Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva

Leonardo Goulart Pimenta[1]

 

Resumo: O presente artigo trata da relação entre valores, normas e validez do direito na teoria do professor argentino Roberto José Vernengo. A tese fundamental afirma que as normas jurídicas, assim como qualquer outra forma normativa, apesar de encerrarem em si um valor, não têm sua validez dependente de qualquer conclusão axiológica.

Palavras-chave: normas, valores, validez, Roberto José Vernengo

Área de Interesse: Teoria Geral do Direito.

 

1 – Introdução 

Roberto José Vernengo é professor da Universidade de Buenos Aires. Suas obras são de grande expressão na teoria e na lógica jurídica contemporânea. Para iniciar o pensamento desse grande autor, a relação proposta entre valores, normas e validez do direito é momento primordial e indispensável. Para encarar a relação entre esses três conceitos, o presente artigo concentra-se na obra Curso de Teoría General del Derecho, especificamente nos Capítulos 2 e 3.

2 – Leis Naturais e Normas

Para iniciar a discussão sobre a relação entre valores, normas e validez do direito, Vernengo inicia diferenciando as leis naturais das normas. Ao investigar a relação entre as leis naturais e as normas, o autor procura defender que as leis éticas, morais ou jurídicas, não podem ser equiparadas às leis da natureza. Tal assertiva fundamenta-se na concepção de que as leis morais, ao contrário das leis da natureza, apresentariam três características essenciais, quais sejam: 1) não tratam de hipóteses cuja validez radique na possibilidade de estabelecer funções calculáveis que permitam prever o curso dos fatos; 2) não podem ser falsificadas pelos fatos os quais pretende regular; 3) não são enunciados que formulam algum tipo de descrição dos fenômenos com uma ordem causal, pois simplesmente afirmam que, tomadas em sua função informativa secundária, entre dois ou mais fatos, o grupo social ou o legislador propõem certa relação que qualificam deonticamente. 

 

3 – Moral e Direito

Para avançar no sentido do objetivo proposto, o autor lança a seguinte questão: é possível distinguir uma norma moral de uma norma jurídica? Se é possível, como distingui-las? O autor aduz que entre as normas morais e as normas jurídicas não há distinção do ponto de vista gramatical, lógico ou quanto as modalidades deônticas. Ainda neste sentido, do ponto de vista do conteúdo ou matéria regulada, também não é possível concluir sobre distinção entre as normas jurídicas e morais.

(…) que no sólo el aspecto lógico gramatical externo no es indicador suficiente del sistema a que uma norma pertenza, sino que tampoco podríamos estabelecer su distinción como moral o juridica por el contenido o materia que regule (VERNENGO, 1995, p. 137)

 

Contudo o autor apresenta modos de distingui-las: 1) processo de criação – as normas jurídicas seriam criadas por alguma atividade humana específica, não estão dadas desde a eternidade, nem podem ser deduzidas de alguma realidade preexistente como as norma morais. Assim as normas morais são eternas e necessárias. 2) Utilização – as normas jurídicas servem para motivar condutas externas ao passo que as normas morais pretendem atuar sobre a motivação interna do sujeito. 3) Distinção kantiana – para Kant as normas morais são as que o sujeito dita para si mesmo, já as normas jurídicas seriam impostas ao sujeito por um legislador externo, sua obrigatoriedade não derivaria de ser obrigatório pelo próprio autor da norma. 4) Julgamento das intenções – as normas morais servem para julgar as intenções do sujeito atuante em seu foro interno. Ao contrário as normas jurídicas, as normas morais servem para julgar não intenções íntimas dos homens, mas seu comportamento externo, suas ações sociais. 5) Finalidade – afirma-se que uma conduta é moral quando a ação prescrita é valiosa por si mesma, e não meio para uma finalidade; ao contrário, as normas jurídicas prescrevem certas ações como meio eficaz para certos fins.

4 – Validez das Normas Jurídicas

Toda norma supõe uma valoração (VERNENGO, 1995, p. 147). Determinar uma norma implica em utilizar um valor tal como a bondade, a beleza, a utilidade, a convenção, a justiça, etc. Mas o que se pretende dizer quando se faz tal afirmação? Qual é a real relação entre valor e norma jurídica? O autor em questão apresenta a tese da valoração como algum tipo de enunciado – não normativo – que logicamente estaria implicado e que poderia ser deduzido de enunciados diretamente normativos.

Esta condición hace al sentido de la norma: no sería posible comprender una norma si no fuera posible, por algún mecanismo intelectual o linguistico, extraer el juicio valorativo que la hace sustentable. Sin embargo, norma y enunciado axiológico no serían ni sintática ni pragmáticamente equivalentes, puesto que juegan en planos linguisticos y práticos distintos (VERNENGO,1995, p. 147)

 

Mas seria possível estabelecer qual o valor suposto em uma norma? Tal questionamento levaria às várias teorias sobre os valores, mas apareceria como efetivo se os sujeitos interessados duvidassem do sistema que a ordem jurídica estabelece (VERNENGO, 1995, p. 148). Outro questionamento refere-se ao caráter objetivo ou subjetivo dos valores: são os valores absolutos ou correspondem a posições subjetivas individuais das pessoas sobre os fatos, ou seja, relativos? Com efeito, poder-se-ia implicar verdade ou falsidade aos valores? Dividem-se as concepções. Kelsen afirma que há valores absolutos, mas enunciados relativos às atitudes políticas de seus criadores. “La norma es expresión de la orientacíon política del legislador, y em cuanto tal, refleja um valor relativo”(VERNENGO, 1995, p. 150). Assim, não é possível perguntar sobre o valor verdade de um valor, apesar de serem postulados como verdadeiros. Mas como os conhecimentos não suscetíveis de verificação objetiva e postulados como verdades são denominados ideologias, ao fazer-se depender a aceitação de uma norma de sua correspondência com um sistema de valores, incorrer-se-ia em ideologia.

Mas mesmo que uma norma encerre em si um valor, a validade, a aceitabilidade de uma norma dependeria do valor do seu conteúdo? A validez de uma norma depende do valor que possa encerrar em seu comando normativo? O autor, apoiado em Kelsen e Ross, argumenta no sentido de que “la validad de uma norma es independiente de la valoracíon que merezca su contenido” (VERNENGO, 1995, p. 152).

Mas então de que dependerá a validade de uma norma? Kelsen afirma que uma norma jurídica é válida por ter sido criada por uma autoridade competente para tanto mediante um procedimento aceito, ou seja, é válida se existe.

O sistema de normas que se apresenta como uma ordem jurídica tem essencialmente um caráter dinâmico. Uma norma jurídica não vale porque tem um determinado conteúdo, quer dizer, porque seu conteúdo pode ser deduzido pela via de um raciocínio lógico do de uma norma fundamental pressuposta, mas por que é criada por uma forma determinada – em última análise, por uma forma fixada por uma norma fundamental pressuposta. Por isso, e somente por isso, pertence ela a ordem jurídica cujas normas são criadas em conformidade com esta norma fundmantal, por isso qualquer conteúdo pode ser direito. Não há qualquer conduta humana que, como tal, por força do seu conteúdo, esteja excluída de ser conteúdo de uma norma jurídica (KELSEN, 2003, p. 221).

 

À definição kelseniana o autor levanta alguns reparos, sendo que, nos mais importante, defende:

1) “Nada claro se dice de uma norma afirmando que existe, puesto que por de pronto, el predicado “exiencia es tan menesteroso de aclaración como el de validez” (VERNENGO, 1995, p. 154)

2) “La renisión a una supuesta fuerza obligatoria no pasa de una metafora tradicional, pues es claro que las normas no tienen fuerza en ningún sentido preciso. Y hablar de fuerza moral o jurídica, o es vano, o es circular” (VERNENGO, 1995, p. 154)

3) Atribuir validez a norma mediante um procedimento necessita de outras normas também válidas.

Enfim, define o autor que uma norma é válida, em um direito positivo, quando possa-se verificar suas relações com as outras normas do mesmo ordenamento, tendo em vista que criar uma norma significa realizar certos atos normativos cujos sentido objetivo deve-se buscar também em enunciados normativos.

5 – Normas Jurídicas e Enunciados Normativos .

Por fim cabe distinguir entre normas jurídicas e enunciados normativos. O objeto do estudo do direito são as normas válidas de determinado sistema. Sobre este sistema é possível estabelecer enunciados ou proposições jurídicas, ou seja, cabe à ciência do direito enunciar corretamente o caráter deôntico de uma ação estabelecida nas normas jurídicas. Portanto, as proposições jurídicas da ciência jurídica podem ser verdadeiras ou falsas, ao contrário das normas objeto de estudo, segundo correspondam ou não às normas jurídicas.

6 – Considerações finais

Iniciando a discussão a partir da diferença entre leis naturais e norma bem como pela diferença criteriosa entre direito e moral, para o autor argentino Roberto José Vernengo, as normas jurídicas, apesar de encerrarem em si valores, não fazem depender sua validez de qualquer elemento axiológico. Sem qualquer passividade teórica, o autor segue a linha de pensadores como Hans Kelsen e Alf Ross.

 

Referências

KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

ROSS, Alf. Direito e justiça. 2. ed. São Paulo: Edipro, 2007.

VERNENGO, Roberto José. Teoría General del Derecho. 2 ed. Buenos Aires: ediciones Depalma, 1995.


[1]Mestre e Doutor em Teoria do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Professor de Filosofia do Direito, Direito Romano e História do Direito da Puc/Minas e da Newton Paiva.