Raquel Braga[i]
Sheyla Rosane de Almeida Santos[ii]
RESUMO
O presente artigo visa discorrer acerca da mudança organizacional em uma empresa familiar. Para tal será abordada a atuação da consultoria, bem como sobre algumas dificuldades e interfaces nesses contextos. Será problematizada a atuação da consultoria em ações que convoquem mudanças organizacionais e as possíveis resistências delas decorrentes. As informações descritas nesse artigo, bem como a escolha por esse tema, tem origem em uma pesquisa, feita em uma marcenaria situada na capital de Belo Horizonte. Para a coleta de dados, foram feitas visitas iniciais para o reconhecimento da estrutura física da organização, entrevistas individuais com gestores e colaboradores, e aplicação do QDO* (Questionário de Diagnóstico Organizacional) e o IBACO* (Instrumento Brasileiro para a Avaliação da Cultura Organizacional).
Palavras-Chave: Consultoria. Empresa familiar. Mudança organizacional. Resistência à mudança.
- CONSULTORIA ORGANIZACIONAL
A consultoria organizacional tem sido, na atualidade, um atrativo campo de mercado para diversos profissionais. Em tempos de constantes mudanças, cada vez mais, as empresas apresentam necessidade de adaptação, crescimento ou manutenção dos patamares já atingidos. De acordo com Oliveira (1999),
Esta situação também tem ocorrido no Brasil, principalmente a partir de meados da década de 60, sendo que as principais causas são, primeiramente, o crescimento do parque empresarial e, em segundo lugar, a necessidade de conhecimento atualizado das técnicas e metodologias de gestão empresarial, para fazer frente ao novo contexto de concorrência entre as empresas, resultante da globalização da economia. (OLIVEIRA, 1999, p. 21)
Há uma demanda crescente em entender e identificar problemas assim como se antever a eles e, nesses casos, faz-se fundamental o uso de um diagnóstico efetivo, aplicado por um profissional capacitado, que permita uma visão holística sobre a situação da empresa. Isso porque
[…] a consultoria empresarial é um processo interativo de um agente de mudanças externo à empresa, que assume a responsabilidade de auxiliar as pessoas nas tomadas de decisões, não tendo, entretanto, o controle direto da situação. (OLIVEIRA, 1999, p. 30)
Para tanto, faz-se necessário salientar a importância de um bom consultor, tendo em vista sua imparcialidade, uma vez que se trata de um agente externo, qualificado e atualizado (espera-se) em relação às técnicas e metodologias pertinentes para atuação no campo organizacional.
Como um agente externo à organização, ele deve trazer um olhar “genuíno” que possibilite verificar muitas variáveis que, até então, não haviam sido percebidas pelos que passam o dia dentro da empresa. Contudo, Oliveira (1999) enfoca que o consultor, tal como um agente externo de mudanças, não detém um controle direto sobre a situação não sendo, assim, o único elemento responsável pela implementação do apontado como necessário nas “investigações” feitas na empresa.
Para tal, faz-se fundamental a ampla adesão, em primeira instância, daqueles que estão à frente da empresa. Enfatiza-se aqui a importância de estabelecer parcerias junto aos gestores, executivos e profissionais da referida empresa, tendo em vista que eles devem ser auxiliados a proporcionar melhorias na metodologia de trabalho, bem como nas técnicas e processos, possibilitando uma sustentação para a tomada das melhores decisões.
Destaca-se ainda que o “olhar clínico” do consultor, que deve estar atento e apontar problemas e potencialidades da organização, possivelmente, já percebidos por aqueles que trabalham ou estão à frente da empresa. Entretanto, o que muda com a entrada desse “estranho”, conforme dito, é a presença de um olhar imparcial e técnico, possibilitando, assim, uma maior atuação estratégica. A ação do consultor deve também se estender ao auxílio de construções que possibilitem angariar e mobilizar recursos, disponíveis ou não, para sanar problemas ou investir em pontos fortes que, até então, não foram observados ou potencializados pela organização.
Outro ponto fundamental, no que se refere à consultoria, refere-se aos limites impostos ao trabalho. Esses serão necessários, mas, em muitos casos, tratarão de sinalizar ao consultor o nível de desenvolvimento da empresa e de seus gestores para entenderem e consolidarem as mudanças apontadas como necessárias em uma análise diagnóstica. Oliveira (1999) destaca ainda que o consultor deve ser capaz de desenvolver competências e processos que possibilitem à empresa transacionar proativa e interativamente com os diversos fatores empresariais. Nesse caso, ressalta-se a importância de se fomentar a autonomia da empresa, tendo em vista que a consultoria deve ter objetivos, propostos a partir de um diagnóstico, que devem ser negociados cuidadosamente com os gestores. Tal consultoria será também perpassada pelo fator “tempo” uma vez que não se pode manter “eternamente” junto à empresa. E possui ainda, caráter emancipador, uma vez que deve possibilitar ao cliente um aprendizado que o auxilie a lidar com as situações que hoje demandam consultoria, em atuação autônoma, no futuro. Considerem-se, então, as palavras seguintes:
O senso comum sustenta que a mudança, basicamente, é boa, além de ser um processo contínuo que não acaba. Entretanto, todos os projetos significativos têm começo, desenvolvimento e fim. Sem objetivo e sem etapas que possam ser avaliadas quantitativamente, os esforços de mudança feitos para melhorar o rendimento da empresa poderão converter-se em frases sem conteúdo. (HSM MANAGEMENT, 1998, p. 58; 59)
Portanto, o consultor deve estar sensível aos muitos sinais que serão apresentados acerca do preparo disponível nas questões da empresa-cliente para as sugestões de mudanças propostas por ele. Ressalta-se aqui o viés interativo do processo de consultoria. Segundo Oliveira (1999, p. 21), como processo interativo, a consultoria “é o conjunto estruturado de atividades sequenciais que desenvolvem ação recíproca, lógica e evolutiva, visando entender e, preferencialmente, suplantar as expectativas e necessidades dos clientes” podendo ocasionar profundas mudanças e respectivas resistências.
- MUDANÇA ORGANIZACIONAL
Cada vez mais o indivíduo tem que se adaptar às transformações que incidem na sociedade, seja em função do mundo do trabalho, da escassez de tempo ou pela mudança nos atuais padrões familiares e relacionais. Enfim, a sociedade muda o homem e o homem por sua vez interfere diretamente nos padrões e na forma como a sociedade e a cultura se organizam. Nas empresas a situação não é diferente. Ou seja,
As organizações, aqui no sentido amplo, evoluíram ao longo do tempo por variáveis dinamizadas dentro dos processos civilizadores. Dependendo da maior ou menor escala de influências impostas pela cultura, o comportamento e a tecnologia as organizações passaram por processos de mudança em decorrências maiores ou menores de tempo. A capacidade inovadora da sociedade foi fundamental à ruptura de paradigmas e, naturalmente à inflexão a novos padrões de modernidade. (VIEIRA, 2003, p. 102)
As empresas estão, em sua totalidade, incluídas nessa esfera de constante mudança. As organizações que buscam longevidade e sobrevivência no mercado competitivo devem buscar se adaptar às oscilações da economia, além das mudanças nas demandas de seus clientes externos e internos, dentre outras variáveis. Adaptar-se e, consequentemente, mudar passa a ter caráter quase que obrigatório para a sobrevivência. Todavia, as alterações estratégicas e programadas que têm como foco os processos e a estrutura das empresas, parecem ser de extrema valia para as organizações que desejam se antever aos problemas. Assim,
Quem se adapta às mudanças apenas sobrevive. Para realmente obter sucesso, é preciso bem mais, como ter capacidade de prever as transformações e agir velozmente, além de fazer com que o maior número possível de pessoas participem do processo de transformação. (HSM MANAGEMENT, 1998, p. 64)
Cabe ressaltar ainda que um fator parece estar presente de forma quase total na incidência das mudanças: o agente humano. São as pessoas que, na maioria das vezes, demandam, aceitam, implantam, avaliam e rejeitam a mudança. (Não necessariamente nessa mesma ordem). Assim, poder contar com todos aqueles que compõem o contexto de mudança é fundamental para sua legitimação e sucesso na organização, porque
A atividade empresarial mais importante da atualidade consiste em conceber e desenvolver mudanças em grande escala, a fim de melhorar o nível de rendimento. Hoje, mais do que nunca, as grandes organizações procuram adaptar-se rapidamente a um mundo em transformação, redefinindo fronteiras, remodelando processos, eliminando atividades não-estratégicas, buscando a participação de clientes e fornecedores. A mudança ideal afeta a integridade da empresa e concentra-se na estratégia. Ela leva a um rendimento elevado, melhora os resultados e termina por criar diferenças palpáveis. Alimenta-se com a energia mais intensa e com as idéias mais criativas dos funcionários. (HSM MANAGEMENT, 1998, p. 58)
As mudanças dentro das organizações são perpassadas por questões delicadas que, muitas vezes, se configuram como “resistência” à mudança. O fato tem caráter natural, tendo em vista a perturbação de um equilíbrio pré-estabelecido. Alterar o status quo, em muitos casos, é difícil, tendo em vista o desconforto gerado nas pessoas pela alteração de sua rotina de trabalho, formas de gerir, pensar, agir e se relacionar. As maneiras vigentes podem ter dado certo por muitos anos e, como tal, terem sido motivo de sucesso, lucro e reconhecimento. É claro que alterar isso parece, à primeira vista, muito complicado. Kurt Lewin apud Caldas e Hernandez (2001), descreve que:
[…] as organizações poderiam ser consideradas processos em equilíbrio quase estacionário, ou seja, a organização seria um sistema sujeito a um conjunto de forças opostas, mas de mesma intensidade que mantêm o sistema em equilíbrio ao longo do tempo. Esses processos não estariam em equilíbrio constante, porém mostrariam flutuações ao redor de um determinado nível. As mudanças ocorreriam quando uma das forças superasse a outra em intensidade, deslocando o equilíbrio para um novo patamar. Assim, a resistência à mudança seria o resultado da tendência de um indivíduo ou de um grupo a se opor às forças sociais que objetivam conduzir o sistema para um novo patamar de equilíbrio. (CALDAS; HERNADEZ, 2001, p.33)
Conforme já tratado, a abertura ou resistência à mudança irá impor limites que, muitas vezes, apontarão para a limitação do desenvolvimento dos gestores, diretores ou colaboradores, além de envolver componentes emocionais dessas pessoas. Por tal motivo, faz-se necessária cautela e profissionalismo ao lidar com a resistência. O consultor deve ter extremado cuidado para lidar, conforme descrito por Block (2001), com algumas formas de manifestação da resistência, a começar pela excessiva demanda de detalhes e informações acerca de tudo que está sendo feito. O que é comum nesses casos. Ressalta-se a importância de o cliente estar em consonância e informado daquilo que será feito na empresa. Nesse caso, todavia, as perguntas se fazem excessivas, podendo comprometer o bom andamento das reuniões.
O referido autor aponta também o fator tempo, mais precisamente a falta dele, por parte do cliente, como uma expressão de resistência. No caso, a possibilidade de agendar reuniões fica escassa e, quando elas acontecem, são permeadas por diversas interrupções, as quais nunca podem esperar. Block (2001) informa que a impraticabilidade, com que é vista as sugestões muitas vezes propostas pelos consultores, também se pode tratar de resistência. Será verificada aqui uma intensa demanda de desafio ao profissional acerca de como operacionalizar as suas sugestões. Pontuações como “isso não se aplica aqui” ou “está fora da realidade da empresa hoje” são também muito comuns.
O ataque por parte do cliente também se trata de outra forma de resistência. Os gritos e demais reações pouco corteses ou até mesmo agressivas também dizem de uma dificuldade de a pessoa aceitar o que está posto ou sendo proposto. Consequentemente, tem-se uma explosão de cunho emocional.
Block (2001) aponta ainda para a confusão, apresentada como um “não entender” o que está sendo exposto, independente de quantas vezes, ou das variadas formas, que a informação ou proposta tenha sido transmitida ao cliente. Não entender trata-se aqui de um “não querer saber” que também é uma forma de resistir à mudança ou não apreender a sua necessidade. Outra perigosa forma de resistência, segundo o autor, é o silêncio. A ausência de questionamentos, objeções e apontamentos por parte do cliente nunca significará algo positivo para a implantação do projeto. Geralmente o silêncio vem acompanhado de uma discreta apatia e falta de envolvimento com o que está sendo proposto.
A intelectualização pode também apresentar-se como forma de resistência, segundo Block (2001). O cliente buscará, através da elaboração de diversas teorias, entender o que está acontecendo. Compreender a situação é realmente importante, mas gastar excessivo tempo e energia teorizada acerca dos problemas da empresa, não. Nesse caso, trata-se de uma tentativa de evitar a angústia pela situação ou problema enfrentado pela empresa por parte dos gestores e diretores. Entra como resistência, ainda, a moralização que é o sentimento de superioridade em relação a pessoas que não fazem ou entendem as coisas como deveriam ser na empresa. Tal superioridade é uma estratégia de defesa para não encarar o problema, ou para não entender a situação como um problema.
Outro tipo de resistência, possível de ser encontrada, segundo o autor, é a submissão. No caso o cliente concorda com tudo o que o consultor diz, acata todas as sugestões, parece valorizar o serviço e respeitar a experiência do profissional. Seria perfeito se não faltasse um componente da mudança organizacional: a resistência. Cabe ao consultor desconfiar desse tipo de postura, uma vez que a necessidade de mudança, em muitos casos, é oriunda de algo que não vai bem. Aceitar isso não é tarefa das mais fáceis, nem alterar os processos de trabalho ou a forma como a empresa está sendo gerida é confortável para aquele que está no controle da organização. A submissão, nesse caso, pode apontar o desejo de respostas e soluções rápidas (o que quase nunca ocorre) ou a transferência de total responsabilidade dos rumos que a empresa irá tomar ao profissional da consultoria. Para o sucesso das ações, deve haver o engajamento de todos e compreensão real da necessidade de agir e trabalhar de modo diferente.
A discussão excessiva sobre a metodologia adotada pelo consultor também pode estar encobrindo a resistência. Questionamentos em demasia acerca dos instrumentos utilizados, que consomem muito o tempo da reunião, devem ser interpretados com cautela pelo profissional. Em muitos casos, irão servir para a mudança de foco do problema e das ações que visam solucioná-lo.
Observa-se, contudo, a existência de fatores que podem auxiliar para que as mudanças necessárias possam contar com o engajamento, de todos os envolvidos no processo, bem como serem implementadas de forma a superar as possíveis resistências. A começar pela fase de comunicação às pessoas que atuam na empresa acerca das modificações e transformações vislumbradas pelos que estão à frente da organização. No que se refere a gestão da mudança organizacional, quando tal comunicação faz-se escassa torna-se uma considerável fonte de problemas:
Alguns dos principais problemas relativos à gestão de mudança organizacionais intencionais identificados na literatura referem-se a dificuldades de: comunicar os objetivos da organização; tornar esses objetivos compreensíveis para as pessoas; e fazer com que as pessoas assimilem os objetivos e adotem as mudanças. (SILVA, VERGARA, 2003, p. 11)
Assim, a comunicação acerca da mudança deve ser a mais assertiva possível, uma vez que se trata do primeiro passo para contar com o engajamento daqueles que farão com que as transformações propostas se tornem uma nova realidade a ser vivenciada. Segundo Block, (2001, p. 186), reunir pessoas é uma arte a qual ele chama de “engajamento, ou seja, como alternativa ou melhoramento às estratégias de instalação.” Nesses casos, angariar o apoio das pessoas faz-se tão importante quanto a obtenção dos demais recursos necessários para as transformações. São os colaboradores os responsáveis pela execução das estratégias elaboradas pela consultoria juntamente com gestores, diretores ou executivos. Block (2001) aponta a importância do apoio do público interno da empresa para a construção de um suporte que se faz fundamental para a implementação das mudanças propostas pelo consultor:
Na verdade, a implementação não começa até que as pessoas que executam o trabalho decidam se irão fazer as mudanças reais ou simplesmente seguirão a maré. Mudanças reais requerem comprometimento real, e parte de sua função é ajudar a acender a fagulha. Para desenvolver seriamente o comprometimento interno entre aqueles que vivem no sistema onde você é apenas uma visita, precisamos antes dissipar as crenças convencionais que na realidade atrapalham o processo (BLOCK, 2001, p. 186).
O autor ainda alerta para o risco que o consultor corre ao acreditar que convencendo os chefes, gerentes, diretores, em suma, os que estão à frente da organização, as ações transcorrerão naturalmente. Nesses casos, lembra que empresa nenhuma é administrada sozinha (Block, 2001). Outro perigo é a do consultor não compreender as limitações de sua atuação e ainda acreditar que depende somente de seu trabalho para que a empresa obtenha o sucesso resultante das mudanças.
2.1 Empresas familiares e gestão de mudanças
Alguns aspectos culturais que tendem a se perpetuar ao longo do tempo em empresas familiares podem tornar-se dificultadores do processo de mudança. As mudanças, na maioria das vezes, são propostas pelo consultor trazendo um convite a uma quebra de paradigmas. Contudo, a adesão dessa mudança em empresas de gestão familiar esbarra em uma questão extremamente delicada: a de que a cultura de cada empresa diz do universo cultural de seus diretores e proprietários, o qual está amplamente presente no comportamento dos colaboradores. A cultura organizacional é assim:
[…] um conjunto de crenças e valores que moldam o comportamento das pessoas na organização. O clima organizacional manifesta-se por um conjunto de características ou atributos relativamente constantes do ambiente interno que é experimentado por todos os seus integrantes e influencia significativamente o seu comportamento. É um fenômeno decorrente da interação dos vários elementos da cultura organizacional, por isso o estudo de ambos deve ser feito de maneira concomitante. (PEREIRA, 1999, p. 149)
Desse modo, percebe-se que a adesão à mudança irá ser transpassada por valores pessoais, bem como temores e crenças individuais. Assim, a mudança só ocorre de modo efetivo caso aqueles que estejam à frente da organização estejam dispostos a rever alguns de seus padrões de interação com as pessoas, com o trabalho e com a empresa como um todo. Isso é fundamental, uma vez que todos os membros da organização estão também imersos nessa cultura organizacional. Tais padrões de comportamentos são internalizados por todos porque tem caráter de um sistema, muitas vezes, velado. Vejam-se as palavras de Pinto & Souza (2007) sobre o tema:
A transformação cultural é o último passo indicado para a implementação de um processo de mudança, porque demanda muito tempo para que seja efetiva. Os valores compartilhados são produto de muitos anos de experiência da organização e, portanto, diversos anos da nova experiência são necessários para que qualquer alteração seja consolidada. (PINTO; SOUZA; 2007, p. 14)
Claro que o traquejo do consultor faz-se fundamental para balizar o processo, mas, se tratando de valores e crenças pessoais, algo sempre escapará ao profissional, tendo em vista que esse é um universo a que não se pode ter acesso caso não seja convidado. Daí nascem os desencontros e as resistências, que são, na maioria das vezes, transpassadas pelo não dito. Cabe ressaltar que, mesmo quando as primeiras negociações são feitas satisfatoriamente e a implementação figura-se como um acordo já fechado, as resistências ainda estarão presentes. O profissional deve estar sobremaneira atento a suas formas de se manifestar, porque
A resistência não morre quando a decisão de prosseguir é tomada. Temos a esperança de que, se fizermos uma consultoria impecável durante os eventos preliminares, a resistência durante a implementação será reduzida. A resistência continuará lá, entretanto, especialmente naqueles que não foram envolvidos nas fases primárias do projeto. Tenha em mente que a resistência que você encontra durante a implementação nasce de preocupações idênticas que fundamentam as fases primárias – perda de controle e vulnerabilidade. (BLOCK, 2001, p. 194)
O consultor deve estar atento para tais resistências buscando vencê-las ao longo do processo. Saber manejá-las é importante, bem como manter bom relacionamento com todos que compõem a empresa. Outro aspecto, já trabalhado, que deve ser sempre alvo de atenção, é o fato dos limites que serão impostos à atuação do consultor. Atuar na quebra de resistência é importante, mas saber verificar o que é possível ao cliente, principalmente em um viés comportamental, tem caráter fundamental. Deve-se sempre lembrar que boa parte dos gestores que estão à frente das empresas familiares, nem sempre serão lideranças tão desenvolvidas como é possível esperar. As empresas crescem e nem sempre os gestores / proprietários conseguem-se profissionalizar ao mesmo passo.
Há ainda uma tendência desses gestores em centralizar tarefas, o que também remete a uma insegurança vinda da perda de poder dentro da empresa. Têm-se aí gestores sobrecarregados e colaboradores, em muitos casos, extremamente capacitados, que não conseguem avançar em seu desenvolvimento dentro da empresa. O fato decorre da não delegação de importantes tarefas que fazem parte da empresa. Cabe também ao consultor, administrar possíveis conflitos decorrentes de impasses na tomada de decisões entre gestores de empresas familiares.
- A EMPRESA OBJETO DA CONSULTORIA
A empresa objeto deste estudo possui uma gestão familiar e atua no ramo de marcenaria, desde 1990, oferecendo soluções personalizadas em móveis e instalações, com atendimento personalizado e com projetos e orçamentos para serviços de qualquer porte.
Atualmente, possui vinte e dois funcionários. Verifica-se que a empresa cresceu em número de colaboradores, na sua estrutura física, na experiência daqueles que a dirigem, no faturamento, mas também na demanda de novas responsabilidades e preocupações. Faz-se necessário manter a excelência do serviço prestado ao cliente, mas também a de seu relacionamento interno que impacta diretamente no externo, ou seja, na resposta que chega ao cliente. Justificou-se assim a importância do diagnóstico organizacional, que objetivou auxiliar nas práticas de gestão de pessoas.
Para realização desta pesquisa, foram feitas visitas iniciais para o reconhecimento da estrutura física da organização, entrevistas individuais com gestores e colaboradores, e aplicação do QDO* (Questionário de Diagnóstico Organizacional) e o IBACO* (Instrumento Brasileiro para a Avaliação da Cultura Organizacional). O uso do IBACO teve como objetivo avaliar a cultura organizacional, por meio dos valores de seus gestores, além das práticas que a tipificam.
3.1 O diagnóstico organizacional
Dentre os principais problemas apontados pela pesquisa do clima organizacional da citada empresa está a insatisfação com o sistema de recompensas e com a estrutura da mesma. No que se refere às recompensas, aproximadamente, metade dos colaboradores disseram estar insatisfeitos com o programa de salários e benefícios adotado, bem como, com o aprendizado, com o crescimento pessoal e profissional proporcionado pelo trabalho. Sobre a estrutura da empresa, também metade do corpo de colaboradores está insatisfeita com a organização do trabalho e com os aspectos físicos e tecnológicos.
A partir da análise de entrevistas feitas com os colaboradores, foram apontados ainda alguns outros dificultadores. Os ajudantes de marcenaria representam 52% das queixas que se referem à falta de coordenação da empresa acerca da disponibilidade deles para auxiliar os marceneiros e necessidade de definição de critérios para tarefas que realmente necessitam de ajudantes. Os ajudantes, por sua vez, demonstram falta de motivação nas tarefas que possibilitariam sua profissionalização, uma vez que não podem desenvolver maiores aprendizados devido à rotatividade das funções.
Os resultados apontam ainda que 23% dos colaboradores alegam que a direção da empresa deveria consultar, ou pelo menos ouvir, a equipe de trabalho antes de fechar boa parte dos prazos para entrega com clientes. Citaram ainda que ocorre acúmulo de serviço pelo fato de não haver organização de tempo para terminar um serviço antes de assumir novos. Afirmaram que esse fato compromete a qualidade final do produto, uma vez que eles próprios não conseguem terminar o que começaram.
Aproximadamente 46% dos colaboradores disseram ser necessário haver melhorias no que se refere à interação, união e trabalho em equipe na empresa. Apontam como uma das principais causas da dificuldade de interação o clima de desconfiança existente dentro da equipe. Tal fato, segundo eles, decorre principalmente de ciúme existente dos profissionais com mais tempo de serviço em relação aos novatos. A situação torna-se mais evidente quando os últimos apresentam um bom rendimento.
Outro ponto relatado diz de uma falta de receptividade para com os recém-chegados e o oferecimento de sugestões duvidosas ao trabalho do outro que, se executadas, ocasionam erros. Informam também um excesso de vigilância do trabalho alheio e a ausência de boas sugestões. Acreditam que o resultado de tal clima são as fofocas e o receio contra aqueles que realmente desejam ajudar, uma vez que acabam por ser ser mal interpretados. Cabe ressaltar que não são todos os colaboradores antigos que têm dificuldade em relacionar-se como os mais novos, sendo tais percepções aqui mencionadas foram também relatados por eles.
De modo geral, 65% afirmam-se relacionar bem com os superiores. As ressalvas feitas pelos demais apontam para a falta de reconhecimento do trabalho quando é feito com excelência. Afirmam só receberem retorno de trabalhos que não foram considerados bons por parte da empresa. Outro ponto colocado trata da distância existente entre o diretor da empresa e os colaboradores. Afirmam que ele não tem estado presente e gostariam que se aproximasse mais. Sentem falta de confraternizações e mais reuniões, principalmente aquelas que têm como objetivo ouvir a opinião de toda a equipe. Citam ainda a necessidade de manter o que é decidido nas reuniões.
De modo sucinto, como sugestões de intervenção propostas pela consultoria, propôs-se uma definição de processos e rotinas padronizadas e um maior acompanhamento do trabalho da equipe. O objetivo foi a organização da distribuição das tarefas, o tempo destinado a cada projeto e a possibilidade de os auxiliares poderem-se apropriar mais efetivamente do ofício. Outra sugestão refere-se à elaboração de um treinamento de integração para os colaboradores recém contratados, bem como um treinamento técnico que se sugeriu, inclusive, estender em um nível mais avançado aos funcionários antigos.
Acerca dos problemas relacionados ao sistema de remuneração, sugeriu-se a estruturação de cargos e salários. Para tal, foi proposta a implantação da avaliação de desempenho e de um programa de renumeração variável. No que se refere à escassez dos momentos de confraternização e à possibilidade de maior estreitamento dos vínculos entre as pessoas da empresa, foi recomendada a criação de um cronograma de confraternizações para os aniversariantes do mês. Outros eventos também poderiam ocorrer com esse fim, desde que não necessitem de grande dispêndio de custo para a empresa. Outro apontamento foi a necessidade em haver mais reuniões com o diretor e sua presença nos momentos de confraternização, bem como em cafés informais.
3.2 A resistência à implementação das mudanças propostas
Foi observado o quão difícil ainda é para as empresas familiares, em especial para as que cresceram rápido, se abrirem para certas mudanças ou sugestões de melhoria. Durante a negociação da implantação das sugestões, verificou-se a grande dificuldade da empresa em sair do status quo para ocupar um lugar de promoção de mudanças programadas que objetivavam sanar e antever os problemas. A consultoria encontrou obstáculos, também, na centralização do poder e funções em um dos diretores devido ao temor em delegar tarefas as quais, segundo ele, os colaboradores “não dariam conta”. Verificou-se, ainda, o quanto esse discurso retrata limitações no comportamento dele.
Houve ainda vetos a sugestões como a descrição de cargos e salários sob o argumento de que não se aplica àquela empresa por ela ser ainda pequena. A questão foi exaustivamente problematizada, tendo em vista as queixas dos funcionários em relação ao salário, aos benefícios e da baixa expectativa em crescer e se desenvolver na organização. Contudo, não foi possível qualquer implantação nesse aspecto.
A avaliação de desempenho, também não foi efetivada, uma vez que os responsáveis pela empresa acreditam que os colaboradores não possuem maturidade ou entendimento suficientes para serem submetidos ao processo.
A padronização das rotinas e acompanhamento, mais próximo dos marceneiros, na execução do trabalho, também não se fez interessante mesmo sendo mostradas diferentes formas de fazê-lo. O treinamento técnico, tanto para os novatos quanto para o aperfeiçoamento dos veteranos, também não foi aprovado.
Ressalta-se ainda que foi implantado o treinamento de integração sugerido, com o formato de uma cartilha de boas-vindas e de uma tutoria dos funcionários mais novos pelos antigos. A inciativa poderá aproximar a equipe e auxiliar os novatos a se socializarem no ambiente de trabalho com a ajuda dos veteranos, bem como se apropriarem do espaço e do trabalho. Outra medida implantada foi a comemoração dos aniversariantes do mês toda última sexta- feira de cada mês. Houve ainda a implantação de um quadro de avisos como estratégia de endomarketing buscando um canal de comunicação mais direto e menos formal com os colaboradores. Tratou-se, através do quadro, de assuntos referentes à saúde e à segurança no trabalho, da divulgação de eventos culturais com entrada franca, de datas comemorativas e de prestação de homenagem aos funcionários do mês.
- CONCLUSÃO
A implementação das mudanças nesta consultoria esbarrou em crenças e valores inerentes à cultura da empresa, as quais, conforme já tratado, só abarcam mudanças que acontecem de forma lenta e gradual. Constata-se que a gestão de mudanças em empresas familiares com pouca profissionalização é impedida pelo controle excessivo dos gestores que se sentem ameaçados ante o medo da perda de controle. O trabalho foi um início de desenvolvimento nesse aspecto e tem-se a certeza de que nada impede que maiores transformações possam ocorrer futuramente.
Conclui-se que o resultado do trabalho realizado pode não ter sido tão positivo como a consultoria e os funcionários almejaram, porém um novo olhar sobre a gestão das pessoas foi plantado nessa organização.
Acredita-se que as problematizações e longas conversas acerca da gestão de pessoas ficarão de alguma forma registrada junto a todos que estão à frente da empresa.
REFERÊNCIAS
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PEREIRA, Maria José Lara de Bretas. Na cova dos Leões. 1 ed. São Paulo: Makron Books.1999
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[i] Formanda do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva.
[ii] Professora do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva.