Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva

Tatiana Bhering Serradas Bon de Sousa Roxo[1]
Helbert Leopoldino de Almeida[2]

 

RESUMO: O artigo objetiva discutir a constitucionalidade da imposição do depósito recursal como requisito de admissibilidade dos recursos trabalhistas de forma indiscriminada, diante de sua natureza de garantia do juízo. Para tanto, irá analisar os princípios da ampla defesa e do contraditório, a falibilidade as decisões judiciais, a situação econômica dos empregadores e a assistência gratuita.

 

PALAVRAS-CHAVE: depósito recursal; pressupostos de admissibilidade recursais; recurso trabalhista; ampla defesa; contraditório; empregador; assistência gratuita; microempresa.

 

ÁREAS DE INTERESSE: Direito Processual do Trabalho; Direito Processual Civil; Direito do Trabalho; Direito Constitucional; Direito Empresarial.

 

1. INTRODUÇÃO

 A justiça trabalhista prima pela celeridade, eficiência e efetividade de suas decisões e, para tanto, impõe como pressuposto de admissibilidade recursal o preparo, que inclui o pagamento das custas e o depósito recursal.

 O presente trabalho pretende analisar a exigência do depósito recursal de forma indiscriminada, que vem sendo feita na Justiça Trabalhista, e acaba por acarretar a violação de alguns princípios constitucionais.

Para tanto, propõe-se que seja feita uma análise da exigência do depósito recursal como pressuposto de admissibilidade e, consequentemente, requisito para o conhecimento dos recursos trabalhistas, em quaisquer situações.

É preciso analisar se tal exigência é compatível com os princípios da ampla defesa e do contraditório, além da garantia de acesso ao judiciário, considerando que os valores exigidos observam o valor da condenação, respeitados os limites estabelecidos em ato normativo expedido pelo Tribunal Superior do Trabalho.

Muitas vezes os valores são altos e nos deparamos com a seguinte questão: se o empregador não possui capacidade financeira para realizar o depósito recursal, seja porque trata-se de pessoa física ou pequena ou microempresa, não poderá recorrer das decisões que forem proferidas no processo em que figura como réu?

Atualmente a resposta é afirmativa, ainda que este empregador esteja sob o pálio da assistência gratuita, considerando que os Tribunais Trabalhistas entendem que o depósito, por possuir natureza de garantia de juízo, não é abarcado por tal benefício.

 Nestas situações a ampla defesa e o contraditório são afrontados e prevalece a celeridade do processo trabalhista a qualquer custo.

Além de tais aspectos, convém observar que as decisões são passíveis de erro, uma vez que são proferidas por seres humanos, que obviamente são imperfeitos. É “justo” que aqueles que não possuem recursos para efetuar o depósito não possam ter a garantia do duplo grau de jurisdição?

A questão é polêmica e coloca em confronto princípios processuais trabalhistas e constitucionais, mas deve ser enfrentada justamente com o objetivo de chegar a uma solução plausível e que atenda da melhor maneira a satisfação dos direitos dos empregadores e dos trabalhadores.

 

2. DESENVOLVIMENTO

 

2.1 O depósito recursal como pressuposto de admissibilidade dos recursos trabalhistas

A interposição dos recursos trabalhistas exige o preenchimento de alguns requisitos, estes requisitos são denominados pressupostos de admissibilidade recursais.

Cada recurso tem seus pressupostos objetivos e subjetivos que lhe são peculiares e devem estar presentes, sob pena de acarretar o não-conhecimento do apelo em questão.

Como preleciona Carlos Henrique, “o não-atendimento a tais pressupostos deságua na inadmissibilidade (ou não-conhecimento) do recurso pelo mesmo órgão judicial prolator da decisão, ou por outro hierarquicamente superior” (LEITE, 2008, p. 683).

Alguns recursos na Justiça do Trabalho possuem como requisito de admissibilidade o preparo, que inclui o pagamento das custas e o depósito recursal. Contudo, a utilização deste pressuposto de admissibilidade de forma irrestrita e sem admitir qualquer exceção pode ser considerada inconstitucional, pois fere o princípio constitucional da ampla defesa, conforme será demonstrado.

O depósito recursal é um pressuposto objetivo que visa dar efetividade ao princípio da celeridade processual, tendo como finalidade “coibir os recursos protelatórios, a par de assegurar a satisfação do julgado, pelo menos parcialmente” (GIGLIO, 2007, p. 452).

Carlos Henrique Bezerra Leite entende que o “depósito recursal constitui mera garantia do juízo, evitando, assim, a interposição temerária ou procrastinatória dos recursos” (2008, p. 704).

Este pressuposto está positivado no art. 899, §1° das Consolidações das Leis do Trabalho – Decreto Lei n° 5.452 de 1943 (BRASIL, 1943), e estabelece que o recurso trabalhista, em dissídio individual, só será admitido mediante pagamento do depósito recursal.

O valor do depósito recursal é determinado pelo Tribunal Superior do Trabalho através de ato normativo, nos limites estabelecidos pelo art. 8° da lei n° 8.542 de 1992. Segundo Carlos Henrique, “no que tange aos valores do depósito recursal (TST, IN 3/1993, item II), o presidente do TST edita Atos que estabelecem periodicamente os novos valores” (LEITE, 2008, p. 706).

A Instrução Normativa n° 3/93 do TST, disciplina o instituto do depósito recursal, e estabelece que o pagamento do depósito recursal realizar-se-á sobre o valor da condenação, observando sempre o limite do recurso interposto, o que evidencia a natureza de garantia de juízo do depósito recursal.

Atualmente, os valores dos depósitos recursais estão disciplinados no Ato nº 449/SEGJUD.GP, de 25 de julho de 2011 do TST, onde o presidente do TST no uso de suas atribuições, resolveu:

Editar os novos valores alusivos aos limites de depósito recursal que trata o artigo 899 da Consolidação das Leis do Trabalho, reajustados pela variação acumulada do INPC do IBGE, no período de julho de 2010 a junho de 2011, a saber:

R$ R$6.290,00 (seis mil duzentos e noventa reais), no caso de interposição de Recurso Ordinário;

R$12.580,00 (doze mil quinhentos e oitenta reais), no caso de interposição de Recurso de Revista, Embargos e Recursos Extraordinário;

R$12.580,00 (doze mil quinhentos e oitenta reais), no caso de interposição de Recurso em ação rescisória. (BRASIL, 2011).

Por se tratar de um pressuposto de admissibilidade recursal, caso o depósito não seja pago nos termos e modo que a legislação exige, o recurso será declarado deserto e não será sequer conhecido.

Assim disciplina o art. 7° da lei de n° 5.584/70 “A comprovação do depósito da condenação (CLT, art. 899, §§ 1º a 5º) terá que ser feita dentro do prazo para a interposição do recurso, sob pena de ser este considerado deserto.” (BRASIL, 1970).

Portanto, “o recolhimento do depósito ad recursum e sua respectiva comprovação devem ser feitos em guia própria e dentro do prazo referente à interposição do recurso, sob pena de ser este considerado deserto” (Leite, 2008, p. 705).

Conforme dito, o depósito recursal é um instrumento que visa dar efetividade ao princípio da celeridade processual, e tem como intuito garantir parcialmente a execução e coibir a interposição de recursos meramente protelatórios.

Contudo, a celeridade processual e a garantia do juízo alcançados pela exigência do depósito recursal, não podem ser sobrepostas aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.

A exigibilidade do depósito recursal de todos os empregadores, de forma indiscriminada, e ainda que estejam sob o pálio da justiça gratuita, afronta os princípios constitucionais mencionados.

Diante disso, pretende-se analisar a exigibilidade do depósito recursal como pressuposto de admissibilidade dos recursos trabalhistas sobre o prisma da ampla defesa, levando em consideração principalmente dois importantes aspectos: a capacidade financeira do empregador e a falibilidade das decisões judiciais.

 

2.2. O princípio da ampla defesa e do contraditório como princípios processuais fundamentais

O princípio da ampla defesa está positivado na Constituição do Brasil de 1988 em seu art. 5°, inciso LV, onde estabelece que:

Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.(BRASIL, 1988).

 O princípio da ampla defesa não envolve apenas o direito da parte de se defender no processo, mas, também, o direito de utilizar de todos os meios admitidos em direito para demonstrar a veracidade de suas alegações.

  A defesa deve ser ampla, “porque não pode ser estreitada (comprimida) pela sumarização do tempo a tal ponto de excluir a liberdade de reflexão cômoda dos aspectos fundamentais de sua produção eficiente.” (LEAL, 2010, p. 98).

 O recurso é um dos meios processuais hábeis para demonstrar a veracidade das alegações, tanto contra o argumento da outra parte, quanto com relação ao argumento do prolator da decisão.

A ampla defesa “para ser concretizada deve ser municiada pelo ordenamento jurídico com instrumentos recursais que permitam o acesso aos tribunais de todos os níveis previstos e fixados segundo o juiz natural.” (CASTRO; FREITAS, 2011, p. 38).

 Não cabe ao legislador infraconstitucional estabelecer princípios ou metas que sejam capazes de ofender o texto constitucional. A morosidade do poder judiciário não pode ser resolvida através de ofensas ao princípio da ampla defesa e do contraditório, ao revés, deve-se buscar a efetividade dos princípios na maior medida possível.

 Neste sentido é a posição de Rosemiro Pereira Leal,

A pretexto de celeridade processual ou efetividade do processo, não se pode, de modo obcecado, suprindo deficiências de um Estado já anacrônico e jurisdicionalmente inviável, sacrificar o tempo da ampla defesa que supõe a oportunidade de exaurimento das articulações de direito e produção de prova. […] A ampla defesa, no sistema jurídico do Estado Democrático de Direito, envolve a cláusula do devido processo legal em sentido substancial (substantive due process), equivalente ao velho e cognominado direito material, mas já em concepções atualizadas, de garantias fundamentais do cidadão, como a do devido processo em sentido processual (procedural due process), em perspectivas de direito democrático, traduzindo a garantia da plenitude da defesa em tempo e modo suficiente para sustentá-la. (2010, p. 98)

Diante disso, o princípio da celeridade processual trabalhista não pode se fazer valer de meios que suprimem direitos constitucionalmente garantidos, sob pena de afronta à segurança jurídica.

 Neste caso, a utilização do depósito recursal como meio de celeridade processual é inconstitucional, pois ofende o direito constitucional da ampla defesa, considerando que o recorrente somente poderá levar as suas razões recursais a conhecimento do tribunal ad quem caso disponha do valor suficiente para garantir o juízo.

Ocorre que em algumas situações a exigência do depósito recursal acaba por inviabilizar o próprio apelo, já que o empregador/recorrente que não estiver em uma situação financeira que lhe permita efetuar o depósito recursal, consequentemente não terá a chance de reformar a sentença.

 

2.3. A inconstitucionalidade da exigência do depósito recursal no processo trabalhista

 Como analisado, a exigência do depósito recursal como pressuposto de admissibilidade dos recursos trabalhistas ofende os princípios da ampla defesa e do contraditório, na medida em que inviabiliza que o recorrente que não disponha de determinado valor para garantir o juízo, tenha negado o direito de levar a sua lide a conhecimento dos tribunais superiores.

Alguns argumentos contribuem para corroborar a inconstitucionalidade de tal exigência, quais sejam: a condição financeira do empregador e a falibilidade das decisões judiciais.

 

2.3.1. O empregador e sua condição financeira

Existem no Brasil 5,1 milhões de empresas, sendo que deste montante 98% são micro e pequenas empresas. Os pequenos negócios correspondem por mais de dois terços dos serviços do setor privado[3].

As micro e pequenas empresas são pilares de suma importância para a economia brasileira, e estão conceituadas no art. 3° da Lei Complementar 123/2006, como:

Art. 3o. Para os efeitos desta Lei Complementar, consideram-se microempresas ou empresas de pequeno porte a sociedade empresária, a sociedade simples, a empresa individual de responsabilidade limitada e o empresário a que se refere o art. 966 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), devidamente registrados no Registro de Empresas Mercantis ou no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, conforme o caso, desde que:

I – no caso da microempresa, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta igual ou inferior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais); e

II – no caso da empresa de pequeno porte, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta superior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais). (BRASIL, 2006).

Além de dispor sobre as microempresas, a Lei Complementar 123/2006 em seu art. 18-A também dispõe sobre o microempreendedor individual, estabelecendo que:

Art. 18-A.  O Microempreendedor Individual – MEI poderá optar pelo recolhimento dos impostos e contribuições abrangidos pelo Simples Nacional em valores fixos mensais, independentemente da receita bruta por ele auferida no mês, na forma prevista neste artigo.

§ 1o  Para os efeitos desta Lei Complementar, considera-se MEI o empresário individual a que se refere o art. 966 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), que tenha auferido receita bruta, no ano-calendário anterior, de até R$ 60.000,00 (sessenta mil reais), optante pelo Simples Nacional e que não esteja impedido de optar pela sistemática prevista neste artigo. (BRASIL, 2006).

A Constituição de 1988 reconheceu a importância das microempresas, e como forma de incentivo estabeleceu em seu art. 179, que:

 A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei. (BRASIL, 1988).

A distinção e o enquadramento em pequena empresa, microempresa e microempresário individual possui maior relevância quando se trata do recolhimento de tributos.

A Lei Complementar n°123/2006, enfim, pretende consolidar toda legislação fragmentada […], especialmente de natureza tributária, que influía no tratamento aplicado à microempresa e à empresa de pequeno porte, estabilizando o primeiro Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, agora o Simples Nacional. (REQUIÃO, 2010, p. 89).

Contudo, a demonstração dos números dessas empresas no Brasil é de suma importância para o presente trabalho, pois demonstra fielmente a condição do empregador brasileiro.

O cerne do presente trabalho gira em torno do fato de que a pequena pessoa jurídica pode não conseguir arcar com os valores dos depósitos recursais, sejam eles do recurso ordinário ou do recurso extraordinário, haja vista que muitas dessas empresas têm um capital de giro irrisório, não podendo dispor de despesas vultosas, dentro do prazo recursal, ou seja, dentro de 8 dias.

O fato de a pessoa jurídica não poder se defender por não ter os valores dos depósitos recursais, significa ofensa ao princípio da ampla defesa e do contraditório, pois está se colocando uma condição financeira para o exercício de uma garantia constitucional.

Este cerceamento de defesa não se caracteriza somente quanto às pequenas pessoas jurídicas, mas também quanto às pessoas físicas.

Segundo a CLT em seu art. 2°:

Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço. (BRASIL, 1970).

  Contudo, esta definição não é suficiente para esgotar o conceito de empregador.

O autor Maurício Godinho Delgado, define empregador “como a pessoa física, jurídica ou ente despersonificado que contrata a uma pessoa física a prestação de seus serviços, efetuados com pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e sob sua subordinação” (2012, p. 399).

Pode-se observar através do conceito definido pelo autor que, além das pessoas jurídicas, as pessoas físicas também podem ser empregadoras.

 Existem categorias de empregados que só se configuram quando a prestação de serviços é tomada por pessoa física, como é o caso dos trabalhadores domésticos.

 A lei n° 5.859/72 estabelece em seu art. 1° o conceito de empregado doméstico, sendo:

Aquele que presta serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família no âmbito residencial destas, aplica-se o disposto nesta lei. (BRASIL, 1972).

É notório que a capacidade financeira de uma pessoa não se equipara à capacidade financeira de grandes empresas, sendo assim, a imposição do depósito recursal pode ser interpretada como um mecanismo de cerceamento de defesa principalmente nessas situações.

É possível exemplificar: uma mãe que recebe R$2.000,00 (dois mil reais) de salário e paga a uma babá o salário mínimo R$622,00 (seiscentos e vinte e dois reais), jamais poderá arcar com o depósito recursal sem prejuízo de seu sustento e o de sua família.

Portanto, o fato de a pessoa física poder ser empregadora, torna a imposição do pagamento do depósito recursal como um pressuposto de admissibilidade dos recursos ainda mais ofensiva e violadora do princípio da ampla defesa.

Tem-se, dessa forma, que muitas vezes o empregador pessoa física e o microempresário não dispõem do valor exigido a título de depósito recursal. Tais empregadores não podem ser tratados exatamente da mesma forma como são tratadas as grandes empresas que, obviamente, possuem condições financeiras bastante distintas.

Diante disso, considerando que o direito possibilita que pessoas físicas e pequenos empresários sejam empregadores, nada mais justo que determinar a cobrança do depósito recursal levando em consideração o poderio econômico do empregador, reconsiderando a exigência do depósito recursal nos casos em que o empregador não tenha condições financeiras.

 

2.3.2. A aplicabilidade da assistência judiciária gratuita ao empregador e o depósito recursal

A inconstitucionalidade do depósito recursal é ainda mais clara quando se trata de empregador beneficiário da justiça gratuita.

O direito dá tratamento diferenciado àqueles que não têm condições de arcar com as despesas processuais sem o prejuízo de seu sustento ou de sua família, atribuindo-lhes a assistência judicial gratuita.

O art. 3°, VII, da lei 1.060/1950, determina as hipóteses em que a gratuidade judiciária abrangerá, dispondo que:

Art. 3º. A assistência judiciária compreende as seguintes isenções:

I – das taxas judiciárias e dos selos;

II – dos emolumentos e custas devidos aos Juízes, órgãos do Ministério Público e serventuários da justiça;

III – das despesas com as publicações indispensáveis no jornal encarregado da divulgação dos atos oficiais;

IV – das indenizações devidas às testemunhas que, quando empregados, receberão do empregador salário integral, como se em serviço estivessem, ressalvado o direito regressivo contra o poder público federal, no Distrito Federal e nos Territórios; ou contra o poder público estadual, nos Estados;

V – dos honorários de advogado e peritos.

VI – das despesas com a realização do exame de código genético – DNA que for requisitado pela autoridade judiciária nas ações de investigação de paternidade ou maternidade.

VII – dos depósitos previstos em lei para interposição de recurso, ajuizamento de ação e demais atos processuais inerentes ao exercício da ampla defesa e do contraditório. (grifos nossos). (BRASIL, 1960).

O inciso VII do referido artigo dispõe expressamente que a assistência judiciária gratuita incidirá sobre os depósitos recursais que sejam inerentes ao exercício da ampla defesa e do contraditório.

Contudo, a Justiça trabalhista não aplica tal dispositivo sob a alegação de que o depósito laborista não tem natureza de taxa, mas de garantia do juízo de uma verba alimentar. Assim, a assistência alcança somente as custas processuais.

Este é o entendimento do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região:

EMENTA: BENEFÍCIOS DA JUSTIÇA GRATUITA. CONCESSÃO A EMPREGADOR. HIPÓTESES. INVIABILIDADE DA ISENÇÃO DE DEPÓSITO RECURSAL. É cediço que os auspícios da Justiça gratuita, nesta especializada, restringem-se, via de regra, ao empregado, dada sua condição de hipossuficiência econômico-financeira, podendo eventualmente beneficiar também empregadores pessoas físicas, quando devidamente comprovado que se encontram em condições que justificam a concessão. Todavia, ainda assim, no caso dos empregadores, a Justiça gratuita concedida importa isenção tão-somente das custas processuais. É que, sendo o depósito do valor da condenação previsto no § 1º do artigo 899 da CLT um pressuposto recursal específico do Processo do Trabalho sem cujo atendimento não será admitido o recurso (como forma de assegurar o célere recebimento do crédito trabalhista logo após instaurada sua execução), a eventual concessão de Justiça gratuita ao empregador não acarreta a dispensa de sua efetivação. É que o depósito recursal não tem natureza de taxa judiciária, custas, indenizações devidas às testemunhas, despesas processuais, honorários advocatícios ou periciais que, segundo a enumeração taxativa do artigo 3º da Lei nº 1.060/50 c/c artigo 790-B da CLT, são as únicas isenções decorrentes daquele benefício. Em outras palavras, entre o eventual interesse do empregador que esteja passando por dificuldades financeiras e o direito de seu antigo empregado de receber verbas trabalhistas de indiscutível cunho alimentar judicialmente reconhecidas, dá a lei total prioridade a este último. Em decorrência, não se há falar em inconstitucionalidade dos parágrafos do artigo 899 da CLT ou em ofensa aos princípios constitucionais da igualdade, da ampla defesa e do direito de ação, sendo certo que o Estado, por meio das leis, fixa os parâmetros para a utilização da via judiciária. (grifos nossos). (MINAS GERAIS, 2009).

Este entendimento do TRT da 3ª Região afirma a inconstitucionalidade das decisões do judiciário, pois, além de existir lei que determina expressamente a gratuidade judiciária quanto ao depósito recursal, toda interpretação de lei infraconstitucional precisa ser feita à luz da Constituição.

Dessa forma, a interpretação no sentido de impossibilitar a ausência do depósito recursal nos casos de miserabilidade da figura do empregador afronta a ampla defesa, o contraditório e o acesso ao judiciário.

O cerceamento de defesa se demonstra ainda mais claro quanto ao empregador beneficiário da justiça gratuita, que, mesmo sem condições de arcar com o preparo recursal, tem seu direito constitucional de ampla defesa e contraditório tolhido.

 

2.4. Falibilidade das decisões judiciais

  A falibilidade das decisões judiciais está diretamente relacionada com o princípio processual do duplo grau de jurisdição.

O princípio do duplo grau de jurisdição diz respeito à “possibilidade concedida aos litigantes de provocar nova apreciação da matéria debatida na demanda, por órgão hierarquicamente superior ao que emitiu a decisão impugnada.” (BEBER, 1997, p.414).

 É certo que não há na Constituição ou nos códigos processuais, dispositivo expresso referente ao princípio do duplo grau de jurisdição (BEBER, 1997, p. 415), contudo, este princípio encontra-se implicitamente nas normas de distribuição de competência, tanto da Constituição quanto das normas infraconstitucionais.

Ora, a existência do duplo grau de jurisdição esta intimamente ligada à efetividade dos princípios do contraditório e da ampla defesa, considerando que a parte possui a garantia de levar a sua lide a julgamento pelo órgão ad quem.

Podemos exemplificar através do art. 678, II, “a”, da CLT, que disciplina que compete aos Tribunais Regionais julgar os recursos ordinários previstos no art. 895, alínea “a”. (BRASIL, 1970).

 O art. 895 da CLT estabelece que cabe recurso ordinário das decisões definitivas ou terminativas proferidas pelas Varas, Juízos ou Tribunais Regionais, este último quanto aos processos de sua competência originária.

Portanto, havendo no ordenamento jurídico o recurso como meio necessário para se impugnar uma decisão, o direito a este recurso está abarcado pelo princípio da ampla defesa.

Ou seja, uma vez que os recursos estabelecidos pela CLT são meio de impugnar determinadas decisões em suas respectivas matérias, a utilização deste recurso como meio de defesa é assegurada a todos pelo art. 5°, LV, da Constituição.

A interposição de recursos se baseia em dois argumentos, um deles é a indignação da parte perdedora quanto à decisão proferida.

O nosso subjetivismo nos coloca naturalmente contra decisão desfavorável, de sorte que o sentimento psicológico do ser humano faz com que tenha reação imediata à sentença desfavorável, impelindo-o a pretender, no mínimo, novo julgamento sobre a mesma questão. (NERY JUNIOR, 2004, p.39).

O outro argumento diz respeito à falibilidade das decisões judiciais, que por ser um ato humano, é completamente falível.

Segundo Cândido Dinamarco, “O princípio do duplo grau de jurisdição funda-se na possibilidade de a decisão de primeiro grau ser injusta ou errada, daí decorrendo a necessidade de permitir sua reforma em grau de recurso” (2009, p. 80).

Ora, considerando que as decisões judiciais são passiveis de erro, não se deve exigir o pagamento do depósito recursal como pressuposto para combater essa decisão, sob pena de se estar negando o próprio acesso a justiça àquele que não possui condições financeiras de efetuar o depósito.

Conforme dito acima, se analisarmos a capacidade financeira do empregador cumulativamente com a falibilidade das decisões, é possível concluirmos que a exigência do depósito recursal constitui uma ofensa ao princípio da ampla defesa e do contraditório.

Conclui-se, dessa forma, que aquele que teve uma decisão erroneamente proferida ao seu desfavor, e não possui os valores necessários para recorrer da decisão, será injustiçado, ainda que seja beneficiário da justiça gratuita, sendo-lhe negado o acesso ao judiciário, a ampla defesa e o contraditório.

 

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

 Os direitos trabalhistas, na grande maioria das ações que são levadas a conhecimento da justiça especializada, consubstanciam-se em verbas de natureza alimentar e por essa razão possuem uma urgência especial em sua satisfação.

Os princípios processuais trabalhistas, visando proteger os créditos alimentares, caminham no sentido de otimizar e simplificar o caminho da satisfação de tais direitos.

 Por essas razões, nos deparamos com o princípio da celeridade processual, que é de extrema importância e está em plena harmonia com a normatização trabalhista.

Ocorre que a aplicação da celeridade processual de forma absoluta e irrestrita pode trazer sérios danos a algumas normas constitucionais. É o que acontece com a exigência do depósito recursal como pressuposto de admissibilidade nos recursos interpostos pelos empregadores, ainda que estes não tenham condições de arcar com tal despesa e estejam sob o pálio da justiça gratuita.

 As pequenas e microempresas e as pessoas físicas, quando estão atuando como empregadores, muitas vezes têm o seu direito de ampla defesa violado, considerando que não possuem “capital” suficiente para, no prazo de 8 dias, dispor de determinada quantia e viabilizar o conhecimento do apelo que pretendem interpor.

 A despeito de o depósito recursal trabalhista ter natureza de garantia do juízo, visando coibir a interposição de recursos protelatórios, a interpretação no sentido de que a assistência gratuita somente alcança as custas processuais, mantendo a necessidade do depósito recursal, afronta os princípios da ampla defesa, do contraditório e do acesso ao judiciário.

 A celeridade processual não pode servir de fundamentação para a violação de princípios constitucionais que asseguram a segurança do ordenamento jurídico. A manutenção deste entendimento acaba por proporcionar a manutenção de decisões que seriam passíveis de reforma perante os tribunais ad quem.

 O que se propõe no presente trabalho não é que o depósito recursal não seja mais considerado pressuposto de admissibilidade dos apelos, mas que a sua exigência seja feita de maneira diferente para empregadores diferentes, ou seja, em determinadas situações, considerando a situação financeira do empregador e a sua assistência pelos benefícios da justiça gratuita, a exigência do depósito recursal deve ser afastada.

 

Referências

BEBER, Júlio César. Princípios do processo do trabalho. São Paulo: Ltr, 1997, 472p.

BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm.

______­_. Decreto-Lei 5.452, de 1° de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm.

______­_. Lei Complementar 123, de 14 de dezembro de 2006, Institui o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte; altera dispositivos das Leis no8.212 e 8.213, ambas de 24 de julho de 1991, da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, da Lei no 10.189, de 14 de fevereiro de 2001, da Lei Complementar no 63, de 11 de janeiro de 1990; e revoga as Leis no 9.317, de 5 de dezembro de 1996, e 9.841, de 5 de outubro de 1999. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp123.htm.

______­_. Lei n° 1.060, de 05 de fevereiro de 1950. Estabelece normas para a concessão de assistência judiciária aos necessitados. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L1060.htm

_______. Lei n° 5.584, de 26 de junho de 1970. Dispõe sobre normas de Direito Processual do Trabalho, altera dispositivos da Consolidação das Leis do T rabalho, disciplina a concessão e prestação de assistência judiciária na Justiça do Trabalho, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5584.htm.

______­_. Lei n° 5.859, de 11 de dezembro de 1972. Dispõe sobre a profissão de empregado doméstico e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5859.htm.

______­_. Lei n° 8.542, de 23 de dezembro de 1992. Dispõe sobre a política nacional de salários. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8542.htm. 

______­_. Tribunal Superior do Trabalho. Ato n° 449/ SEGJUD.GP, Brasília, DF, 25 de julho de 2011. Disponível em: http://aplicacao.tst.jus.br/dspace/bitstream/handle/1939/14456/2011_ato0449.pdf?sequence=1.

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[1] Mestre em Direito do Trabalho pela PUC-MINAS. Professora do Centro Universitário Newton Paiva. Advogada.

[2] Acadêmico do 8º período do curso de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.

[3] http://www.sebraesp.com.br/TenhoUmaEmpresa/Biblioteca/OutrosConteudos/EstudosEPesquisas/MPEsEmNumeros/Paginas/MPEsEmNumeros.aspx