Leve e sutil angústia que me embala nesta hora como uma navalha sobre a pele. Não chega a ferir,mas faz questão de me lembrar que sempre estará lá esperando…esperando… (Mind Evade)

 

Tatiane dos Santos Valadares[i]
Geraldo Martins[ii]

RESUMO 

Neste artigo, abordaremos o tema da angústia na teoria freudiana de 1926. Esta pesquisa surgiu a partir de um atendimento realizado na clínica de psicologia da Newton Paiva. Susana procura a clínica após as especulações de seu filho mais novo sobre o pai, que não conhece. Tais indagações levam a paciente a recordar mágoas do passado, provocando angústia à futura analisanda.  O tema será tratado a partir de uma perspectiva teórica e clínica da psicanálise.
Palavras-chave: Castração, Objeto, Amor, Angústia, Desamparo.

 

Susana, 40 anos, chega ao consultório se queixando de estar muito angustiada, sem saber o que fazer da vida. Relata que passou por dois casamentos que deram origem aos seus dois filhos, um de dezenove anos e outro com 3 anos, cada um de um pai.

Susana queixa-se do pai. Diz não ter uma boa relação com o mesmo. Reclama que este nunca a apoiou em nada na vida, sempre foi muito estúpido, ignorante e também sempre humilhou os filhos e a esposa. Sobre a mãe, diz que esta sempre aceitou as humilhações do pai, sempre obdeceu as ordens dele.

Sobre os seus dois casamentos, relata que o primeiro marido a traiu, e ela decidiu então se separar. Já no segundo casamento, a paciente diz que quando estava grávida de sete meses, do seu filho mais novo, descobriu que o marido estava envolvido com drogas. Após essa descoberta, decidiu se separar e por este motivo o menino não conhece o pai. Atualmente, o menino de três anos está questionando sobre o pai, pedindo para conhecê-lo. Tal questão a esta deixando muito angustiada.

Durante todos os atendimentos, Susana relata estar muito angustiada com relação ao que dizer ao filho, uma vez que ela não quer falar quem é seu verdadeiro pai, pretende manter distância do mesmo. E mesmo dizendo que foi ela quem se separou do marido, em um dos atendimentos, Susana diz que “ele me abandonou quando o bebê nasceu, me abandonou, me deixou desamparada, completamente sozinha, e isso me deixa angustiada até hoje, sinto um grande aperto no peito ao pensar que fiquei sozinha”.

De acordo com Freud (1926), a angústia é a reação original ao desamparo no trauma, estando na origem do recalque. Articulando-se, dessa forma ao complexo que estrutura os destinos da vida sexual do sujeito: o complexo de castração.

Freud (1926) de acordo com Rocha (2000), a partir de sua reformulação teórica da angústia, nos diz que os estados afetivos, como a angústia, são vistos como sedimentos de vivências traumáticas muito antigas, que, quando revividas em situações análogas, são relembradas como símbolos mnésicos da vivência traumática originária.

A vivência traumática originária é colocada por Freud (1926) como sendo a base para o surgimento da angústia ao longo da vida do ser humano. Sustenta tal colocação ao teorizar acerca da angústia originária e desamparo.

Por causa da imaturidade biológica do ser humano, o fenômeno do nascimento é vivido como uma experiência de desamparo, na qual o recém-nascido é inteiramente incapaz de poder ajudar a si mesmo, no que concerne à satisfação de suas necessidades vitais. Freud (1926) de acordo com Rocha (2000) acredita que surja neste momento o primeiro traço da vivência da angústia originária, uma vez que existe uma experiência traumática vivida pelo bebê perante ao desamparo.

A angústia será repetida e remodelada a partir de experiências traumáticas ao longo da vida do ser humano, constituindo-se posteriormente nas sucessivas experiências em que se desdobra, como na verdadeira experiência de separação, em que ocorre a perda do objeto materno, estando na angústia de castração sua expressão mais significativa.

É perante a castração que a angústia será repetida e reformulada com grande significância. Freud (1926) propõe a angústia como uma noção de perigo, estando assim localizada antes do recalque, precursora deste. Por ter medo da angústia que o homem recalca seus desejos inconscientes, quando estes representam uma situação ameaçadora para o ego (eu).

Freud (1926) observa que a angústia possui “uma inegável relação com a expectativa: é angustia por algo. Tem uma qualidade de indefinição e falta de objeto. […] Além de sua relação com o perigo, a angústia tem uma relação com a neurose.” ( FREUD,1926, p.189).  Explica dessa forma, que o verdadeiro perigo é um perigo conhecido, sendo esta denominada por Freud (1926) de angústia realística. Já a angústia neurótica é gerada por um perigo desconhecido, que precisaria ser descoberto. Freud (1926) dirá que a angústia neurótica refere-se a um perigo pulsional. Ambas podem trabalhar juntas, uma dando sinal a outra, para que se evite a angústia original.

Em um processo de autopreservação, prever uma situação traumática que acarrete desamparo é de grande importância ao homem ao invés de apenas esperar que a mesma ocorra. Freud (1926) atribuirá, assim, a angústia sentida pelo eu, uma modalidade de um sinal para que se evite a angústia original, que paralisaria o eu. E exemplifica dizendo que na expectativa de um perigo:

 […] O sinal de angústia é emitido. O sinal se anuncia:‘estou esperando que  uma situação de desamparo sobrevenha’ ou ‘A presente situação me faz lembrar uma das experiências traumáticas que tive antes. Portanto preverei o trauma e me comportarei como se ele já tivesse chegado (FREUD, 1926, p.191).

Assim, a angústia pode ser vista por um lado como uma expectativa de um trauma e por outro como uma repetição dele de forma branda. Freud (1926) teoriza que a angústia possui dois traços de origem diferente, uma vez que “sua vinculação com a expectativa pertence à situação de perigo, ao passo que sua indefinição e falta de objeto pertencem à situação traumática de desamparo-a situação que é prevista na situação de perigo” (FREUD, 1926, p. 191).

O eu que antes experimentou o trauma passivamente, ao identificar a situação de perigo, repete ativamente como forma de defesa a vivência do trauma de forma enfraquecida, por meio da expectativa de angústia, tentando ele próprio dirigir seu curso. É interessante lembrarmos, nos salienta Freud (1926), que há um deslocamento da angústia de sua origem na situação de desamparo para uma expectativa desta, ou seja, para a situação de perigo e “depois disso vêm os deslocamentos ulteriores, do perigo para o determinante do perigo–perda do objeto e das modificações dessa perda” (FREUD, 1926, p.192)

Freud (1926) verifica que a “[…] angústia vem a ser uma reação ao perigo de uma perda de objeto.” (FREUD, 1926, p. 194). Uma vez que se percebe que a criança, quando separada da mãe, em certos momentos de ausência da mesma, não consegue ainda distinguir entre a ausência temporária e a perda permanente da mãe, vivendo esta experiência como uma situação traumática. E quando este fato ocorre, a criança não simplesmente demonstra angústia, mas também parece sentir dor. Assim “o primeiro determinante da angústia, que o próprio eu introduz, é a perda de percepção do objeto.” (FREUD, 1926, p.195). Sendo esta perda de objeto protótipo das repetições de angústia na vida do homem.

Freud (1926) relaciona também o sentimento de dor à angústia ao dizer que “a dor é a reação real à perda de objeto, enquanto a angústia é a reação ao perigo que essa perda acarreta, e por um deslocamento ulterior, uma reação ao perigo da perda do próprio objeto” (FREUD, 1926, p.196). Dessa forma, deixa claro que o sinal de angústia que surgirá nas prováveis separações com que o sujeito se depara no decorrer da vida será revivida como a possível perda do objeto primordial.

A partir das considerações de Freud (1926) sobre a angústia, podemos agora retomar o caso em questão neste artigo. Pode-se perceber que a angústia relatada por Susana frente ao abandono do ex-marido pode ser vista como sedimentos de vivências traumáticas muito antigas, como uma vivência análoga ao desamparo no trauma originário do sujeito.

A paciente se depara com algo do real que a remete a traços mnémicos do trauma frente ao desamparo. Isto é, ocorre, pois a instância do eu da paciente, reconhece neste ponto do real, algo que já experimentará em vivências antigas. O possível abandono do ex-marido faz o eu repetir ativamente como forma de defesa a vivência do trauma de forma branda, através da angústia sinal, esperando ele mesmo conduzir a situação de perigo.

A perda do objeto de amor é vivida pela criança como um trauma. Dessa forma, Susana frente à ruptura de seu relacionamento se sente desamparada e sozinha, como um bebê sem seu objeto de amor. Tal vivência real é sentida como uma dor, como ela mesma relata: “aperto no peito”, que possui como reação ao perigo da perda do objeto de investimento, a angústia sinal.

A angústia sentida por Susana ilustra claramente que a angústia apresentasse frente as possíveis separações que o sujeito se depara no decorrer da vida.

 

 REFERÊNCIAS 

FREUD, Sigmund.(1926).Inibição, Sintoma e Angústia. In:________. Um estudo autobiográfico. 1 ed. Rio de Janeiro: Imago, 1976, 95-201p. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 20).

ROCHA, Zeferino. A reformulação da teoria freudiana. In:_______. Os destinos da angústia na psicanálise freudiana. 1. ed. São Paulo: Escuta, 2000, 95-156p


[i] Acadêmica do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva  

[ii] Professor Supervisor do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva

E3-54 Angústia e desamparo: um caso clínico