JAMIR CALILI RIBEIRO[1]
Resumo: A não cumulatividade tem status de princípio constitucional desde a Emenda n. 18, de 1965. A Constituição Federal, de 1988, seguiu a tradição e as tendências do Direito Tributário, manteve a obrigatoriedade da não cumulatividade tanto no IPI quanto no ICMS, e a estendeu às contribuições PIS/Cofins e impostos de competência residual. Nesse trabalho, abordou-se a técnica da não cumulatividade no IPI, e como as desonerações tributárias podem invalidar ou mitigar o Princípio da Não Cumulatividade prevista de forma ampla e irrestrita no texto constitucional em vigor. Para tal intento, foi levado em conta o posicionamento mais recente da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (especialmente nos RE 475.551/PR, RE 562.980/SC e RE 566.819/RS). Por fim, destacou-se a centralidade do efeito recuperação para se compreender bem a técnica da não cumulatividade e a demonstração de que a sua má compreensão tem gerado confusão na jurisprudência e até mesmo na mais qualificada doutrina.
Palavras-Chave: Não Cumulatividade; Imposto sobre Valor Agregado; Imposto sobre Produtos Industrializados; Imposto sobre Circulação de Mercadoria
Área de Interesse: Direito Tributário
Abstract: The Brazilian Tax System has adopted, since 1965, the principle of value-added taxes. The Constitution of 1988 maintained this principle and extended it to other types of taxes, not just to sales taxes. This paper discusses the Brazilian system of value-added tax in the supply chain, and the recent interpretation given by Brazilian Federal Supreme Court to it. Under the new interpretation given to the Brazilian technique to calculate the value-added tax, a tax cut, or the exemption tax, can encumber the consumer more than if the benefit was not given. To achieve the proposed objective, this paper analyzed three recent decisions of Supreme Court (RE 475.551/PR, RE 562.980/SC and RE 566.819/RS). The misunderstanding about the correct technique of value-added tax adopted by the Constitution has produced confusing at some judicial decisions and at doctrinal opinions.
Keywords: Value-Added Tax; Sales Tax; Brazilian Tax System
Introdução
Desde o fim da Segunda Guerra Mundial passou-se por um período de integração regional e abertura de mercados que vai culminar na década de 80 e seguintes no conhecido e questionado processo de globalização.
Isso vai exigir que o mercado econômico de um determinado país seja competitivo, para vencer na disputa por mercados, tanto internamente quanto externamente. E, é nesse contexto que surgem os impostos não cumulativos, primeiramente na França e depois em toda Europa, América e Ásia (DERZI in: BALEEIRO, 2010, p. 729 e segs).
As vantagens e as melhores técnicas de aplicar a não cumulatividade na cadeia produtiva já foram discutidas por diversos juristas e economistas. Eis, de forma resumida, o raciocínio de DERZI (2010, p. 1.351):
A alta produtividade de um tributo que incide em todas as etapas, em que há efetiva operação de circulação, sem exclusão de nenhuma delas, a homogeneidade na incidência sem distorções desequilibradas na formação dos preços e os interesses dos fiscos envolvidos foram as razões que prevaleceram, ditando a adoção de um tributo plurifásico amplo, tanto na União Europeia como na América Latina, depois imitada por outros países nos demais continentes. A limitação do imposto às fábricas ou às vendas no atacado, por exemplo, simplificariam o tributo e facilitariam a fiscalização contra a evasão, mas colheriam a mercadoria sem agregação da mais valia subsequente, de modo que a incidência não alcançaria o maior preço ou o maior valor do bem no mercado. Por sua vez, a incidência única nas vendas de varejo tem os altos inconvenientes de facilitar a evasão, retardar o recolhimento do imposto para os fiscos e, finalmente, de agregar cumulatividade residual de difícil eliminação (quando os consumidores finais, sendo contribuintes, adquirem bens do imobilizado ou de uso e consumo necessários às atividades profissionais). (…) São conhecidos os efeitos dos tributos cumulativos, já longamente expostos por economistas e juristas. GOMEZ SABAINI sintetiza os efeitos danosos dos tributos cumulativos (ver Coordinación de la imposición general a los consumos entre nación y provincias. Chile: CEPAL, 1993. p. 24), apoiado em JOHN DUE (Indirect taxation in developing economies. Baltimore: J. Hopkins Press, 1970), ou seja, distorção da alocação dos recursos econômicos; distorção na formação dos preços segundo a maior ou menor possibilidade de integração vertical do setor; estímulo à importação e não à exportação, já que não se pode devolver o imposto contido nos insumos e bens de capital incorporados ao valor do bem exportado; efeitos negativos nos preços finais dos produtos; e administração cara e menos eficiente pela inexistência de vinculação entre os contribuintes, como ocorre no sistema da não cumulatividade em que o débito de um é o crédito de outro contribuinte”. (DERZI, Misabel Abreu Machado (Atualizadora) in: BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. Ed. Forense. Rio de Janeiro. 2010, p. 1351).
No caso brasileiro, a não cumulatividade tem status de princípio constitucional desde a Emenda n. 18, de 1965. A Constituição Federal, de 1988, seguiu a tradição e as tendências do Direito Tributário, manteve a obrigatoriedade da não cumulatividade tanto no IPI quanto no ICMS, e a estendeu às contribuições PIS/Cofins e impostos de competência residual[2].
Muito embora, haja sempre necessidade de alimentar o Tesouro Público para que possa fazer frente às despesas estatais essenciais ao progresso social e ao desenvolvimento econômico, qualquer tentativa de tributação através de impostos sobre o consumo, como é o caso do IPI e do ICMS, deve-se aplicar e respeitar a não cumulatividade.
Tal afirmação não se justifica somente no respeito ao Princípio da Não Cumulatividade explícito no texto constitucional. Tal princípio deve ser visto dentro de um conjunto de princípios tributários e econômicos que visam a máxima racionalidade do sistema para permitir um amplo desenvolvimento econômico, com a formação de um mercado produtivo competitivo, de uma tributação neutra que encoraje a livre organização e a pulverização dos agentes econômicos – evitando-se a concentração e a formação de grandes conglomerados econômicos monopolizadores – e que permita uma tributação seletiva que atinja a capacidade econômica das pessoas de forma progressiva e justa.
Logo, o tema da não cumulatividade permite agregar ao debate informações e sugestões sobre a intervenção estatal no mercado através de técnicas tributárias que se revestem de desoneração, quando, em verdade, podem distorcer a livre concorrência, a neutralidade e representar ao consumidor uma tributação cumulativa e pouco seletiva.
Assim, optou-se por abordar, neste trabalho, a técnica da não cumulatividade no IPI, e como as desonerações tributárias podem invalidar ou mitigar o Princípio da Não Cumulatividade prevista de forma ampla e irrestrita no texto constitucional em vigor.
Para tal intento, foi levado em conta o posicionamento mais recente da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (especialmente nos RE 475.551/PR, RE 562.980/SC e RE 566.819/RS), se permitindo indicar contradições e problemas no novo posicionamento jurisprudencial sobre o tema.
Abordou-se a temática em três capítulos. No primeiro deles, se discutiu a não cumulatividade em seus aspectos gerais, para introduzir o leitor nas premissas e nos limites postos.
No segundo se apresentou a não cumulatividade no texto constitucional nacional, para enfim, no capítulo seguinte discutir o efeito recuperação. Nesse capítulo se abordou como o efeito recuperação se dá ao ocorrer desonerações tributárias em diferentes momentos da cadeia produtiva. Além disso, foi debatida a aplicação desse efeito levando em conta o entendimento da jurisprudência constitucional.
Antes de iniciar as considerações sobre o tema, vale esclarecer que há diversas possibilidades de se abordá-lo. Por conta disso, espera-se que o leitor tenha a exata dimensão do objetivo e dos limites desse trabalho.
Adotou-se o termo desoneração tributária com o objetivo explícito de se fugir ao debate da diferenciação entre isenção, alíquota zero e não tributação, pois, embora seja um debate com forte conteúdo doutrinário, considerou-se irrelevante para esse momento.
Além disso, durante a leitura, ao se deparar com menções à jurisprudência constitucional, é preciso ficar atento, pois embora tenha sido adotada como posicionamento do Supremo Tribunal Federal a posição majoritária, seria preciso analisar voto a voto para se compreender a dimensão dos problemas envolvidos na não cumulatividade. Quando foi relevante ao trabalho, foi destacado o voto vencido. Sugere-se ao leitor ler os acórdãos dos recursos extraordinários mencionados, como complemento.
Por fim, vale ressaltar que o artigo centrou-se em uma pesquisa doutrinária mais restrita, pois se objetivou focar na jurisprudência do STF, tendo em vista que os aspectos doutrinários tratados foram abordados sob o enfoque das posições dominantes e fortemente representativas do pensamento doutrinário nacional.
1. Não Cumulatividade: aspectos gerais
Para que se possa compreender o Princípio da Não cumulatividade, é preciso, inicialmente, pensar em tributação plurifásica sobre a produção ou/e sobre a circulação de bens e serviços. Tal princípio, em um conceito ainda superficial, veda a incidência de um mesmo tributo, seja ele um imposto ou uma contribuição, sobre valor já tributado em etapa anterior, motivo pelo qual se tem como pressuposto, para se configurar cumulatividade ou a não cumulatividade, a plurifasia[3].
Em uma situação de cumulatividade, a cada circulação do produto de uma empresa a outra (do fabricante ou do comerciante) até o consumidor final, haverá incidência do tributo, o que repercutirá no preço de forma que um produto custará mais caro ao consumidor quanto maior for o número de intermediários na circulação de um bem.
Isso porque a base de cálculo do imposto, sendo o preço bruto total, incluirá custos de comercialização ou industrialização, lucros e tributos incidentes. Logo, o valor total da matéria-prima, por exemplo, já tributado na fase anterior, é novamente incluído na base de cálculo da fase posterior, já que esse valor faz parte do custo, sofrendo, portanto, nova tributação na operação seguinte (DERZI, 2010, p. 731 e segs; GODOI, 2008, p.360). Essa nova incidência do imposto sobre valor já tributado na fase anterior é denominada cumulatividade. Veja as seguintes tabelas[4]:
Observe que tanto na Tabela 1 quanto na Tabela 2 foi colocado o mesmo preço final de venda, para mostrar de forma clara que um sistema cumulativo penaliza o contribuinte quando a cadeia produtiva tiver mais fases. Tal fenômeno se passa de forma idêntica tanto nos tributos incidentes sobre a industrialização quando aqueles que oneram a circulação, sendo que o tributo recolhido será maior à medida que aumenta o número das fases no caminho da produção ou da distribuição.
Um dos efeitos negativos da cumulatividade é que ela fere a neutralidade da concorrência, pois se multiplicam as tentativas de substituir a produção nacional pelas importações, a concentração industrial e a supressão do comércio atacadista ou varejista, com o objetivo de se unificarem várias fases em uma mesma empresa, evitando-se o aumento progressivo do tributo a ser recolhido (V. DERZI, 2010; GODOI, 2008; e MOREIRA, 2010).
Misabel Derzi (2010, p.732) afirma que
A França foi o primeiro país industrializado a reconhecer as desvantagens de um imposto cumulativo, incidente sobre todas as fases de produção industrial e de circulação. Se já em 1936, se fazem as primeiras leis, apenas no ano de 1954 se criou a Taxe sur la Valeur Ajoutée (TVA) nos moldes atuais, tributo retocado, posteriormente, mas ainda hoje vigente naquele país e em toda a Europa (cf. JULLIOT DE LA MORANDIÈRE et alii. Droit commerciel et droit fiscal des affaires. Paris : Dalloz, 1965. t. II, p. 628 e segs). A rica experiência francesa difundiu-se velozmente a partir da década de sessenta.
Assim, algumas técnicas de incidência não cumulativas dos tributos sobre as fases da produção industrial e de circulação de bens e serviços foram desenvolvidas a fim de se minimizar os efeitos negativos acima apresentados. Os impostos não cumulativos, ou seja, aqueles que levam em consideração a tributação ocorrida na fase anterior, são chamados, em geral, de impostos ou tributos sobre valor agregado, pois, tenta-se aplicar o tributo somente sobre o valor adicionado na etapa posterior, evitando-se a cumulatividade (nesse sentido ver MOREIRA, 2010, p.61 e COÊLHO, 2004, p. 566) .
Assim, um imposto não cumulativo é um imposto que, incidindo em todas as fases de produção e circulação, procura, por meio da:
“dedução do imposto pago na operação anterior, alcançar apenas a circulação mercantil líquida de cada empresa, ou seja, tributar apenas o valor adicionado realizado por ela. Daí os conceitos de imposto sobre vendas líquidas ou imposto sobre o valor adicionado (Mehrwertsteuer)” (cf. HEINRICH RAUSER. Steuerlehre. Winklers Verlag, 1983. p. 32 apud DERZI, 2010, p.733).
Levando em consideração essa intenção, a técnica de não cumulatividade conhecida como base sobre base foi desenvolvida. Eis sucinta explicação:
Uma das técnicas consiste em aplicar a alíquota de certa operação somente sobre o valor agregado naquela etapa da cadeia produtiva (e não sobre o valor total da operação). Nesse caso, a base de cálculo seria o valor da operação menos o valor de todos os insumos incorporados ao produto. Essa técnica se denomina “base sobre base. (GODOI, 2008, p.360-361).
A tabela a seguir mostra de forma clara como funciona a técnica denominada “base sobre base”:
A técnica acima é a que a mais se aproxima da chamada não cumulatividade levando em conta o valor adicionado. Porém,
A outra técnica, mais simples e por isso mais adotada, consiste em fazer aplicar a alíquota de uma dada operação sobre o valor integral dessa operação (gerando-se um “débito”) e garantir ao contribuinte que pratica tal operação (fabricante, vendedor, prestador do serviço) o direito de abater desse valor o imposto que incidiu sobre os insumos. Essa é a técnica denominada “imposto sobre imposto”. O direito constitucional brasileiro, desde a EC 18/65, adotou a técnica do “imposto sobre imposto”, garantindo ao contribuinte o direito de abater, do imposto a pagar sobre a operação que praticou, o imposto cobrado nas operações anteriores. A Constituição de 1988 manteve o regime do “imposto sobre imposto”, substituindo tão-somente o verbo “abater” pelo termo “compensar (GODOI, 2008, p. 362-363).
Eis a tabela exemplificativa:
O total do imposto recolhido, mesmo existindo diversas fases e contribuintes diferentes, não ultrapassará R$ 81,00, como se tivesse havido uma incidência única na última etapa em que o valor do produto alcança o maior valor de mercado. Em comparação a técnica anterior, diferente, o resultado ao final é idêntico. Porém,
É importante frisar que a adoção de um método ou de outro é indiferente do ponto de vista do volume final arrecadado somente se todas as alíquotas da cadeia são iguais, mas há grandes diferenças entre os regimes se nas etapas de uma cadeia de produção/circulação de um produto incidem alíquotas distintas – como é geralmente o caso no mundo real.
Se o regime é o do “imposto sobre imposto”, e supondo nesse momento que não haja qualquer isenção ou alíquota zero ao longo da cadeia, o montante de imposto arrecadado ao longo da cadeia de produção/circulação de um produto depende tão-somente da alíquota da última operação. Há nesse regime o chamado “efeito recuperação”, que faz com que a carga tributária total por produto equivalha sempre à aplicação da alíquota da última etapa sobre o valor da operação praticada nessa última etapa (ou seja, somente importam a alíquota final e o valor agregado na cadeia como um todo).
Contudo, se o regime adotado é o de “base sobre base”, o montante total arrecadado por cada produto não depende somente da alíquota da última etapa da cadeia. Se uma cadeia tem cinco etapas, todas elas submetidas a uma alíquota uniforme de 10%, o montante total arrecadado pelo fisco por cada produto vendido ao consumidor final será equivalente a 10% do valor da última operação. Se se reduz para 1% as quatro alíquotas iniciais e se mantém a alíquota de 10% somente na última etapa, o valor total arrecadado (no regime base sobre base) por cada produto será bem menor. Por quê? Porque nesse regime o valor a pagar em cada etapa depende tão somente da alíquota dessa etapa e do valor agregado ao produto nessa etapa, sem que ocorra o chamado “efeito recuperação. (GODOI, 2008, p. 363-365).
Embora a técnica de imposto sobre imposto seja mais simples, ela é mais vantajosa ao fisco se ao final da cadeia produtiva a alíquota for maior do que as alíquotas intermediárias. Derzi (2010, p. 741-742), lecionando no mesmo sentido de Godoi (2008), afirma:
São vários os fatores que perturbam a equivalência entre os resultados de uma e outra técnica, preferindo os legisladores a utilização da técnica imposto contra imposto, na apuração do tributo devido, mesmo em relação às contribuições sociais não cumulativas, a saber:
1. as alíquotas diferenciadas interferem, pois mesmo inexistindo valor adicionado – mensurado segundo o valor da base de cálculo (o preço de venda sendo igual ao preço de custo) – em que, pela técnica da base x base, não há tributo a pagar, tais alíquotas diferenciadas, na técnica do imposto x imposto, podem gerar tributo a recolher se a alíquota que incidiu nas aquisições for menor do que a alíquota incidente nas mercadorias-saídas; ainda podem ser consideradas aqui as reduções parciais de imposto, como as isenções imperfeitas;
2. a acumulação de créditos (excesso de compras, com poucas vendas) + créditos financeiros, relativos à aquisição de bens do ativo permanente ou de uso e consumo, têm como consequência: (a) dificuldades e complexidade na utilização do modelo base x base; (b) além disso, sendo por período a apuração-padrão, o total do montante recolhido aos cofres públicos não será o imposto incidente sobre as saídas, compensado com o imposto devido pela entrada, operação a operação da mesma mercadoria; (c) mas a equivalência ao valor adicionado somente será alcançada em períodos mais longos, com diluição na cadeia de produção, industrialização/comércio;
3. ocorre ainda que a isenção intermediária e a não incidência intercalada, situadas entre distintas etapas da produção e comercialização tributadas, podem alterar substancialmente os resultados, em especial os efeitos pretendidos de se evitar a cumulação e de que a incidência por toda a cadeia corresponderia a uma única incidência na última etapa de circulação.
No Brasil adotou-se constitucionalmente o Princípio da Não cumulatividade desde a Reforma Constitucional n. 18, de 1965. Em legislação ordinária, a não cumulatividade foi inserida no Projeto de Código Tributário Nacional de 1954, e nos impostos sobre consumo, adotou-se a não cumulatividade desde a Lei n. 3.520/58. A Lei n. 4.502/64 generalizou a aplicação do Princípio da Não cumulatividade, no antigo imposto sobre o consumo, hoje IPI (COÊLHO, 2004, p.565; GOIDOI; e MOREIRA, 2010 p.117; MACHADO SEGUNDO, 2009, p. 72 e ss).
2. Não Cumulatividade no texto da Constituição de 1988
A Constituição de 1998 consagrou, assim como as anteriores, o Princípio da Não Cumulatividade, principalmente para os impostos sobre o consumo. Eis o quadro de conformação constitucional atual:
No art. 153, §3º, II, estabeleceu que o IPI “será não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores”.
No art. 155,§2º, I, estabeleceu que o ICMS “será não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal.” Para o ICMS ainda fez outras expressas determinações, conforme o art. 155, §2º, II:
nas hipóteses de isenção ou não incidência, salvo determinação em contrário da legislação: (a) não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes; (b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores.
Ainda, estabeleceu que as Contribuições Sociais – PIS/COFINS -, será não cumulativas: Art. 195, §12: “A lei definirá os setores de atividade econômica para os quais as contribuições incidentes na forma dos incisos I, b, e IV do caput, serão não cumulativas.”
E por fim, a não cumulatividade deverá ser diretriz a ser observada em todos os tributos sobre o consumo, a serem criados no futuro, no exercício da competência residual da União, conforme os artigos 154, I, e 195, §4º.
Ora, como se pode notar é expresso e incontroverso que a ordem jurídica constitucional brasileira adotou o regime do imposto sobre imposto, trazendo duas consequencias: (a) os tributos afetados pela técnica da não cumulatividade devem onerar o consumidor final, sendo que a alíquota aplicada na última fase da cadeira produtiva ou comercial é a que deve representar o total do montante do tributo recolhido aos cofres públicos (COÊLHO, 2004, p. 565 e ss; DERZI, 2010, p. 732 e ss); e, (b) por conta disso, deve ocorrer, ainda que com limites, conforme será visto, o chamado “efeito recuperação”, ou seja, ainda que haja alíquotas diferentes ao longo da cadeia produtiva, o fisco recuperará toda a tributação ao final da cadeia, com a alíquota incidente sobre o preço pago pelo consumidor final (DERZI, 2010, p.744).
Observa-se, então, que a técnica da não cumulatividade adotada no sistema constitucional nacional deve ser cautelosamente classificada como do tipo valor agregado, pois no regime de “imposto sobre imposto” adotado pelo nosso sistema não se tributa o valor agregado por cada contribuinte a um determinado tributo, mas sim se tributa o valor agregado ao longo de toda a cadeia produtiva.
3. O efeito recuperação no IPI e no ICMS e a jurisprudência constitucional
Tendo visto os aspectos relevantes da não cumulatividade, importa aqui discutir o efeito recuperação dentro da técnica adotada para o IPI e para o ICMS, sua conformação constitucional e a interpretação dada pela jurisprudência constitucional, o que influenciará fortemente no conceito de não cumulatividade do Direito Brasileiro e a sua aplicação nas desonerações tributárias intermediárias, que poderá gerar não só a recuperação, como a cumulatividade, de forma a implicar em duplo efeito: recuperação e cascata.
Importa retomar o conceito do que venha a ser o efeito recuperação na técnica de imposto sobre imposto.
Na técnica base sobre base, como o que interessa é a tributação sobre o valor agregado, a incidência de imposto nas etapas anteriores não é relevante para se calcular o imposto a ser recolhido.
Já na técnica imposto sobre imposto o que importa é o imposto recolhido nas etapas anteriores para a formação do sistema de crédito e débito, sendo que, em uma cadeia produtiva normal, o total do imposto recolhido aos cofres públicos será exatamente o determinado pela alíquota da última fase da cadeia. Dessa forma, pouco importa se as alíquotas das etapas anteriores forem inferiores ou superiores ao da etapa final.
É nesse ponto que reside o efeito recuperação, pois, em regra, a alíquota inferior, ou até mesmo a isenção no curso do ciclo a que está submetido um determinado produto não beneficiará o consumidor, pois a diferença será recuperada através da aplicação de uma alíquota nas operações posteriores. Assim, pode-se definir o efeito recuperação como aquele fenômeno ocorrido na técnica de não cumulatividade imposto sobre imposto em que o montante recolhido aos cofres públicos será determinado pela alíquota da operação final, sendo recuperada a diferença entre as alíquotas anteriores.
O consumidor final não será beneficiado por nenhuma redução intermediária de alíquota. A redução intermediária de alíquota deve ser considerada apenas como diferimento do momento de recolhimento do tributo, em benefício de um determinado setor da economia, nunca em benefício do consumidor final. Se o legislador tiver a intenção de beneficiar o consumidor final deverá reduzir a alíquota final e não as intermediárias. Motivo pelo qual, não se pode falar exatamente em imposto sobre valor agregado e sim em imposto não cumulativo, como já foi ressaltado anteriormente. Eis os comentários de Godoi (2008, p. 367):
Portanto, no regime do “imposto sobre imposto”, independentemente de qualquer figura desonerativa, não procede a alegação de que cada contribuinte recolhe o imposto somente sobre o valor que ele mesmo agregou à cadeia produtiva. (…) O efeito recuperação (…) é inerente ao regime do imposto sobre imposto sempre que existam alíquotas diferenciadas ao longo da cadeia.
Pelo explicado é fácil perceber que uma desoneração tributária no início da cadeia produtiva, ou a redução das alíquotas ao longo da cadeia, não gerará distorções, pois, a alíquota aplicada ao final da cadeia corresponderá ao que deverá ser suportado pelo consumidor final. Como a técnica visa transferir o ônus para o consumidor final, o ônus tributário será idêntico a alíquota final. Logo, não haverá benefício tributário ao consumidor final, e sim diferimento do ônus para as etapas seguintes. Interessa, aqui, discutir melhor essa questão e a oscilação jurisprudencial sobre o tema.
4.1 A desoneração tributária no início da cadeia produtiva
Pelos quadros explicativos abaixo, é possível compreender a técnica do imposto sobre imposto e o efeito recuperação. Antes, reapresenta-se a Tabela 4, com o sistema completo:
Para melhor esclarecer a idéia da técnica de imposto sobre imposto, observe simulação em situação que a alíquota final é de 18%, e as alíquotas anteriores serão de 10%:
Como se pode notar, tanto em uma situação quanto noutra o total a ser recolhido pelo fisco será aquele determinado pela última alíquota.
Agora veja situação em que a desoneração ocorra no início da cadeia produtiva:
Como se pode notar, o total a recolher continuará idêntico a alíquota final aplicada ao consumidor. A desoneração tributária, ou a não incidência, no início da cadeia produtiva não produzirá nenhum benefício ao consumidor final. A situação fará sentido se for entendido que a técnica de não cumulatividade adotada pela Constituição Federal não é do tipo que beneficia o valor agregado e sim o simples sistema de créditos e débitos (DERZI, 2010, p. 729 e ss; e GODOI, 2008, p. 360 e ss). Em verdade, no caso não há cumulatividade, pois sequer houve a incidência do imposto.
A questão que fica é quanto ao direito do consumidor final se beneficiar dessa desoneração tributária ocorrida no início da cadeia produtiva. Não será abordada essa questão nesse momento, pois ela será retomada quando for ser discutida a desoneração tributária que ocorre no meio da cadeia produtiva, nas operações anteriores.
Deve ficar claro que aqui estão sendo abordada somente a questão relativa à desoneração ou a não incidência no início da cadeia produtiva. Essa é a questão que foi decidida no julgamento do RE 353.657/PR. Eis a ementa do acórdão:
IPI – INSUMO – ALÍQUOTA ZERO – AUSÊNCIA DE DIREITO AO CREDITAMENTO. Conforme disposto no inciso II do § 3º do artigo 153 da Constituição Federal, observa-se o princípio da não-cumulatividade compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores, ante o que não se pode cogitar de direito a crédito quando o insumo entra na indústria considerada a alíquota zero. (..). (RE 353657, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 25/06/2007, DJe-041 DIVULG 06-03-2008 PUBLIC 07-03-2008 EMENT VOL-02310-03 PP-00502 RTJ VOL-00205-02 PP-00807).
Igualmente, em recente julgamento do RE 566.819/RS, o Relator Ministro Marco Aurélio, voto condutor, decidiu da seguinte forma:
IPI – CRÉDITO. A regra constitucional direciona ao crédito do valor cobrado na operação anterior. IPI – CRÉDITO – INSUMO ISENTO. Em decorrência do sistema tributário constitucional, o instituto da isenção não gera, por si só, direito a crédito. IPI – CRÉDITO – DIFERENÇA – INSUMO – ALÍQUOTA. A prática de alíquota menor – para alguns, passível de ser rotulada como isenção parcial – não gera o direito a diferença de crédito, considerada a do produto final. (RE 566819, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 29/09/2010, DJe-027 DIVULG 09-02-2011 PUBLIC 10-02-2011 EMENT VOL-02461-02 PP-00445).
Esta última ementa é ainda mais esclarecedora do sistema de imposto sobre imposto, pois se a alíquota anterior for menor não haverá ainda assim direito a diferença de crédito, considerando a alíquota do produto final, não gerando, portanto, nenhum benefício para o consumidor final, prevalecendo a arrecadação total determinada pela alíquota final[5].
O problema que interessa a partir de agora, ocorrerá em duas outras situações de desoneração tributária: (a) quando a desoneração ocorrer no final da cadeia produtiva, ou quando ocorrer na operação posterior, e (b) quando a desoneração ocorrer nas operações anteriores e intermediárias.
4.2 Desonerações ao final da cadeia produtiva: o revés jurisprudencial e o efeito recuperação aplicado somente em benefício do fisco.
Está claro que na técnica de não cumulatividade do tipo imposto sobre imposto, o efeito recuperação permitirá que a alíquota referente a tributação sobre o consumo seja definida pela alíquota final, sendo essa a que o consumidor deverá suportar.
Foi demonstrado na tabela 4.1, que, mesmo que as alíquotas intermediárias sejam menores do que a alíquota final, o total a ser recolhido pelo contribuinte de fato, ou seja, o consumidor final, será idêntico ao montante determinado pela alíquota final sobre o preço final do produto. Inclusive, foi demonstrado tal entendimento com a jurisprudência mais recente do STF.
Ora, o efeito recuperação, então, deverá ser benéfico ao fisco se a alíquota final for maior do que as alíquotas anteriores, e deverá ser benéfica ao consumidor quando a alíquota final for menor que as anteriores. Logo, se o legislador quiser beneficiar o consumidor final deverá isentar o último elo da cadeia.
Mas, pela atual jurisprudência do STF, a isenção no final da cadeia não surtirá efeitos benéficos ao consumidor final, gerando, portanto, distorções na técnica imposto sobre imposto.
Entenda-se a situação. Eis a Tabela 5, de onde serão iniciadas as observações:
Na Tabela 5, demonstra-se a aplicação da técnica do imposto sobre imposto onde ocorre a desoneração no final da cadeia produtiva. Lembrando que o efeito recuperação deveria beneficiar tanto o fisco quanto o consumidor final, pode-se ver que, embora já tenha sido recolhido R$64,80 ao fisco, será gerado ao varejista um crédito de R$64,80, o que em operação seguinte poderá ser compensado, anulando o total recolhido pelo fisco e, por consequência, o total suportado pelo consumidor final[6].
Misabel Derzi (2010, p. 748), ao expor os esquemas de Tipke – que são os esquemas nos quais as tabelas apresentadas foram baseadas, conforme nota 4-, comentando o esquema de circulação com isenção do imposto na última fase alerta para o fato de que:
Na medida em que o varejista não consegue transferir os R$36,00 (trinta e seis Reais) no preço do consumidor, ele ficará onerado. Isso é contrário ao princípio ou ao sistema, pois o empresário não deve ser onerado pelo imposto de circulação. Se ele consegue transferir ao consumidor, então o objetivo da isenção – de não onerar o consumidor – não é alcançado.
Assim, ao varejista deveria ser assegurado, independente de qualquer legislação infraconstitucional, o direito de compensar, ou ser ressarcido caso não gere débitos, o crédito gerado a seu favor.
Essa seria a interpretação a ser defendida como a mais correta do princípio da não cumulatividade. E não se está sozinho, tão pouco mal acompanhado:
No RE 103.102 (DJ 22.02.85) e no RE 106.701 (DJ 18.10.85), a 1.ª Turma do STF, julgando um caso relativo ao ICM que envolvia isenção na última etapa da cadeia (venda de máquinas agrícolas), considerou que a empresa que vendera as máquinas com isenção tinha direito a manter e utilizar os créditos relativos à entrada de insumos para a fabricação das máquinas. Geraldo Ataliba e Cléber Giardino citaram e apoiaram esses acórdãos do STF em estudo sobre o tema, com o que concordamos integralmente. Esses autores observaram que “o regime jurídico do abatimento repousa sobre características e peculiaridades da operação anterior (…) a circunstância de existir ICM e/ou IPI nesta operação [anterior] é fundamental. Não importam, todavia, para os efeitos do exercício do abatimento, quaisquer características ou peculiaridades das operações atuais, nem das futuras. (GODOI, 2008, p. 380).
Porém, deparando-se com essa situação no RE 562.980/SC, o STF reverteu sua jurisprudência. E, destaca-se que a reversão ocorreu sem nenhuma menção ao fato de que aquela decisão estava sendo forjada em total oposição aos precedentes da corte. Fora os votos vencidos que alertavam para essa situação, os votos que fixam o novo entendimento da Corte Constitucional, em momento algum se preocuparam em justificar essa reviravolta jurisprudencial. Nenhum fato novo, teoria nova, Emenda Constitucional ou argumento jurídico, político, econômico explicito para a alteração do entendimento. Nesse caso, não houve preocupação alguma entre os Ministros de explicitar e justificar seus argumentos contrários a jurisprudência posta. Deu-se como inexistente.
E não se trata de uma crítica a modificação da jurisprudência, pois essa possibilidade existe, é real, e, em muitos casos, é benéfica. Porém, qualquer modificação deveria vir acompanhada de uma justificativa clara para o jurisdicionado.
Retomando a questão: o recurso extraordinário tinha por objeto os fatos geradores ocorridos antes da Lei n. 9.779/99, em que a operação isenta era aquela referente ao produto final e não ao insumo da produção. É exatamente a discussão que foi colocada ao leitor na Tabela 5. O artigo 11 da Lei n. 9.779/99 “criou” –propositalmente em aspas – a ficção jurídica em que o “varejista” – levando em conta os termos da Tabela 5 – poderia compensar o crédito obtido com outros tributos federais.
No caso sob exame tem-se a tributação dos insumos ou da matéria-prima, sendo o produto final isento. Cuida-se, portanto, de hipótese diversa daquela examinada anteriormente pela Casa, não cabendo aplicar-se aqui o precedente então firmado. (Ministro Relator RICARDO LEWANDOWSKI, RE 562.980/SC, p.631).
Nesse caso, após a Lei n. 9.779/99 a própria Receita Federal passou a fazer a compensação, beneficiando o contribuinte com o efeito recuperação, motivo pelo qual a controvérsia se resume ao período anterior à legislação. A discussão só faz sentido no período anterior à legislação, pois essa resolveu, no plano infraconstitucional a questão. Mas, como ficaria a não cumulatividade no IPI na ausência de lei que permita a compensação e regule o efeito recuperação?
No RE 562.980, discutiu-se, portanto, a aplicabilidade do Princípio da Não Cumulatividade, para o IPI, insculpido no texto constitucional. Ele seria auto-aplicável, sendo o direito ao aproveitamento de créditos oriundos de insumos tributados, no caso de produtos isentos ou tributados à alíquota zero, um direito inerente ao texto constitucional ou para sua configuração seria necessária lei infraconstitucional regulamentadora?
O relator do referido acórdão, vencido, levando em conta a jurisprudência da corte constitucional, se posicionou a favor do direito de compensação independentemente de regulamentação. Eis trecho relevante:
Parece evidente que o direito ao aproveitamento de crédito oriundos de insumos tributados, no caso de produtos isentos ou tributados à alíquota zero, não surgiu apenas com a promulgação da Lei 9.779/99, visto que deriva diretamente do princípio da não-cumulatividade abrigado na Constituição de 1988, tal como nas Cartas que a antecederam, mostrando-se, destarte, inadmissível que a lei ordinária ou, o que é pior, um simples regulamento possam erigir obstáculos a tal direito. (Ministro Relator RICARDO LEWANDOWSKI, RE 562.980-5, p. 640).
Ao relator não passou despercebido a história da técnica da não cumulatividade na jurisprudência e nas Constituições brasileiras. Parte dessa história será relevante para resolver a questão que foi colocada e questão seguinte sobre as operações anteriores intermediárias não tributadas.
Para que se possa compreender a polêmica, vale destacar que a não cumulatividade do IPI está escrita de forma diferente da não cumulatividade do ICMS no texto Constitucional. Mas não foi sempre assim:
Quando o ICM, antecessor do ICMS, foi criado pela EC n. 18/65, a não-cumulatividade não sofria nenhuma limitação no Texto Magno. A Lei Maior assegurava o direito ao abatimento do imposto cobrado nas operações anteriores, sem nenhuma exceção. (MOREIRA, 2010, p. 130).
A leitura do texto constitucional à época garantia que a desoneração tributária de uma etapa surtisse efeito na etapa seguinte, limitando o efeito recuperação, e aproximando o ICMS da ideia de valor agregado.
A respeito do ICM, a jurisprudência do STF quando vigente a Carta de 1967/69 firmou-se no sentido do reconhecimento desse crédito ficto como única forma de salvar-se o princípio da não-cumulatividade. Em diversas ocasiões em que a entrada da matéria-prima (muitas vezes importada) era isenta, o STF reconheceu ao seu adquirente o direito de escriturar um crédito ficto pelo valor que seria devido na operação caso não existisse a isenção. O Tribunal percebia claramente a ocorrência do “efeito recuperação (que dava à isenção no início da cadeia os mesmos efeitos de um simples diferimento), e o repelia (RE 100.576, 1.ª Turma, DJ 14.10.83). A mensagem clara dessa interpretação do princípio da não-cumulatividade é a de que, havendo isenção numa etapa, o valor agregado nessa etapa deve ser definitivamente preservado em relação ao imposto. O Pleno se pronunciou no mesmo sentido no julgamento dos Embargos de Divergência no RE 94.177 (DJ 10.12.82)”. (GODOI, 2008, p. 380).
A jurisprudência, portanto, permitiu a escrituração de um crédito ficto pelo valor que seria devido na operação caso não existisse a isenção. Dessa forma, limitava-se o efeito recuperação, beneficiando o consumidor final uma desoneração em qualquer momento da cadeia produtiva.
Em 1983, contudo, com a promulgação da EC n. 23, conhecida como Emenda Passos Porto, vedou-se o transporte de créditos do ICM para as etapas subsequentes à isenta ou não-tributada, salvo determinação em contrário da legislação. A Constituição de 1988 manteve a regra de proibição do transporte de crédito para as etapas de circulação de mercadoria subsequentes à isenta/não tributada, sendo mais incisiva do que a Emenda Passos Porto. Não só manteve a limitação antes concebida, como ainda estipulou nova proibição, a de se gerar crédito para compensar com o montante devido na operação seguinte (MOREIRA, 2010, p. 131). Eis o texto constitucional:
Art. 155 (…)
§2º O imposto previsto no inciso II (ICMS) atenderá ao seguinte:
(…)
II – a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação:
a)não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes;
b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores;
Como a Constituição foi explícita sobre a questão relativa ao ICMS, expandindo o efeito recuperação, fazendo com que a não cumulatividade nesse imposto só se aperfeiçoasse com a existência de norma infra-constitucional[7], a doutrina e a jurisprudência entenderam que o silêncio constitucional acerca dessa temática em relação ao IPI significava que, em relação à lei, o efeito recuperação deveria ser limitado.
Misabel Derzi (2010, p.745), resumindo o pensamento da doutrina dominante, afirma que “não se aplicam as regras de recuperação ao IPI, por ausência de autorização expressa no texto da Constituição da República”. Esse inclusive era o posicionamento da jurisprudência do STF até recentemente, eis a ementa do acordão do RE 350.446/PR:
CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IPI. CREDITAMENTO. INSUMOS ISENTOS, SUJEITOS À ALÍQUOTA ZERO. Se o contribuinte do IPI pode creditar o valor dos insumos adquiridos sob o regime de isenção, inexiste razão para deixar de reconhecer-lhe o mesmo direito na aquisição de insumos favorecidos pela alíquota zero, pois nada extrema, na prática, as referidas figuras desonerativas, notadamente quando se trata de aplicar o princípio da não-cumulatividade. A isenção e a alíquota zero em um dos elos da cadeia produtiva desapareceriam quando da operação subseqüente, se não admitido o crédito. Recurso não conhecido. (RE 350446, Relator(a): Min. NELSON JOBIM, Tribunal Pleno, julgado em 18/12/2002, DJ 06-06-2003 PP-00032 EMENT VOL-02113-04 PP-00680).
Misabel Derzi (2009, p. 298) explica que
Fundando-se na prática anterior à Constituição de 1988 e, concordando com a interpretação de que a isenção, em se tratando de IPI, leva automaticamente ao reconhecimento de créditos presumidos, a União não contestou esse entendimento em uma série de processos levados à apreciação da Corte Suprema. Basta dizer que, ao criar a não-cumulatividade para as contribuições do PIS e da COFINS, por exemplo, a União seguiu a mesma prática vigorante no âmbito do IPI, ou seja, as leis pertinentes, nas operações isentas, reconheceram o direito ao crédito presumido. Mas a União, embora aceitando essa posição em relação às operações isentas, pretendeu restringir a interpretação, de modo que o direito ao crédito presumido ficasse limitado às hipóteses de isenção, jamais se estendendo às operações sujeitas à alíquota zero ou não tributadas (NT) da tabela do IPI.
O STF vinha admitindo a concessão do crédito presumido quando a operação anterior era isenta ou até mesmo com alíquota zero e NT. Porém, a posição do STF começou a mudar no julgamento dos RREE 370.682-SC e 353.657/SC, em que se discutiu o direito ao creditamento quando a operação anterior fosse desonerada à base da técnica da alíquota zero. Nesse julgamento, retomou-se antiga polêmica envolvendo isenção e alíquota zero, que pelos limites desse trabalho será evitada, mas sugere-se a leitura de MOREIRA (2010), DERZI (2009; 2010) e GODOI (2008) para sua compreensão.
Pois bem, nesses Recursos Extraordinários ficou assentado que “os princípios da não-cumulatividade e da seletividade não ensejam direito de crédito presumido de IPI para o contribuinte adquirente de insumos não tributados ou sujeitos à alíquota zero”. Não se colocou em pauta o direito de crédito presumido de IPI para o contribuinte adquirente de insumos isentos, o que posteriormente virá a ser alterado pelo próprio conteúdo dos votos que se seguiram a esses julgamentos.
Mas, volta-se ao caso em específico, em que as entradas são tributadas e o produto final é que é isento. O que interessa é que, para o voto do relator, no RE 562.980/SC, a história da não cumulatividade no IPI e no ICMS autorizava o entendimento de que o Princípio da Não Cumulatividade no caso do IPI não poderia sofrer limitações, sendo dispensável a existência de norma infraconstitucional para assegurar ao contribuinte de direito, vendedor do produto final, o direito ao creditamento do imposto pago nas operações anteriores.
Prevalecesse o voto do relator, o sistema seria coerente do ponto de vista da técnica do imposto sobre imposto e de seu efeito recuperação em sua completude. Porém, prevaleceu tese contrária ao voto do relator, sustentada especialmente pelo Ministro Marco Aurélio[8], em que antes da legislação infraconstitucional não há que se falar em direito a compensação. Assim, o efeito recuperação só deverá ocorrer quando favorável ao fisco, conforme os efeitos gerados pela interpretação da Corte Constitucional.
Acompanhe a Tabela 5.1 com as modificações adequadas:
Veja que o consumidor final, embora não totalmente livre dos tributos, será beneficiado com redução do imposto. Verdadeiramente não ocorre cumulatividade no exemplo dado, pois não há incidência de tributo sobre parcela já tributada.
O que há de fato é uma limitação do efeito recuperação em desfavor do contribuinte, o que torna a técnica do imposto sobre imposto em uma técnica de duas vias. Haverá o efeito recuperação quando as alíquotas aplicadas às operações anteriores forem inferiores à alíquota aplicada à operação que finaliza a cadeia produtiva, gerando, apenas, um diferimento do momento do recolhimento do tributo. O efeito recuperação, nesse caso em benefício do contribuinte, não ocorrerá se a alíquota final for inferior as alíquotas ao longo da cadeia produtiva. A desoneração tributária ao final da cadeia beneficiará de forma limitada o consumidor final.
Com o atual posicionamento da jurisprudência do STF, e a permanecer esse entendimento, a doutrina tributária deverá reformular o que se entende por técnica de não cumulatividade imposto sobre imposto; se é realmente essa a técnica adotada pela jurisprudência constitucional; e a aplicação do efeito recuperação e seus limites. O certo é que a combinação da jurisprudência acerca do tema não encontra amparo em qualquer doutrina ou método jurídico.
Mesmo o principal objetivo da não cumulatividade que, segundo Hugo de Brito Machado (2003, p. 496), é o de “tornar conhecido o ônus tributário total que o imposto representa sobre cada produto e impedir que esse ônus seja diferente em razão do número de operações pelas quais passa o produto desde o início até o final de sua industrialização” deve ser reavaliado.
Portanto, tem-se uma situação paradoxal na técnica de imposto sobre imposto. Quando a desoneração ocorre no início da cadeia produtiva, o consumidor final não terá qualquer benefício, mas, também não sofrerá com a cumulatividade tributária. Quando a desoneração ocorre ao final da cadeia produtiva, o consumidor obtém um beneficio limitado, não havendo, também, qualquer cumulatividade.
O sistema pode ser paradoxal e incoerente, mas não poderá ser acusado, pelas considerações que já foram realizadas, de cumulativo. A questão é que as cadeias produtivas não se limitam a etapas e fases tão simples como foi demonstrado. E, tão pouco, as desonerações são feitas de forma concentrada. Em uma cadeia produtiva longa, com inúmeras fases, haverá várias desonerações e ai reside a grande perturbação ao Princípio da Não Cumulatividade. Passa-se, agora, a analisar esse ponto.
4.3 Desonerações tributárias intermediária: lobo em pele de cordeiro: o efeito cascata apresentando-se como efeito recuperação
A questão da desoneração tributária nas operações intermediárias da cadeia produtiva, já fora objeto de preocupação na doutrina estrangeira. Segundo Derzi (2010, p. 747-748),
Mas é mesmo KLAUS TIPKE o autor que mais se aprofundou na análise do IVA, mostrando as disfunções das isenções intermediárias, as quais, para ele, com razão, são incompatíveis com o imposto. Explica ele: ‘A desoneração do empresário envolvido, por motivos técnicos, é essencial: devem ser onerados apenas os consumidores finais. A recusa da dedução do imposto anterior conduz a uma oneração final do empresário; o empresário, além de tudo, procura obter para si um aumento de ganho, em que o preço é aumentado com o objetivo de incluir o imposto anterior não passível de dedução. Se se trata de uma isenção na última fase, então a isenção do consumidor é parcialmente suprimida; se se trata de uma isenção apenas na segunda fase (possível somente na isenção subjetiva), então o consumidor não é menos onerado, mas ao contrário é mais fortemente onerado do que seria com a alíquota normal’ (cf. Steuerrecht. 9. ed. Köln: Otto Scmidt KG. 1983, p. 445).
É por conta dessas preocupações que se pode afirmar que, em uma ordem constitucional que se adota a técnica do imposto sobre imposto, o efeito recuperação, devidamente aplicado, é tão importante para evitar distorções.
Porém, a idéia errônea de que o efeito recuperação só existe para beneficiar o fisco faz com que a doutrina tributária, mesmo a mais requintada, discuta limites a esse efeito, considerando somente o efeito recuperação pró-fisco (ver, por exemplo, DERZI, 2010, p.744 e ss).
Para tornar a situação mais caótica, o Supremo Tribunal Federal, ao se deparar com essas questões, não percebeu a dimensão do efeito recuperação na técnica de não cumulatividade no sistema brasileiro. Sequer entendeu as peculiaridades que fazem do IPI um tributo diferente do ICMS.
No caso do ICMS é expressa, no texto constitucional, a necessidade de lei para que a não cumulatividade se aperfeiçoe, e isso decorre – ou, supostamente devia decorrer – do fato de ser um tributo de instituição e cobrança descentralizada, enquanto no caso do IPI não há nenhuma limitação expressa, e trata-se de tributo cobrado pelo Poder Central.
A aplicação da jurisprudência constitucional ao IPI faz com que a não cumulatividade nesse imposto, bem como a do ICMS – pois há expressa determinação da Constituição a esse respeito -, transforme-se em mera norma programática a depender da legislação infraconstitucional.
Assim, uma desoneração fiscal, muito embora possa parecer algo benéfico aos contribuintes, poderá transformar-se em verdadeiro mecanismo de aumento da arrecadação. É o lobo na pele do cordeiro, pois ao se mostrar como um benefício a um dos elos da cadeira produtiva, representa verdadeiro jugo aos elos seguintes, podendo representar até mesmo um aumento do ônus tributário.
Através das tabelas abaixo se percebe o efeito das afirmações que foram feitas. Retoma-se a Tabela 4, apresentada acima, para se visualizar novamente a técnica do imposto sobre imposto:
Agora, simulando uma cadeia produtiva onde há desoneração tributária na primeira fase da cadeia e na última. Incluiu-se uma 4ª fase, mas foi deixada a mesma alíquota e o mesmo preço final do varejista:
É possível perceber que a isenção na 1ª fase não representou nenhum benefício a ser aproveitado pelas fases seguintes. Já a isenção ao final da cadeia representou uma desoneração tributária de R$9,00. Porém, o efeito recuperação pro contribuinte não foi aplicado. Transferiu-se para a alíquota aplicada na etapa anterior mais próxima o papel de revelar o ônus tributário sobre o produto e anulou-se a neutralidade que deveria existir no referido imposto, pois, caso existisse uma nova fase, entre a penúltima e a última, essa fase intermediária é que seria a capaz de refletir o verdadeiro ônus tributário.
Além disso, limitou-se a potencial seletividade da isenção ocorrida na última etapa.
Que a isenção no início da cadeia pode não atender à seletividade é fato. Supondo que o algodão seja isento. Ora, do algodão podem ser fabricados diversos produtos. Assim, a isenção tributária do algodão, se repercutisse sobre as etapas anteriores, poderia beneficiar tanto o contribuinte que adquirisse uma roupa, como aquele que adquirisse um simples e supérfluo urso de pelúcia. Muitas vezes, a isenção no início da cadeia tem por objetivo não o barateamento do preço final, mas sim o estímulo a uma determinada atividade econômica, como é o caso da Zona Franca de Manaus.
Mas, dificilmente, a desoneração ao final da cadeia produtiva não terá o objetivo de reduzir o preço ao consumidor final. E é nesse momento que o princípio da seletividade fica prejudicado, pois, a desoneração de um alimento essencial a saúde humana só receberá pequena dose de benefício, pois, não se reconhece o efeito recuperação quando a alíquota final é menor do que as praticadas ao longo da cadeia produtiva e de circulação de mercadorias.
A situação do consumidor final pode ficar ainda pior, se a desoneração fiscal ocorrer na fase intermediária. Exemplifica-se, com desoneração na 2ª fase da cadeia produtiva:
O total recolhido ao fisco foi muito superior ao que seria recolhido se não houvesse a desoneração fiscal no meio da cadeia produtiva. Como para o atacadista 1 a entrada foi tributada e a saída foi isenta, ele não pôde se aproveitar dos créditos obtidos em decorrência da aquisição da matéria prima tributada. Para o atacadista 2, a entrada foi isenta, mas a saída foi tributada. Essa situação não gerou para ele crédito algum presumido, devendo repassar todo o custo do imposto para o contribuinte seguinte.
Agora, em um exercício simples de imaginação, supondo essa cadeia produtiva com mais de dez fases, e com pelo menos duas desonerações tributárias ao longo dessa cadeia, o aumento da arrecadação seria geométrico. Enquanto isso, aos olhos dos contribuintes o concedente da desoneração tributária poderia estar fazendo um bem a eles.
Por isso utiliza-se da metáfora cristã, do lobo na pele do cordeiro, pois, uma ação estatal que supostamente deveria beneficiar e, conforme o próprio nome indica, reduzir a carga tributária, pode gerar efeito completamente perverso e pertubador ao Princípio da Não Cumulatividade.
O efeito recuperação nesse caso se reveste de efeito cascata, gerando verdadeira cumulatividade.
Claro que, no caso do IPI, como já foi informado, a Lei n. 9.779/99 atenuou o efeito dessa situação, prevendo a possibilidade, para aquele que adquire um insumo tributado, de compensar com outros tributos federais os créditos gerados, se o produto final, ou de saída, for isento. No caso do ICMS, alguns Estados tendem a diminuir os efeitos danosos dessa situação concedendo créditos presumidos, etc.
5.Considerações finais: a importância de definirmos os limites do efeito recuperação na técnica não cumulativa do imposto sobre imposto.
As polêmicas sobre o Princípio da Não Cumulatividade, claro, são muito maiores que as polêmicas aqui abordadas. Há uma gama enorme de trabalhos acadêmicos sobre o tema, e aqui se pretendeu somente analisar a recente posição do Supremo Tribunal Federal sobre a questão, em especial sobre o IPI.
Se esse trabalho trouxe algo de novo, foi a centralidade dada ao efeito recuperação e a demonstração de que a sua má compreensão tem gerado confusão na jurisprudência e até mesmo na mais qualificada doutrina.
Claro que ao tocar nesse assunto, e considerá-lo como central no artigo, arrisca-se de, criticando, não apresentar soluções adequadas, tornando o trabalho pretensioso e as críticas arrogantes e inúteis.
Mas mesmo reconhecendo o risco, tentou-se restabelecer o que se considera fundamental para solucionar a questão da técnica de não cumulatividade imposto sobre imposto: é necessário reler o efeito recuperação e seus limites – se é possível pensar em limites a esse efeito.
A questão já era complicada, mas o atual entendimento do Supremo Tribunal Federal conseguiu não só amesquinhar o Princípio da Não Cumulatividade no IPI, como jogar mais confusão sobre a questão. A desoneração dos insumos e das matérias primas ganhou tratamento totalmente diverso, mesmo compondo uma mesma técnica de não cumulatividade, e sendo frutos da interpretação de um idêntico texto constitucional.
Embora não se tenha priorizado a distinção entre isenção, alíquota zero e não tributação – se é que elas sejam relevantes -, essa questão longe de ter sido resolvida nos acórdãos aqui mencionados, foi tratada sem nenhum compromisso de definitivamente encerrar a polêmica.
Além disso, embora o texto constitucional tenha redações diferentes para o IPI e para o ICMS, deu-se aos dois a mesma aplicabilidade do Princípio da Não Cumulatividade, sem sequer esclarecer ao jurisdicionado se essa distinção era ou não relevante, se a distinção feita no passado foi ou não correta.
Resumindo, as reviravoltas jurisprudenciais deixaram mais dúvidas do que sanaram conflitos.
O que se sabe é que da combinação de duas situações – desoneração dos insumos e das matérias primas e desoneração do produto final –, que inicialmente podem não acarretar cumulatividade, se gera um efeito cascata se aplicadas em operações intermediárias, aumentando o recolhimento ao fisco e distorcendo toda a cadeira produtiva, em prejuízo da neutralidade e da seletividade.
No caso da desoneração dos insumos e das matérias primas, não haverá verdadeiramente desoneração, só postergação no recolhimento do imposto, sem qualquer efeito desonerativo para o consumidor final. No máximo, pode haver uma sensação de que se está sendo beneficiado.
E no caso da desoneração nas operações intermediárias poderá haver verdadeiro aumento no montante recolhido se não forem estipuladas regras de compensação.
A questão poderia ser mais facilmente resolvida se fosse dada a devida atenção ao efeito recuperação. Bastaria aplicá-lo a favor e contra o fisco, em cada etapa da cadeia produtiva, que seria garantido em todas as operações a não cumulatividade, a seletividade, a neutralidade e a verdadeira desoneração pretendida, qual seja, a do consumidor final.
Nesse caso, aquele que adquirisse insumo e matéria prima isenta nada teria a creditar. Mas aquele que adquirisse insumo e matéria prima tributada e vendesse o produto isento, poderia compensar, ou ressarcir-se, dos créditos obtidos. Dessa forma, ao compor seus preços, os contribuintes de direito levariam em conta os créditos e os débitos a serem compensados, repassando-os ao consumidor final, contribuinte de fato, de forma que a alíquota final seria a determinante e explicitadora do real montante arrecadado pelo fisco sobre aquele produto final.
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[1] Doutorando em Direito Público pela PUC Minas. Mestre em Administração Pública pela Fundação João Pinheiro. Professor de Direito na UNIVALE/Governador Valadares.
[2] Não será abordada aqui a não cumulatividade da contribuição PIS/Cofins e dos impostos de competência residual pois foge do escopo do que se pretende discutir neste paper.
[3] Atenção para a afirmação de Derzi (2010, Limitações Constitucionais… p. 731): Não se suponha que a plurifasia seja um pressuposto necessário e inafastável da cumulatividade a ser combatida. Tanto a plurifasia como a monofasia (na verdade, falsa monofasia) podem levar à cumulação, ou seja, se considerarmos cada fase de comercialização isoladamente, as aquisições relativas a investimentos, bens do ativo permanente ou bens de uso e consumo podem desencadear cumulação, com efeitos negativos, tanto em relação aos preços, como ao consumo. Pode parecer que esteja em sentido contrário ao que foi aqui defendido, mas, o que a autora defende é que a suposta cumulatividade na monofasia é uma percepção ilusória de inexistência de outras fases anteriores ou seguintes.
[4] As tabelas que serão apresentadas são comumente vistas em livros de Direito Tributário. As que aqui foram colocadas, para ilustrar o argumento desenvolvido, se basearam (não foram copiadas), principalmente, nas produzidas por Derzi in: Limitações Constitucionais…, 2010, p. 747 e segs. Estas, por sua vez, foram baseadas nos exemplos dados por Tipke, in: Steuerrecht. 9. Köln: Otto Schmidt KG. 1983. P. 445.
[5] Ao leitor, vale mencionar que nesse acórdão, o ministro Marco Aurélio dá início a uma reviravolta jurisprudencial. No caso do IPI a jurisprudência não fazia diferença entre entradas isentas e entradas tributadas pela alíquota zero (Ver RREE 350.446/PR; 353.668/PR; e 357.277/RS). Porém, no julgamento dos RREE 370.682-9/SC e 353.657/SC, analisando a questão do crédito presumido gerado no IPI pela alíquota zero, a corte constitucional fez diferença entre alíquota zero e isenção, dando ao IPI o efeito recuperação quando o produto fosse sujeito a alíquota zero, limitando esse efeito nos casos de isenção. Aqui, volta-se a equipar insumos sujeitos à alíquota zero ou não tributado aos insumos sujeitos à isenção, porém, não para limitar o efeito recuperação, mas para permiti-lo. Apenas, adianta-se ao leitor, a questão que será tratada a frente. Apresenta-se anexa uma lista cronológica e didática do posicionamento do STF sobre o tema.
[6] Claro que a ideia de que o consumidor final é que suporta o tributo sobre o consumo é uma ideia que leva em conta a repercussão jurídica nos preços e não econômica, pois, como se sabe, as curvas de oferta e demanda, e a elasticidade do produto é que economicamente determinará quem, empresário ou consumidor, arcará com o custo tributário.
[7] O que em certa medida foi feito pela Lei Complementar n. 87 de 1996.
[8] Vale destacar ao leitor, que diante dos limites desse trabalho, não será analisado o voto do Ministro Eros Grau. Mas vale a pena lê-lo para acompanhar a extensão da polêmica supra mencionada referente a desoneração pela isenção e pela alíquota zero. Entende-se aqui, para os objetivos que foram propostos, que essa discussão não é significativa, o que não significa dizer que se pode desprezá-la.