodrigues Gonçalves Meneses (2010) nos ensina que

Não se deseja apenas a punição do criminoso, mas que da punição nasça um exemplo de confiança da sociedade no ordenamento jurídico, para que haja o cumprimento espontâneo das normas sem a ameaça de sanção.

É esta reversão que se tem em mira com a competência penal trabalhista. Primeiramente, a eficácia das sanções que existem nas leis; depois, pela certeza de sua imposição , a conduta adequada, pretendida pelo legislador.

A punição não é tudo, mas tudo começa por ela. Só quem não conhece a natureza humana creria na obediência às leis por meio de simples apelos e evocações morais ou religiosas.

Destarte, a medida que mais resguardaria as garantias e direitos do empregado, bem como a dignidade da pessoa humana -princípio constitucional-, seria possibilitar a aplicabilidade por analogia do artigo 733, § 1º do Código de Processo Civil, de modo a assegurar não apenas os direitos do trabalhador, como também a pacificação social, que se vê desestabilizada pelo inadimplemento do empregador quando da rescisão contratual sem a observância da legislação trabalhista e do texto constitucional.

Assim, verifica-se que a aplicação do instituto da prisão civil por dívida de natureza alimentar se mostra eficaz no âmbito trabalhista e, via de consequência, acaba por prestigiar a dignidade da pessoa humana.

 

4.3 Efetividade das normas trabalhistas

Segundo Cleber Lúcio de Almeida (2009, p. 259) o titular do direito reconhecido pelo ordenamento jurídico conta, então, com a garantia da atuação do Estado para fazê-lo concreto”.

Tem-se que na Justiça do Trabalho aplica-se os princípios da oralidade e informalidade, com o objetivo precípuo de celeridade, para que o direito do indivíduo não pereça.

Contudo, de nada adianta ser a Justiça Trabalhista célere na fase de conhecimento e ser frustrada no processo de execução, embaraces esses, causados, via de regra, pelos devedores, causando, ato contínuo, a frustação e a inefetividade da demanda. 

Dessa feita, permitir-se-á a possibilidade de coação pessoal para que o devedor da obrigação alimentícia cumpra com sua obrigação, de modo a sofrer coerção até que efetue o pagamento, vinculando e responsabilizando o patrimônio e a própria pessoa do devedor por suas dívidas.

Entretanto, a medida constritiva não exime o devedor a efetuar o pagamento das parcelas devidas; a extinção da obrigação só ocorrerá no caso de quitação do débito.

De acordo com ensinamentos de Rodrigo Vieira (2008) “O intuito não pode ser generalista […] é a possibilidade dos devedores trabalhistas, terem sua prisão decretada, em face de agirem de má-fé, de forma voluntário ou simplesmente irresponsáveis para com suas obrigações de caráter alimentar!”

Segundo Toledo Filho e Souto Maior (2003)

[…] a ordem de prisão civil decretada para devedores contumazes ou sem a demonstração de qualquer postura responsável das dívidas trabalhistas tem total apoio na ordem constitucional, sendo o sopro de esperança que resta aos cidadãos trabalhadores de verem resgatados a sua dignidade.

Assim, Luiz Guilherme Marinoni (1996, p.87-88) é conclusivo:

Não é errado imaginar que, em alguns casos, somente a prisão poderá impedir que a tutela seja frustrada. A prisão, como forma de coação indireta, pode ser utilizada quando não há outro meio para a obtenção da tutela específica ou do resultado prático equivalente. Não se trata, por óbvio, de sanção penal, mas de privação da liberdade tendente a pressionar o obrigado ao adimplemento. Ora, se o Estado está obrigado a prestar a tutela jurisdicional adequada a todos os casos conflitivos concretos, está igualmente obrigado a usar meios necessários para que suas ordens (o seu poder) não fiquem a mercê do obrigado.

Segundo lições de José Roberto Freire Pimenta (2000, p.148)

A ampla adoção desses modernos mecanismos processuais na esfera trabalhista em nosso país servirá de instrumento para uma mudança na qualidade das relações entre o capital e o trabalho, elevando-as para patamar mais civilizado, e para maior efetividade do próprio Direito Material do Trabalho brasileiro. Paralelamente, a própria atuação da Justiça do Trabalho será grandemente ampliada em áreas de imensa relevância social, contribuindo para que esta deixe de se considerada uma mera “Justiça os desempregados e dos acertos de contas”, como infelizmente hoje acontece”.

Segundo Tereza Arruda Alvim Wambier (1997, p.533-534) apud Freire Pimenta (2000, p.119), Hoje, à luz dos valores e das necessidades contemporâneas, se entende que o direito à prestação jurisdicional é o direito a uma prestação efetiva e eficaz”.

Ademais, Estevão Mallet (1998, p.26-2) apud Freire Pimenta (2000, p.128) tem o mesmo entendimento, no sentido de que “a demora na solução do litígio é uma forma intolerável de denegação de justiça. […] É denegação de Justiça qualificada!”.

Ademais, verifica-se nos casos concretos a eficácia da prisão civil por dívida alimentar não cumprida por ato voluntário e inescusável, razão pela qual deve-se aplicar tal instituto também nos casos de crédito trabalhista, por se tratar, em igual importância, de crédito com natureza alimentar.

 

5. JURISPRUDÊNCIA

A título de exemplo, tem-se decisão de denegação de habeas corpus do Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais, no qual pode-se observar a similitude e compatibilidade com o exposto acima.

Em síntese, o HC nº 01079-2009-000-03-00-6, que foi julgado em 14.09.2009 pela Primeira Turma do TRT de Minas Gerais – 3ª Região – teve pedido de liminar de expedição de salvo conduto, por entender o Impetrante sofrer constrangimento ilegal em seu direito de ir e vir; vejamos a ementa, in verbis:

EMENTA: NÃO CONCESSÃO DE ORDEM DE HABEAS CORPUS A DEVEDOR VOLUNTÁRIO E INESCUSÁVEL DE OBRIGAÇÃO ALIMENTÍCIA NA JUSTIÇA DO TRABALHO. Representando o crédito trabalhista espécie de crédito de natureza alimentícia, à semelhança da pensão alimentícia, este merece a atuação efetiva da função jurisdicional, inclusive, com medida coercitiva, já que expressamente autorizada pela Lex Legum, como forma de garantir a sua satisfação (e, em última análise, o próprio direito à sobrevivência do trabalhador). Vale lembrar que, se permanece inconteste a possibilidade de prisão civil do devedor de pensão alimentícia, com muito mais razão esta se faz imperiosa, no caso dos créditos trabalhistas, por força da natureza transindividual do direito que, nestes casos, geralmente, a medida coercitiva visa assegurar. Raciocínio inverso, que impedisse a incidência da constrição de liberdade, em caso de devedor voluntário e inescusável de créditos trabalhistas, levaria à inviabilidade de sua execução – e, via de conseqüência, à desmoralização do próprio e dogmático princípio constitucional da efetividade da função jurisdicional e da própria dignidade da Justiça. (grifo nosso)

No julgamento do HC, o Desembargador Relator Manuel Cândido Rodrigues, justificou a denegação da liminar sob o argumento de que, há mais de três anos o reclamado esperava a satisfação de seu crédito, que já havia, àquela data, sido adjudicado.

A autoridade coatora fundamentou seu voto no sentido, não de se considerar ainda válida a prisão do depositário infiel, mas por entendimento recentemente modificado do STF.

Percebe-se, pela simples leitura que, a Turma cuidou de enfatizar a natureza alimentar do salário e sua semelhança com a pensão alimentícia.

Ademais, ainda que a expedição do mandado de prisão do Impetrante tenha sido fundamentada na infidelidade do depositário, a denegação do HC foi no sentido de que:

[…] num plano constitucional inteiramente ajustado a presente temática sobressai o art. 100 da CF, em seu parágrafo 1º. tratando de créditos privilegiados, quando declara, textualmente, “os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, […]. O crédito trabalhista, já deduzido da mais-valia que ao trabalhador é sonegada, é a parcela que lhe cabe, como fruto de uma prestação de trabalho, cujo valor social é reconhecido, constitucionalmente, como um dos fundamentos da própria República Federativa do Brasil (art 1º., inciso IV) – e por meio do qual se manifesta a própria dignidade humana. […] O Estado funda-se na dignidade do homem, quer no sentido ontológico, quer no sentido institucional – o exercício do poder pelos órgãos do Estado e pelos indivíduos encontra nesta descrição o seu sentido”.[…] créditos que garantem o próprio alimento, direito humano fundamental, suporte do direito primacial à vida – que, indubitavelmente, deve prevalecer, se confrontado com o direito à liberdade. (grifo nosso)

Assim, verifica-se que o Desembargador Manuel Cândido denegou o habeas corpus sob o fundamento de que era necessário a medida constritiva para assegurar a dignidade da pessoa humana e a satisfação do crédito em questão e que, assim que cumprida a obrigação de pagamento do crédito, deveria ser o Impetrante posto imediatamente em liberdade.

Destarte, por ter a verba natureza alimentícia, o que foi amplamente explicado no acórdão, o empregado necessitava da mesma para sustento próprio, bem como sustento de sua família, o que faz com a constrição de liberdade do Impetrante tenha sentido, a ponto da própria CR/88 permitir a decretação da mesma para ver a satisfação de um crédito trabalhista e, consequentemente, assegurar a dignidade da pessoa humana.

 

6. CONCLUSÃO

Da leitura dos dispositivos referentes à prisão civil por dívida, não há que se falar em discussões acerca da existência ou não da natureza alimentícia do salário ou da limitação de seu conceito.

Assim, por todo o exposto, tem-se que o melhor caminho para se alcançar a efetividade das normas trabalhistas e, ato contínuo, resguardar as garantias do trabalhador, é a aplicação da prisão civil por dívida na ceara trabalhista, visto que o próprio ordenamento jurídico prevê tal possibilidade.

Percebe-se que, de nada adianta ser a Justiça Trabalhista célere em sua fase de conhecimento e ser frustrada na execução por embaraces causados, via de regra, pelos empregadores, que acreditam estar sendo prejudicados com a legislação trabalhista, mas esquecem, contudo, do princípio da alteridade, sendo estes e não àqueles, os responsáveis pelos riscos do empreendimento.

O que se espera com a aplicação de tal instituto não é somente a coação direta, como último meio a fim de ser obrigar o empregador, mas sim uma privação de liberdade que pressione este, de certa forma, a arcar com suas obrigações, ou seja, a prisão civil não é pena, mas sim um meio de coerção como forma de compelir o agente que se colocou na posição de devedor e por consequência, que este passe a agir de forma espontânea sem que o Estado seja chamado para intervir.

Contudo, a medida constritiva não exime o devedor a efetuar o pagamento das parcelas devidas; a extinção da obrigação só ocorrerá no caso de quitação do débito, vinculando e responsabilizando o patrimônio e a própria pessoa do devedor por suas dívidas.

Assim, buscando-se a satisfação dos créditos trabalhistas, propugna-se pela medida coercitiva e que, uma vez cumprida, deverá ser imediatamente suspensa.

Ademais, o Estado está não só autorizado, mas obrigado a dispor de seus meios para que se cumpram as obrigações, a fim de se alcançar a efetividade plena da Justiça do Trabalho.

Destarte, para que de fato seja efetiva a prestação jurisdicional, mister se faz a aplicação por analogia do artigo 733, § 1º do Código de Processo Civil (que preconiza a possibilidade de prisão do devedor pelo prazo de um a três meses, caso esse não pague tampouco justifique a impossibilidade de efetuar o pagamento) de modo a assegurar não apenas os direitos do trabalhador, como também a pacificação social, que se vê desestabilizada pelo inadimplemento do empregador quando da rescisão contratual sem a observância da legislação trabalhista e do texto constitucional.

Dessa forma, o ordenamento jurídico possui mecanismos suficientes para que se possa ter uma Justiça do Trabalho não apenas eficaz, mas eficiente, visto que essa possui meios coercitivo-pedagógicos para que possamos ver atendidas suas demandas, visando alcançar uma Justiça verdadeiramente social.

 

REFERÊNCIAS

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[1] Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva.