Antidepressivos tratam a dor da depressão, mas não curam o sentimento de culpa e nem tratam a angústia da solidão.” (Augusto Cury em “O Futuro da Humanidade”)

 

Leopoldo Américo de Sousa[i]
Raquel Neto Alves[ii] 

RESUMO
Este artigo é resultado de pesquisa bibliográfica e prática clínica dos estágios VI e VII. O objetivo é contribuir para o desenvolvimento da escuta e compreensão sobre a realidade de um modo de ser depressivo do cliente, suas angústias, seu tédio e suas vivências melancólicas.  

Palavras-chave: Depressão, Angústia, Melancolia, Tédio.

 

Este artigo apresenta os resultados de pesquisas e de estudo reflexivo com a finalidade de descrever e compreender as vicissitudes das angústias, melancolia e tédio dominantes na tristeza e depressão, utilizando-se da escuta fenomenológica como método no atendimento clínico. 

O termo depressão é muito utilizado na contemporaneidade e de tal forma mencionado – muitas vezes, insistentemente; que talvez venhamos até a acreditar que já saibamos de fato o seu real significado. De acordo com o dicionário Houaiss (2011), é definida como  

ato ou efeito de deprimir (-se); estado de desencorajamento, de perda de interesse, que sobrevém, por exemplo, após perdas, decepções, fracassos, estresse físico e/ou psíquico, no momento em que o indivíduo toma consciência do sofrimento ou da solidão em que se encontra; problema psíquico que se exprime por períodos duráveis e recorrentes de disforia depressiva, surgindo concomitantemente com problemas reais ou imaginários ou com experiências momentâneas de sofrimento, podendo ser acompanhado de perturbações do pensamento, da ação e de um grande número de sintomas psiquiátricos; sensação de prostração física ou abatimento moral. 

De certa maneira, no senso comum, a visão a respeito da depressão é praticamente a contida nesse indicativo. Não está incorreta, aliás, traz em seu conteúdo uma definição razoável do seu significado mais comum até mesmo para os acadêmicos de Psicologia. Entretanto, buscaremos examinar um pouco mais. Analisaremos os mecanismos e contextos nos quais a depressão venha a se instalar ou a se apresentar.

Com base nos estudos de Romero (2001), percebe-se uma trilha a ser percorrida para atingir a depressão. São as vivências dominantes na tristeza e na melancolia. Pode ser uma condição emocional transitória ou uma estrutura que vai se modificando, que chamaríamos de estado melancólico, ou ainda como uma depressão neurótica. Sentimentos vários passam ao longo desse trajeto e caracterizam o modo de existir depressivo. 

Existe toda uma trupe de palavras que nos remetem ao lado sombrio, nebuloso e cinzento da vida. Palavras como tristeza, melancolia, depressão. Há também outras de gênero similar como ausência, nostalgia, distância, perda. Não se esgotando o repertório, há ainda as vivências de abandono, fracasso, solidão, morte. 

As formas preliminares das vivências dominantes que podem nos afligir, quando nos encontramos neste estado, podem ser delineadas pelo desencontro, o desarraigo (o que foi arrancado pela raiz), o efêmero, a orfandade, o lamento da ruptura, da separação, da perda, a culpa, a autodesvalorização, a autoagressão, o sentimento de solidão e a morte. 

Romero (2001) ainda nos esclarece sobre a reação depressiva, episódica e circunstancial, e a de efeito prolongado. O autor nos inquire a refletir sobre quem de nós não passou por uma crise depressiva ou não ficou uma vez sequer deprimido em sua existência, ou triste, ou desanimado. Afirma que essa é a graduação progressiva do processo. São aparentemente similares, mas são estados de temperamentos levemente diferentes. 

Ainda segundo Romero (2001), estados de ânimos depressivos, sejam eles passageiros, circunstanciais, há possibilidade de todos virem a experimentar, inclusive uma vivência mais prolongada nesse aspecto é possível a qualquer ser humano vivenciar, dependerá da influência e magnitude da perda. 

Outro assunto é apresentar traços que caracterizam e que orientam para uma visão depressiva do mundo, levando a pessoa que mantém constantes vivências nesse sentido, na direção de perceber e sentir a realidade de uma maneira e forma predominante. Mormente a isso, poderíamos tentar nomear como neurose depressiva. 

Na relação com o mundo, o indivíduo depressivo não consegue se nutrir emocionalmente de maneira adequada, o que leva gradativamente a uma falta de sentido na relação com o meio externo. O poder criativo natural fica aprisionado e adormecido diante da dificuldade de identificação de limites, necessidades e vontades. O peso do ter substitui a leveza do querer. Romero (2001, p. 80) tem uma definição simples para alienação, significado importante para discernimos o ato de alienar-se na depressão. Para o autor, alienar-se é tornar-se alheio à sua própria realidade. O cliente depressivo aliena-se a um mundo de dores e doenças, muitas vezes inexistentes, que diz nunca saber da origem dos sintomas.  

Para o autor Ballone (2005), depressão é 

uma doença do organismo como um todo, que compromete o físico, o humor e, em conseqüência, o pensamento. A depressão altera a maneira como a pessoa vê o mundo e sente a realidade, entende as coisas, manifesta emoções, sente a disposição e o prazer com a vida. Ela afeta a forma como a pessoa se alimenta e dorme, como se sente em relação a si próprio e como pensa sobre as coisas. É, portanto, uma doença afetiva ou do humor. 

Os transtornos depressivos constituem um grupo de patologias com alta e crescente prevalência na população geral. Conforme a Organização Mundial de Saúde, haverá

nas próximas duas décadas uma mudança dramática nas necessidades de saúde da população mundial, devido ao fato de que doenças como depressão e cardiopatias estão substituindo os tradicionais problemas das doenças infecciosas e de má nutrição. Considera-se que a depressão maior na infância e na adolescência apresenta natureza duradoura e percorre, em muitas e diversas direções, afetam múltiplas funções e causam significativos danos psicossociais. (Organização Mundial da Saúde, 1993).

De acordo com Meleiro (2000),

a depressão é um dos distúrbios psiquiátricos mais comuns na prática médica. Estima-se que cerca de 9% dos homens irá apresentar alguns de seus sintomas em determinado momento ao longo de suas vidas. Todavia, estar subestimada, visto que a taxa de depressão não detectada e não tratada pode ser mais elevada, especialmente em populações específicas como a de idosos (10%), a de pessoas com doenças físicas (20% a 50%) nas quais os pacientes podem atribuir, inadequadamente, os sintomas depressivos à própria doença orgânica. 

Ainda na visão de Meleiro (2000),  

a depressão é um dos maiores problemas de saúde do mundo. De uma forma ou de outra, cerca de 17% da população tem um ou mais episódios de depressão suficientemente grave durante sua vida. Para a maioria das pessoas, esses episódios são relacionados a algum acontecimento adverso, como a morte de uma pessoa próxima, a perda de um emprego, a falta temporária de perspectivas, o sofrimento com doenças crônicas, etc.  

Desenvolver a autoconsciência não é liberar supostos impulsos reprimidos ou lembrar experiências recalcadas. É uma saída progressiva da ignorância, do olhar ingênuo ou da atitude dogmática. (ROMERO, 2001, p.114) 

Quando nos deparamos com manifestações de depressão em uma pessoa que nos consulta, precisamos esclarecer antes de tudo se ela está passando por um momento de desânimo – algo passageiro e circunstancial – ou se é o caso de uma reação depressiva compreensível, decorrente de eventos que a abalaram. Ou ainda, se trata de um quadro depressivo tipo neurótico. Por vezes, precisamos descartar a hipótese de um quadro psicótico, que é a quarta modalidade que pode adquirir a configuração depressiva. Esse tipo de distinção é muito pertinente, pois nem toda depressão tem caráter clinico. Há formas mascaradas de depressão, as quais a pessoa sabe amenizar com um bom humor ou apenas experimentando tédio, quando não simplesmente uma apatia morna e insípida. (ROMERO, 2001, p.265)  

Independente de todas as formas de manifestações depressivas, é importante ressaltar que o indivíduo está em estado de sofrimento. Quando uma pessoa procura um psicoterapeuta no intuito de encontrar um lenitivo ou mesmo saber o porquê de sua constante maneira depressiva e que norteia sua visão de mundo, temos que envidar nossos esforços no sentido de ouvir e estudar com atenção àquele que nos confia suas angústias e mazelas existenciais. 

Esse é o dilema vivenciado por E.M.R., 39 anos, do sexo feminino, que relata ter depressão “desde sempre” e que em alguns períodos se sente feliz e que posteriormente são seguidos de muita tristeza. Segundo ela, vive em função dos outros. E.M.R. casou-se aos vinte e dois anos, teve duas gravidezes mal sucedidas. Diz sentir-se apoiada pelo marido. Adotou um filho logo em seguida à morte do último filho, que viveu apenas duas semanas após o parto. Quando inquirida em relação ao tempo em que se sente assim, relata que é desde que se entende por gente. 

E.M.R. relatou já haver consultado dois psiquiatras, entretanto nenhum deles lhe deu a atenção necessária. A partir dessa narrativa, é importante trazer à memória conforme Faour (1969, p.15) afirma: “Se alguém tem o trabalho de abrir a boca, articular um pensamento e emitir um som – a fala é uma das atividades mais complexas para o cérebro humano – é por necessidade. Se alguém se dá o trabalho de falar, o mínimo que temos a fazer… é escutar”. 

E.M.R. queixa-se de sentir fortes dores no peito, diarreia e uma angustiante tristeza sem fim. Ela mantém com a depressão uma relação muito amiúde, tratando-a como um ente que faz parte quase permanente de sua vida. Inclusive, já manifestou o desejo de desaparecer. Entre uma crise e outra, chegou a solicitar, por três vezes, sessões extras, sendo atendida. A escuta da cliente, ao longo de oito meses, possibilitou uma boa relação psicoterapêutica, em que a cliente passou a demonstrar mais confiança e a se empenhar na psicoterapia.  

Recentemente E.M.R. relatou haver se lembrado de um fato relevante que se passou na infância, por volta dos seus seis a sete anos. Ela sofreu abusos sexuais. Entenda-se abuso como qualquer conduta sexual contra uma criança. Quando seus pais, que eram feirantes itinerantes, viajavam para pequenos municípios próximos ao seu, deixavam-na aos cuidados de um tio-avô, já falecido, que a acordava com carícias íntimas sob suas roupas. 

Para delinearmos mais amiúde o quadro, é importante ressaltar que a mãe de E.M.R. se fazia muito ausente por partilhar com o marido o ofício de feirante. E.M.R. nunca confidenciou isso a ninguém, pois disse que não se lembrava, fato que ocorreu somente agora durante o processo terapêutico.

Esse caso vivido no setting nos reporta à afirmação do quanto a presença da mãe é necessária, vital para o desenvolvimento físico e psíquico do imberbe:  

Há um tempo certo para nos separarmos de nossa mãe. (…) é nossa mãe, de quem podemos suportar qualquer coisa, menos o abandono. (…) Ela nos deixa antes de sermos capazes de entender que vai voltar. (…) Ela nos abandona para trabalhar, etc. (…) O que fazemos, sem dúvida é sobreviver. É claro que sobrevivemos às ausências temporárias. Mas essas ausências nos ensinam um temor que pode nos marcar para toda a vida. E quando nos seis primeiros anos de vida, somos privados constantemente da mãe que precisamos, e cuja presença desejamos, podemos ser tão prejudicados emocionalmente. (…) Na verdade, essa privação nos primeiros anos de vida tem sido comparada a uma queimadura ou a um ferimento extenso. A dor é inimaginável. A cicatrização é difícil e lenta. O prejuízo, embora não fatal, pode ser permanente. (VIORST, 1986, p.20, 21) 

Torna-se possível constatar que E.M.R., além de ver-se privada da presença da mãe em período considerável, e vítima constante dos abusos do tio-avô na infância, foi extremamente afetada. Como consequência, pode-se inferir que pessoas como E.M.R. possuem razões para sentir-se desvalorizadas, apresenta baixa autoestima, autoconfiança reduzida e também uma tendência a transitar por roteiros poucos propensos a manifestar seus sentimentos.  

Nesse círculo vicioso, segundo ROMERO (2001), o sentimento de culpa é outra temática afetiva que dilacera o espírito de quem percorre as vias descendentes da melancolia. Bem como a tristeza costuma estar presente, igualmente no ânimo depressivo, embora na depressão intensa o que se experimenta seja uma espécie de vazio, algo que o próprio agente qualifica como “uma incapacidade para sentir”.

 

CONCLUSÃO 

Diante do exposto, a experiência clínica com E.M.R. nos leva a refletir um pouco mais sobre as realidades individuais, sobre as condicionantes existenciais de cada cliente diante suas vivências. Vemo-nos diante de premissas que deverão ser analisadas detidamente nos diversos contextos; histórico, socioeconômico, transgeracional, da realidade e existencial; em que as oportunidades e probabilidades não são igualmente disponibilizadas a todos. 

Há um trabalho árduo à frente, do qual não podemos nos furtar. A escuta precede a fala, portanto tem sido uma experiência inestimável, e assim se torna ameno descobrir que nessa área estamos sempre aprendendo, crescendo, pois não nos é fácil tornarmos seres humanos.

 

REFERÊNCIAS 

BALLONE, G. J. Depressão Infantil: Estratégias de Intervenção. Médico psiquiatra, professor da Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, SP: Disponível em: www.psiqueweb.med.br. Acesso em: 2011. 

FAOUR, Carla. A arte de escutar. Rio de Janeiro: Agir, 2009, p. 157. 

HOUAISS. Dicionário eletrônico: Houaiss da Língua Portuguesa. 2.0a; 2011. 

MELEIRO, C. J. Depressão humana. Disponível em: www.medic.com.br. Acesso em: 2000. 

Organização Mundial da Saúde. Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da CID-10. Descrições Clínicas e Diretrizes Diagnósticas. Porto Alegre: Artes Médicas; 1993. 

ROMERO, Emílio. O inquilino do Imaginário: Formas de Alienação e Psicopatologia. 3° Edição Rev e Ampl. São Paulo: Lemos, 2001. 

VIORST, Judith. Perdas necessárias. 30ª Edição.  São Paulo: Melhoramentos, 2003, p. 335.


[i] Acadêmico do 10º período do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva

[ii] Professora supervisora de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva

E3-32 Depressão