Hélida Rabelo Fonseca[i]
Margaret Pires do Couto[ii]
RESUMO
O presente artigo visa discutir o sintoma da criança e sua relação com os pais. Para tanto, fez-se a revisão do conceito de sintoma para Freud para, em seguida, trabalhar-se em torno da exposição de Lacan acerca do sintoma e da clínica da criança.
Palavras-chave: Sintoma. Criança. Psicanálise.
Freud, em Sintoma, Inibição e Angústia (1926 [1925], p. 95), indica que sintoma “é um sinal e um substituto de uma satisfação” pulsional que decorre do processo de recalcamento. Como forma de exemplificar, Freud (1926 [1925], p. 105) afirma que, no caso Pequeno Hans, não é o medo que Hans tinha de seu pai um sintoma, mas o deslocamento realizado de substituição do pai ao cavalo, que produziu o medo do último.
Para a psicanálise, o sintoma tem um sentido. Quinet (2008, p. 131) aponta dois caminhos para esta compreensão: um primeiro, em que o sintoma apresenta um sentido não propriamente a priori, mas que, quando constatado, “leva alguém a procurar saber qual é o seu sentido”, e um segundo em que “o sentido do sintoma é o sentido que o sujeito atribui aos ditos do Outro, que ele interpreta como desejo do Outro”. Vale ressaltar que, no caso que se seguirá, observarvar-se-á principalmente este segundo ponto.
Uma criança de oito anos foi trazida para atendimento psicológico na clínica de psicologia do Centro Universitário Newton Paiva por iniciativa da própria mãe. Durante o relato da queixa inicial, a mãe afirma que seu filho tem fracassado na escola, o que lhe causa muito sofrimento, uma vez que o sucesso escolar faz parte de uma grande expectativa da mãe. Segundo ela, boa parte do fracasso advém do pouco esforço que o filho faz para atender suas orientações quanto aos estudos.
A mãe relata, repetidas vezes, a hostilidade da criança direcionada aos professores e escola onde estuda. Certa vez, ao ser questionada sobre o desejo da criança em estudar nessa escola, a mãe afirmou que, enquanto crianças, não é possível que os filhos possuam muita autonomia e precisam, desta forma, atender aos desígnios dos pais. Relata que fez a escolha (da escola) para o filho pelo fato de ter desejado, em sua juventude, estar no lugar onde ele se encontra agora, reforçando que desejara que seu pai lhe tivesse dado tal oportunidade e que, desde então, objetivara que, se tivesse um filho, ele receberia esta dádiva.
A criança trazia aos atendimentos uma angústia a tal ponto de sentir que as paredes pareciam vir a esmagá-la em certo momento. Por várias vezes, durante brincadeiras, simulava uma luta entre um mocinho que morre ou não se recupera de um combate e um monstro vitorioso. Além disto, nos jogos realizados em consultório, hora demonstrava empenho para vencer, hora fazia de tudo para causar um empate. À luz da psicanálise, pode-se compreender que o movimento de sempre buscar “empatar com o Outro”, representava uma tentativa de preenchimento da demanda exigente deste Outro, ou seja, não desagradá-lo. A análise pode ser complementada pelo ensinamento de Quinet (2008, p. 130) de que a verdade do sintoma se manifesta para o sujeito “como uma mensagem cifrada do Outro cujo significado ele deve decifrar”.
Em certa sessão, enquanto a mãe expunha suas queixas em relação ao filho, a criança a interrompe dizendo ser muito difícil entender o que realmente a mãe quer. Lacan (2003, p. 369) aponta que “o sintoma da criança acha-se em condição de responder ao que existe de sintomático na estrutura familiar”. Isso leva a compreender que, para a psicanálise, o sintoma da criança está relacionado aos seus pais e a suas subjetividades. Contudo, como indica Spínola (2001, p.62), Freud direciona “mais além das carências do ambiente familiar na determinação e na escolha da posição do sujeito, e mais além de uma dimensão realista da implicação subjetiva dos pais no sintoma da criança como também no seu tratamento.” É a cena fantasmática que define a realidade do sujeito.
Spínola (2001, p. 66) ainda indica que são duas vertentes sintomáticas advindas da criança: “o sintoma que responde à verdade do par familiar e o sintoma que diz respeito à verdade da mãe”. No caso supracitado, percebe-se que o sintoma da criança diz respeito à primeira vertente, ou seja, o sintoma apresenta aquilo que tropeça na relação do par parental.
Ao longo dos atendimentos, percebe-se que o terceiro na relação mãe-criança, o pai, é muito depreciado pela mãe que, de algum modo, o considera um fracasso. A criança traz ao consultório relatos sobre o fracasso do pai, como dizer que ele não possui determinado veículo desejado pela mãe, mas, em seu lugar, um que se torna seu alvo de zombaria. No decorrer dos atendimentos, percebe-se que a criança traz uma identificação a esta posição de fracasso do pai afirmada pela mãe, ao ponto de repetir até mesmo um objeto de medo deste.
Spínola (2001, p. 67) aponta que “de fato, não há criança que não esteja incluída como objeto no fantasma da mãe. É com seu fantasma que ela acolherá a criança. É seu fantasma que lhe possibilita subjetivar a criança real”.
Por outro lado, Spínola (2001, p. 65) também ensina, a partir de Lacan, que a intervenção no complexo de Édipo decorre dos efeitos da presença do significante do Nome-do-Pai no inconsciente da criança, instalando “a dialética do desejo no lugar do Outro”. O caso nos ilustra tais pontos: a criança afirma que, quando crescer, terá um carro ainda melhor que o desejado pela mãe e melhor do que o pai tem. Contudo, diz que a mãe nunca entrará nele, pois não terá sua autorização. Assim, se por um lado, o sujeito adere a este desejo do Outro, por outro, demarca seu lugar de sujeito desejante ao colocar um obstáculo em satisfazê-lo plenamente.
Diante de tais exposições, cabe ressaltar que psicanálise não visa direcionar objetivamente os pais às supostas posições que poderiam indicar seus filhos a uma vida saudável. Pode-se identificar que esta é uma clínica da escuta, o que indica a importância de, na clínica de crianças, ouvir as crianças, mas também aos pais.
REFERÊNCIAS
FREUD, Sigmund. Inibições, sintomas e ansiedade, 1926 [1925]. In: ______. Um estudo Autobiográfico, Inibições, Sintoma e Ansiedade, Análise leiga e outros trabalhos. Tradução de José Octávio de Aguiar Abreu e Cristiano Monteiro Oiticica. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1996, v. XX, p. 81 – 171.
QUINET, Antonio. A descoberta do inconsciente. In: ______. As vertentes do sintoma. 3 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2008, p. 117 – 156.
LACAN, Jacques. Nota sobre a criança. In: ______. Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003, p. 369 – 370.
SPÍNOLA, Suzana Barroso. Psicanálise de criança: A presença dos pais. Revista Curinga. Belo Horizonte: Escola Brasileira de Psicanálise, v. 15/ 16, p. 61 – 68, abr. 2001.
[i] Aluna do Centro Universitário Newton Paiva
[ii] Professora do curso de psicologia do Centro Universitário Newton Paiva