Heloisa Cristina Vieira de Andrade
Ingryde Stéphanie Guedes
Juliana Dias Silva
Monique Ferreira Ribeiro
Viviane de Oliveira Menezes[i]
Este trabalho tem como objetivo elucidar, num esboço inicial, as contribuições da Psicologia no campo das Políticas de Saúde, por meio de uma breve exposição de conceitos teóricos, relacionados a esse campo. Busca, também, apontar a relevância da criação do Núcleo de Políticas de Saúde, em função do projeto pedagógico do curso de Psicologia, proposta do organograma da Clínica de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva, e apresentar algumas ações que foram iniciadas pela equipe desse Núcleo.
A saúde, como um conceito integral, é compartilhada pela Organização Mundial de Saúde (1987), considerando-a “como um estado normal de bem-estar físico, psicológico e social”. Já Dejours (1986) aponta que a saúde, compreendida como um estado, é um equívoco, pois considera que os homens são caracterizados pelo movimento e não pela estabilidade. De acordo com Martins (1999) et al., é fundamental, para a compreensão do conceito de saúde, conceber o sujeito como um todo biopsicossocial, compreendê-lo em relação ao contexto ao qual pertence e respeitar o seu ambiente (SARRIERA, 2003).
Entende-se, atualmente, que a saúde seja determinada por fatores sociais, biológicos, culturais, ambientais e econômicos. Sendo assim, sua promoção não deve ser responsabilidade somente do setor da saúde, mas resultado de ações multidisciplinares, apoiadas por políticas públicas saudáveis, ou seja, é a preocupação de todas as áreas em relação à saúde da população, com o propósito de criar um ambiente favorável para que as pessoas possam viver vidas saudáveis (RIBEIRO, et al., 2007).
A compreensão de saúde deve ser em torno de um processo, priorizando a qualidade de vida e não a saúde como simplesmente ausência de doença. Dessa forma, situa a promoção dasaúde em oposição crítica à medicalização da vida social e em defesa do posicionamento político em torno de relações sociais mais eqüitativas (MARCONDES, 2004).
Para definir com mais propriedade tipos de programas, atividades e procedimentos mais bem caracterizados, a partir das propostas de intervenções na saúde, Candeias (1997) introduz as diferenças conceituais quanto à educação em saúde e promoção de saúde, pois, de acordo com o autor, as distorções conceituais desses termos têm afetado a qualidade das discussões técnicas, no que diz respeito às intervenções na área da saúde pública (RIBEIRO, et al., 2007).
Entende-se por educação em saúde quaisquer combinações de experiências de aprendizagem delineadas com vistas a facilitar ações voluntárias conducentes à saúde.(…) Define-se promoção em saúde como uma combinação de apoios educacionais e ambientais que visam a atingir ações e condições de vida conducentes à saúde. (GREEN e KREUTER, 1991 citado por CANDEIAS, 1997, p. 2).
O modelo biomédico está presente na maioria das práticas de saúde, já que a doença é vista como um problema do “corpo” em seus aspectos orgânicos. Conforme Yépez (2001) citando Rodríguez, Pastor & López (1988), as dimensões psicológicas, sociais e ambientais tendem a ser deixadas de lado, apesar de serem aspectos que podem influenciar tanto a origem quanto a manutenção, evolução e prognóstico do processo do adoecer.
Para Herter (2006) et al., o novo contexto socioeconômico, histórico, cultural, político e tecnológico, que estamos vivenciando, desde o final do século XX, e o conseqüente aumento da expectativa de vida global, bem como o controle de doenças crônicas, como, por exemplo, diabetes e hipertensão, evidenciam a limitação do modelo hegemônico biomédico, apontando, assim, para a necessidade de uma perspectiva biopsicossocial, em razão da multideterminação e complexidade do fenômeno saúde.
Segundo Martins e Júnior (2001), a Psicologia da Saúde surge como uma nova forma de compreender o fenômeno saúde-doença e evidencia a importância de políticas de prevenção que permitam uma intervenção global sobre o “funcionamento do indivíduo”.
Matarazzo (1980, citado por Martins e Júnior 2001) define a Psicologia da Saúde como o conjunto de contribuições educacionais, científicas e profissionais específicas da Psicologia para a promoção e manutenção da saúde, prevenção e tratamento das doenças, na identificação da etiologia e diagnósticos relacionados à saúde, à doença e às disfunções, bem como no aperfeiçoamento do sistema de políticas de saúde.
Como constituição de um novo saber, a Psicologia da Saúde deve-se envolver em serviços à comunidade, no ensino, na pesquisa, e, principalmente, na participação do planejamento de políticas públicas em saúde, sempre acompanhado por práticas clínicas e referenciais teóricos que a sustentem, enfatizando o contexto biopsicossocial como fatores determinantes para a qualidade de vida da sociedade (RIBEIRO, et al, 2007).
Considerando as multideterminações do indivíduo, esse tipo de visão pressupõe a atuação interdisciplinar, orientação de profissionais na direção da saúde coletiva, inserção de indivíduos na comunidade, promoção à saúde, enfoque na perspectiva curativa ou preventiva seja primária (unidades básicas de saúde), secundária (redes de ambulatórios) e terciária (redes hospitalares).
Diante desse contexto, torna-se relevante a atuação da Psicologia na criação de políticas de saúde, já que o processo saúde-doença envolve aspectos biopsicossociais, demandando necessidades de ações multi e interdisciplinares, que considerem a saúde um componente central do desenvolvimento humano. Por acreditar nisso, o Núcleo de Políticas de Saúde é inaugurado pela Clínica de Psicologia Newton Paiva, atendendo à proposta do projeto pedagógico do curso de Psicologia, que traz como ênfase três pilares: Núcleo Psicoterapêutico, Núcleo de Gestão e Núcleo de Políticas de Saúde. Essa reestruturação da Clínica, apontada pela nova estrutura curricular do curso de Psicologia, caminha em direção às perspectivas das Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Psicologia, que propõem:
Art. 5º – A formação em Psicologia exige que a proposta do curso articule os conhecimentos, habilidades e competências em torno de eixos estruturantes, tais como:
– Ø Interfaces com campos afins do conhecimento para demarcar a natureza e a especificidade do fenômeno psicológico e percebê-lo em sua interação com fenômenos biológicos, humanos e sociais, assegurando uma compreensão integral e contextualizada dos fenômenos e processos psicológicos.
– Ø Práticas profissionais voltadas para assegurar um núcleo básico de competências que permitam a atuação profissional e inserção do graduando em diferentes contextos institucionais e sociais, de forma articulada com profissionais de áreas afins.
Art. 8º – As competências reportam-se a desempenhos e atuações requeridas do formando em Psicologia, e devem garantir ao profissional um domínio básico de conhecimentos psicológicos e a capacidade de utilizá-los em diferentes contextos que demandam a investigação, análise, avaliação, prevenção e atuação em processos psicológicos e psicossociais, e na promoção da qualidade de vida, como:
– Ø Atuar inter e multiprofissionalmente, sempre que a compreensão dos processos e fenômenos envolvidos assim o recomendar.
– Ø Atuar profissionalmente, em diferentes níveis de ação, de caráter preventivo ou terapêutico, considerando as características das situações e dos problemas específicos com os quais se depara.
Art. 12 – Parágrafo 1º. O subconjunto de competências definido como escopo de cada ênfase deverá ser suficientemente abrangente para não configurar uma especialização em uma prática, procedimento ou local de atuação do psicólogo. É uma possibilidade de ênfase, entre outras, para o curso de Psicologia:
– Ø Psicologia e processos de prevenção e promoção da saúde que consiste na concentração em competências que garantam ações de caráter preventivo em nível individual e coletivo, voltadas para capacitação de indivíduos, grupos, instituições e comunidades a protegerem e promoverem a qualidade de vida, em diferentes contextos em que tais ações possam ser demandadas.
O Núcleo de Políticas de Saúde tem seu foco central na sustentação dos campos de estágios externos à Clínica de Psicologia, com ênfase na promoção à saúde, nas perspectivas de prevenção e tratamento, bem como no suporte aos laboratórios internos à clínica, vinculados ao Núcleo. Para que esse objetivo pudesse ser alcançado, foi necessário estruturar o Núcleo a partir da elaboração de um projeto teórico, origem desse artigo (RIBEIRO, et al., 2007).
Já foi, também, elaborado um mapeamento dos postos de saúde e rede de saúde mental da regional oeste, região na qual está localizada a Clínica de Psicologia Newton Paiva, tendo-se como objetivo a parceria com esses setores para acompanhamento dos clientes, em casos de necessidade.
O momento inicial da criação desse Núcleo foi caracterizado pelo levantamento dos estágios curriculares supervisionados, do curso de Psicologia, que, em uma reunião realizada com todos os professores do curso e coordenadoras dos Núcleos (Núcleo de Políticas de Saúde, Núcleo de Gestão, Núcleo Psicoterápico), foi identificado pelos próprios professores a qual núcleo seu estágio pertencia. Posteriormente, foi criado um protocolo, no qual estão contidas todas as informações detalhadas e pertinentes de cada estágio, já vinculado a este Núcleo, dados fornecidos pelos próprios professores.
Como resultado dessa reunião, foram levantados, pelos professores pertencentes ao Núcleo, indicadores que poderão caracterizar a inclusão de estágios do curso de Psicologia no Núcleo de Políticas de Saúde, sendo eles:
– § Equilíbrio dos fatores – físico/psíquico e social;
– § Reabilitação da saúde mental/física e social;
– § Promoção e bem-estar da saúde;
– § Sinalização da angústia escoada para o corpo;
– § Possibilidade da movimentação interna do adoecer;
– § Favorecimento do contato do aluno com o doente hospitalizado ou em tratamento, com a família e com a equipe de saúde;
– § Desenvolvimento de políticas de práticas de saúde numa dimensão biopsicossocial;
– § Consideração da singularidade de cada caso no atendimento;
– § Valorização da experiência subjetiva do “paciente” em tratamento, como uma forma de fazê-lo reconhecer sua identidade e sua responsabilidade na re-significação saúde-doença;
– § Desenvolvimento da intervenção preventiva, via educação em saúde;
– § Vinculação com uma política de saúde pública (promoção, informação e em educação saúde);
– § Promoção da reabilitação da saúde psicológica e psicossocial do “paciente” numa perspectiva multidimensional e transdisciplinar (RIBEIRO, et al., 2007).
A partir da criação do Núcleo de Políticas de Saúde, em 2007, as atividades acadêmicas e clínicas do curso de Psicologia, relacionadas a ele, têm sido promovidas visando integrar e agregar, de forma ainda mais incisiva, os projetos de estágios e disciplinas inter-relacionadas com a área de saúde.
Abaixo algumas das atividades promovidas pelo Núcleo, a partir deste período:
– § VIII EMAP – Encontro Mineiro de Avaliação Psicológica, na Universidade FUMEC em Minas Gerais. Participação na mesa- redonda sobre Intervenções na Drogadicção, com a apresentação do trabalho: Tratamento da toxicomania na clínica Universitária.Profª Wânier Ribeiro.
– § I Colóquio Interinstitucional de Laboratórios de Psicologia, na PUC-MG – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, com os seguintes trabalhos apresentados:
A Psicologia e suas interfaces com outras áreas de conhecimento no tratamento da toxicomania. Autores: Profª Wânier Ribeiro, Clarissa Guido, Juliana Dias, Monique Ferreira, Viviane de Oliveira.
A manifestação da experiência religiosa vivenciada por dependentes químicos em processo de tratamento: uma leitura fenomenológica. Autores: Profª Wânier Ribeiro.
– § Discussão sobre o Dia Nacional da Luta Antimanicomial com a participação do Psiquiatra Fernando Siqueira, envolvendo os alunos do curso de Psicologia.
– § Drogas na escola: abordagens metodológicas e políticas públicas de prevenção com apresentação dos projetos de prevenção dos alunos dos cursos de licenciatura da Newton Paiva – atividade relacionada ao Programa de Formação de Multiplicadores à prevenção do uso de drogas por adolescentes – Adole-ser – sob a coordenação da professora Wânier Ribeiro. Teve-se como convidada para apresentar as políticas governamentais de prevenção do estado de Minas Gerais, a psicóloga Eloísa Lima – diretora de Tratamento da Subsecretaria de Políticas Antidrogas de Minas Gerais.
– § Minicurso: Representação Social da relação terapêutica no contexto hospitalar, oferecido pela professora e doutoranda Ivone Lauria.
– § Conferência: Fenomenologia Existencial, Psicopatologia dos Afetos e Alterações do Humor, tendo como palestrante o autor e professor Emílio Romero e como debatedora a Profª Wânier Ribeiro.
– § Minicurso: Psicopatologia Fenomenológica, oferecido pelo professor Emílio Romero.
– § Apresentação mensal de estudos de casos para a comunidade acadêmica, realizada na Clínica de Psicologia, sob a responsabilidade dos professores de estágios supervisionados.
– § Participação de professores do Núcleo nas comemorações do dia do Psicólogo, promovido pelo Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais.
– § Participação de estagiários nas atividades de extensão promovidas pelo centro de extensão e ações comunitárias da Newton Paiva, com a realização de oficinas e estandes de orientação sobre temáticas especificas à saúde.
– § Elaboração e divulgação do Clipping do Núcleo de Políticas de Saúde, tendo-se como objetivo informar à comunidade acadêmica sobre questões do Campo da Saúde.
– § Organização das visitas técnicas dos alunos do 3º período, do estagio básico em campos de estágios curriculares, relacionados ao Núcleo de Políticas de Saúde, como uma das atividades específicas.
– § Participação na realização da jornada anual de apresentação de trabalhos clínicos, da Clínica de Psicologia.
Vistas as possibilidades de ações no campo da Psicologia da Saúde, destaca-se a relevância da criação do Núcleo de Políticas de Saúde para o curso de Psicologia, como setor de estruturação, construção e articulação dos saberes nesse campo. Tem-se, todavia, que tal investimento pode atingir seus objetivos apenas a partir de uma ação colegiada, multi, inter e transdisciplinar, o que viabilizará atender às necessidades do curso de Psicologia, da formação, cada vez mais ampliada e contextualizada do aluno, bem como as demandas apresentadas pela comunidade atendida (RIBEIRO, et al., 2007).
REFERÊNCIAS
CANDEIAS, Nelly Martins Ferreira. Conceitos de educação e de promoção em saúde: mudanças individuais e mudanças organizacionais. Rev. Saúde Pública. São Paulo, v. 31, n. 2, 1997. Disponível em: <http://www.scielo.br>. Acesso em: 9 abr. 2007.
Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Psicologia. Ministério da Educação – Conselho Nacional de Educação, 2004.
HERTER, Marcos et al. Psicologia. In: HADDAD, Ana Estela et al. A trajetória dos cursos de graduação na saúde 1991-1994. Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas educacionais Anísio Teixeira, 2006, p. 411 a 450.
MARCONDES, Willer Baumgarten. A convergência de referências na Promoção da Saúde. Saúde e Sociedade, v. 13, p. 5-13, jan-abr 2004. Disponível em: <http://www.apsp.org.br>. Acesso em: 9 abr. 2007.
MARTINS, Dinorah Gioia, JÚNIOR, Arnaldo Rocha. Psicologia da saúde e o novo paradigma: novo paradigma? Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2001. Disponível: <http://www.mackenzie.com.br>. Acesso em: 6 ago. 2007.
RIBEIRO, Wânier; MENEZES, Viviane; RIBEIRO, Monique, DIAS, Juliana; GUEDES, Ingryde. Projeto do Núcleo de Políticas de Saúde da Clínica de Psicologia Newton Paiva. Centro Universitário Newton Paiva. Clínica de Psicologia. Belo Horizonte, 2007.
SALUD, Organización Mundial de la. Disponível em: <http://www.who.int>. Acesso em: 10 abr. 2007.
SARRIERA, Jorge Castellá et al. Paradigmas em psicologia: compreensões acerca da saúde e dos estudos epidemiológicos. Psicologia e Sociedade. Porto Alegre, v. 15, n.2, 2003. Disponível em:<http://www.scielo.br>. Acesso em: 9 abr. 2007.
YÉPEZ, Traveso, Martha. A interface psicologia social e saúde: perspectivas e desafios. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 6, n. 2, 2001. Disponível em: <http://www.scielo.br>. Acesso em: 10 abr 2007.
NOTAS DE RODAPÉ
[i]Alunas do curso de Psicologia do Centro universitário Newton Paiva do estágio supervisionado pela professora Wânier Aparecida Ribeiro.