Eli Chagas de Oliveira[i]
Geraldo Majela Martins[ii] 

RESUMO
Neste artigo trataremos da experiência discente nos estágios clínicos no curso de Psicologia, abordando-a num conhecimento que nasce a partir de situações de compartilhamento do desconhecimento envolvido na relação clínica entre o estagiário e seu paciente. Falaremos a respeito da situação de insegurança vivida pelo estagiário, como fator de estimulação para a continuidade de estudos e busca de assistência profissional, bem como do decorrente manejo clínico obtido tanto a partir de leituras técnicas quanto da sensibilidade profissional no exercício do atendimento. 

Palavras-chave: Psicanalista, Paciente, Repressão, Resistência, Sofrimento.

 

 

Este artigo foi realizado a partir do Estágio Supervisionado VII – Abordagem Psicanalítica II, do 10º período do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva, 1º semestre de 2011, sob orientação do professor Geraldo Majela Martins.  

O estágio clínico acadêmico, curricularmente desenvolvido pela formação universitária no curso de psicologia, além da oportunidade discente de enlace entre conteúdo teórico e demandas da vida psicológica da clientela assistida, se mostra uma fonte de informações novas, tanto para atendente quanto para atendido. Ao paciente, além do tratamento de sua queixa e a experiência no processo analítico, oferece-se o autoconhecimento. Ao discente-psicanalista, além do exercício prático a partir do conteúdo teórico e do apoio elucidador pelo mestre supervisor, apresenta-se vasto desconhecimento derivado da situação de atendimento clínico, quer pela compreensível lacuna de conhecimento embutida na própria formação em face do fator tempo, quer pela novidade do manejo da situação analítica.

Este artigo retrata uma experiência prática de um discente estagiário no curso de Psicologia. 

Após alguns anos de estudo da psicologia, motivados pela expectativa do exercício profissional, o contato inicial com uma amostra de pacientes constitui fonte de prazer e de temor pelo discente. Prazer pela concretização do sonho, por si mesma envaidecedora. Temor pela responsabilidade, neste momento superdimensionado pela insegurança decorrente, relativa às demandas psicológicas das pessoas atendidas. Este momento constitui-se rico em estudo, pesquisa e confabulação com o professor supervisor.  

Se por um lado as novas informações teóricas inerentes ao processo e o apoio docente vão construindo uma autoconfiança no aluno, paralelamente vai crescendo também uma expectativa interior de obtenção de resultados que venham confirmar sua evolução formativa. Essa vaidade discente é tecnicamente inconveniente e sempre conta com imediata orientação do professor supervisor no sentido de orientá-la para uma frieza profissional que garanta proteção emocional ao aluno e o maior auxílio possível no momento ao paciente. Freud (1912) assim aborda este assunto: 

O sentimento mais perigoso para um psicanalista é a ambição terapêutica de alcançar […] algo que produza efeito convincente sobre outras pessoas […] isto torna-lo-a impotente contra certas resistências do paciente, cujo restabelecimento, como sabemos, depende primordialmente da ação recíproca de forças nele (FREUD, 1912, p. 153). 

A frieza profissional mencionada é um instrumento técnico de manejo clínico, diante de resistências do paciente a demandarem posicionamento reativo do analista. 

Se por um lado resistências do paciente cobram manejo clínico recíproco do estagiário atendente, o próprio estado psicológico deste último pode determinar dificuldades na percepção do material disponibilizado pelo paciente, a partir da afetação por suas próprias resistências. Torna-se sensível ao estudante de psicologia a importância de sua submissão à análise como forma de depurar sua capacidade de escuta e análise. Freud (1912) assim se manifestou a respeito desta questão: 

O médico [psicanalista] não pode tolerar quaisquer resistências em si próprio que ocultem de sua consciência o que foi percebido pelo inconsciente […] seleção e deformação que seria mais prejudicial que a resultante da concentração da atenção consciente (FREUD, 1912, p. 154). 

Outra experiência que costumeiramente alcança o estagiário é uma tendência a produzir orientações educativas ao seu paciente, visando conceder-lhe melhores orientações para suas potencialidades liberadas no tratamento, às vezes pelas vias da sublimação. Tal procedimento limita sua autonomia de vida e, muitas vezes, desqualifica suas naturais potencialidades. Freud (1912) apresenta considerações éticas ao assunto ao recomendar que: 

Como médico [psicanalista] tem-se acima de tudo de ser tolerante com a fraqueza do paciente, e contentar-se em ter reconquistado certo grau de capacidade de trabalho e divertimento para uma pessoa mesmo de valor apenas moderado. A ambição educativa é de tão pouca utilidade quanto a ambição terapêutica […] esforços no sentido de usar o tratamento analítico para ocasionar a sublimação do instinto [pulsão] estão longe de ser aconselháveis em todos os casos (FREUD, 1912, p. 158).       

Não raro o paciente vê-se ansioso pela celeridade do seu processo terapêutico, motivado pela suspensão de seu sofrimento ou como subproduto neurótico, passando a expor seu desejo neste sentido para o discente-analista. Tal manifestação, além de nova, chega ao atendente como cobrança expressa de sua competência clínica. Freud (1913) acrescenta que: 

Abreviar o tratamento analítico é um desejo justificável […] opõe-se-lhe um fator muito importante, a saber, a lentidão com que se realizam as mudanças profundas na mente – em última instância, fora de dúvida, a ‘atemporalidade’ de nossos processos inconscientes (FREUD, 1913, p. 172).  

A disponibilidade de tempo para o tratamento psicoterapêutico é vantajoso, senão impositivo, para o trabalho do psicanalista e para os resultados a serem obtidos por parte do paciente, em face da própria realidade dos processos inconscientes. Tal realidade, além de garantir tranquilidade ao estagiário em suas ambições no investimento clínico a favor de seu paciente, deve ser informada em tempo próprio ao atendido em prol de seus benefícios e expectativas. 

Mesmo quando a experiência reprimida é do conhecimento consciente do paciente, o tempo continua sendo uma necessidade inerente à própria realidade mental, como nos assevera Freud (1913): 

Os pacientes conhecem agora a experiência reprimida em seu pensamento consciente, mas falta a este pensamento qualquer vinculação com o lugar em que a lembrança reprimida, de uma ou outra maneira, está contida. Nenhuma mudança é possível até que o processo consciente de pensamento tenha penetrado até esse lugar e lá superado as resistências da repressão (FREUD, 1913, p. 185). 

Freud (1913) prossegue falando do sofrimento como algo de grande valia para o processo terapêutico, necessário ao paciente como força propulsora do seu empenho em busca de seus próprios objetivos no tratamento, entre eles a supressão do próprio sofrimento (se não o maior deles): 

A força motivadora primária na terapia é o sofrimento do paciente e o desejo de ser curado que deste se origina. […] O tratamento analítico […] fornece as quantidades de energia necessárias para superar as resistências […] e dando ao paciente as informações no momento correto, mostra-lhe os caminhos ao longo dos quais deve dirigir essas energias. O tratamento só merece o nome de psicanálise se a intensidade da transferência foi utilizada para a superação das resistências (FREUD, 1913, p. 186). 

Fica caracterizado, assim, um conhecimento de ordem prática, com referências na Teoria Psicanalítica e também enriquecido nos atendimentos clínicos. Constitui matéria teórica e da sensibilidade do profissional, da intimidade do atendimento psicanalítico, ora definindo-se pela padronização técnica psicanalítica, ora como manejo casual, ditado pela intuição do psicanalista ou pela consideração dos processos mentais e da subjetividade do paciente. 

É este o espaço da Clínica, onde a criatividade é convidada de honra do inesperado, do desafiador, da persistência no sofrimento mental, apresentando-se pelas vias da presença de espírito, da sensibilidade e da teoria diferenciada pela intuição e pela implicação sutil com o mais original de cada ser humano. 


REFERÊNCIAS 

FREUD, Sigmund. (1912). Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise. In ______. O caso de Schreber, artigos sobre técnica e outros trabalhos. Tradução de José Octávio de Aguiar Abreu. Rio de Janeiro: Imago. 1974. p. 149-159. (Edição standard brasileira das obras completas de Sigmund Freud, 12). 

______, Sigmund. (1913). Sobre o início do tratamento (novas recomendações sobre a técnica da psicanálise I). In ______. O caso de Schreber, artigos sobre técnica e outros trabalhos. Tradução de José Octávio de Aguiar Abreu. Rio de Janeiro: Imago editora Ltda. 1974. p. 164-187. (Edição standard brasileira das obras completas de Sigmund Freud, 12). 


[i] Aluno do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. 

[ii] Professor Supervisor do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva

E3-26 Construindo conhecimento sobre o compartilhamento do desconhecimento clínico