Lidiane Corina Gonçalves da Cruz[i]
Geraldo Martins[ii]
RESUMO
As páginas que se seguem fazem parte de um artigo, baseado na experiência de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. A proposta deste trabalho é descrever e analisar os relatos de um caso clínico relacionado com temas da abordagem psicanalítica, tais como inibição, sintoma e ansiedade.
Palavras-chave: Inibição, Sintoma, Ansiedade.
1 – INTRODUÇÃO
Começaremos a construção do artigo com uma metáfora, conto muito antigo dos irmãos Grimm, que descreve a história de uma pequena árvore, que insatisfeita de não produzir folhas bonitas e vistosas, decide não produzir mais nenhuma. E assim permanece até cair em declínio. O estágio de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva proporcionou a experiência de caso clínico que muito se assemelha a história dessa árvore, tão insatisfeita consigo mesma. A cliente K. chegou ao atendimento de psicologia da Newton Paiva no ano de 2011. Resolveu procurar o atendimento por conta própria, pois se sentia paralisada, inerte, incapaz de fazer qualquer coisa para melhorar a sua qualidade de vida. No decorrer dos atendimentos, os relatos transitavam por outros temas, mas sempre retornavam a sua condição paralisia diante da vida. Além da própria impressão sobre sua dificuldade de lidar com as demandas da vida, a cliente trouxe ao atendimento, também, a impressão que seus familiares tinham sobre seus medos e fraquezas.
Um relato descrito em um dos atendimentos deixa clara a queixa do cliente, “tenho medo de tudo e não se explicar o porquê, e, por causa disto não consigo fazer planos, me sinto paralisada”. Os relatos se seguem, abordam sempre o mesmo tema, isto é, o sofrimento por não conseguir sair do lugar. As queixas de paralisia e inércia estavam em torno de tudo o que ela pretendia fazer. Quando tentava agir ou fazer algo para mudar, os resultados não lhe agradavam, como as folhas da árvore da história dos irmãos Grimm. Em outro atendimento, a cliente relata um episódio, no qual não se permitiu ao menos tentar uma oportunidade de trabalho, mesmo estando necessitando de um para arcar com suas despesas básicas. Ela relata que mesmo se tentasse, não conseguiria agradar o contratante, porque não sabia fazer nada de bom. Com as queixas recorrentes sobre esta inércia diante da vida, surge um questionamento: esses relatos descrevem um processo de inibição da libido ou de uma construção patológica? Podemos fazer um ensaio que responda a esse questionamento, a partir de uma distinção entre a inibição, a ansiedade e o sintoma.
Inibição ou sintoma: considerações sobre o caso clínico
Freud (1976), em Um estudo autobiográfico, inibições, sintomas e ansiedade, faz uma distinção entre a inibição e o sintoma. De acordo com o autor (1976, p.107), “Os dois conceitos não se encontram no mesmo plano. A inibição tem uma relação especial com a função, não tendo necessariamente uma implicação patológica […]. O sintoma por outro lado, realmente denota a presença de algum processo patológico.” A esse respeito, podemos perceber que a inibição está intimamente ligada á função a qual está relacionada. Ou seja, a inibição não está relacionada a uma patologia, mas sim à restrição normal do desenvolvimento.
A inibição está relacionada às funções do ego, e essas funções podem sofrer perturbações que têm características bem específicas ou mais gerais, como, por exemplo, na passagem seguinte quando Freud descreve a inibição no trabalho.
Na inibição no trabalho, fato com o qual tantas vezes temos que lidar como um sintoma isolado em trabalho terapêutico, o indivíduo sente uma diminuição de seu prazer nele, ou se torna menos capaz de realiza-lo bom, ou então experimenta certas reações tocantes ao mesmo, como a fadiga, a tonteira, o enjoo, se for obrigada a prosseguir com o mesmo (FREUD, 1976, p. 108).
O autor destaca, ainda, a relação que há entre a inibição e o sintoma. O sintoma pode se manifestar por meio da inibição, mas nem toda inibição se trata, necessariamente, de um sintoma. A inibição pode também ser uma reação a uma situação que estimule a ansiedade. Nesse caso, a inibição serviria como um mecanismo que precede, e, ao mesmo tempo, prevê a ansiedade (FREUD, 1976).
A inibição, de acordo com essas descrições supracitadas, não tem uma relação direta com uma condição patológica. Pode se tratar apenas de restrição libidinal a uma determinada função. Na história da arvorezinha, as folhas têm uma determinada função para ela, como, por exemplo, nutrir, dar vida e outros. Porém ela deixa de produzi-las por uma perturbação funcional, isto é, uma falta de inclinação para se nutrir por uma retirada libidinal.
Já quanto ao sintoma, uma das principais características é que esse é uma construção substitutiva do inconsciente para que conteúdos sexuais, que foram barrados pelo recalque, consigam retornar à consciência, e, assim, encontrar satisfação. Para que esses conteúdos consigam driblar o recalque e retornar à consciência, eles passam por um processo de transformação tão intenso, que a satisfação, que era esperada por via do prazer, pode se transformar em desprazer (FREUD, 1976).
A pulsão, que é expulsa para o inconsciente, sofre transformações para voltar à consciência, a fim de buscar satisfação. Essa transformação faz com que o sintoma se deforma de tal maneira, que não seja reconhecido pelo sujeito como uma construção do próprio inconsciente. Mas, ao contrário, passa a representar uma manifestação desprazerosa (QUINET, 2000).
A inibição, por vezes, pode ser uma dessas formas de satisfação da pulsão, que o sujeito não reconhece como tal. Essa inibição pode se manifestar de forma exacerbada e acarretar prejuízos ao desenvolvimento do sujeito. Essa paralisia generalizada, que não diz de um processo normal de inibição da função, tem a característica de um processo patológico. A árvore que descrevemos na história, bem como a cliente acompanhada na experiência clínica, manifesta essa inibição semelhante. A árvore deixa de produzir as folhas a ponto de chegar à inexistência. A inércia da cliente a acomete a ponto de abstê-la de se responsabilizar por sua própria existência (FREUD, 1976).
Considerações Finais
A inibição é um processo normal de restrição do desenvolvimento. Não está diretamente relacionada a um sintoma, mas mantém uma conexão com ansiedade, uma vez que é uma forma de prevenção ao aparecimento dessa. Além disso, a inibição pode também ser uma forma de manifestação sintomática, na qual o sujeito deixa de investir integralmente a libido em uma determinada função do ego. A metáfora utilizada a partir da ilustração da árvore, que não dá mais folhas, porque considera que elas não cumprem sua função, poderia então estar relacionada a uma condição de simples inibição, ou também de um sintoma, quando ela opta pelo perecimento no lugar de criar alternativas a partir daquilo que realmente a ela pertence. O cliente chega ao atendimento de psicologia revestido de um sintoma ou de uma inibição. E, muitas vezes, busca ajuda por já se encontrar em estado de perecimento como acontece no conto de fada. Trata-se apenas de um conto de fada, mas o inconsciente muito se assemelha a ele, por ter uma escrita e uma linguagem própria, que muito se aproxima da ordem da ficção.
REFERÊNCIAS
FREUD, Sigmund. Um estudo autobiográfico: e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 1976. 197 p.
FREUD, Sigmund. O caminho da formação de sintomas. Rio deJaneiro: Imago, 1976, p. 98 – 102.
QUINET, Antonio. A descoberta do inconsciente: do desejo ao sintoma. Rio de Janeiro: Zahar, 2000, p. 117 – 151.
ESTÉS, Clarissa Pinkola. Contos de fadas dos irmãos Grimm. São Paulo. Disponível em: http://pt.scribid.com/doc/7073929/Irmaos-Grimm-Varios-Contos. Acesso em: 31 de maio de 2011.
[i] Acadêmica do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva
[ii] Professor Orientador do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva