Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva

 Tatiana Maria Oliveira Prates Motta[1]
Luis Henrique Moreira Lamego[2]

 

RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo, apontar a natureza confiscatória do artigo 33 da Lei 9.250/95, ressaltando seus aspectos inconstitucionais quando do resgate das contribuições da previdência complementar. O método de pesquisa se fez através da doutrina, jurisprudência, sítios especializados e sítio da receita federal, trazendo-se ao presente estudo situações do cotidiano com o intuito de se verificar as anomalias jurídicas as quais serão aqui relatadas. Observou-se que atualmente o Estado interfere, com base em legislações específicas, de forma direta e coercitiva sobre a propriedade, mais especificamente na renda, tenha o indivíduo capacidade contributiva ou não. Verificamos também existir certo antagonismo quanto ao papel dos Fundos de Previdência Privada, uma vez que, conceitualmente, trata-se de investimento de cunho SOCIAL, motivo pelo qual o Estado deveria estipular políticas de incentivos para este tipo de poupança ao invés de taxar de maneira abusiva, desestimulando a poupança a longo prazo. Apesar de constar, de forma implícita, um conceito constitucional de renda, este é constantemente violado pelo próprio Estado ao tributar rendas que, em sua origem seriam isentas, ao tributar rendas que em sua origem já foram objeto de tributação (bitributação) e ao tributar verbas que sequer se caracterizam como renda, demonstrando total desinteresse de cunho social e um forte interesse arrecadador e confiscatório sobre a propriedade do indivíduo.

 

PALAVRAS-CHAVE: Previdência Privada, Renda, Tributação, Constituição, Confisco, Previdência Complementar

 

Área de Interesse: Direito Tributário; Direito Previdenciário.

 

1 INTRODUÇÃO

Tem sido constante nos Tribunais, o questionamento a respeito da tributação das parcelas resgatadas provenientes dos Planos de Previdência Privada, parcelas as quais foram pagas diretamente pelo contribuinte. Apesar de haver um questionamento frequente, o que se verifica é que a constitucionalidade da tributação dos planos de previdência complementar, no que se relaciona ao aspecto confiscatório, não fora objeto de análise por parte do Judiciário.

Atualmente, a norma legal que determina a tributação das parcelas relacionadas à contribuição da previdência privada é a Lei 9.250/95, lei que veio modificar a Lei 7.713/88. A Lei 9.250/95 incluiu como fato gerador, portanto passível de incidência do imposto de renda, o “ resgate das parcelas dos planos de previdência”, ou seja, o que anteriormente era isento passou a ser tributado. Aparentemente, essa tributação fora implementada sem que se realizasse nenhum tipo de análise quanto à origem, quanto ao conceito de renda, quanto às questões de isenções e quanto à questão da bitributação.

Esse tipo de conduta do Estado realça a voracidade para arrecadar, não demonstrando nenhuma lógica se fizermos um paralelo com a forma de tributação definida para os valores aplicados nos Fundos de Investimento, neste último, a tributação se mostra de maneira muito mais branda e racional, tendo em vista que o capital fica excluído da base de cálculo de incidência, tributando-se somente os rendimentos auferidos.

Com esse tipo de conduta entendemos que o Estado vai na contramão do desenvolvimento social, mostrando uma verdadeira falta de visão a longo prazo, uma vez que desestimula a aplicação nos fundos de previdência, cuja finalidade é a complementação da renda após o período de atividade, a formação de recursos pós-aposentadoria, de maneira a constituir uma reserva financeira para que o cidadão possa, após o período laboral, viver com dignidade e manter o seu padrão de vida.

O incentivo na previdência privada proporcionaria ao Estado, a longo prazo, uma diminuição do custo social, principalmente para as futuras gerações.

O trabalho estará limitado aos casos em que, em nosso entendimento, violam o direito do cidadão em face dos dispositivos constitucionais, lembrando que a abordagem será sempre relacionada às contribuições pagas por parte do contribuinte, ficando fora da presente análise qualquer tipo de contribuição patronal.

 

2 CONCEITO DE PREVIDÊNCIA PRIVADA

Segundo Eduardo Rocha Dias e José Leandro Monteiro de Macedo[3], quando o indivíduo pretende uma proteção superior aos valores oferecidos pelo Estado, este deverá recorrer à Previdência Complementar de forma a manter a sua condição de vida em situações similares à que desfrutava antes do término da sua vida economicamente ativa, nesse sentido assevera o autor:

Caso o indivíduo queira uma proteção superior ao patamar mínimo da proteção prestada pelo Estado, deverá com os próprios esforços e em nível privado, suprir essa proteção. É nesse cenário e sob essa perspectiva que devemos contextualizar a existência da previdência privada.

Nesse cenário, fica fácil observar que a previdência privada se reveste de um caráter de supletividade ou subsidiariedade, ou seja, o cidadão busca com as contribuições previdenciárias o seu autossustento depois de esgotada a sua força de trabalho.

Nesse contexto, a Constituição Federal enquadra a previdência complementar na Seção III do Capítulo I do Titulo VIII mais especificamente no artigo 202, prescrevendo:

“O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar”.

 O legislador ao incluir a Previdência Privada no capítulo que trata da Seguridade Social, não quis com isso equipará-la à Previdência Social, mas sim incluí-la dentro do contexto de seguridade social enumerado pelo artigo 194 da Constituição Federal.

 

3 A IMPORTÂNCIA DA PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR NO CONTEXTO SOCIAL

Não raro são veiculadas notícias de que o sistema da seguridade social encontra-se falido. Medidas paliativas são frequentemente tomadas no sentido de socorrer a previdência oficial, seja com o aumento de alíquotas dos encargos sociais, seja com a criação de novos tributos, como foi o caso da CPMF. A realidade é que o desembolso Estatal tem superado, em muito, a sua arrecadação (seja por questões orçamentárias, de gestão ou políticas), demonstrando uma verdadeira falta de interesse e de planejamento na área social por parte dos governantes. 

Hoje, a previdência complementar desenvolve um papel de relevo nas economias mundiais, através de pesados investimentos no mercado imobiliário, mercado de ações, investimentos em empresas entre outros.

É fundamental que os Governos olhem a previdência privada com metas e objetivos definidos a longo prazo. O Estado deveria criar, cada vez mais, políticas de incentivo à poupança de longo prazo, como é o caso dos Fundos de Previdência Privada, dessa forma estaria proporcionando melhores condições de vida à toda  sociedade quando do momento da aposentadoria, período em que o indivíduo começa a demandar mais do aparelho estatal, principalmente no que diz respeito à saúde e à assistência social.

O resultado desse incentivo, com certeza, seria a diminuição dos gastos estatais, uma vez que qualquer cidadão que se aposenta em melhores condições de vida, presume-se, demandará menos do Estado, reduzindo assim o custo social, atualmente um dos maiores fatores de desequilíbrio das contas governamentais e, até o momento, sem nenhuma proposta de solução viável por parte das forças políticas.

 

4 O CONCEITO DE RENDA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

 O estudo analisa o imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza incidente sobre o montante resgatado dos planos de previdência complementar. Para tanto, se faz necessário que façamos alguns comentários a respeito do que é renda e proventos de qualquer natureza na ótica do ordenamento jurídico brasileiro.

A doutrina é unânime ao entender que o conceito de renda não está inserido na Constituição Federal de forma explícita, porém, é importante que se extraia da Carta Magna um conceito de renda para que este não fique ao arbítrio do legislador infraconstitucional. A definição do artigo 43 do CTN deve ser interpretada em consonância com o conceito constitucional de “ Renda e Proventos de Qualquer Natureza”, pois se assim não for, estaríamos concedendo ao legislador infraconstitucional a função de constituinte. 

Kiyoshi Harada entende que pelo próprio conceito constitucional e legal do imposto de renda, o elemento objetivo do fato gerador somente poderia ser a renda ou proventos originados de riqueza nova, de acréscimo patrimonial decorrente de um patrimônio preexistente, que seria a fonte produtora (grifo nosso). O entendimento do doutrinador foi baseado na interpretação de renda feita por Rubens Gomes de Souza, que foi autor de anteprojeto de lei que futuramente foi convertido no Código Tributário Nacional, ao asseverar que:

Explicitado o dispositivo transcrito (art 43 do CTN), sublinho que, tanto em se tratando de “renda” como de “proventos”, o elemento essencial do fato gerador é a aquisição de disponibilidade de riqueza nova, definidas em termos de acréscimo patrimonial.[4]

Tanto a doutrina como a jurisprudência não divergem quanto ao conceito de renda, ou seja, não há como existir renda sem o devido acréscimo patrimonial, portanto, o fato gerador que define a incidência do imposto deverá, obrigatoriamente, prever em seu bojo o aumento do patrimônio do contribuinte, patrimônio este que nada mais é do que o conjunto de bens, direitos e obrigações, sob pena de não contemplando essa idéia, a lei definidora do fato vir a ferir aspectos de constitucionalidade frente ao conceito de renda da Carta Magna.

 

5 CONCEITO DE FATO GERADOR

Outro conceito que se deve ter em mente no presente estudo é o conceito de fato gerador do Tributo.

Segundo Eduardo Sabbag, fato gerador é:

é a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de renda (decorrente do capital, do trabalho, ou da conjugação de ambos) e de proventos de qualquer natureza, assim entendidos, todos os acréscimos não compreendidos no conceito de renda[5]

 O conceito de fato gerador nos remete aos conceitos de disponibilidade jurídica e disponibilidade econômica. O primeiro representa o direito abstrato, sendo este o momento em que se faz incidir o imposto, ou seja, quando o contribuinte passa a ter direito ao crédito, independente de sua disponibilidade. Já a disponibilidade econômica é o momento em que o contribuinte passa a ter a faculdade de usar, gozar e dispor desse acréscimo patrimonial.

Outro aspecto a ser observado é o momento de ocorrência do fato gerador, este poderá ocorrer no momento em que o contribuinte passa a ter direito ao crédito, neste caso trata-se da disponibilidade jurídica, como também pode ocorrer quando o detentor do crédito tem a imediata possibilidade de utilizar do recurso, podendo dele se utilizar da forma que lhe convier, ou seja, este é o caso da disponibilidade econômica.

É de fundamental importância para o presente estudo fixarmos os momentos exatos do acréscimo patrimonial, o momento em que ocorre a disponibilidade da renda para que possamos observar as incoerências do dispositivo legal objeto do presente estudo.

 

6. CONCEITO DE DISPONIBILIDADE JURÍDICA E DISPONIBILIDADE ECONÔMICA

A incidência do tributo ocorrerá tão logo verificada a disponibilidade da renda, conforme definida na hipótese de incidência. A disponibilidade poderá ocorrer de duas formas, a disponibilidade econômica, constituída pela disponibilidade física da renda, onde o contribuinte poderá dispor da forma que melhor convier, é o momento em que a renda passa a integrar o patrimônio do contribuinte, ou por meio da disponibilidade jurídica, que é aquela onde o contribuinte passa a ter direito ao crédito, é o simples direito que o contribuinte tem de receber a renda. A incidência do imposto variará de acordo com o tipo de renda, uma vez que existe a renda de capital, a renda do trabalho, a renda de combinação de capital e trabalho e a renda de proventos de qualquer natureza.

 Com base nos casos que serão apresentados neste estudo, procuraremos situar o leitor quanto ao momento em que o imposto passará a incidir, de forma a facilitar a visualização das discrepâncias a respeito do tema.

 

7 CONSIDERAÇÕES ACERCA DA DETERMINAÇÃO CONSTITUCIONAL DO NÃO CONFISCO A RENDA

Este tópico será merecedor de considerações mais profundas, portanto, de uma análise mais detalhada, pois é exatamente sobre ele que estaremos fundamentando o objeto do presente estudo.

A função do Estado Social é a de prover a vida em sociedade da maneira mais igualitária possível, procurando dotar aos súditos do Estado as garantias que lhe são asseguradas pela Lei maior, ou seja, uma existência digna, assegurar a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho e etc.

Para o cumprimento desses objetivos, o Estado se utiliza dos tributos como forma de arrecadar recursos com o propósito de fazer frente às demandas financeiras exigidas por esses objetivos.

Diante deste quadro, qualquer norma tributária carregará consigo um certo grau de tensão, uma vez que haverá sempre algum tipo de conflito com os próprios direitos fundamentais, tais como o direito a propriedade, o direito da livre iniciativa, o direito da liberdade econômica e etc. Pode-se facilmente verificar o nível de complexidade quando o tema da norma tem relação com tributo, já que o Estado tem a função de garantir a todos os cidadãos seus direitos fundamentais porém, o meio que possui para fazer frente a essas obrigações é exatamente através da arrecadação de tributos.

A norma definidora da arrecadação, muito possivelmente, violará uma das garantias fundamentais do cidadão, ou seja, é um efeito cíclico, o Estado precisa garantir os direitos fundamentais do cidadão e fará por meio de arrecadação de tributos, tributos estes que possivelmente contará com uma grande dose de interferência nos direitos fundamentes desses mesmos cidadãos, veja que o legislador constituinte, em algumas situações, confere a garantia de direitos e de outro lado usurpa do cidadão esses direitos por meio de normas totalmente abusivas.

O artigo 150 inciso IV da Constituição Federal prega:

Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (…)

IV – utilizar tributo com efeito de confisco ( …) “

O enunciado da norma é direto e objetivo mas ao mesmo tempo bastante relativo, uma vez que se torna muito difícil identificar em que momento o tributo adquire a natureza confiscatória, onde se encontra o limite da norma que, se ultrapassado, passará a configurar confisco, pois como dito anteriormente, em qualquer norma tributária haverá, sem qualquer sombra de dúvida, alguma interferência em direitos pessoais e fundamentais, sobretudo no direito de propriedade, no direito da livre iniciativa e etc.

Diante da complexidade do tema, vários tipos de interpretações são apresentadas pela doutrina a respeito do que seja o confisco da renda, sendo concepção majoritária que o confisco se baseia na idéia de uma intervenção do Estado na propriedade sem que este ofereça qualquer contra prestação ao contribuinte invadido.

Paula Cesar Baria de Castilho tem o entendimento de que:

confisco tributário consiste em uma ação do Estado, empreendida pela utilização do tributo, a qual retira a totalidade ou parcela considerável da propriedade do cidadão contribuinte, sem qualquer retribuição econômica ou financeira por tal ato.[6] 

Eduardo Sabagg apresenta os níveis onde se verifica o confisco e o nível onde a atividade tributária não possui a natureza confiscatória. Segundo o autor, o limite à atividade confiscatória se posicionará nos pontos extremos, onde em um primeiro extremo o confisco se dará quando atingir o mínimo necessário à sobrevivência digna do cidadão e, no outro extremo, quando o tributo mutilar o direito de propriedade do contribuinte, é o que se extrai do texto:

Em outras palavras, afirma-se que a linha de atuação do princípio da vedação ao confisco se estende por dois pontos limítrofes, diametralmente opostos: parte-se do nível ótimo de tributação, em que o tributo é possível e razoável, chegando-se ao extremo oposto, ponto da invasão patrimonial, a partir do qual será ela excessiva, indo além da capacidade contributiva do particular afetado.[7]

Ou seja, o tributo será adequado quando estiver na faixa de incidência em que se situa a capacidade contributiva do cidadão.

A vedação ao excesso de tributação otimiza o direito de propriedade, pois caso a tributação se furte da preservação do direito de propriedade, deixando de lubrificá-lo, viabilizá-lo e construí-lo, patente estará o cenário do confisco.[8]

Cassiano Menke[9], em sua obra “ a proibição aos efeitos de confisco no DIREITO TRIBUTÁRIO” nos remete a uma análise bastante crítica a respeito do conflito entre conferir direitos sociais x interferir de maneira excessiva na propriedade e na liberdade. A idéia central da obra é a de que o confisco não estará vinculado somente à questão do quantum de incidência tributária, relativizando a questão da capacidade contributiva. A obra releva a questão de que, se a atividade tributária atingir algum direito fundamental a ponto de torná-lo totalmente sem efeito ao seu titular, estaremos diante do confisco, nesse sentido, assevera o autor:

Do reconhecimento de um núcleo essencial contido em cada direito fundamental resulta uma constatação: a perseguição de um fim tributário não pode acarretar a impossibilidade de promoção do direito fundamental, sob pena de a atividade tributária ser caracterizada como excessiva.[10]

O tema é bastante subjetivo sendo de relevada importância que a análise do confisco se verifique através do caso concreto, cabendo ao judiciário ponderar princípios e preservar aquele que entender mais relevante, tendo como foco a impossibilidade de se eliminar, na integralidade, o direito fundamental de uma das partes.

O autor apresenta a “ Teoria das Esferas”, originada do direito alemão, essa teoria divide os direitos fundamentais em zonas, tendo em seu núcleo central os direitos essenciais, impossíveis de serem afetados por qualquer norma, seja para qualquer fim, pois assim ocorrendo, significaria que estaríamos mutilando completamente o direito fundamental garantido pela constituição. Em uma segunda zona, mais extrema, estariam situados os direitos representados pelos bens importantes, sujeitos ainda a uma certa vigilância quanto à verificação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, tendo em vista a proteção de uma provável invasão nesta zona privada conhecida como ampla. Finalmente, a camada mais externa da esfera estariam os bens supérfluos, que seriam aqueles correspondentes a zona social, também passíveis de aplicação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, porém com um grau bastante reduzido de proteção e portanto mais acessível à intervenção tributária.

No presente estudo utilizaremos a concepção da Teoria das Esferas de forma a realçar o entendimento de que, sempre que qualquer direito fundamental estiver inviabilizado diante de aplicação da norma jurídica, estaremos diante de caso de confisco tributário. A adoção dessa teoria ao presente estudo tem como fundamento o fato de que a nossa jurisprudência, mais especificamente a Suprema Corte, vem tratando a assunto da forma que aqui se apresenta, apesar de não constar expressamente, em nenhum julgado, a adoção dessa teoria, os fundamentos dos referidos Acórdãos daquela Corte nos levam à conclusão de que o entendimento é o mesmo, o que demonstraremos no tópico específico destinado à jurisprudência.

 

8 O ARTIGO 33 DA LEI 9.250/95

A lei 9.250 de 1995 alterou algumas disposições da legislação tributária em relação às pessoas físicas, nos chamando a atenção, principalmente, para o que dispõe o artigo 33 quando assevera que:

Sujeitam-se à incidência do imposto de renda na fonte e na declaração de ajuste anual os benefícios recebidos de entidade de previdência privada, bem como as importâncias correspondentes ao resgate de contribuições. (grifo nosso).

Até dezembro de 1995 vigorava a isenção especificada no artigo 6° inciso VII da Lei 7.713/88, e era taxativo ao afirmar:

Art. 6º Ficam isentos do imposto de renda os seguinte rendimentos percebidos por pessoas físicas ( …)

VII – os benefícios recebidos de entidade de previdência privada: (…)

b) relativamente ao valor correspondente às contribuições cujo ônus tenha sido do participante, desde que os rendimentos e ganhos de capital produzidos pelo patrimônio da entidade tenham sido tributados na fonte.

Ao nosso entender a Lei 7.713 tratava a matéria de acordo com os conceitos sedimentados no ordenamento jurídico, mostrando-se coerente com os fundamentos constitucionais, principalmente quanto ao conceito de renda e proventos, uma vez que está claro que na referida norma o legislador infraconstitucional buscou tributar o GANHO auferido com a aplicação do patrimônio, ou seja, totalmente simétrico ao que podemos considerar renda em face da Carta Magna.

Esse entendimento se confirma em diversos julgados da Corte Superior, ficando latente a proibição da bitributação, reconhecendo que o mesmo patrimônio não poderia ser tributado duplamente, sob pena de incorrer em bis in idem, senão vejamos:

1.  Trata-se de recurso extraordinário interposto do acórdão (fls. 206-213) assim ementado:   “DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. BENEFÍCIO POR DESLIGAMENTO. PREVIDÊNCIA PRIVADA. PLANO DE COMPLEMENTAÇÃO. BANESPREV PRÉ-75. 1. Configura rendimento tributável, porque não possui caráter de indenização, o valor de benefício, formado por contribuições a Plano de Previdência Privada, recolhidas pelos empregados (a partir de 01.01.96: artigo 7º da MP nº 2.159, de 24.08.01), empregadores ou por ambos: incidência fiscal que, compatível com a Constituição Federal e o Código Tributário Nacional, tem fundamento específico no artigo 33 da Lei 9.250/95. 2. Somente é inexigível o imposto de renda sobre o benefício de Previdência Privada, na extensão e proporção do valor em que constituído por contribuições derivadas de rendimentos que até 31.12.95, no regime da Lei nº 7.713/88, foram tributados na fonte: solução destinada a coibir a dupla incidência fiscal. 3. Caso em que a reserva matemática, cujo resgate em parcela única é garantido a título de Benefício por Desligamento, vinculado ao Plano de Complementação – BANESPREV/PRÉ-75, é formada por contribuições apenas do próprio instituidor (BANESPA), sem ônus para o participante, impedindo, assim, seja afastada a exigibilidade do imposto de renda na fonte. 4. Precedentes.”   2.  Inadmitido o recurso na origem (fl. 376), subiram os autos em virtude de provimento de agravo de instrumento.   3.  Não merece prosperar o presente recurso extraordinário, dado que o acórdão recorrido decidiu a questão com fundamento na legislação infraconstitucional aplicável à espécie. Assim, eventual ofensa à Constituição Federal seria indireta ou reflexa, o que elide o processamento do recurso extraordinário.

Nesse sentido: RE 257.051/RJ, rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 09.8.2000; AI 630.157/SP, rel. Min. Eros Grau, DJ 30.3.2007 e AI 699.649-AgR/SP, rel. Min. Cármen Lúcia, 1ª Turma, unânime, pub. DJE 08.5.2009, este último assim ementado:   “AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRIBUTÁRIO. DEMISSÃO VOLUNTÁRIA. VERBAS REMUNERATÓRIAS. IMPOSTO DE RENDA. AUSÊNCIA DO DEVIDO PREQUESTIONAMENTO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 282 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. MATÉRIA INFRACONSTITUCINAL. OFENSA CONSTITUCIONAL INDIRETA. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO.”   4.  Ante o exposto, nego seguimento ao recurso extraordinário (CPC, art. 557, caput).   Publique-se.   Brasília, 12 de maio de 2009.       Ministra Ellen Gracie Relatora 1  [11]
(RE 577380, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, julgado em 12/05/2009, publicado em DJe-095 DIVULG 22/05/2009 PUBLIC 25/05/2009”

TNU – INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA: IUJ 200485005008631 SE

Parte: Requerente: RAYMUNDO FERREIRA DE CARVALHO
Parte: Requerido(a): FAZENDA NACIONAL

Resumo: Tributário. Imposto de Renda. Complementação de Aposentadoria. Resgatede Contribuições.
Previdência Privada. Lei Nº 7.713/88. Lei Nº 9.250/95.1.

Relator(a): JUÍZA FEDERAL JACQUELINE MICHELS BILHALVA

Julgamento: 18/12/2008

Órgão Julgador: Turma Nacional de Uniformização

Publicação: DJ 09/03/2009

Ementa

TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA. RESGATEDE CONTRIBUIÇÕES. PREVIDÊNCIA PRIVADA. LEI Nº 7.713/88. LEI Nº 9.250/95.1.

Não incide imposto de renda sobre os benefícios de previdência privadaauferidos a partir de janeiro de 1996 até o limite do que foi recolhidoexclusivamente pelos beneficiários (excluídos os aportes das patrocinadoras) sob a égide da Lei nº 7.713/88, ou seja, entre 01.01.89 e 31.12.95 ou entre01.01.89 e a data de início da aposentadoria, se anterior a janeiro de 1996.2. Pedido de uniformização conhecido e provido.

Acordão

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Juízes da Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência, por maioria, em conhecer e,por unanimidade, dar provimento ao pedido de uniformização. Brasília, 18 de dezembro de 2008.Jacqueline Michels BilhalvaJuíza RelatoraTurma Nacional de Uniformização[12]

Quando a questão está relacionada à tributação de parcelas envolvidas em contribuição de previdência privada, os Tribunais têm se posicionado no sentido de aplicar o dispositivo legal vigente do período questionado, ou seja, até dezembro de 1995 a matéria deverá ser regulada pela isenção nos moldes do artigo 6° da Lei 7.713/88, a partir dessa data, a matéria vem sendo regulada pelo artigo 33 da Lei 9.250/95, lembrando que o artigo 4° desta mesma Lei autorizou a dedução das parcelas pagas a título de contribuições destinadas à previdência privada, ressalvado no parágrafo único que essa dedução incidiria somente sobre os rendimentos tributáveis e provenientes de trabalho com vínculo empregatício, conforme segue:

Art. 4º. Na determinação da base de cálculo sujeita à incidência mensal do imposto de renda poderão ser deduzidas:

V – as contribuições para as entidades de previdência privada domiciliadas no País, cujo ônus tenha sido do contribuinte, destinadas a custear benefícios complementares assemelhados aos da Previdência Social (….).

Parágrafo único. A dedução permitida pelo inciso V aplica-se exclusivamente à base de cálculo relativa a rendimentos do trabalho com vínculo empregatício ou de administradores, assegurada, nos demais casos, a dedução dos valores pagos a esse título, por ocasião da apuração da base de cálculo do imposto devido no ano-calendário, conforme disposto na alínea e do inciso II do art. 8º desta Lei”

Em seguida, a Lei 9.532/97 limitou o valor a ser deduzido da base de cálculo do imposto devido ao percentual de 12% (doze por cento), ou seja, sobre o rendimento tributável somente doze por cento do montante recebido a título de rendimento assalariado poderia ser deduzido, é o que se extrai do artigo 11° da referida Lei e que ora transcrevemos abaixo:

“Art. 11. As deduções relativas às contribuições para entidades de previdência privada, a que se refere a alínea e do inciso II do art. 8o da Lei no 9.250, de 26 de dezembro de 1995, e às contribuições para o Fundo de Aposentadoria Programada Individual – Fapi, a que se refere a Lei no 9.477, de 24 de julho de 1997, cujo ônus seja da própria pessoa física, ficam condicionadas ao recolhimento, também, de contribuições para o regime geral de previdência social ou, quando for o caso, para regime próprio de previdência social dos servidores titulares de cargo efetivo da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, observada a contribuição mínima, e limitadas a 12% (doze por cento) do total dos rendimentos computados na determinação da base de cálculo do imposto devido na declaração de rendimentos. (Redação dada pela Lei nº 10.887, de 2004

A cronologia que apresentamos neste tópico não tem a pretensão de exibir um conteúdo histórico a respeito da forma de tributação sobre parcelas resgatadas dos fundos de previdência complementar, mas sim, passar ao leitor uma noção temporal de como o tema vinha sendo tratado diante do manto da nova Constituição Federal.

Até dezembro de 1995, não havia o que se falar em tributação do principal contido nas parcelas resgatadas dos planos de previdência privada, somente a partir de janeiro de 1996 é que começamos a verificar uma total arbitrariedade do Estado, interferindo de forma violenta sobre as contribuições previdenciárias, mais precisamente no direito de propriedade do cidadão.

No tópico a seguir, buscaremos situar o leitor com casos mais concretos, ressaltando a inconstitucionalidade do artigo 33 da Lei 9.250/95 através de simulações, de maneira a facilitar a identificação de como e em que momento o Estado viola a Constituição e o direito do indivíduo.

 

9 ASPECTOS DA INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 33 DA LEI 9.250/95

Quando o legislador infra constitucional edita uma Lei, a mesma terá efeito cogente, uma vez que é destinada a todos de uma forma geral. Nesse contexto, explicitaremos abaixo verdadeiros absurdos jurídicos os quais estarão caracterizados um efetivo confisco fiscal por parte do Estado, principalmente por estarem ausentes uma série de institutos fundamentais para a incidência do tributo.

 

9.1 A IRREGULARIDADE GENÉRICA.

Definimos como irregularidade genérica por entendermos que o que aqui será exposto será percebido em todos os casos e simulações que aqui faremos, configurando assim uma característica genérica de todas as hipóteses que a seguir discutidas.

Reportando ao início deste estudo, a incidência do imposto deve recair sobre a RENDA, esta configurada, diante dos preceitos constitucionais, como sendo um ACRÉSCIMO ao patrimônio, o qual é formado pelo conjunto de bens, direitos e obrigações que estariam disponíveis ao contribuinte, podendo este usar, gozar e dispor da forma que lhe convier, face ao direito fundamental da propriedade. Para as hipóteses apresentadas a seguir será preciso refletir acerca de determinados momentos específicos, tais como o momento do acréscimo patrimonial e o momento em que o tributo fora cobrado, vejamos: 1) o valor que fora aplicado no fundo de previdência, com toda certeza, foi ingressado anteriormente no patrimônio do contribuinte, ou seja, neste caso teremos em momento passado a disponibilidade jurídica ou econômica e, portanto, o fato gerador do tributo ocorrido também ocorrera neste mesmo momento passado; 2) no momento em que esse valor ingressou ao patrimônio do contribuinte, seja da forma que for, através de rendimento de salários, através de rendimentos de aluguéis, rendimentos de ganho de capital, rendimento em investimentos financeiros, lucro obtido da atividade empresarial, enfim, fosse de qualquer uma das formas, este será o momento original da disponibilidade jurídica ou econômica e, portanto, neste momento o imposto incidirá sobre esta renda, caracterizando assim que esta RENDA NOVA, formadora desse novo patrimônio, já fora devidamente TRIBUTADA quando do seu ingresso original, 3) Os valores referentes às contribuições pagas pelo contribuinte poderá ser deduzido até o montante de 12% (doze por cento) da base de cálculo e apenas da base relativa a rendimentos do trabalho. Diante deste dispositivo, fica fácil notarmos que as contribuições que ultrapassarem a esse valor serão objeto de dupla tributação, ocorrendo o bis in idem. A título de registro, somente a renda tributável é que poderá contar com a dedução da base de cálculo, as demais rendas ficam de fora da concessão. 4) Não conseguimos identificar qual a natureza dos valores resgatados da previdência complementar, uma vez que em momento algum conseguimos enquadrá-los como renda, pois não significa acréscimo patrimonial uma vez que já constituía o patrimônio do contribuinte, não conseguimos enquadrá-lo como salário, já que não representa uma contraprestação do serviço humano, não conseguimos enquadrá-lo como ganho de capital, já que não é resultante de nenhuma operação onde resulte o lucro, enfim, não existe enquadramento porque na realidade o valor aplicado já fora enquadrado no conceito de renda quando ingressou originalmente no patrimônio. Diante desta premissa, verificamos que este “rendimento” não se enquadra em nenhuma das hipóteses de incidência do imposto, já que não são rendimentos do trabalho, não são rendimentos de capital[13], não são rendimentos da combinação do capital e do trabalho e também não são proventos de qualquer natureza, uma vez que este último, igualmente ao conceito de renda, tem como hipótese o acréscimo patrimonial.  

                       

9.2 A TRIBUTAÇÃO SOBRE RENDIMENTOS ISENTOS EM SUA ORIGEM

 Um dos casos que levantamos no presente estudo é o fato de que a norma em questão tributa rendimentos os quais em sua origem foram isentos de tributação pela mesma norma. O artigo 3° especifica as alíquotas de incidência sobre os rendimentos, isentando aqueles que possuem baixa capacidade econômica porém de baixa capacidade contributiva.

  Nesse contexto, vamos supor que uma pessoa que esteja inserida dentro de um limite de isenção, como por exemplo, uma cidadão que perceba o limite mínimo desde a entrada em vigor da Lei, ou seja, janeiro de 1996, queira, com o objetivo de se precaver de um futuro incerto, participar de um plano de previdência privada. Havendo a necessidade de resgate do montante aplicado, este cidadão será tributado e, em nossa ótica, penalizado apenas pela iniciativa de planejar um futuro mais digno e estável. 

No caso acima, vamos supor que este indivíduo contribua com a quantia de R$ 100,00 (cem reais) desde janeiro de 1996 até os dias atuais, a uma taxa de remuneração de 1% (um por cento ao mês). Esse valor, considerando as condições acima, montaria hoje a quantia de R$ 47.618,48 (quarenta e sete mil, seiscentos e dezoito reais e quarenta e oito centavos)[14], sendo que desse total, R$ 17.600,00 (dezessete mil e seiscentos reais) representam o capital investido nesse período.

Caso esse indivíduo tivesse que utilizar esses recursos e resgatasse na sua integralidade, seria descontado, a título de imposto de renda (incidindo uma alíquota de 27,5%), o valor de R$ 13.787,86 (treze mil, setecentos e oitenta e sete reais e oitenta centavos). Observa-se que 78% (setenta e oito por cento) do capital investido, fruto de uma renda originalmente isenta, foi abatido do resgate a título de tributação, restando ao indivíduo o valor de R$ 33.830,62 (trinta e três mil, oitocentos e trinta reais e sessenta e dois centavos).

Diante dessa realidade, perguntamos: 1) Será que o valor descontado a título de imposto de renda é significante para uma pessoa que, durante todo esse período percebeu um rendimento isento e contribuiu com a perspectiva de uma acumulação que lhe desse alguma tranqüilidade futura? A resposta logicamente é afirmativa, pois basta analisarmos que o Fisco ficou com aproximadamente 78% do que foi contribuído pelo cidadão e com o equivalente a 40,76% (quarente virgula setenta e seis por cento) do que lhe restou líquido, para concluirmos que está latente a natureza confiscatória desse instituto, principalmente se considerarmos que o caso aborda um cidadão de baixa capacidade contributiva. Com já visto no presente trabalho, na escala definida pelo mestre Eduardo Sabagg, este confisco estaria localizado na primeira extremidade da escala, ou seja, quando a incidência do tributo compromete as condições mínimas de sobrevivência.

Cabe lembrar que no presente caso este contribuinte, durante todos estes anos, foi dispensado de apresentação de declaração de imposto de renda, e portanto não pode sequer abater em suas declarações os valores pagos a título de contribuição previdenciária conforme estabelece a Lei 9.532/97.

Carlos Menke, nos apresenta a teoria alemã, conhecida como a teoria das esferas, transcrita a seguir:

Sobre as partes que integram o conteúdo do direito fundamental, o Bundesverfassungsgericht cunhou a chamada “ Teoria das Esferas”, segundo a qual três seriam os compartimentos identificáveis no interior do direito. Haveria uma esfera nuclear e central, “uma intocável área de liberdade humana, que é retirada da influência do Poder Público, identificada como zona privada íntima ou núcleo essencial. Outra seria a zona privada ampla, na qual residiriam os bens jurídicos importantes ao titular do direito, mas não absolutamente protegidos contra as restrições. Essa segunda zona é graficamente representável por um círculo concêntrico colocado ao redor do círculo que demarca a primeira. E, por fim, a terceira zona, a mais externa, seria integrada pelos bens restringíveis, que contariam com o menor grau de proteção contra as invasões, chamada de zona social do direito. [15]

Considerando a teoria das esferas, apontada por Carlos Menke, o Estado atuou no núcleo de um direito fundamental, ou de vários direitos fundamentais, ou seja, comprometeu o direito de propriedade deste indivíduo, ao tirar-lhe fatia considerável de sua propriedade (dinheiro), comprometeu o direito a uma vida digna, por se tratar de pessoa sem qualquer capacidade contributiva e portanto isento de tributação.

Veja a importância de se analisar o caso concreto para o entendimento proposto pela Teoria das Esferas, o núcleo dos direitos fundamentais foi atingido, o direito a propriedade foi totalmente inviabilizado face ao valor significativo que fora descontado do cidadão.

O problema que se depara está relacionado com o que falamos quando da irregularidade genérica, ou seja, a renda deve ser tributada na sua origem, e se na sua origem ela for isenta, isenta estará da incidência de tributo, não cabendo o deslocamento no campo da incidência para um segundo estágio, qual seja, o momento do resgate da renda original de um plano de previdência privada.

 

9.3 APONTAMENTOS ACERCA DO BIS IN IDEN

 Este tópico apresenta mais uma anomalia do instituto em estudo. Imaginemos o caso de uma pessoa que recebe um rendimento de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por mês e que esteja sujeito a uma alíquota do imposto de renda na fonte de 27,5%. Analisemos com base nos conceitos já explanados anteriormente quanto aos momentos de tributação e de ingresso do rendimento no patrimônio do contribuinte.

 O rendimento do trabalho é uma das hipóteses de acréscimo patrimonial, portanto, sujeito à incidência de imposto de renda. O fato gerador é aquele definido pela Lei que instituiu o imposto. A disponibilidade jurídica é quando o trabalhador passa a ter direito ao rendimento, momento em que o imposto incide. Veja que todos os passos foram cumpridos e neste caso, a exação do imposto estaria completa e finalizada, nada mais havendo a ser cobrado, pois o rendimento do trabalho ingressou ao patrimônio do indivíduo, se tornou propriedade e portanto disponível para ser usado, gozado e fruído do modo que melhor convier a seu proprietário.

 Na hipótese acima, vamos supor que o indivíduo contribua com o valor de R$2.000,00 (dois mil reais) por mês para um plano de previdência complementar, durante o mesmo prazo e mesma taxa da hipótese anterior.

 Passados os quatorze anos e oito meses, o contribuinte resolva sacar o que contribuiu, este valor montaria a uma quantia de R$ 952.369,57 (novecentos e cinquenta e dois mil, trezentos e sessenta e nove reais e cinquenta e sete centavos). Havendo o resgate, o Fisco ficaria com a fatia de R$ 262.594,41 (duzentos e sessenta e dois mil, quinhentos e noventa e quatro reais e quarenta e um centavos), ou seja, aproximadamente 75% (setenta e cinco por cento) do que contribuiu o indivíduo durante todo esse período.

Nas declarações de ajustes de imposto de renda anuais, esse contribuinte poderia deduzir da base de cálculo do imposto o equivalente a R$ 211.200,00 (duzentos e onze mil e duzentos reais) que correspondem ao limite de 12% (doze por cento) autorizados pela Lei 9.532/97[16], incidentes sobre a renda anual do contribuinte.

No caso acima, fica claro que uma parte da renda desse contribuinte está sendo tributada em duplicidade, pois durante o período esse indivíduo contribuiu para o plano de previdência com um total de R$ 352.000,00 (trezentos e cinquenta e dois mil reais), contribuição proveniente de uma renda já tributada na fonte (grifo nosso). A diferença do que o indivíduo pode deduzir, cotejado com o valor efetivamente contribuído para o plano de previdência, está sendo tributado em duplicidade, em um primeiro momento quando o rendimento do trabalho ingressou no patrimônio do contribuinte e em um segundo momento, quando foi realizado o resgate das cotas de previdência privada.

 Neste exemplo, também fica claro o excesso de cobrança tributária, uma vez que o contribuinte ao pagar o imposto quando do recebimento do salário já deu sua parcela contributiva relacionado a sua função na sociedade. Observa-se verdadeira expropriação da propriedade dinheiro, sem que qualquer contraprestação fosse oferecida pelo Estado, configurando portanto natureza totalmente confiscatória do tributo.

A tributação dupla também ocorre quando a aplicação no plano de previdência é originada de patrimônio cujo recurso provêm do ganho de capital, como por exemplo quando da alienação de bens imóveis. Neste caso, o indivíduo ao vender um imóvel terá que pagar o imposto, atualmente a uma alíquota de 15% (quinze por cento), incidente sobre a diferença do valor de compra e o valor efetivado na venda, conhecido como ganho de capital[17]. Imaginemos que a renda obtida com esse ganho seja aplicada na previdência complementar. Ao efetivarmos o resgate dessas contribuições, estas seriam novamente tributada, configurando também a natureza confiscatória pelos mesmos motivos apresentados na hipótese antecedente, pois a contribuição dada à sociedade se realizou quando da venda original do bem, não cabendo mais qualquer incidência sobre a mesma renda.

 

9.4 DA IRREGULARIDADE DA TRIBUTAÇÃO SOBRE RENDIMENTO ISENTO CUMULADA COM A BITRIBUTAÇÃO

A liberdade de exercício da atividade econômica encontra-se consagrada no Título VII, Capítulo I da Constituição Federal, o que se insere nesse contexto a busca do lucro quando do desempenho de uma atividade empresarial.

Pois bem, o empresário, peça fundamental no desenvolvimento econômico e social do país, ao explorar a sua atividade, recebe como remuneração do capital os rendimentos provenientes da distribuição dos lucros.

Na declaração de imposto de renda esses rendimentos são declarados como isentos, uma vez que já sofreram a incidência do tributo ao ingressarem como receita na organização empresarial.

Através de um exercício temporal fica fácil notarmos que a disponibilidade jurídica ocorre tão logo a organização empresarial tenha direito ao crédito da respectiva receita, sendo portanto este o momento de incidência do imposto de renda.

Novamente o ciclo que ocorre entre o fato gerador e a incidência do imposto encontra-se completo e finalizado. Ato seguinte, esse lucro que acabara de ser tributado é distribuído aos sócios ou acionistas, momento em que não caberá mais a sua tributação por se tratar, como já dissemos, de rendimento isento e já anteriormente tributado.

A hipótese presente contempla a situação onde este lucro distribuído seja integralmente ou parcialmente investido em um plano de previdência complementar. Ao ser resgatado, o mesmo sofrerá a incidência do tributo. Neste caso verificamos quatro momentos distintos: o primeiro quando a renda ingressa no patrimônio da empresa e é devidamente tributada, em um segundo momento, quando existe a transferência do patrimônio da empresa para o patrimônio dos sócios, quando esta renda é isenta por já ter sido tributada anteriormente, um terceiro momento quando o sócio transita essa renda dentro de seu patrimônio investindo em um plano de previdência, e o quarto e último momento quando essa renda é resgatada do plano de previdência. Neste último momento a mesma renda é novamente tributada, neste caso, o contribuinte não pode contar com o limite de dedução permitido por Lei em suas declarações de ajuste anual, pois a renda declarada sempre foi isenta e portanto, não passível de dedução já que nunca foi considerada como renda do trabalho.

Fica claro também no presente caso, que em um primeiro momento a renda fora tributada e em um segundo momento esta renda se tornou isenta, ou seja, pela teoria das esferas, o Estado invadiu duplamente o núcleo dos direitos fundamentais, invalidando o direito ao exercício de liberdade de desenvolvimento da atividade econômica e também, interferindo de forma incisiva na propriedade particular, ou seja, o núcleo essencial do direito fundamental foi violado, mais uma vez o que nos mostra com clareza a natureza confiscatória do referido dispositivo legal.

 

10 A JURISPRUDÊNCIA

Quando o assunto é a incidência de tributos sobre resgates provenientes de fundo de previdência complementar, verificamos que as questões que hoje são levadas à Suprema Corte são relacionadas ao período em que o resgate fora tributado, ou seja, atualmente as questões levantadas a respeito da constitucionalidade ou não da incidência do tributo tem a ver com a definição de qual Lei especificamente deverá ser aplicada, a lei 7.713/88 ou a Lei 9.250/95. Nesse contexto o STF não poderia adotar outra interpretação senão a literal, determinando que até 1995 as parcelas pagas pelos contribuintes ou empregados estariam isentas da incidência do imposto de renda, com base na Lei 7.713/88, e a partir de janeiro de 1996 caberia a incidência do imposto tendo em vista a norma especificada no artigo 33 da Lei 9.250/95.

 Não localizamos na jurisprudência o questionamento quanto à natureza confiscatória do artigo 33 da Lei 9.250/95 para que pudéssemos saber qual o entendimento do Superior Tribunal Federal a respeito da matéria. Queremos crer que caso o assunto seja levado ao plenário daquela Corte o entendimento deverá ser pela inconstitucionalidade daquele dispositivo de Lei, tendo em vista os argumentos aqui já explanados e pelo histórico passado dos julgados proferidos pela Suprema Corte a respeito do tema “ Confisco “, onde se busca analisar o caso concreto de forma a verificar qual o direito fundamental estaria sendo violado. Naquela Corte, a preservação dos direitos fundamentais do indivíduo tem recebido tratamento relevante sobre qualquer interesse coletivo, caso este viesse aniquilar o direito fundamental do indivíduo. Essa postura fica clara quando analisamos o julgado da ADI 2010/MC de relatoria do Ministro Celso de Mello e publicada no Diário de Justiça da União em 12.04.2002. Na medida cautelar, o STF considerou, naquela época, que a incidência de contribuição previdenciária sobre o provento de servidores inativos representaria uma carga tributária insuportável pelo contribuinte, comprometendo a seu direito a uma existência digna e humana.[18]

Outro julgado que demonstra que o STF sempre busca preservar o direito fundamental quando este é violado, mesmo que do outro lado esteja em jogo o interesse coletivo, é a decisão proferida no RE413.782-8 SC de relatoria do Ministro Marco Aurélio, publicado no Diário de Justiça da União em 17/03/2005. A decisão daquela Corte suprimiu parte do decreto estadual de Santa Catarina o qual determinava que contribuintes inadimplentes somente poderiam emitir notas fiscais avulsas em suas vendas, ou seja, o direito fundamental à liberdade da atividade econômica estava sendo violado diante da dificuldade operacional que estava sendo imposta.[19]  

Surpreendentemente o tema ainda não fora levado à análise daquela Corte, pois como vimos, a violação, principalmente ao direito de propriedade, é gritante, o que nos faz acreditar que, quando analisado naquele Tribunal, a decisão buscará preservar direitos garantidos ao cidadão pela nossa Carta Magna, principalmente quando se trata de direitos fundamentais entre os quais o direito de propriedade.  

           

11 CONCLUSÃO

Verificamos no presente trabalho que, a partir da promulgação da nova Constituição Federal até o ano de 1995, a Lei que regulava a incidência de imposto de renda tratava de forma adequada os resgates provenientes de plano de previdência complementar, ou seja, estas parcelas não eram objeto de incidência tributária uma vez que, o que se faz ao aplicar recursos financeiros na previdência privada nada mais é do que dar uma destinação que se julgue conveniente à propriedade dinheiro.

Verifica-se ainda que, excluindo o fator social dos Fundos de Previdência Complementar, a operação em muito se assemelha às aplicações realizadas em Fundos de investimentos, porém, apesar da semelhança, o tratamento tributário é totalmente diverso, uma vez que nestes, somente o rendimento auferido nas aplicações, ou seja, a renda gerada pelo ganho do capital, é que será passível da incidência do tributo, preservando assim o capital aplicado. Estranhamente o mesmo tratamento não é dado aos Fundos de Previdência quando se tributa o capital e o rendimento. Ressaltamos que a transferência da propriedade dinheiro se dá de forma idêntica nos dois tipos de fundos, motivo pelo qual não vemos qualquer fundamentação para que se tribute o capital investido nos planos previdenciários, principalmente se olharmos sob a ótica da importância social dos fundos previdenciários. A presente análise encontra fundamentação inclusive nas ciências contábeis, pois este tipo de transferência, uma renda oriunda do salário para aplicação em um fundo previdenciário, representa meramente um fato permutativo, já que em nada altera o patrimônio do cidadão, característica apenas dos fatos modificativos, estes sim, passíveis de tributação.

Com base na teoria das esferas, pudemos notar que por qualquer viés que se busque analisar, os recursos destinados à aplicação nos fundos previdenciários já foram, em algum momento preliminar à sua aplicação, objeto de incidência, motivo pelo qual entendemos que o artigo 33 da Lei 9.250/95 tem natureza absoluta de confisco, já que o Estado invade a propriedade do cidadão sem que lhe conceda qualquer contraprestação sobre os valores que lhe são retirados.

Ficou latente no presente trabalho, que o montante sujeito à incidência do imposto de renda, nos moldes do artigo 33 da Lei 9.250/95, carece totalmente do requisito fundamental para conceituá-lo como renda, pois não se observa o incremento patrimonial, condição fundamental que está permeada em nosso ordenamento jurídico e por toda a doutrina.

Entendemos que o conceito de renda deve ser positivado em nosso ordenamento jurídico, por intermédio de Lei Complementar, de forma a se tornar cláusula pétrea, pois a ausência desse conceito permite que o legislador infralegal se sinta capacitado para formular normas de incidência tributária, procurando por meios diversos, justificar condições para uma maior arrecadação do Estado.

Temos a certeza que o presente dispositivo de Lei deva ser mais debatido nos Tribunais, porém sob uma ótica dos direitos fundamentais, e não somente sobre a questão temporal da incidência do imposto. Cabem àqueles legitimados pelo artigo 102 da Constituição Federal, questionarem por meio de Ação Direta de Inconstitucionalidade, a violação do artigo 150 inciso IV da Constituição Federal, ou se assim não fizerem, entendo que a matéria deverá ser analisada sob a ótica do controle difuso de constitucionalidade, através de ações individuais a serem propostas nos mais diversos Tribunais, fazendo com que o caso concreto chegue à Suprema Corte e esta, sob a ótica dos direitos fundamentais que são ceifados do contribuinte por parte do Estado, declare a inconstitucionalidade da referida norma, e sob o instituto da repristinação, retorne a norma anteriormente vigente, qual seja, a Lei 7.713/88 nos moldes do que determina o artigo 3°, § 2° da Lei de Introdução ao Código Civil.

 

12 REFERÊNCIA

ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário esquematizado. 4a ed. Rio de janeiro: Forense; São paulo: Método, 2010.

AMARO, Luciano. Direito Tributário brasileiro. 16 ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1998.

COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 10 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009.

BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário brasileiro. 11a ed. atualizada por Mizael Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2010.

HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário. 19ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2010

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário 31ª Ed. Malheiros, 2010.

MENKE, Cassiano. A proibição aos efeitos de confisco no direito tributário. São Paulo: Direitos reservados de edição por Malheiros Editores Ltda, 2008. 

SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. 2ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2010

http://www.stf.gov.br

http://www.stj.gov.br

http://www.receita.fazenda.gov.br

 

NOTAS DE FIM


[1] MOTTA,Tatiana Maria Oliveira Prates. Advogada. Professora no Centro Universitário Newton Paiva. Consultora Tributária.

[2] LAMEGO, Luis Henrique Moreira. Advogado. Administrador de Empresas. Sócio da Moreira Lamego Advogados em Brasília/DF. 

[3] DIAS, Eduardo Rocha; MACEDO, José Leandro Monteiro de. Curso de Direito Previdenciário.São Paulo: Forense, 2010, p. 557. 

[4]  SOUZA, Rubens Gomes, Pareceres 3 – Imposto de Renda. São Paulo: Resenha Tributária, 1975. p.277 In: HARADA, Kioshi. Direito Financeiro e Tributário. São Paulo: Atlas 2010, p.387 

[5] Sabbag, Eduardo. Manual de Direito Tributário 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p.1059.

[6] CASTILHO, Paulo Cesar Baria de. Confisco Tributário. Sâo Paulo: RT, 2002, p. 39

[7] SABAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 230

[8] GOLDSCHIMIDT, Fabio Brun. O principio do não confisco no direito tributário, p.39 In: SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário, São Paulo: Saraiva, 2.ed., p.232 

[9] MENKE, Cassiano. A proibição aos efeitos de confisco no Direito Tributário. São Paulo: Malheiros Editores, 2008.

[10]  Idem, pg 76

[11] RE 257.051/RJ, rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 09.8.2000; AI 630.157/SP, rel. Min. Eros Grau, DJ 30.3.2007 e AI 699.649-AgR/SP, rel. Min. Cármen Lúcia, 1ª Turma, unânime, pub. DJE 08.5.2009 Acesso em: 23/08/2010 

[12] (RE 577380, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, julgado em 12/05/2009, publicado em DJe-095 DIVULG 22/05/2009 PUBLIC 25/05/2009 – Acesso em: 23/08/2010

[13] Para efeito desse estudo, estamos considerando o valor do capital aplicado no fundo de previdência, uma vez que concordamos que os rendimentos provenientes da sua aplicação sejam sujeitos à incidência do tributo. 

[14] Considerado o valor até agosto de 2010.

[15] MENKE, Cassiano. A proibição aos efeitos de confisco no Direito Tributário. São Paulo:Malheiros Editores, 2008, p.62

[16] Essa Lei vigorou a partir de 1997, mas para efeitos exemplificativos, estamos considerando a dedução a partir de 1996, quando da entrada em vigor da Lei 9.250/95

[17] Hoje em dia, o imposto de ganho de capital sobre bens imóveis já apresenta por si só a natureza confiscatória, uma vez que não se poder atualizar monetariamente o valor do imóvel quando do momento da venda, tributando ganhos que, se cotejados com a atualização monetária do imóvel, restariam zerados. 

[18]http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?classe=ADI-MC&numero=2010 acesso em 04/04/2011

[19]http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?id=261795 acesso em 04/04/2011